sexta-feira, 3 de maio de 2019

Opinião do dia: Yascha Mounk*

Há um quarto de século, a maioria dos cidadãos das democracias liberais estava muito satisfeita com seus governos e o índice de aprovação de suas instituições era elevado; hoje, a desilusão é maior do que nunca. Há um quarto de século, a maioria dos cidadãos tinha orgulho de viver numa democracia liberal e rejeitava enfaticamente uma alternativa autoritária a seu sistema de governo; hoje, muitos estão cada vez mais hostis à democracia. E há um quarto de século, adversários políticos eram unidos em seu respeito mútuo pelas regras e normas democráticas básicas; hoje, candidatos que violam as normas mais fundamentais da democracia liberal ganharam grande poder e influência.


*Yascha Mounk, cientista político, professor da Universidade Johns Hopkins. “O povo contra a democracia – por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”, Introdução, p. 19. Companhia das Letras, 2019

Merval Pereira: A atualidade dos clássicos

- O Globo

Luiz Davidovich sustenta que as Ciências Humanas ensinam a pensar, condição para a construção de uma sociedade ilustrada, democrática e produtiva

A atualidade dos pensadores, brasileiros e estrangeiros, diante de nossa realidade política e social demonstra que os problemas que enfrentamos no momento são questões há muito debatidas. E que retrocedemos nesse debate, que pareciam estar superados pelos avanços de nossa sociedade.

O presidente da Academia Brasileira de Ciências, professor Luis Davidovicht, enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Educação Abraham Weintraub, protestando contra a decisão anunciada de reduzir as verbas públicas para o ensino de Humanas, tendo sido citadas especialmente a Sociologia e a Filosofia.

Davidovich começa lembrando, em contraposição à afirmação do ministro de que o Estado só deve financiar profissões que gerem retorno de fato, como veterinária, engenharia, medicina, que é preciso “formar profissionais preparados para os desafios de um mundo em que as profissões tradicionais têm dado lugar a outras inexistentes no século passado”.

Esse rápido desenvolvimento exigiria “conhecimento amplo não só de seus campos estritamente profissionais, mas também do país e da sociedade onde atuarão”. Davidovicht lembrou então que Benjamim Constant, um dos fundadores da República brasileira, já no século XIX tinha a percepção da importância das humanidades e das ciências sociais na formação profissional: incluiu a sociologia no curso da Escola Militar.

Muito além de um retorno imediato, elas ensinam a pensar, condição necessária para a construção de uma sociedade ilustrada, democrática e produtiva, ressalta o presidente da Academia Brasileira de Ciências na carta ao presidente.

Recentemente, em palestra na Academia Brasileira de Letras, da qual é membro, sobre a presença fundamental de Ruy Barbosa na vida brasileira, o ex-ministro Celso Lafer lembrou que ele exprimiu na trajetória da sua vida e obra a trama dos problemas políticos da sociedade brasileira, “não só do seu tempo, mas as dos nossos dias, com destaque para os desafios da consolidação e vigência das instituições democráticas”.

César Felício: Bolsonaro, trotskista e gramsciano

- Valor Econômico

Presidente representa o legado de Sylvio Frota

O presidente Jair Bolsonaro, de credenciais inequívocas na direita, de certa forma é trotskista e gramsciano. Acredita na revolução internacional permanente e aposta no estabelecimento de uma hegemonia cultural.

Bolsonaro precisa da derrota mundial da esquerda não para emergir como o líder de uma tendência, algo que jamais será, mas para subsistir. Em suas colocações e entrevistas, é frequente o raciocínio de que a era Lula não teve origem em circunstâncias muito particulares da conjuntura brasileira, mas em uma conjura de agitação e propaganda transnacional em grande parte tocada pelo Foro de São Paulo. O fim do ciclo petista no Brasil, em sua concepção, só se consolida com a repetição do fenômeno além fronteira.

Daí a importância da Venezuela em sua equação. A queda da ditadura venezuelana, se e quando se materializar, permitiria a Bolsonaro investir na radicalização no Brasil, jogando a pecha do autoritarismo na testa de seus adversários, estratégia para a qual o PT contribui de maneira estúpida, ao se solidarizar com o sangrento regime de Maduro.

Daí porque Bolsonaro se sente ameaçado por um eventual retorno de Cristina Kirchner ao poder na Argentina. E esta é a razão para a qual fez um apelo a políticos de direita no Uruguai para que derrotem a Frente Ampla naquele país. O presidente brasileiro porta-se como um cabo eleitoral de Trump, porque prefere nem pensar na hipótese de ter que lidar com alguém como Joe Biden à frente da Casa Branca. Não tanto pelas mudanças de orientação na política externa que um governo democrata faria, mas pelo impacto de uma derrota de Trump no imaginário da revolução mundial 'neocon'.

Trump não é mais uma pessoa, é uma ideia. Na visão do chanceler de Bolsonaro, o líder de uma reação da cristandade ocidental contra o globalismo. Bolsonaro precisa de Trump no poder e Maduro acuado para sustentar a sua narrativa. Assim como Trotski não acreditava na sobrevivência do socialismo em um só país, o bolsonarismo também anseia pela revolução mundial.

Fernando Abrucio*: Força de Mourão vem dos erros de Bolsonaro

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

A oposição que me perdoe, mas, no curto prazo, o maior inimigo do governo federal é o próprio governo. A ausência de um projeto oposicionista de reforma do Estado e a crise atual do petismo constituem parte da explicação desse fenômeno. Só que existe outro lado mais importante neste processo: o eleitorado e os apoiadores de Jair Bolsonaro são muito mais amplos e heterogêneos do que o discurso mais sectário adotado regularmente pelo presidente. É disso que decorre o surgimento do vice-presidente, Antônio Hamilton Mourão, como sombra, contraponto e, numa hipótese mais extrema, alternativa real de poder.

Evidentemente que essas circunstâncias não são novidade no país. O presidencialismo brasileiro, pelo menos desde a Constituição de 1945, é marcado pelo possível conflito entre o titular e seu vice. Naquela época, a possibilidade de eleger uma dupla com políticos vindos de chapas diferentes, como foi o caso de Jânio Quadros e João Goulart, potencializava a crise. Mas mesmo durante o período autoritário houve embates fortes, como no caso de João Figueiredo e Aureliano Chaves. A falta de um papel institucional mais claro para a vice-presidência explica parte desse problema, contudo, no mais das vezes, são os erros do presidente que dão asas ao seu par.

O tipo de presidencialismo derivado da Constituição de 1988 tornou mais importante e complexa a montagem da coalizão de governo, por meio da combinação de multipartidarismo, federalismo e divisão de Poderes. O sistema não é ingovernável, como mostraram Fernando Henrique e Lula, no entanto, nenhum presidente ou partido consegue governar sozinho o país, de modo que é necessário angariar apoios políticos e sociais amplos e heterogêneos. Quando Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff perderam a capacidade de atrair os atores para além de seu grupo político mais restrito, abriram as portas não só para o próprio impeachment, mas também para a ascensão de seus vices.

José de Souza Martins*: A sociedade da urgência

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Já faz alguns anos que o mundo está acossado por urgências. As pressas são dramáticas nos países do Terceiro Mundo, e muito intensas no Brasil. Algumas são cabíveis, outras não. Elas vão dando origem a um Quarto Mundo, o dos que não têm pressa porque lhes são negadas as condições de tê-la. Os seres humanos descartados, os de direitos sociais mutilados, os da nova fome, a de direitos, a de acesso às promessas da modernidade, a das coisas que humanizam um ser humano.

Essa é uma pressa reordenadora das relações sociais, medida exclusivamente pela precedência do ganho fácil, do lucro apressado, do trabalho barato. Produtora de uma humanidade sem tempo, cuja vida já não é regulada pelos valores da civilização e do espírito, como foi nos tempos de nossos avós e até no tempo de nossos pais.

Há uma nova pobreza no mundo, a pobreza de tempo para a vida e, simultaneamente, a abundância de tempo dos desempregados, tempo inútil porque não serve para nada. É o daqueles cujas habilidades profissionais saíram de linha.

São os seres humanos cuja miséria os torna clientes e consumidores dos restos dos que vivem na abundância descabida de comida, de objetos, de privilégios. O que cai da mesa dos fartos.

Na tolice enganadora das médias, vai tudo bem. Entre uma criança faminta e uma criança obesa, a média é a de que as duas estão bem, quando ambas estão muito mal. Aquilo que uns comem demais outros comem de menos. Há mais comida no lixo de cidades como São Paulo do que na mesa de milhões de pobres. E esse não é o erro principal. O erro principal é o de falta de culpa e de consciência de responsabilidade social por parte daqueles que são vitimados pelo excesso de tudo.

Armando Castelar Pinheiro*: O risco de um novo normal

- Valor Econômico

Assim como nos EUA e na Europa, na América Latina o apoio à democracia também é menor entre os mais jovens

Após a queda do Muro de Berlim, a democracia liberal parecia destinada a se espalhar pelo mundo. Em especial, se acreditava que essa prevaleceria nos antigos países comunistas, não apenas na Europa, mas também na África e outras regiões. E foi, até certo ponto, o que aconteceu. O que reforçou a ideia de que também na China o progresso econômico levaria em algum momento a mudança semelhante de regime político.

Em anos recentes, porém, esse processo parece ter sido revertido, a ponto de vários analistas entenderem que a democracia liberal está em crise. Já fiz menção aqui ao bom livro de Manuel Castells sobre esse tema ("Ruptura"). Esta semana foi a vez de Martin Wolf tratar do assunto em sua coluna no Financial Times, elencando um decálogo de atitudes que entende necessárias para que lideranças políticas de centro possam se contrapor a políticos autoritários ou demagogos (ver bit.ly/2H4kC5Z).

Me impressionou um dos gráficos no artigo de Wolf, que revela que o apoio à democracia cai com a idade. Nos EUA, a proporção dos nascidos nos anos 1980 que consideram essencial viver em um país governado democraticamente é menos da metade (cerca de 30%) do que entre os nascidos na década de 1930 ($> 70%). Na Europa há mais estabilidade, mas ainda assim essa proporção é cerca de um quinto mais baixa entre os nascidos nos anos 1980 do que entre os que nasceram nos anos 1950.

Fernando Gabeira: As simples armadilhas

- O Estado de S.Paulo

A grande tarefa dos intelectuais é convencer quem desconfia de sua atividade sobre seu valor

O Brasil é dirigido por um bando de loucos, afirmou Lula. Ainda bem que não são cachaceiros, respondeu Bolsonaro. Os dois homens com mais apelo popular no Brasil falam uma linguagem rude e franca. Sabem que se comunicam com a maioria e desprezam as nuances sofisticadas para combaterem um ao outro.

Essa polaridade é um sinal dos tempos. Na verdade, Bolsonaro é um recém-chegado. Ele explodiu a outra polaridade, entre PSDB e PT, assim como em muitos lugares da Europa também foi para o espaço a alternância centro-direita e centro-esquerda.

Bolsonaro procura expressar o que acha ser a aspiração do homem comum. É disso que se trata: apresentar soluções simples e deixar que a complexidade fique para intelectuais e especialistas – os suspeitos de estarem enrolando e mantendo o status quo com suas avaliações mais profundas.

Creio que é dentro desse contexto que é preciso analisar a disposição de Bolsonaro de reduzir o apoio aos cursos de sociologia e filosofia. Ele quer se dedicar aos que dão retorno, como os de agricultura, medicina, administração.

Bolsonaro já foi contestado de muitas formas. Ficou claro que há uma previsão constitucional amparando esses cursos. A contestação que deve ter pegado mais fundo é a de natureza econômica: o avanço da robótica, da inteligência artificial, reacendeu a importância das ciências humanas. Asfixiá-las seria um lamentável atraso.

O próprio Japão, usado como argumento, já percebeu que os desdobramentos científicos tornaram um erro a ideia de subestimar as ciências humanas.

Não sei como essas coisas vão ser elaboradas na cabeça de Bolsonaro. Sinto que ele exprime uma espécie de senso comum talvez originado na suposição de que apenas o que se produz materialmente tem valor – outro equívoco bastante difundido entre as pessoas que buscam líderes simples e diretos para resolver os problemas do País.

Outra fonte de mal-entendidos é supor que sociologia e filosofia sejam matérias de esquerda, isto é, conduzam os que se dedicam a elas inevitavelmente a uma posição contestadora.

Se a direita que apoia Bolsonaro pensa assim e quer suprimir cursos, ela está, na verdade, capitulando intelectualmente, abandonando um campo por achar que a partida ali jamais será ganha ou, no mínimo, empatada.

No livro O Povo Contra a Democracia, Yasha Mounk, acho eu, acerta ao afirmar que esses líderes expressam posições populares e não adianta vê-los com olhar superior ou classificar seus seguidores como idiotas. Essa é uma tese que defendo, em termos semelhantes, desde o período eleitoral. O segredo, para ficarmos numa expressão popular, é mostrar às pessoas como o buraco é mais embaixo, nem todas as ideias simples são exequíveis.

Monica de Bolle*: Avenida Brasil

- Revista Época

A religiosidade tacanha e o anti-intelectualismo são aspectos centrais dessa ideologia do retrocesso

Não assisto a novelas desde Roque Santeiro , e, por isso, não assisti a Avenida Brasil , sucesso de público e de exportação em 2012. Contudo, lembro bem o furor causado pela trama e, sobretudo, pelos personagens. Avenida Brasilquebrou padrões ao retratar a vida da chamada nova classe média brasileira, as dezenas de milhões de pessoas que viram seu padrão de vida melhorar durante os anos 2000 com a queda da informalidade do mercado de trabalho e as oportunidades que se abriram naquele período por motivos diversos. A novela acabou em 2012, alguns meses antes dos protestos em massa que eclodiriam em todo o país. Os protestos de 2013 e a falta de respostas dos políticos a uma clara frustração da sociedade brasileira marcariam o início da implosão do centro político. Abrir-se-ia nova fase na radicalização que dali viria a definir os rumos do Brasil, chegando no bolsonarismo.

Nestes quatro meses de governo, já é possível dar contornos ao bolsonarismo. Trata-se, antes de mais nada, de uma “ideologia do retrocesso”, caracterizada por muita ignorância sobre o Brasil, um desprezo pelas redes de proteção social criadas nos últimos 30 anos e a visão tosca de que a diversidade — de gêneros, de ideias, de opiniões, de raça — não é algo a ser cultivado, mas algo a ser condenado como fruto do “marxismo cultural”, do “globalismo”, da “esquerda”.

Damares Azul-Rosa Alves, Abraham Weintraub e Ernesto Araújo são a porta-bandeira e os mestres-salas do bolsonarismo. Não rodopiam com leveza, apenas se expressam com notável rudeza e falta de sofisticação.

O bolsonarismo, cujos contornos dificilmente haverão de se alterar nos próximos meses e anos, poderá abrir imensa oportunidade, verdadeira Avenida Brasil, para as vozes progressistas, se essas souberem utilizá-lo. Para isso não bastará apenas manifestar contrariedade e fazer denúncias quanto aos atos e às falas do presidente e de seus ministros. Para além disso, será necessário apresentar propostas alternativas ao desmantelamento que já se vê em diversas áreas, do meio ambiente à educação, da política externa ao esgarçamento das redes de proteção social. A visão minimalista de Paulo Guedes não é compatível com a de um Estado que tenha políticas claras para o combate às desigualdades. E esse tema não interessa a Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo: Olavo se encontra com Daenerys

- Folha de S. Paulo

Poderosos da hora extraem lições de política de seriados e de extremistas na internet

Com menos de um mês na ribalta, ninguém desempenha tão bem o papel de "clown" dessa comédia sinistra que é o governo Bolsonaro como esse tal Abraham Weintraub, o ministro da Educação que resolveu combater "a balbúrdia" de esquerda nas universidades federais aplicando-lhes cortes punitivos de verba, entre outros improvisos. Sua retórica reacionária e beligerante mal esconde a falta de projeto, de perspectiva, de preparo técnico. Observem que o bolsonarismo nunca comparece ao debate com dados e estudos a justificar essa ou aquela medida. Tudo se resolve na base do improviso, ao qual se aplica o "viés ideológico". Personagens que só deixariam o legado do seu ressentimento incompetente vivem seus dias de fama.

Se há um aspecto positivo neste governo, ele está em marcar, na prática, a diferença entre liberais e arruaceiros populistas de extrema direita. Observem que escrevi ali a expressão "na prática". É importante porque eu a emprego como a outra face da experiência, que é a teoria. Como resta evidente a cada dia, inexiste aporte teórico "nisso daí". As coisas vão sendo feitas à matroca. Exceção à reforma da Previdência, que se aproveitou de um estoque razoável de estudos para chegar à proposta que está no Congresso —a despeito de erros políticos brutais, incluindo os de Paulo Guedes—, nada mais existe.

O que se tem é uma noção tão imprecisa como agressiva de que o país estava sendo sufocado por "eles", os esquerdistas, os comunistas, os "red walkers". Não por acaso, um certo Filipe Martins, assessor especial de Bolsonaro, recorreu ao Twitter dia desses para evidenciar seus referenciais teóricos. Escreveu o mestre: "Como (quase) todo mundo, estou na expectativa pela volta de 'Game of Thrones', série formidável que aborda, dentre muitos outros, um dos meus temas favoritos: o perigo de apostar todas as fichas no pseudorrealismo maquiavélico e na falsa esperteza pragmática".

Vinicius Torres Freire: Um governo sem dinheiro e sem razão

- Folha de S. Paulo

Extremistas agravam conflito em país tenso pela crise e pela penúria do Estado

A primeira grande ofensiva do governo contra as universidades foi contida por alguma reação social, embora tímida. Reitores, professores, alguns parlamentares e a OAB não tiveram muita companhia na resistência à arbitrariedade.
A intimidação por meio de ameaça de asfixia financeira foi sustada até segunda ordem. Mas outras ordens virão e, menos discutido, a falta de dinheiro nua e crua de qualquer ideologia vai continuar por ainda muito tempo e afetar muito mais do que o ensino superior.

A gente razoável restante na administração federal contribuiu também para sustar a ameaça obscurantista, antes de mais nada discriminação inconstitucional, assim como tem agido para atenuar outros atropelamentos das leis e da mínima razão.

Por exemplo, houve panos quentes nos casos da Petrobras, do Banco do Brasil ou do desatino belicista em relação à Venezuela, para ficar em escândalos maiores.

Mas “a luta continua” para o bolsonarismo de inspiração revolucionária, motivo de convulsão e conflito permanentes, o que irrita até o Clube Militar.

Em nota publicada no site dessa associação de militares fora da ativa, o coronel Sérgio Paulo Muniz Costa reagiu com profunda revolta aos ataques da ala antiestablishment do governo às Forças Armadas, ao “assalto de aventureiros ignorantes mancomunados em uma nova internacional extremista”.

Ruy Castro*: Aposta errada

- Folha de S. Paulo

Talvez fosse melhor o cabo Daciolo, mesmo com Jesus Cristo como vice

As forças que, há um ano, se juntaram para apoiar a candidatura de JairBolsonaro à Presidência devem estar se perguntando hoje se não teria sido melhor ficar com a primeira opção, o cabo Daciolo. Na época, ainda longe da largada, Bolsonaro e Daciolo, cada qual em seu box, pareciam focinho com focinho nas preferências. Ambos preenchiam os requisitos: eram carismáticos, primários e quase medievais.

A ideia era a de que qualquer um deles, se eleito, faria uma simpática figuração no Planalto enquanto o país seria gerido pelos profissionais —os quais, depois de milhares de reuniões-hora em suas instituições, já tinham tudo esquematizado: abertura, reformas, volta da economia. Ao presidente, caberia uma agenda que o manteria ocupado e à distância da única arma perigosa ao seu alcance: a caneta.

Mas, já na campanha, Daciolo começou a assustar os apoiadores. Em vez de prometer salvar o Brasil, fazia de cada 15 segundos na TV uma versão pocket do Sermão da Montanha. Sua voz, amplificada por anos de salmos em quartéis de bombeiros, era “assertiva” demais. E, pela frequência com que dava Glória ao Senhor Jesus, era como se tivesse o WhatsApp do homem e somente a Ele daria satisfações no mandato.

Bruno Boghossian: Moda retrô

- Folha de S. Paulo

Mudança de nome e outros modismos são maquiagens pouco convincentes para as siglas

Os marqueteiros convenceram os partidos políticos de que é possível salvar sua reputação carcomida. Basta mudar o nome, criar uma marca moderna ou adotar fórmulas do mundo empresarial. Em pouco tempo, eles vão descobrir que não há maquiagem que consiga esconder a desfaçatez de seus vícios.

O PRB (Partido Republicano Brasileiro) decidiu que responderá apenas por Republicanos. A ideia é se distanciar da sopa de letrinhas das demais legendas e abandonar a pecha de fisiologismo que marcou a sigla, conhecida por participar de governos de diferentes matizes ideológicos.

A reciclagem seria mais convincente se o partido fizesse uma limpeza dentro de casa. A Folha noticiou nesta quinta (2) que funcionários lotados em gabinetes de parlamentares da sigla usam o horário de trabalho para outras atividades.

Servidores remunerados da Assembleia Legislativa paulista dão expediente na fundação mantida pela legenda e a assessora de um deputado atua numa entidade da Igreja Universal, umbilicalmente ligada ao PRB.

Luiz Carlos Azedo: Minha casa, minha dívida

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A hipoteca reversa é uma espécie de pulo do gato, nos dois sentidos, para aumentar o consumo da população, endividando ainda mais aposentados e pensionistas”

O governo acendeu a luz amarela em relação à atividade econômica, que está estagnada. Com a taxa de desemprego de 12,4%, em média, no trimestre encerrado em fevereiro, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de desempregados no Brasil subiu para 13,1 milhões de pessoas, uma alta de 7,3% em relação ao trimestre anterior. A última vez que esse número ficou na casa dos 13 milhões foi no trimestre encerrado em maio de 2018.

A taxa de desemprego tem três impactos na avaliação do governo Bolsonaro, embora seja uma herança da recessão do governo Dilma Roussef. Primeiro, frustra as expectativas dessa grande massa de desempregados e seus familiares em relação ao novo governo; segundo, gera ainda mais instabilidade na base do governo no Congresso, que começa a ser pressionada por seus eleitores; terceiro, aumenta a desconfiança dos investidores em relação aos próprios negócios, porque a redução da massa salarial e o fantasma do desemprego inibem os consumidores.

A população ocupada no país somou 91,9 milhões de pessoas, queda de 0,9% (menos 873 mil pessoas) em relação ao trimestre de outubro a dezembro. Essa queda tem características sazonais, por causa da dispensa dos trabalhadores temporários contratados no fim do ano, mas há de se convir que uma população de 65,3 milhões de pessoas fora força de trabalho é como um lastro móvel num navio, se desloca ao sabor das ondas, o que pode resultar até em manifestações espontâneas de insatisfação.

Uma saída para o governo seria acelerar programa de concessões e privatizações, para aumentar os investimentos, mas acontece que o interesse nesses negócios depende também de um ambiente macroeconômico mais saudável, ou seja, do enfrentamento da crise fiscal, principalmente por meio da aprovação da reforma da Previdência. É aí que começam a surgir os atalhos. No momento, a proposta mais criativa é a chamada “hipoteca reversa”, em estudos no Ministério da Economia.

O governo pretende capturar para essa modalidade de crédito os aposentados e pensionistas, que assim trocariam seu patrimônio por uma espécie de renda vitalícia, complementar ao que recebem da Previdência. As instituições financeiras seriam responsáveis pelo cálculo atuarial, com base na expectativa de vida de cada pessoa. A ideia do governo é deixar os bancos livres para estabelecer as regras do jogo, excluindo os mais jovens da modalidade. O contratante poderia optar por quitar o empréstimo antes de morrer, como forma de liberar seu imóvel, que foi dado como garantia; se quiser mudar de moradia, também precisará quitar a dívida.

Trocando em miúdos, é uma espécie de pulo do gato, nos dois sentidos, para aumentar o consumo da população, endividando ainda mais aposentados e pensionistas, que já estão pendurados nos empréstimos consignados. E também uma maneira de tirar mais dinheiro dos proprietários de imóveis tungados pela Caixa Econômica Federal (CEF) no programa Minha Casa, Minha Vida, carro-chefe da campanha de Dilma Rousseff nas eleições de 2010.

Míriam Leitão: Agenda perdida da Educação

- O Globo

Governo está sem rumo na educação, perdendo tempo com polêmicas, mas há agenda de temas reais sobre os quais deveria estar debruçado

Não falta assunto urgente na agenda da educação brasileira, o que falta é foco do governo nos itens que são realmente importantes. O Fundeb tem prazo até o ano que vem para ser renovado e o MEC nem toca no assunto. Na área econômica, como se sabe, há a ideia de acabar com toda a vinculação orçamentária, o que seria tentado através de uma futura emenda constitucional. O problema é que um assunto como esse não pode ficar sem decisão, enquanto a PEC não vem, porque sem o fundo o impacto na educação dos municípios menores e mais pobres seria demolidor.

O governo começou há quatro meses, o país está no segundo ministro da Educação, e permanece o padrão das polêmicas artificiais. A última foi o corte de verba para universidades onde ocorrem “balbúrdia”, que depois virou o corte generalizado. Reuni dois especialistas na Globonews para perguntar a eles que temas o Brasil deveria estar discutindo. O professor Mozart Neves Ramos foi secretário de Educação de Pernambuco e iniciou um processo, mantido por outros governos, de aumento das escolas em tempo integral. Hoje, Pernambuco é o estado que tem o maior volume de horas-aula no ensino médio. Ele é diretor do Instituto Ayrton Senna. Regina de Assis tem mestrado em Harvard e doutorado na Universidade de Columbia, em educação. Foi secretária municipal do Rio na administração de Cesar Maia.

Regina lembra o sempre presente tema da “valorização do professor”. Sob os cuidados do professor estão 50 milhões de brasileiros, crianças e jovens. E a qualificação em tempos de mudança rápida, “tempos fluidos”, tem que ser dinâmica. Mozart concorda:

— Sem bons professores, bem formados, nós não vamos sair desse estado praticamente de estabilidade, num patamar muito baixo. De cada 100 jovens que concluem o ensino médio, só sete aprenderam o que seria esperado em matemática, e 28, em língua portuguesa.

Dora Kramer: Ignaros nunca alcançam

- Revista Veja

Bolsonaro faz as coisas e vê como elas ficam. Em geral, não ficam

Do jeito que vai, o presidente Jair Bolsonaro acaba demonstrando e provando que o Brasil é muito mais plural e menos conservador do que fazia supor a eleição de outubro último. Em dezesseis semanas de governo, raras foram as que não registraram algum recuo em declarações feitas ou decisões anunciadas pelo chefe da nação. Não pela boa razão de que ele seja um fiel convertido ao altar da autocrítica, mas porque em 100% das ocasiões atuou movido pela ignorância. Em todas elas desconheceu e/ou menosprezou a realidade.

Não é o primeiro e talvez não seja o último ignorante a ocupar a Presidência. O atual mandatário tampouco pode ser visto como pioneiro no exercício insolente da incultura. O que o diferencia de antecessores e de possíveis sucessores é a tendência a fazer as coisas para só depois ver como é que ficam. Em geral, não ficam.

Não param em pé pelo comezinho fato de que o presidente não sabe como as coisas funcionam e precisa que seja informado para seguir no cargo para o qual foi eleito. Não sabia que os árabes, donos de negócios bilionários com o Brasil, não podiam ser ofendidos impunemente nem que dos chineses dependesse boa parte do equilíbrio de nossa balança comercial.

Pela cabeça do presidente não passava a evidência de que universidades fossem autônomas para decidir sobre a continuidade dos respectivos cursos, tampouco havia no chip dele a existência de uma lei que afasta as empresas estatais da alçada do Planalto.

Jair Bolsonaro, na condição de deputado do baixo clero, não sabia de muita coisa. Normal. Só que Jair Bolsonaro, como presidente da República, precisa saber de tudo. Entre outros motivos para não acabar como seu antípoda que alegadamente não sabia de nada.

Bolsonaro tanto erra, provoca e com isso abre espaço para as questões das quais discorda que vai acabar mostrando e provando pela via do contraponto que o Brasil é um país mais plural, mais adepto à diversidade, mais moderno do que aquele que acredita governar. Por ignorância, arrisca surpreender-se.

Cristovam Buarque*: Conspiração Interna

- Blog do Noblat / Veja

Negar educação de qualidade para uma criança por causa de sua renda ou endereço impede o progresso econômico e social

Em um excelente ensaio, que deveria ser lido por todos, publicado na Veja, o Professor Claudio de Moura Castro descreve de uma forma raramente vista, a importância da educação para o desenvolvimento de cada país. Como se fizessemos uma conspiração contra o Brasil, a mente brasileira impede o salto na educação brasileira.

Mesmo aqueles que se dedicam e defendem a educação, lutam para sair da tragédia, não para o Brasil dar o Salto na educação: ficarmos entre os melhores do mundo e oferecermos a mesma qualidade independente da renda e do endereço da criança, desCEPlizar e DesCFPlizar a educação.

Na última terça feira, na Assembléia do movimento Todos pela Educação foi dito que uma das nossas tarefa é convencer a população brasileira, a Mente do Brasil”, de que:

Nesta Era do Conhecimento, educação não é apenas um direito de cada pessoa, mais ainda, educação é o motor do Progresso.

Rogério Furquim Werneck: Jair e Carlos

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Não há esperança de que os filhos de Bolsonaro parem de se imiscuir no governo

Sobressaltado com a forma inusitada com que os filhos do presidente têm interferido no governo, o país acalenta a esperança de que, mais dia, menos dia, Jair Bolsonaro consiga pôr fim a tais interferências. Mas, quando se tem em mente a real natureza da complexa relação do presidente com os filhos, sobram razões para temer que tal esperança seja infundada.

Em artigo aqui publicado em 2/11 do ano passado, logo após o segundo turno, chamei atenção para quão insólito fora o desfecho da disputa presidencial. “Levará algum tempo até que o país possa ter um entendimento mais claro e completo da eleição de Jair Bolsonaro. Entre muitos aspectos notáveis, chama a atenção que, numa democracia tão grande e complexa, meia dúzia de pessoas —sem financiamento, com poucos segundos de acesso à propaganda eleitoral na televisão, sem apoio da mídia e em confronto aberto com o establishment político do país — tenham logrado levar à frente, com tamanho sucesso, um projeto de conquista da presidência da República.”

Na verdade, nem o próprio Bolsonaro, ao se lançar informalmente candidato, anos antes, esperava que o projeto fosse coroado de tanto sucesso. Mas, hoje, ao largo de toda a complexidade dos fatores que contribuíram para sua vitória, o presidente está convicto de que seu sucesso teve uma explicação muito simples: o uso extremamente eficaz das redes sociais, concebido e posto em prática por seu filho Carlos.

Não vem ao caso se concordamos ou não com essa explicação tão simples para um fenômeno tão complexo. Para efeito do argumento que aqui se desenvolve, o que importa é que o presidente parece não ter sombra de dúvida quanto a isso. Ainda na semana passada, em entrevista coletiva no Planalto, voltou a ressaltar sua convicção aos jornalistas presentes: “... não foram vocês que me colocaram aqui, foi ele” (O GLOBO, 26/4).

Eliane Cantanhêde: Cúmplices de Maduro

- O Estado de S.Paulo

Ambição do Brasil é se descolar do fracasso da operação amadora de Guaidó

Além do próprio Juan Guaidó, os grandes derrotados com a operação estabanada da oposição na Venezuela foram os serviços de inteligência dos EUA. Guaidó agiu e o governo Trump avalizou tudo com base na informação errada de que haveria uma deserção em massa da cúpula das Forças Armadas. Como tristemente se viu, não foi o que ocorreu. Pelo contrário.

Guaidó se aquartelou na Base Aérea, o presidente oficial Nicolás Maduro trocou o Palácio de Miraflores pelo Forte Tiuna, sede do Ministério da Defesa. Assim, a guerra virou uma disputa pelos militares. Guaidó perdeu, Maduro ganhou. Pelo menos por ora, porque a situação política, econômica e social é insustentável.

Nenhum dos milhares de generais declarou apoio à oposição, enquanto Maduro exibiu fotos marchando com militares e manifestações de comandantes e das ruas. Manteve apoio militar e mostrou força popular. A Casa Branca está tonta, o Planalto está pessimista e tudo é incerto.

O chanceler Ernesto Araújo estava em Washington na véspera do blefe de Guaidó, conversando com o secretário de Estado, Mike Pompeo, e com o conselheiro de Segurança, John Bolton. Vêm a ser, exatamente, os dois representantes do governo dos EUA mais diretamente envolvidos com a Venezuela e a derrubada de Maduro.

Os generais brasileiros, porém, não dependem só de informações da Secretaria de Estado e do Pentágono (que, aliás, não se entendem), pois têm contato direto, apesar de informal, com militares venezuelanos. Na terça-feira, enquanto todos se perguntavam onde Maduro havia se metido, o vice-presidente Hamilton Mourão já sabia que ele estava em Tiuna. O problema, para eles, é que os militares venezuelanos são “cúmplices” e não vão ceder só com promessa de anistia. Sabem que, se Maduro cair, lá se vai a promessa.

Bernardo Mello Franco:Apoiar Guaidó foi erro, dizem ex-ministros

- O Globo

Para Celso Amorim e Aloysio Nunes, apoiar uma intervenção na Venezuela seria “insensatez” e “delírio”. “Temos que confiar no bom senso dos militares”, diz o chanceler de Lula

Os ex-chanceleres Celso Amorim (governo Lula) e Aloysio Nunes (governo Temer) concordam pouco, ou quase nada, sobre política externa. Mas os dois são frontalmente contrários à hipótese de o Brasil participar de uma intervenção militar na Venezuela.

Para Amorim, uma guerra no país vizinho seria um “desastre absoluto”. “Uma ação militar liderada pelos Estados Unidos pode gerar uma convulsão na América Latina. Seria uma insensatez”, afirma.

O ex-ministro critica o alinhamento automático do governo Bolsonaro a Washington. Ele diz que o Brasil perdeu a chance de atuar como mediador ao reconhecer o autoproclamado presidente Juan Guaidó. “Somos o país que teria mais condições de apaziguar acrise e promover o diálogo. Isso ficou inviabilizado”, avalia.

Apesar da proximidade entre os governos petistas e o chavismo, Amorim faz críticas a Nicol ás Maduro .“Houve uma imprevidência absoluta na economia, e obviamente falta diálogo coma oposição. Masas atitudes agressivas dos EUA, que agora são apoiadas pelo Brasil, só incentivam o fechamento do regime”, afirma.

Populismo é a nova ameaça, diz cientista

Por Danilo Thomaz | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

RIO - Para o cientista político Yascha Mounk, professor da Universidade Johns Hopkins, a democracia liberal perde força no mundo e corre perigo. Autor do livro "O Povo Contra a Democracia", ele disse ao Valor que líderes populistas promovem o confronto com instituições nacionais, como o Judiciário, e internacionais, como a ONU, como estratégia para atiçar as massas. "Devemos ser honestos, a revolta contra as instituições, em parte, corresponde a um real ressentimento popular."

Embora a motivação possa ser legítima, isso não significa que os populistas "vão devolver o poder às pessoas", diz. Mounk vê riscos para o Brasil. "É presumível que Jair Bolsonaro tentará expandir seu poder, mas vai falhar nisso porque não tem o controle completo do Congresso.

A ameaça autoritária

Para o cientista político alemão, "é necessário limpar o sistema político e dar às pessoas a ideia de que um futuro melhor é possível"

A década que sucedeu à crise econômica de 2008 foi marcada por movimentos, à direita e à esquerda, que opuseram forças populares, instituições e sistemas políticos estabelecidos. Foram os anos do Tea Party, movimento conservador de 2009 que pretendia resgatar o ideal da velha república americana, e do Occupy Wall Street, que se opunha ao establishment do mercado financeiro. Foram também os anos dos indignados da Espanha, dos separatistas catalães, do Brexit, da Primavera Árabe e da luta por liberdade em Hong Kong. E de uma série de movimentos de diferentes tonalidades políticas no Brasil: desde o Movimento Passe Livre (à esquerda), que iniciou as Jornadas de Junho de 2013, até militantes bolsonaristas, em confronto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

O conflito entre a massa de cidadãos insatisfeitos e o sistema que compõe a democracia liberal é o cerne do livro de Yascha Mounk, "O Povo Contra a Democracia" (Companhia das Letras, trad.: Débora Landsberg e Cássio de Arantes Leite, 443 páginas, R$ 79,90), que acaba de ser lançado no Brasil.

Dividido em três partes, o livro analisa a crise da democracia liberal, suas origens e propõe soluções em diferentes âmbitos da vida nacional para combater o fenômeno do populismo e da democracia iliberal, sistema que se dispõe a desmontar as ideias, valores, regras, pactos e instituições que compõem a democracia liberal, em âmbito nacional e internacional, como a conhecemos. "A definição do populista é alguém que diz 'eu represento o povo e quem discordar de mim ou confrontar meu poder é ilegítimo", afirma o autor, cientista político e professor da Universidade Johns Hopkins (EUA), em entrevista ao Valor. "Acho que devemos ser honestos que isso [a revolta contra as instituições], em parte, corresponde a um real ressentimento popular."

Além do descontentamento com a estagnação econômica e do uso das redes sociais, o medo das pessoas e as incertezas em relação ao futuro afetam a relação com a democracia.

No entanto, segundo o cientista político de 36 anos, é preciso tomar cuidado. Embora a motivação possa ser legítima, segundo afirma, isso não significa que os populistas "vão devolver o poder às pessoas". O confronto aberto com instituições nacionais, como o Judiciário, e internacionais, como a ONU, antes de significar uma forma de democratização do sistema político, seria mais uma maneira de atiçar as massas, o que não significa que não possa ter consequências.

"Muitos estragos acontecem lentamente, de maneira paulatina. Grandes democracias estão sendo comandadas por populistas que são céticos perante as instituições internacionais. Eles podem ser bem-sucedidos em abolir algumas instituições", afirma.

Concepções de política: Editorial / O Estado de S. Paulo

O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro por ocasião do Dia do Trabalhador foi positivo porque ele reconheceu as “dificuldades iniciais” e que “o caminho é longo”. É um discurso muito diferente do tom triunfalista que marcou seus primeiros meses de gestão, quando Bolsonaro parecia julgar que sua vontade seria suficiente para implementar sua agenda de governo. O cotidiano do exercício do poder parece afinal ter ensinado ao presidente que, numa democracia, a atividade política não é algo opcional – é essencial e incontornável.

O problema é o que Bolsonaro entende por política. No mesmo pronunciamento, o presidente disse que as “dificuldades iniciais” do governo derivam de concepções políticas “antagônicas”. O presidente não detalhou o que quis dizer com isso, mas é improvável que estivesse se referindo à oposição de esquerda, pois esta, no Congresso, é numericamente pouco relevante. Além disso, mesmo com o governo envolvido em uma série de crises e polêmicas, essa oposição mal conseguiu mostrar alguma força, já que nunca conseguiu superar as profundas divergências que separam seus diversos partidos. E, para completar, o PT, que ambicionava ser hegemônico, hoje é apenas uma sombra do que já foi, pois sua atuação está cada vez mais atrelada ao destino do ex-presidente Lula da Silva, preso por corrupção.

Gás para crescer: Editorial / Folha de S. Paulo

É meritório o objetivo de romper o monopólio da Petrobras nesse mercado

É oportuna a tentativa do governo de repensar o funcionamento do mercado de gás natural com o propósito de reduzir de modo significativo o preço para o consumidor.

Por qualquer critério razoável, não faz sentido o combustível custar no Brasil mais de duas vezes as cifras observadas, por exemplo, nos EUA e na Europa. Que há algo de errado no modelo de monopólio da Petrobras, não resta dúvida.

As alterações em estudo pelos ministérios da Economia e das Minas e Energia, em cooperação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e outros órgãos do governo, visam reduzir o poder de mercado da Petrobras.

A estatal federal detém 75% da produção de gás e é praticamente monopolista na infraestrutura de gasodutos e terminais de importação do produto por navios.

Por não contarem com os meios de tratamento e escoamento, as empresas privadas que produzem a parcela restante de 25% optam por vendê-la para a Petrobras.

A falta de cuidado no trato com as universidades: Editorial / O Globo

Novo responsável pelo MEC, Abraham Weintraub assume causando perplexidades

Oriundo do nicho ideológico radical do bolsonarismo, Abraham Weintraub assumiu o Ministério da Educação com uma postura diferente do antecessor, Ricardo Vélez Rodrígues, embora do mesmo campo da extrema direita.

Vélez se resumiu a defender ideias controversas, a fazer comentários inconvenientes e despachar pelo menos uma medida logo rejeitada, e suspensa, a de usar alunos das escolas públicas para fazer propaganda do governo em uma solenidade cívica de início do ano letivo.

Já Weintraub repete a capacidade de Vélez de causar perplexidades. Porém com ações objetivas, o que parece mais perigoso. Depois de depreciar cursos como os de Filosofia e Sociologia, do ramo das disciplinas Humanas, o novo ministro anunciou um corte de 30% nas verbas das universidades federais Fluminense (UFF), de Brasília (UnB) e da Bahia (UFBA).

Oposição a Maduro é impotente sem os militares: Editorial / Valor Econômico

O destino do governo venezuelano está nas mãos dos militares, aos quais o autodeclarado presidente, Juan Guaidó, tenta convencer a abandonar de vez o ditador Nicolás Maduro e abrir um período de transição democrática, com eleições limpas. Ao posar ao lado de outro líder da oposição, Leopoldo López, do Vontade Popular, detido em prisão domiciliar, em uma base aérea em Caracas, Juan Guaidó iniciou na terça-feira sua ação mais aberta e direta pela derrubada de Maduro. A operação continua envolta em mistério, mas seu resultado imediato não foi o que os opositores esperavam. Por outro lado, ela mostrou à luz do dia, com mais clareza do que antes, frestas no aparato militar. No jogo mútuo de desgastes, Maduro, que comanda um desastre econômico e social sem precedentes na história do país, é quem mais tem a perder. Ao mesmo tempo, sua permanência no Palácio de Miraflores tende a enfraquecer a estratégia de mobilizações permanentes de Guaidó.

A mais contundente ação de Guaidó contra Maduro foi uma surpresa, apesar de os entendimentos clandestinos que a deslancharam serem conhecidos. Aparentemente, a oposição tinha sinais de que parte da cúpula militar teria decidido deixar Maduro à própria sorte e que isto afloraria em alguns dias. Em algum momento ficou claro que o "convencimento" não deu certo e que Guaidó seria preso. Ele resolveu apressar seus passos. De concreto, houve a libertação de López, sob a guarda do Serviço Bolivariano de Inteligência, e a carta de demissão de seu comandante, general Manuel Figuera, na qual menciona a enorme corrupção no governo.

Guaidó utilizou a imagem de alguns militares a seu lado para proclamar que o dia da libertação havia chegado, insinuando que o monolito das forças armadas em torno do governo havia sido quebrado, o que não ocorreu. López refugiou-se na embaixada do Chile, depois na da Espanha, e o aparato de Maduro mostrou-se eficaz na repressão violenta às manifestações contra o regime.

Vitória do PSOE na Espanha dá esperanças à social-democracia: Editorial / O Globo

Mas, pela primeira vez depois de Franco, a extrema direita colocou representantes no Legislativo

As eleições europeias tendem a ser acompanhadas com especial atenção devido ao ciclo por que passa o continente de expansão da extrema direita. Justifica-se, porque foi na região que o nazifascismo cresceu, chegou ao poder e gerou uma das maiores catástrofes em séculos.

O pleito mais recente, o espanhol, no último fim de semana, teve como vencedor o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de centro esquerda, o que provocou algum alívio em quem defende a democracia representativa.

O partido, do primeiro-ministro Pedro Sánchez, passou de 85 para 123 cadeiras no Congresso, o que não o permite governar sozinho, pois para isso são necessários 176 assentos. Mas lhe garante uma posição privilegiada para negociar alianças.

Como em toda a Europa, forças nacionalistas de extrema direita estão presentes. Na Espanha, pelo Vox. O comparecimento às urnas no domingo foi 9% acima ao das eleições de 2016, e isso ajudou a centro esquerda. É possível que a repulsa ao Vox — xenófobo, misógino etc. — tenha contribuído para isso.

Mas a extrema direita teve motivos para comemorar, pois, pela primeira vez depois da ditadura de Franco, passou a ter representantes no Legislativo nacional.

Fernando Pessoa: A minha vida é um barco abandonado

A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado ?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.