sábado, 4 de maio de 2019

*Miguel Reale Júnior: Orgia de desatinos

- O Estado de S.Paulo

É preciso um freio de arrumação. Na democracia todos são súditos da lei

Vive-se o tempo da urgência, em que há sempre pressa. A imediatidade despreza a ponderação e a vivência de valores conquistados ao longo da História, pois o fundamental é resolver tudo o mais rápido possível. Por se receberem todas as informações sobre o acontecido em qualquer lugar, a todo instante, não mais é natural esperar a semente germinar para ter o fruto. Como dizem os italianos, prevalece o voglio tutto e subito.

O perigo está em dar voz a pessoas mimadas que, tendo poder, o usam para obter o objeto do desejo de plano, não dando tempo ao tempo ao ultrapassar procedimentos consagrados ou legalmente impostos, sem pejo de causar constrangimentos. Esse desvio de conduta se tornou ainda grave em face dos meios hodiernos de comunicação, dotados de muita força, a ponto de se confundir a verdade com o que é aceito e divulgado pelas redes sociais, com exclusão do pensamento crítico e da análise desinteressada das vivências existenciais reveladas no tumulto do cotidiano. Passa a ser “proibido pensar”.

No momento atual, vive o Brasil uma orgia de desatinos, fruto da implantação do voglio tutto e subito, a se ver pela conduta do presidente da República. Bolsonaro achou ser demasia o valor do aumento do óleo diesel. Confessando, novamente, nada saber de economia, desgostoso com o porcentual acima da inflação – quando o reajuste dizia respeito ao mercado internacional –, Bolsonaro deu ordem ao presidente da Petrobrás para sustar a elevação do preço do diesel, causando na bolsa perda de valor das ações da Petrobrás na ordem de R$ 32 bilhões. Não importava ser a Petrobrás uma empresa de economia mista, com independência decisória. Era o presidente falando e querendo: punto e basta.

Em outra invasão de competência, o capitão presidente desconheceu novamente a lei das estatais e determinou ao Banco do Brasil a retirada de propaganda veiculada buscando atrair o público jovem de todas as tendências para se tornar cliente, operando totalmente por celular.

Nessa campanha, denominada Selfie, pessoas de aparência e estilos completamente distintos se fotografam com seus celulares, sendo convidadas a baixar o aplicativo e abrir uma conta.

Mas a manobra invasiva foi além, pois as agências de publicidade foram informadas de que a partir daquele momento todas as peças deveriam ser submetidas ao escrutínio da Secretaria de Comunicação Social, ordem depois desfeita. Importa destacar a frase dita no sábado passado pelo presidente: “Quem nomeia o presidente do Banco do Brasil? Sou eu? Não preciso falar mais nada, então”. É a palavra do presidente!!!

Duas outras situações indicam a avidez de desfazer o desgosto: multado diversas vezes no trânsito, propõe mudar a lei e dobrar o número de pontos para cassação da carteira de habilitação; flagrado pescando no mar em local impróprio, demite-se o fiscal. Tutto subito.

João Domingos: A encruzilhada de Moro

- O Estado de S.Paulo

Se ficar ocupado com coisas menores, o ministro será engolido

É possível que no dia em que aceitou o convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério da Justiça, com poderes sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), vital para rastrear lavagem de dinheiro, e para fazer um pacotaço de combate a todo tipo de crime, o juiz Sérgio Moro tenha pensado, lá no fundo, que dizer sim o tiraria de uma brilhante carreira na magistratura, mas o alçaria à condição de uma das principais figuras da República. Valeria o risco.

No mesmo dia em que disse sim ao convite de Bolsonaro, um sem-número de analistas políticos, este repórter também, se concederam a liberdade de achar que Moro ganhava, naquele momento, condições políticas para se tornar um presidenciável para as eleições de 2022. Só uma vaga no Supremo Tribunal Federal era muito pouco para a importância de Moro no protagonismo dos acontecimentos políticos anteriores à eleição de Bolsonaro. Recordemos alguns: o comando da Operação Lava Jato na parte referente à Justiça, o vazamento do conteúdo de um telefonema da então presidente Dilma Rousseff para Lula, peça mais do que chave para o sucesso do impeachment da petista, e a decretação da prisão do ex-presidente, principal líder político do PT e único que, de acordo com as pesquisas sobre intenção de votos, bateria o capitão.

Sem falar que, se Lula, segundo as pesquisas, era o único nome que venceria Bolsonaro, Sérgio Moro, de acordo com essas mesmas pesquisas, era o único que bateria Lula.

Acontece que a política é alimentada por rasteiras, conchavos, recuos, alianças que viram ao sabor do vento, vitórias, derrotas, alegrias e decepções.

É possível que hoje, quatro meses e alguns dias depois de assumir a pasta da Justiça, de apresentar em tempo recorde um pacote de medidas para o combate ao crime organizado, ao crime violento, ao crime de corrupção e tantos mais, Sérgio Moro esteja um pouco decepcionado. Para quem se acostumou aos trâmites do Judiciário, em que uma decisão ditará o futuro de uma pessoa, independentemente de ser essa pessoa um importante empresário, um ex-presidente da República ou um ladrão de galinhas, os escaninhos da política podem não ser compreendidos. Neles, uma decisão não é para ser cumprida à risca. Vai depender do momento, dos humores, de taxas de popularidade e de rejeição.

*Demétrio Magnoli: Faroeste Brasil

- Folha de S. Paulo

Iniciativas presidenciais atacam regras que previnem a 'guerra de todos contra todos'

Bolsonaro organizou sua campanha presidencial em torno de um discurso ideológico, não de uma plataforma de governo. Hoje, quatro meses após a posse, temos finalmente uma clara plataforma de governo. O nome dela é faroeste Brasil.

Bolsonaro anunciou a intenção de conceder aos proprietários rurais o direito a portar armas e um passaporte de impunidade, cinicamente descrito como "excludente de ilicitude", para os que alvejarem invasores. A pretensão, que viola as leis existentes, implica a formação de milícias rurais privadas com selo oficial: o retorno a um passado no qual a proteção da propriedade privada se sobrepunha ao monopólio estatal da violência legítima.

Bolsonaro anunciou uma "limpa no Ibama e no ICMBio" e um drástico corte de recursos para a estrutura de fiscalização das unidades de conservação. Seu filho Flávio apresentou projeto de alteração do Código Florestal que eliminaria o capítulo referente à reserva legal de vegetação nativa nas propriedades rurais. A supressão permitiria o avanço das culturas em áreas de matas protegidas em estabelecimentos situados na Amazônia. De fato, seria a legalização dos negócios ilegais de desmatadores, madeireiros, palmiteiros, mineradores e invasores de terras indígenas. No Brasil profundo, passaria a valer a lei do colono armado.

Bolsonaro anunciou a retirada de todos os radares de tráfegoinstalados em rodovias federais. Há, de fato, uma lucrativa indústria de multas de trânsito que opera à base de armadilhas como radares ocultos, variações bruscas de limites de velocidade e confusa sinalização. Daí, o presidente não extraiu a necessidade de adequar o sistema de fiscalização ao propósito de educação dos motoristas. Optou, no lugar disso, por um programa de anarquia individualista nas estradas.

Alvaro Costa e Silva: Bala, bala, bala

- Folha de S. Paulo

Para Bolsonaro, a solução para o conflito de terras no Brasil é atirar

No romance “S. Bernardo”, Paulo Honório manda assassinar Mendonça, fazendeiro vizinho, por questão de terras. O escritor Graciliano Ramos fecha o episódio do crime numa conversa entre Honório e o vigário: “Que horror! exclamou padre Silvestre quando chegou a notícia. Ele tinha inimigos?” “Se tinha! Ora se tinha! Inimigo como carrapato. Vamos ao resto, padre Silvestre. Quanto custa um sino?”.

Quem leu Jorge Amado sabe como se ajeitavam as coisas entre coronéis proprietários de terras na região cacaueira do sul da Bahia: no auge das disputas, ia-se buscar o melhor pistoleiro nas Alagoas. E o que faziam aqueles jagunços de Guimarães Rosa —os “zébebelos” e os “hermógenes”— pelos sertões das Minas Gerais? Viviam sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção, todos praticando a exclusão de ilicitude.

Quanto pior a desgraça na vida real, maior a riqueza para a criação literária. Bolsonaro, tão criticado por desmontar a cultura no país e perseguir artistas, resolveu dar uma mãozinha. Numa feira de agropecuária em Ribeirão Preto, propôs um tipo de salvo-conduto para proprietários rurais que lhes permita atirar em quem invadir suas terras.

Hélio Schwartsman: Humanidades para quê?

- Folha de S. Paulo

Se dependesse de Bolsonaro e Weintraub, cursos passariam a pão e água

No que depende do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Educação, Abraham Weintraub, programas universitários em filosofia e sociologia passariam a pão e água. Eles têm razão quando dizem que as verbas públicas deveriam ir para áreas mais produtivas, o que quer que isso signifique?

Eu acredito que não. Acho fundamental que a academia mantenha cursos de humanidades e faça pesquisas nesse campo. Receio, porém, que, no justo afã de defender as antigamente chamadas ciências do espírito, bons espíritos estejam fazendo afirmações que não se sustentam.

Não dá, por exemplo, para atribuir à filosofia o superpoder de melhorar o comportamento das pessoas ou de impedir que elas sejam presa de armadilhas ideológicas. Ninguém se torna ético por assistir a aulas de ética. Um estudo de 2017 mediu isso e concluiu que nem mesmo professores de ética se comportam melhor do que docentes de outras áreas.

Exercitar-se nas bases do chamado pensamento crítico tampouco confere proteção contra erros mais graves. Martin Heidegger, um dos principais filósofos do século 20, foi um dedicado nazista. Outros grandes nomes flertaram com o stalinismo e todo tipo de movimento totalitário.

Vale a pena investir em humanidades não porque elas aprimorem as pessoas, mas porque são um ramo importante do saber cujo estudo tem valor intrínseco.

Julianna Sofia: De troiano para troiano

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro corre contra o tempo para garantir benefícios assistenciais e previdenciários

Ao passar as chaves do Palácio do Planalto a Jair Bolsonaro, Michel Temer entregou ao sucessor um legado fiscal funesto, com um rombo orçamentário de R$ 139 bilhões já no primeiro ano. De quebra, brindou Jair com um presente de grego equivalente a R$ 248,9 bilhões.

Entre os vários parâmetros estabelecidos pela legislação das contas públicas, há um denominado regra de ouro. A norma impede que a União emita dívida em volume superior aos seus investimentos, pois a ideia é proibir que o Tesouro Nacional tome recursos no mercado para cobrir despesas corriqueiras.

Para 2019, verificou-se um desequilíbrio na regra de ouro próximo de R$ 250 bilhões. Qual a saída bolada por Temer? Obrigar o presidente sucessor a pedir ao Congresso autorização para lançar títulos adicionais e assim bancar benefícios assistenciais (BPC e Bolsa Família), previdenciários e subsídios.

*Marcus Pestana: Cultura é identidade, entretenimento e produção

- O Tempo (MG)

Ela é a alma da sociedade, 'existe porque a vida não basta'

A cultura de um povo é traço constitutivo da identidade de uma nação. É a alma da sociedade. Leonardo da Vinci disse certa vez: “A arte diz o indizível, exprime o inexprimível, traduz o intraduzível”.

A contínua necessidade humana de se expressar artística e culturalmente atravessou os tempos. Para Shakespeare, “a arte é o espelho e a crônica da sua época”. O poeta Ferreira Gullar arrematou: “A arte existe porque a vida não basta”.

A produção cultural e artística brasileira está em xeque, numa discussão distorcida pelo sectarismo e por um ambiente ideológico regressivo e radical.

O Brasil é um dos países mais ricos, culturalmente falando. Que outro país tem a nossa musicalidade? Noel Rosa, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Heitor Villa-Lobos, Cartola, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Egberto Gismonti, Luiz Gonzaga e tantos outros formam uma constelação invejável. Nas artes plásticas, temos Cândido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Alberto da Veiga Guignard, Carlos Bracher, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Alfredo Volpi e tantos outros poetas das cores e dos pincéis. Nas telas, vamos de Glauber Rocha a Cacá Diegues, de Nelson Pereira dos Santos a Bruno Barreto, de Fernando Meireles a Walter Salles. Sem falar em nossa excepcional teledramaturgia. No balé, como não se emocionar com a trajetória do Grupo Corpo ou de Deborah Colker? Como seria a vida sem Fernanda Montenegro, Marília Pera, Bibi Ferreira, Paulo Gracindo, Paulo Autran? Como imaginar Minas e o Brasil sem o Inhotim, o Masp, o MAM, o Museu Imperial de Petrópolis, o Museu Mariano Procópio, o Museu de Artes e Ofícios? E eventos como o Festival de Cinema de Tiradentes ou a Flip em Parati? Sem falar em Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e tantos mestres da palavra. Será que queremos tocar fogo em nosso belo patrimônio cultural, assim como aconteceu com o Museu Nacional do Rio de Janeiro?

Marco Antonio Villa: Crise e incompetência

- IstoÉ

Não há projeto de governo. A renovação no Legislativo não melhorou nada. Bastou assistir às sessões da CCJ sobre a PEC da Previdência

O país está parado. O primeiro trimestre, no campo econômico, foi perdido. O otimismo pós-eleitoral se desmanchou no ar. As expectativas criadas a partir do último bimestre de 2018 foram frustradas. Nada indica que o crescimento do PIB neste ano passe de 1,5%, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. O perigo é a contaminação de 2020. Neste cenário econômico teremos o primeiro biênio presidencial com resultados tímidos, próximos aos dos anos 2017 e 2018. Está descartada uma recuperação em ritmo acelerado. Lembrando que a economia internacional deve crescer neste e no próximo ano acima de 3%. Portanto, as razões para a paralisia são internas.

A retomada do crescimento econômico depende da solução da crise política. O processo eleitoral de 2018 sinalizou que a Nova República, edificada sobre a Constituição de 1988, deu seus últimos suspiros. Morreu, mas não nasceu algo novo em seu lugar. Vivemos um período de transição que pode ser curto ou longo e sem ainda estar claro onde será seu ponto final.

Bolívar Lamounier: Problemas causados por soluções

- IstoÉ

O passivo de Bolsonaro está na Educação. Além de atacar miragens, cortar os gastos em ciências humanas provocará reações não só da esquerda

Meu título inspira-se no filósofo norte-americano William Peirce, autor da deliciosa frase: “Todo problema é causado por soluções”. Não penso que todos os problemas sejam causados por soluções, mas estou seguro de que muitos realmente o são. O problemaço que seria a permanência do PT no poder por mais oito ou dezesseis anos foi resolvido pela eleição de Bolsonaro. Seria uma solução formidável, se o novo governo só acertasse, mas não é o caso.

Seu grande acerto — se tiver êxito — será a reforma da Previdência. Tenho dito e repetido que as grandes dificuldades brasileiras são mais oftalmológicas que ideológicas. Uma parcela considerável de nossa classe política, do Judiciário e das elites não enxerga um palmo à frente do nariz. Não percebe que, sem tal reforma, em poucos anos teremos um número decrescente de jovens precariamente educados convocados a pagar a aposentadoria de um número crescente de idosos e pseudoidosos.

Míriam Leitão: Sinais negativos na economia

- O Globo

Ilusão de uma recuperação rápida na economia está ficando para trás e vai frustrar parte do eleitorado de Bolsonaro

O governo Jair Bolsonaro está falhando com parte do seu eleitorado que acreditava em uma melhora rápida na economia. Claro que o governo mal começou, mas é fato também que começou mal. Muita gente acreditava, ao votar em Bolsonaro —e no mercado financeiro essa visão era majoritária —que haveria uma explosão de investimentos e até de vagas no mercado de trabalho. Os dois principais indicadores de emprego não mostram isso e os índices de atividade estão piores do que o esperado. A produção industrial de março, divulgada ontem, mostrou queda de 1,3%. As projeções dos economistas eram de um negativo menor.

A medida de desemprego do IBGE, a PNAD Contínua, sempre fica mais alta no começo do ano. O desemprego subiu no primeiro trimestre em relação ao quarto, e caiu muito pouco sobre o mesmo período de 2018. No Caged, a geração líquida de empregos formais foi mais baixa do que no primeiro trimestre do ano passado. A produção industrial em 12 meses ficou negativa pela primeira vez desde agosto de 2017.

O mercado de trabalho é sempre o último a reagir aos ciclos econômicos, para o bem ou para o mal. Já se sabia que seria assim, vai melhorar, mas devagar. Houve quem acreditasse, no entanto, que a posse de um governo que se define como liberal tivesse o poder de destravar a economia. O problema é que o governo alimenta a incerteza econômica e tem demonstrado pouca habilidade política. A reforma da Previdência, que é apenas o início da solução da crise, tem enfrentado mais dificuldades do que se esperava. A devastação no mercado de trabalho não é culpa do atual governo. Mas quando a confiança na economia sobe, as contratações aumentam. A confiança que havia subido voltou a cair.

Ricardo Noblat: Bolsonaro, vexame em duas línguas

- Blog do Noblat / Veja

Homenageado com medo da homenagem

O que pesou mais na decisão do presidente Jair Bolsonaro de cancelar sua segunda visita aos Estados Unidos em menos de quatro meses de governo?

O boicote dos americanos ao jantar oferecido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos que homenagearia Bolsonaro em Nova Iorque com o prêmio “Pessoa do Ano”?

Ou a descoberta de que o Banco do Brasil e o consulado-geral do país em Nova Iorque ajudaram a financiar a homenagem – o banco pagando R$ 47,5 mil por uma mesa, o consulado R$ 39,6 mil?

A Lei das Estatais impõe restrições ao banco para que participe como patrocinador de eventos de tal natureza. Em anos passados, jamais o banco esteve entre os apoiadores do jantar.

Em junho de 2004, quando a lei ainda não existia, o banco meteu-se numa encrenca braba ao comprar 70 mesas ao custo total de R$ 70 mil para um show que arrecadaria recursos para o PT.

Sua direção desculpou-se depois alegando que desconhecia a finalidade do show. Foi obrigada a cancelar a compra das mesas e a responder na justiça por ato de improbidade administrativa.

Desta vez, antes do anúncio de que Bolsonaro abrira mão da homenagem, a direção do banco informou que sua mesa no jantar seria ocupada por “clientes estratégicos”. O consulado calou-se.

ONGs veem prejuízo à sociedade em extinção de conselhos por Bolsonaro

Medida é alvo de crítica da Procuradoria e de questionamento no Supremo

Flávia Faria / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Prejuízos para a formulação de políticas públicas e na participação da sociedade no processo democrático são alguns dos problemas apontados por ONGs e entidades da sociedade civil no decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que determina a extinção, a partir de 28 de junho, de colegiados ligados à administração federal.

A medida determina o fim de conselhos, comissões, comitês, juntas e outras entidades do tipo que tenham sido criadas por decretos ou por medidas administrativas inferiores. Muitos deles são formados por integrantes de órgãos do governo em conjunto com membros da sociedade civil. Os que foram criados por lei, como o Conselho Nacional de Educação e o de Saúde, e os que surgiram na gestão atual estão mantidos.

Nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que os cortes vão gerar “gigantesca economia” e que as entidades são “aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população". Questionada pela reportagem, a Casa Civil não informou qual a expectativa da economia obtida com a extinção dos colegiados.

Em protesto, 39 entidades assinaram manifesto contra a medida. Em nota, afirmam que a atitude do governo vai “na contramão do desenvolvimento democrático”.

De acordo com Laila Belix, do Instituto de Governo Aberto e membro do Pacto pela Democracia, organização que estruturou o manifesto, a canetada do presidente peca por agrupar colegiados com diferentes funções e extingui-los sem prévio estudo.

“O governo não fez nenhum estudo aprofundado das estruturas para identificar o que é fundamental para a formulação de políticas públicas, para identificar o que tem caráter mais estratégico. Não sabe quantos existem e coloca no mesmo balaio estruturas que não são iguais, que têm funções e papéis diferentes.”

José Antônio Moroni: Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

- Folha de S. Paulo

Decreto de Bolsonaro determina fim de colegiados ligados à administração federal

Os desejos de participar da esfera pública, assim como os de liberdade e igualdade, sempre estiveram presentes nas lutas sociais nos diferentes períodos da história e de diversas formas.

Participar significa incidir nas questões que dizem respeito à vida concreta das pessoas, mas também nos processos de tomada de decisão do Estado e dos governos. Fruto desse processo é que hoje culturas e países diversos reconhecem a participação como um direito humano fundamental.

Para dar concretude a esse direito, reconstruíram a sua institucionalidade, incorporando os espaços institucionais de participação no arcabouço das instituições democráticas. É um novo desenho democrático, que reconhece outras formas legítimas de participação na esfera pública que não apenas a via da representação eleitoral.

Vivemos numa sociedade diversa, plural e complexa, onde o exercício do poder (tomar decisões) deve refletir essa diversidade e, para isso, é necessário ampliar o que se entende por instituições democráticas.

A democracia não pode ser reduzida apenas aos procedimentos eleitorais, que, na maioria das vezes, reproduzem as relações de poder estabelecidas na sociedade.

Precisamos construir instituições democráticas e, ao mesmo tempo, essas instituições precisam ser plurais para incorporar as diferentes demandas, sujeitos e vozes de uma sociedade complexa.

Somente esse mosaico democrático é capaz de processar as transformações que tanto queremos. Em outras palavras, superar essa crise de perspectiva que a humanidade vive somente com a “democratização da democracia”.

"Não queremos outra Venezuela", diz Bolsonaro ao falar sobre Argentina

Por Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - “A preocupação de todos nós deverá se voltar um pouco mais ao sul, na Argentina”, sustentou o presidente Jair Bolsonaro durante uma cerimônia de formatura de turma do Instituto Rio Branco, no Itamaraty, justicando "pelo fato de quem deverá voltar a comandar aquele país".
Bolsonaro se referia à ex-presidente Cristina Kirchner que aparece na frente do atual mandatário, Mauricio Macri, em pesquisas de intenção de voto para a próxima eleição argentina.

O brasileiro, porém, não mencionou Cristina nominalmente. “Não queremos e ninguém quer uma outra Venezuela no nosso continente”, resumiu.

Durante seu discurso a futuros e atuais diplomatas, o presidente afirmou que a atuação das Forças Armadas é complementar à da diplomacia. “Quando os senhores falham, entramos nós, das Forças Armadas”, disse. “E torcemos muito para nós não entrarmos em campo.”

"Quando acaba a saliva, entra a pólvora. Não queremos isso", disse. "Temos que tentar solucionar os conflitos de forma pacífica. Se não tiver como resolver um hipotético conflito, o país decide se vai para as últimas consequências ou não."

Marco Aurélio Nogueira*:A ignorância como critério de gestão

Reduzir investimentos em cursos superiores de Humanas é o novo despropósito do governo 

Bolsonaro na área da Educação. A ideia é focar em cursos que preparem os alunos para o mercado de trabalho. Além de caolho, o pressuposto é preconceituoso e ignora a relevância das Humanidades na vida atual.

O presidente usou sua conta no Twitter para dizer que haverá um corte de investimentos nas faculdades brasileiras de ciências humanas. Repetiu o discurso do novo ministro da Educação, que anda afirmando que “a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto” e, por isso, o ensino deve se voltar para a disseminação de “habilidades” que ajudem os jovens a entrar no mercado de trabalho.

Para o governo, “poder ler, escrever e fazer conta” é o mais fundamental. Exclui-se, desde logo, o saber pensar, o saber conviver, o saber apreciar o belo. O pragmatismo é rasteiro, na doce ilusão de que a educação garantirá a aquisição de ofícios que “gerem renda para a pessoa e bem-estar para a família delas”, melhorando a sociedade.

A postura governamental ignora alguns fatos elementares. Antes de tudo, parece pressupor que os gastos das Humanidades ultrapassam os gastos com as demais áreas científicas e acadêmicas, quando todos sabem que a verdade está do lado oposto: dos cerca de R$1 bilhão investidos em pesquisa no Brasil, somente 160 milhões vão para as Ciências Humanas. O governo economizará pouquíssimo caso deixe de injetar dinheiro nas faculdades de Humanas.

O argumento orçamentário, portanto, não procede, deixando evidente que a intenção do governo é de outra natureza: ele acredita que as Humanas são um reduto das esquerdas, uma espécie de “foco subversivo” permanente. Despreza o pluralismo que vigora nessas áreas e ignora por completo a dimensão cívica, técnica e cultural das Ciências Humanas, que são vitais seja para o aprimoramento da língua e a formação reflexiva, seja para a investigação dos graves problemas sociais do País, como a desigualdade, a pobreza, a violência.

O direito de repelir invasões: Editorial / O Estado de S. Paulo

A Advocacia-Geral da União (AGU) expediu, em fevereiro, uma orientação normativa a respeito da não necessidade da intervenção do Poder Judiciário para coibir a invasão e a ocupação irregular de prédios públicos. A medida não tem nenhum pendor autoritário. Trata-se da prudente aplicação do Direito na proteção do patrimônio e da continuidade dos serviços públicos. O Estado e a população não podem ficar reféns de quem, afrontando a lei, usa a violência para fazer pressão política, difundir suas bandeiras ou apropriar-se de bens públicos para fins particulares.

Apesar de não encontrar respaldo na legislação, o entendimento contrário – de que, diante, por exemplo, de uma invasão de uma repartição pública, a autoridade nada podia fazer sem antes recorrer à Justiça – deu azo a omissões da administração pública e serviu de estímulo para outras tantas desordens. Se o invasor tem a certeza de que não enfrentará resistência para ocupar um prédio público e de que só um mandado judicial poderá retirá-lo de lá, ele tem a garantia de que, ao menos por um tempo, seus atos criminosos prevalecerão sobre a boa ordem.

No caso da administração pública federal, antes da nova orientação, a praxe era que os administradores de prédios públicos deviam recorrer à AGU para que ela tentasse junto ao Poder Judiciário obter medida liminar de reintegração de posse. Evidentemente, não era um modo muito eficiente de proteção do patrimônio público.

Como Bolsonaro vê a educação: Editorial / O Estado de S. Paulo

Nas mensagens sobre educação que transmitiu pelo Twitter, no final da semana passada, o presidente Jair Bolsonaro evidenciou desconhecimento da área, desprezou estatísticas e cometeu erros factuais. Também apresentou propostas que, se forem implementadas, terão sua constitucionalidade arguida no Supremo Tribunal Federal.

Numa de suas mensagens, Bolsonaro afirmou que “poucas universidades têm pesquisa e, dessas poucas, grande parte está na iniciativa privada”. A afirmação não procede. Há três semanas, o Jornal da USP publicou pesquisa mostrando, com dados compilados pela Clarivate Analytics, empresa especializada em analisar pesquisas acadêmicas e registro de patentes, que das 50 instituições brasileiras que mais publicaram trabalhos científicos nos últimos cinco anos, 36 são universidades públicas federais, 7 são universidades públicas estaduais, 5 são instituições de pesquisa ligadas ao governo federal e uma é um instituto federal de ensino técnico. Na lista, há apenas uma instituição privada. De um total de 214.096 trabalhos, 81.408 foram publicados pela USP, Unesp e Unicamp. E, das instituições de pesquisa, destaca-se a Embrapa, que é uma empresa pública, com 7.712 trabalhos. Segundo a Clarivate Analytics, a USP, sozinha, contribuiu com 22% de toda a ciência produzida no País.

Muitas plateias: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro busca conexão com seguidores fiéis para conter erosão de prestígio

Com a popularidade abalada e dificuldades para fazer sua agenda avançar no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem se esforçado para se comunicar diretamente com a população e recuperar a conexão com o eleitorado.

Em entrevistas a emissoras de televisão e declarações nas redes sociais, ele fez nos últimos dias vários acenos a grupos que deram impulso a seu triunfo eleitoral em outubro e agora expressam decepção com os rumos do governo.

Dirigindo-se aos evangélicos, por exemplo, Bolsonaro descartou a possibilidade de impor custos às igrejas com a reforma do sistema tributário atualmente em gestação no Ministério da Economia.

A ideia de um imposto que alcance até o dízimo pago pelos fiéis nos templos, ventilada pelo secretário da Receita, Marcos Cintra, em entrevista a esta Folha, foi tão mal recebida que o presidente se viu obrigado a desautorizar o assessor.

Enfim, metas para cortes nos bilionários incentivos fiscais: Editorial / O Globo

Intenção da equipe econômica de reduzir a pesada conta de subsídios deve levar à avaliação dessa ajuda

Bilhões concedidos pelo Estado a pessoas jurídicas e físicas a título de incentivos não chamavam a atenção da sociedade. Com a redemocratização, em 1985, início de todo um processo de institucionalização da democracia, passou a haver cobrança de transparência do Estado.

O fim da superinflação, com o Plano Real, também facilitou o entendimento das contas públicas, com o restabelecimento da noção de grandeza entre as cifras. A névoa da inflação escondia erros e malfeitos. 

Até mesmo as investigações sobre corrupção ajudaram a entender como o BNDES transferia dinheiro público no financiamento a grandes empresas com trânsito livre em Brasília, por meio de subsídios a taxas de juros. Regimes ideologicamente alinhados aos então donos do poder, os lulopetistas, também foram agraciados com créditos do BNDES subsidiados pelo contribuinte.

Tradição nacional, os incentivos fiscais da União somaram, no ano passado, R$ 292,8 bilhões, equivalentes a 4,3% do PIB. Para uma medida de comparação, o déficit público primário estimado para este ano é de R$ 139 bilhões.

Paulo Mendes Campos - Sentimento do tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce