quinta-feira, 16 de maio de 2019

Opinião do dia: Nefi Cordeiro*

Não se pode prender porque o crime é revoltante, como resposta a desejos sociais de justiça instantânea. Manter solto durante o processo não é impunidade, como socialmente pode parecer, mas, sim, garantia, só afastada mediante comprovados riscos legais.

Juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos da Nação. Deve conduzir o processo pela lei e a Constituição, com imparcialidade, e, somente ao final do processo, sopesando as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade.

*Nefi Cordeiro, presidente da sexta turma do STJ, no voto que liberou o ex-presidente Michel Temer, por unanimidade, O Estado de S. Paulo, 15/5/2019.

Atos mobilizam 170 cidades contra arrocho na educação

Bolsonaro afirma que protestos são feitos por 'idiotas úteis' usados como 'massa de manobra'; novo ato ocorre no dia 30

- Folha de S. Paulo*

SÃO PAULO - Em dia de protestos contra os cortes na educação, milhares de pessoas saíram às ruas em ao menos 172 cidades, em manifestações que o presidente Jair Bolsonaro afirmou serem feitas por imbecis e "idiotas úteis" usados como "massa de manobra".

Os atos ocuparam ruas e avenidas de todas as capitais e do Distrito Federal, além de outras cerca de 145 cidades. Foram realizados inclusive em pequenos municípios, como Felipe Guerra (RN), de 5.734 habitantes, e na terra indígena Alto Rio Negro, na fronteira entre Amazonas e Colômbia.

Participaram manifestantes convocados por sindicatos contrários à reforma da Previdência, pauta original dos atos, e estudantes e professores de escolas e universidades públicas e privadas.

Havia políticos e militantes de partidos de esquerda, integrantes de centrais de trabalhadores e alguns carregando bandeiras com a mensagem "Lula Livre". Mas milhares de manifestantes, de crianças a idosos, não tinham ligação com siglas, em uma participação espontânea que remeteu aos protestos de 2013.

Na capital paulista, o ato se estendeu por dois quilômetros da avenida Paulista, entre a rua Augusta e a avenida Brigadeiro Luiz Antônio, e depois seguiu para a Assembleia Legislativa. Atrás do Masp, ônibus fretados paravam com estudantes de rosto pintado vindos de cidades do entorno.

Era o caso de alunos do ensino médio de escolas estaduais de Itaquaquecetuba, na Grande SP, que fizeram uma vaquinha com pais e professores para locar cinco veículos. "Eles se organizaram e pediram nossa ajuda para vir", disse o professor de história Marcos Santos de Souza, 40.

A falta de vinculação de parte dos manifestantes a organizações e partidos era visível em cartazes, muitos em papel sulfite.

Governo enfrenta protestos de rua e pressão no Congresso

Atos atingem ao menos 250 cidades

Convocados como reação a cortes na Educação, protestos realizados em todos os Estados e no DF também criticam governo Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo*

Após 134 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro enfrentou ontem as primeiras manifestações de grandes proporções. Milhares de pessoas foram às ruas de ao menos 250 cidades, nos 26 Estados e no Distrito Federal, para protestar contra os cortes orçamentários na área da Educação, que afetaram principalmente as universidades públicas federais. Os manifestantes também externaram descontentamento com o governo de forma geral – o coro “fora, Bolsonaro” foi ouvido em dezenas de cidades.

Nos dois maiores atos, em São Paulo e no Rio, a Polícia Militar não estimou número de manifestantes. Na Avenida Paulista, que permaneceu fechada aos carros nos dois sentidos entre meio-dia e por volta das 18h30, o protesto foi em frente ao Masp, e se estendeu por cerca de cinco quarteirões. A professora aposentada Josefa Laurinda, de 79 anos, afirmou que em mais de 40 anos dedicados à sala de aula nunca viu um cenário tão desanimador para o ensino. “Tratam professores como inimigos, cortam verba. Quem vai querer dar aula? Precisamos valorizar a educação”, disse.

No fim da tarde, os manifestantes – em sua maioria jovens com uniforme da escola ou camisetas da universidade em que estudam, além de pessoas usando adesivos com frases “eu luto pela educação” e “livros sim, armas não” – marcharam até a sede da Assembleia Legislativa, onde o protesto foi encerrado por volta das 19h.

“Não vamos aceitar que acabem com a educação e ciências sem fazer nada”, afirmou o doutorando João Victor Mello, de 34 anos, que estuda geociências na USP. Ele foi um dos atingidos pelo corte de bolsas na Capes – sem a qual, disse, dificilmente conseguirá terminar o curso. O ato em São Paulo teve a presença do ex-prefeito e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, candidato derrotado do PT à Presidência em 2018.

Protestos de rua elevam o desgaste do governo

Pressão. Sem força para aprovar seus projetos no Congresso, Planalto enfrenta primeiras manifestações de rua; atos contra cortes na Educação acontecem em pelo menos 250 cidades

- O Estado de S. Paulo*

Desgastado por uma série de derrotas e obrigado a fazer concessões no Congresso Nacional, o governo do presidente Jair Bolsonaro foi alvo ontem dos primeiros grandes protestos de rua. Manifestações registradas em ao menos 250 cidades do País contra bloqueio de recursos no orçamento da Educação ganharam um contorno mais amplo de críticas à atual gestão. Em viagem oficial nos Estados Unidos, Bolsonaro procurou desqualificar a mobilização classificando a “maioria” dos manifestantes como “idiotas úteis” e “imbecis, que estão sendo usados como massa de manobra”.

Os protestos pelo País preocuparam o Palácio do Planalto. A avaliação foi a de que, em princípio convocados contra o ministro da Educação, se transformaram em atos de peso contra o governo. A portas fechadas, auxiliares de Bolsonaro disseram que o próprio presidente ajudou a inflamar os protestos ao atacar os manifestantes.

Mais de 200 cidades têm atos contra cortes na educação

Rio, SP e BH realizam os maiores protestos de alunos e professores

- O Globo*

Em seu quinto mês, o governo Bolsonaro foi alvo de protestos que reuniram alunos e professores de instituições públicas e privada sem mais de 200 cidades dos 26 estados e do Distrito Federal contra o bloqueio de verbas para a educação. O ministro Abraham Weintraub foi sabatinado na Câmara enquanto as concentrações ocorriam, as maiores delas em São Paulo, Belo Horizonte e Rio, onde, no auge, a multidão ocupou cinco quarteirões da Avenida Presidente Vargas. Apesar do clima pacífico nos atos, ao fim da passeata no Rio um ônibus foi incendiado. 

Na primeira grande manifestação popular do governo Bolsonaro, centenas de milhares de pessoas foram às ruas dos 26 estados e do Distrito Federal ontem para protestar pacificamente contra os cortes no orçamento do Ministério da Educação (MEC) que atingiram as universidades federais e as etapas básicas de ensino.

São Paulo, Rio e Belo Horizonte foram os maiores polos de concentração, reunindo cerca de 250 mil manifestantes cada, segundo os organizadores—as Polícias Militares das capitais não fizeram estimativas. Em Salvador e em Brasília, os líderes estimaram cerca de 50 mil presentes. Na capital federal, porém, a PM calculou 15 mil pessoas.

Estudantes, professores e servidores do ensino público federal foram os catalisadores do movimento, mas ele atraiu também alunos, pais e profissionais do ensino privado e, em menor número, trabalhadores de outras áreas, sindicalistas e partidos políticos de oposição.

Os atos começaram na manhã de ontem e transcorreram pacificamente ao longo do dia em mais de 200 cidades, mas terminaram em confrontos em Brasília, onde duas pessoas foram presas, e, em maior grau, no Rio, onde um ônibus foi incendiado na Avenida Presidente Vargas e a Polícia Militar afirma ter sido atacada com fogos de artifício. O Panteão de Duque de Caxias, em frente ao Comando Militar do Leste, foi pichado coma frase “80 tiros Exército

assassino”, em referência ao assassinato do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo, fuzilados por homens do Exército em Guadalupe, Zona Norte do Rio.

Os PMs reagiram com bombas de gás, e o tumulto, que se iniciou por volta das 19h20m, quando o ato começava a se dispersar, fechou a Central do Brasil e a estação Presidente Vargas do metrô.

Bolsonaro, que estava em Dallas (EUA), disse ter acompanhado os protestos pela internet e chamou os manifestantes de “idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra”. Sua frase ecoou nas ruas, com cartazes, faixas e gritos de ordem contra o presidente.

O outro alvo dos manifestantes — Abraham Weintraub, ministro da Educação — passou a tarde toda sendo sabatinado na Câmara, onde discutiu com parlamentares e afirmou que os contingenciamentos da pasta, mote dos protestos, foram responsabilidade do governo anterior.

AULAS PÚBLICAS E PASSEATA
No Rio, o dia de protesto se iniciou com acadêmicos das principais universidades públicas da cidade ocupando a Praça XV, no Centro, para aulas públicas em que apresentaram suas pesquisas. O formato também foi usado em cidades como Belém (PA), onde cerca de 20 mil manifestantes se reuniram, segundo a Polícia Militar.

À tarde, os manifestantes cariocas se concentraram na Candelária, de onde saíram em passeata que, no auge, ocupou cinco quadras da Presidente Vargas. O percurso foi marcado por palavras de ordem como “não é mole não, tem dinheiro pra milícia, mas não tem pra Educação” e “tira a tesoura da mão e investe na Educação”.

Cartazes em referência à fala de Weintraub, que classificou as universidades federais como “balbúrdia”, se espalharam pelo ato. Algumas faixas também criticavam a reforma da Previdência e pediam “Lula livre”.

‘SUPRAPARTIDÁRIO’
Em São Paulo, estudantes, professores, ativistas políticos e sindicalistas fecharam as duas pistas da Avenida Paulista durante a tarde, ocupando seis quadras. A concentração foi em frente ao Masp, onde a professora aposentada da USP Heloísa Borsari destacou a importância do movimento, mas afirmou que o campo progressista ainda tem dificuldade em se comunicar com outros setores da sociedade.

— Tem que ser um movimento suprapartidário, para que a gente possa defender minimamente os direitos e a inclusão que nós conseguimos com a Constituição de 1988 —disse.

*Participaram desta cobertura: Ana Paula Blower, André de Souza, Audrey Furlaneto, Dimitrius Dantas, Evelin Azevedo, Henrique Gomes Batista, Gisele Barros, Gustavo Maia, Jussara Soares, Luciano Ferreira, Paula Ferreira, Rayanderson Guerra. Estagiários: Bernardo Falcão, Pedro Capetti e Felipe Moura, sob supervisão de Eduardo Bresciani e Helena Borges

Manifestantes são ‘idiotas úteis’, afirma Bolsonaro

Declaração do presidente nos EUA é alvo de críticas nos corredores de Brasília e entre estudantes e professores nas ruas

Henrique Gomes Batista, Paola de Orte e Paula Ferreira / O Globo

DALLAS (EUA) E RIO - De Dallas, nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro classificou ontem como “massa de manobra” e “idiotas úteis” os estudantes que participaram das manifestações pelo Brasil contra o corte de verbas para a Educação. As declarações do presidente tiveram reação imediata nas ruas, nas redes sociais e entre políticos.

—É natural, é natural. Agora... a maioria ali é militante. Não tem nada na cabeça. Se perguntar 7 x 8, não sabe. Se perguntar a fórmula da água, não sabe. Não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais — declarou Bolsonaro, que disse ter acompanhado os protestos de ontem pela internet e por mensagens do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno.

Para a oposição, a afirmação do presidente mostra sua “falta de condições” de exercer o cargo. O líder do PT, Paulo Pimenta (RS), disse que a frase de Bolsonaro revela “autoritarismo”:

—É reveladora do autoritarismo e da ignorância de um indivíduo que não reúne as menores condições de presidir o país. E que, inclusive, se refere de maneira desrespeitosa e ofensiva a muitas pessoas que meses atrás votaram nele —disse Pimenta.

Já a deputada Perpétua Almeida (AC), vice-líder do PCdoB, acredita que a posição de Bolsonaro vai inflar o movimento contra os cortes:

—A fala é provocadora e irresponsável. Ele (Bolsonaro) não está mais em campanha. É um dirigente do país e deveria se preocupar com essa quantidade de pessoas na rua. Penso que a frase dele só vai aumentar o movimento.

Educação traz de volta cenário dos protestos de rua

Por Carolina Freitas, Hugo Passarelli, Cristian Klein e Gabriel Vasconcelos / Valor Econômico

SÃO PAULO, RIO, BRASÍLIA E DALLAS (EUA) - Os protestos contra o contingenciamento de gastos das universidades federais, em 198 cidades de todos os Estados, trouxeram ontem de volta ao cenário político grandes manifestações de rua que não aconteciam desde o "Ele não", durante a campanha eleitoral do ano passado. O presidente Jair Bolsonaro, em viagem aos Estados Unidos, reagiu com críticas aos manifestantes.

Em Dallas, Bolsonaro chamou os estudantes que protestam de "idiotas úteis", que seriam manipulados por minoria "bestalhona" que comanda as universidades. "A maioria ali é militante", disse o presidente. Ele afirmou que não gostaria de fazer o contingenciamento e culpou governos anteriores. "A gente pegou o Brasil destruído economicamente (...) e, se não tiver esse contingenciamento, simplesmente entro contra a lei de responsabilidade fiscal."

Os protestos de ontem reuniram professores, funcionários e estudantes de entidades públicas e privadas. A Avenida Paulista, em São Paulo, e a Presidente Vargas, no Rio, concentraram o maior número de pessoas, com cerca de 150 mil cada uma, segundo a organização dos atos. A Polícia Militar não divulgou estimativa de público.

Cidades menores, especialmente nas regiões Nordeste e Sul, também registraram protestos. São localidades onde foram construídas universidades federais, nos governos Lula e Dilma, como parte do projeto de regionalização do ensino superior.

Renata Cafardo: Educação, o novo símbolo da polarização

- O Estado de S.Paulo

A educação trouxe de volta as grandes manifestações de rua e se tornou uma espécie de símbolo da polarização política no Brasil atual. Logo ela, que foi por tanto tempo deixada pra trás, até o ponto de amargarmos o pior lugar em avaliações internacionais de aprendizado.

Com sua inabilidade para tratar de uma área estratégica para o País, o governo conseguiu estabelecer que estar do lado de Jair Bolsonaro é acreditar na doutrinação de professores, no marxismo das escolas e na balbúrdia.

Já no discurso de posse, o presidente lembrou os palanques eleitorais e falou do “desafio de enfrentar a ideologização de nossas crianças”. Seu primeiro ministro da Educação, sem nenhuma experiência em gestão pública, ganhou o posto apenas por bradar contra o “marxismo cultural”. Depois de declarações que beiravam o inacreditável, como pedir que alunos repetissem o slogan de campanha ao cantar o Hino Nacional, Ricardo Vélez Rodríguez deu lugar a Abraham Weintraub.

O novo ministro ajudou a esticar mais a corda que distancia os dois lados. Deu motivação ideológica e ofensiva aos cortes na já tão sofrida educação pública. E acabou por levar um número impressionante de pessoas ontem às ruas, no primeiro teste do governo a uma reação em massa da população.

A questão não é só dinheiro para educação, é escolher um lado político no atual cenário. E, por isso, os protestos uniram reitores e alunos, sempre rivais nas lutas do ensino superior público. Juntaram pais e professores de escolas particulares. Todos gritando “não somos idiotas”.

William Waack: O pelotão de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

O presidente ainda não demonstrou claramente como pretende lidar com o Legislativo

Não há como o presidente Jair Bolsonaro se queixar de que não sabia. O sistema de governo brasileiro obriga um campeão de votos diretos (ele) a lidar com um Legislativo de baixa representatividade (o sistema de voto proporcional brasileiro garante a desproporção), fracionado entre dezenas de partidos políticos – alguns parecidos a quadrilhas – mas cheio de prerrogativas. Que fazem do presidente da Câmara dos Deputados uma espécie de primeiro ministro, até com pauta própria, enquanto o chefe do Executivo legisla por medida provisória.

Nesse “natural” embate não há, até aqui, a menor novidade. Nem mesmo no fato de o campeão de votos dar sinais contraditórios sobre como pretende enfrentar esse dado básico da natureza do sistema de governo. Que confunde mesmo. Por vezes, Bolsonaro acena com gestos políticos que são inerentes à necessidade de se entender com as forças dentro do Legislativo (eventualmente cedendo à pressão fisiológica por cargos). Por outras, despreza a prática da articulação política – a começar pela condução da própria bancada –, qualificando-a como porcaria com a qual não quer se sujar.

Na prática, não está fazendo nem um nem outro. E vai sendo implacavelmente encurralado por prazos de tempo sobre os quais não tem controle. Arrisca-se a ver perdida a reestruturação administrativa por conta de votação de MP mal conduzida na Câmara. Arrisca-se a ver a crise fiscal esmagar ainda mais o espaço para o Orçamento, enquanto já vai atrasado na aprovação de alguma reforma na Previdência. Arrisca-se a entregar de bandeja a adversários políticos uma narrativa política de impacto, como o contingenciamento das verbas da Educação.

Zeina Latif*: Cuidado com a lei de Murphy

- O Estado de S.Paulo

Uma economia fraca acaba sendo gatilho para eventos desfavoráveis

O quadro econômico frágil embute riscos elevados. E desta vez não há gordura a ser queimada. Uma recessão agora implicaria custos sociais muito maiores do que os de 2015, pois o desemprego está em patamares recordes de alta.

Crescem as recomendações para a adoção de políticas de estímulo com aumento dos gastos públicos, visando evitar um mal maior. No entanto, a busca de atalhos e saídas fáceis seria contraproducente, especialmente porque a crise econômica tem origem nos rombos fiscais. A cautela na condução da política econômica e o senso de urgência no avanço de reformas precisam ser redobrados.

Uma economia estagnada pode cair facilmente em recessão, pois é mais vulnerável a acidentes de percurso. Os economistas tratam os choques que impactam a economia como aleatórios, podendo ser favoráveis (como o bom clima favorecendo a safra agrícola) ou adversos (o contrário), mas sem prevalência de um ou de outro. Não se trata disso. O que discuto é que uma economia fraca acaba sendo gatilho para eventos desfavoráveis que agravam o quadro. Por exemplo, a insatisfação popular pode engrossar paralisações e greves, que machucam as finanças e a confiança de empresários e consumidores. Outro exemplo: a frustração com a arrecadação compromete a oferta de serviços públicos e programas de transferência de renda, e também alimenta a percepção de risco fiscal pelos investidores.

Celso Ming: Rumo à recessão

- O Estado de S.Paulo

A deterioração da atividade econômica ficou tão relevante que os analistas já não se limitam a projetar queda do crescimento do PIB. Começam a se perguntar se o País mergulhará novamente na recessão e, portanto, na redução da renda.

Divulgado nesta quarta-feira, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central(IBC-Br), cujo objetivo é antecipar a medição do PIB, mostra forte recuo da atividade econômica no primeiro trimestre do ano, de 0,68% em comparação com a situação do quarto trimestre de 2018.

O tom da Ata do Copom divulgada no dia anterior já havia sido especialmente impactante. Embora tenha se limitado a dizer que o PIB tinha “recuado ligeiramente”, ficou sugerido um quadro mais grave, como advertência de que é preciso da parte da sociedade, do Congresso e do governo mais empenho e mais pressa nas reformas.

A rapidez com que o setor privado tem revisto para baixo o ritmo da desaceleração mostra como a perplexidade está se espraiando. O ano começou com projeções alvissareiras, de avanço do PIB da ordem de 2,53%, como atestou na época o boletim Focus, do Banco Central. Dia após dia, esse número foi encolhendo. Na semana passada, passou a 1,45% e, a partir dos novos levantamentos do IBC-Br agora conhecidos, deverá baixar ainda mais. Há 20 dias, o Banco Itaú avisara que passou a trabalhar com um crescimento do PIB para todo este ano de 1,3%. Mas, já nesta semana, acabou de rever esse desempenho para apenas 1,0%.

Bruno Boghossian: Carregando nas tintas

- Folha de S. Paulo

Presidente tenta tingir manifestantes de vermelho, mas não consegue apagar fatos

Jair Bolsonaro decidiu enfrentar as ruas. Dos EUA, ele disse que a maioria dos manifestantes que protestavam contra o congelamento de gastos na educação “não tem nada na cabeça”. “São uns idiotas úteis, uns imbecis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona”, atacou.

O presidente tenta confinar à esquerda a primeira grande mobilização contra seu governo. Para se blindar de desgastes, ele sugere que alunos e professores não têm motivo para reclamar de sua gestão. São só alvos de uma manipulação política por parte de seus adversários.

Bolsonaro nunca está errado. Se alguém se opõe ao decreto para facilitar o porte de armas, certamente é um militante que pretende cercear direitos do cidadão de bem para transformar o país numa Venezuela. Se um manifestante defende as universidades, deve ter feito estágio em Caracas para doutrinar estudantes. Reclamações sobre a extinção de conselhos públicos? Venezuela.

Roberto Dias: A fórmula de fazer água

- Folha de S. Paulo

Presidente conseguiu soterrar um debate legítimo com uma sucessão de bobagens

Jair Bolsonaro conhece algumas fórmulas, talvez até a da água.

Uma que ele agora demonstra dominar é a fórmula para determinar o nível intelectual dos opositores. É um teste simples —trata-se de tomar tabuada, mais especificamente a multiplicação de 7 por 8.

Poderia se resumir a uma grosseria, mas acaba sendo mais do que isso. Expressa por quem nomeou um ministro da Educação que se atrapalha com a ortografia, a fórmula do presidente provavelmente resultará negativa se aplicada a seu governo.

O que só faria confirmar outra fórmula, essa levada ao estado da arte por Bolsonaro: a de acertar tiros no casco de seu próprio navio.

Mariliz Pereira Jorge: Não são só os 30% da educação

- Folha de S. Paulo

Marola tem potencial para virar um tsunami sem ideologia, sem oportunismo

Que Jair Bolsonaro tem mais sorte do que juízo já sabemos. A “balbúrdia” contra os cortes de verbas que ocorreu em várias cidades poderia ter sido muito maior se parte dos interessados em levantar a bandeira da educação, e tantas outras que seguem arriadas, não tivesse desistido de aderir aos protestos.

Muita gente simplesmente não está interessada em marchar lado a lado de bandeiras que não são as suas, mas da CUT, do MST, dos partidos políticos de esquerda, dos #lulalivre, dos que são contra a reforma da Previdência. A tal da “minoria espertalhona”, à qual o presidente se referiu, existe e sempre dá um jeito de misturar tudo num balaio e acha que todo mundo vai apoiar. Não vai.

Líderes da esquerda, como sempre, querem tirar casquinha do protagonismo dessas manifestações e não entendem que uma parte importante da população que repudia Bolsonaro, e o que ele representa, não vai andar de mãos dadas com eles em hipótese alguma. O presidente, de novo, tem sorte, pois muita gente que não gosta dele também não gosta da oposição. Mas a sorte acaba aí.

A insatisfação da sociedade é crescente em todos os segmentos, inclusive entre eleitores que apertaram o 17 em repúdio ao 13. Mas o presidente, inábil e arrogante, trata todos os manifestantes como “idiotas úteis”. Se ele olhar para além de sua militância, verá que há gente e razões de sobra para que se proteste contra seu governo.

*Maria Hermínia Tavares de Almeida: Guia cego em zigue-zague

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro formou seu governo de olho no Twitter e cego para o Congresso

Em outubro do ano passado, um grande número de eleitores não sabia o que estava fazendo. Deram a vitória a um candidato presidencial que, desde a posse, dia sim, o outro também, faz o que não sabe.

Dure quanto durar no poder, ele já entrou para a história como primeiro chefe do governo nacional exercendo à perfeição o papel do proverbial cego guiando em zigue-zague seus cegos seguidores.

No percurso, atropela ministros, aliados, direitos constitucionais e, especialmente, as regras não escritas que regem o funcionamento do nosso presidencialismo de coalizão.

Nele, o presidente tem muitos poderes, mas não consegue governar sem uma base que lhe dê apoio seguro nas duas casas legislativas. E aquela não sai naturalmente do resultado das urnas. A formação da coalizão de governo é uma realidade inescapável.

O presidente constrói sua maioria negociando, com os partidos dispostos a lhe dar arrimo, posições no ministério ou em agências do governo e outras demandas que possam ter seus parlamentares ou apoiadores.

Aquela negociação é tão necessária quanto delicada e requer um presidente com liderança política, espírito aberto e muita capacidade para transigir. Qualidades que Fernando Henrique e Lula tinham de sobra e que faltam clamorosamente ao novo presidente.

*Fernando Schüler: Não confunda o país com sua timeline

- Folha de S. Paulo

É um erro imaginar que ambiente tóxico das redes faz leitura adequada do Brasil

Yuval Harari fez uma provocação interessante em seu último livro, sugerindo que as massas se tornaram um dado menor e dispensável, nas democracias. "É muito mais difícil, diz ele, lutar contra a irrelevância do que contra a exploração."

A irrelevância, para Harari, é um subproduto do avanço tecnológico. Da economia globalizada que torna rapidamente obsoletos setores tradicionais da economia e suas ocupações. É possível que vá aí algum romantismo. A política foi, desde sempre, um jogo de elites. De qualquer modo, o diagnóstico faz sentido: perdeu-se um ator clássico da democracia, associado às estruturas sindicais e partidos da tradição social-democrata.

O ponto que parece escapar a Harari é o surgimento de um fenômeno relativamente novo na democracia, a saber: a nuvem digital. A massa difusa, fluida e dissonante de vozes, no espaço digital, que se põe como um espelho do que chamamos costumeiramente de sociedade.

O problema é que se trata de um espelho distorcido. O The Hidden Tribes Project identificou com precisão o fenômeno. Uma pesquisa realizada com simpatizantes do Partido Democrata mostrou que 53% se definiam como politicamente moderados ou conservadores, contra apenas 29% dos simpatizantes ativos na internet. Entre este último grupo, 28% haviam participado de algum tipo de protesto, no ano passado, contra apenas 7% dos democratas em geral. A pesquisa indica que o nível de consenso e moderação, na base da sociedade, é significativamente maior do que habitualmente sugerem os argumentos em torno da "democracia polarizada".

É um erro elementar confundir o que se passa no ambiente tóxico das mídias sociais com o sentimento mais amplo e difuso da sociedade. Isto levou, por exemplo, a campanha de Hillary Clinton, em 2016, a uma ênfase exagerada nos temas identitários, na crítica formulada por Mark Lilla. A minoria barulhenta dá o tom. A maioria silenciosa, em algum momento, cobra sua fatura.

Em boa medida, a habilidade para expressar sentimentos e demandas deste espectro mais amplo da sociedade, que a pesquisa apropriadamente chama de maioria escondida, pode explicar o sucesso de líderes populistas em nossa época.

Há, efetivamente, um novo ator na democracia: a minoria volátil e barulhenta que protagoniza o debate público nos meios digitais. Trata-se de um ecossistema marcado pela imediaticidade, a reação instintiva e sem filtros, e pela baixa empatia, como bem identificou a neurocientista britânica Susan Greenfield. O debate feito à distância, longe do rosto e do sentimento real das pessoas, em que a agressão e o argumento ad hominem surgem como padrão.

De tudo isso, o que mais me impressiona (ou diverte) é a lógica do ruído, da informação irrelevante, que se tornou um elemento central da política. Dias atrás andávamos entretidos com o bate boca entre "olavistas" e militares. Um tipo novo de debate, capaz de ganhar manchetes em bons jornais sem que ninguém saiba exatamente explicar do que se trata.

Anthony Giddens acertou na mosca ao dizer que, no mundo digital, "as grandes comunidades têm as mesmas características de pequenas comunidades. Há emoções, fofocas, os bullies de vilarejo". 

Luiz Carlos Azedo: Arrogância e falta de propostas

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Weintraub foi convocado ao plenário da Câmara, fato incomum, no mesmo dia de grandes manifestações de protestos de estudantes, professores e funcionários de universidades”

Foi pior que a encomenda a presença do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ontem, no plenário da Câmara dos Deputados, pautada pela arrogância, desrespeito com os parlamentares e absoluta falta de propostas. O tom desafiador e a forma desrespeitosa como o ministro se comportou acirrou os ânimos e aumentou o desgaste do governo na Casa, contrastando fortemente com o comportamento de outros ministros que se relacionam com o Parlamento, entre os quais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que está no olho do furacão da reforma da Previdência. A oposição, naturalmente, fez uma festa.

Weintraub não se deu conta da gravidade de uma situação na qual um ministro de Estado foi convocado a comparecer ao plenário da Câmara em 24 horas , fato incomum, no mesmo dia em que ocorreram grandes manifestações de protestos de estudantes, professores e funcionários de universidades e outros estabelecimentos federais de ensino. O mesmo pode ser dito em relação ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que defendeu o corte de 30% nas verbas destinadas às universidades, e ao próprio presidente Bolsonaro, que as manifestações de ontem eram de “idiotas inúteis”.

O momento de maior tensão da audiência foi quando Weintraub foi desrespeitoso com os deputados: “Eu gostaria também de falar que eu fui bancário, carteira assinada, azulzinha, não sei se vocês conhecem”, disse, provocando protestos da oposição. O ministro justificou o corte de verbas da universidade com três argumentos: herdou a crise financeira e o orçamento dos governos anteriores (“Não somos responsáveis pelo contingenciamento atual”); a preocupação do governo federal não é o ensino universitário (“Prioridade é ensino básico, fundamental, técnico”); as críticas partem da oposição derrotada nas urnas (“Nós não votamos neles”). As intervenções ao longo da audiência, porém, revelaram também o isolamento dos líderes governistas na Câmara, que estão batendo cabeça.

A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), que se sentou ao lado do ministro da Educação durante a audiência, nos bastidores da Câmara, articula a substituição do líder do governo na Casa, Major Vítor Hugo (PSL-GO), anunciando para quem quisesse ouvir que ele será sacado do cargo na próxima semana. Deputados de quase todos os partidos se revezaram na tribuna para defender a revisão do corte de verbas, a diferença de ênfase foi detalhe. Obviamente, os partidos de oposição foram mais virulentos nas críticas.

Merval Pereira: Claro enigma

- O Globo

Má relação com os parlamentares é alimentada pelas decisões voluntariosas de Bolsonaro, impróprias para um presidente

O guru dos Bolsonaro, através de quem a parte obscura do poder age no terreno das intrigas, das informações incompletas, quase clandestinas, com mensagens propositadamente enigmáticas, continua dando as cartas.

O vereador Carlos, o filho 02, o de maior ascendência aparente sobre o pai, mais uma vez deixou no Twitter uma intrigante mensagem, advertindo que “o que está por vir, pode derrubar o Capitão eleito. O que querem é claro!”.

O que mais preocupa é que tanto o presidente quanto os filhos adoram espalhar boatos, criando um clima de insegurança terrível, para quem está dentro ou fora do governo.

A mensagem do 02 foi precedida por outro enigma lançado pelo próprio Bolsonaro, que comentara que esta semana acontecerá “um tsunami”. O que estaria sendo armado para que um tsunami derrube o capitão eleito?

Ontem Carlos avalizou o vídeo de outro seguidor de Olavo de Carvalho, indicando que se referia à possível derrota da reforma administrativa na Câmara. De fato, a relação do capitão com os parlamentares vai de mal a pior, a ponto de haver entre os deputados os que desejam mostrar força política de maneira extravagante.

Não apenas tirando do Ministério da Justiça o Coaf, mas impedindo, por exemplo, que o ministro Sergio Moro sonhe com uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).

Quando houve um movimento dos bolsonaristas para reduzir a idade de aposentadoria dos ministros para 70 anos, abrindo logo três ou quatro vagas para Bolsonaro preencher, a disposição da ala que trava uma queda de braço com o governo era aprovar a idade limite para 80 anos. Agora pensa-se o mesmo, inviabilizando, pelo menos temporariamente, a nomeação de Moro.

É claro que a não aprovação da medida provisória da reforma administrativa será uma derrota política significativa para Bolsonaro, mas será também uma demonstração de irresponsabilidade da Câmara, que terá reduzida sua já parca autoridade.

Bernardo Mello Franco: Bolsonaro provoca a rua

- O Globo

Ao chamar os manifestantes de “idiotas”, Bolsonaro dobrou a aposta na polarização política. É uma estratégia arriscada, que pode inflamar as ruas contra o governo

Depois de quatro meses e meio, o governo de Jair Bolsonaro enfrentou os primeiros grandes protestos. Estudantes e professores foram às ruas em mais de 200 cidades. Criticaram os cortes na educação e o sucateamento das universidades federais.

O presidente reagiu ao seu modo. Em vez abrir espaço ao diálogo, atacou os manifestantes. “São uns idiotas úteis, uns imbecis”, disparou, em sua segunda visita aos Estados Unidos. “A maioria ali é militante, não tem nada na cabeça. Não sabe nada”, prosseguiu.

Na terça-feira, o governo chegou a ensaiar uma manobra para esvaziar os protestos. Diante de uma dúzia de deputados, Bolsonaro ligou para o ministro da Educação e mandou cancelar os cortes. Era só encenação. Pouco depois, a ordem foi desautorizada pela equipe econômica.

Míriam Leitão: A educação em um deserto de ideias

- O Globo

Ministro da Educação não perde oportunidade de errar e demonstrou ontem na Câmara que não tem um projeto para o setor

O ministro Abraham Weintraub não perde uma oportunidade de errar. Ele errou quando anunciou cortes de despesas como uma forma de punição, depois ao transformar em cortes lineares, mas algumas universidades foram mais atingidas. Erra sistematicamente ao fazer da educação um campo de batalha e quando desperdiça uma ida à Câmara com uma apresentação em que fugiu do tema para repetir platitudes. Vários parlamentares da oposição também fugiram do assunto, que mobilizou manifestantes em todo o Brasil.

O país já estava em crise fiscal, mas o Orçamento de 2019 foi feito prevendo-se um crescimento do PIB de 2,5%. Era a previsão da época e partia do pressuposto de que o novo governo conseguiria manter o clima de otimismo do início de mandatos. Está sendo cortada para 1,5%. Pelo cálculo do Ministério da Economia, R$ 30 bilhões deixarão de entrar nos cofres públicos. Foi com frustrações assim que se fizeram os contingenciamentos em todos os governos. Alguns são revertidos, outros, não. Desta vez, o temor é que o bloqueio vire corte. Há pouca esperança de algum aumento milagroso de arrecadação. Diante disso, todas as áreas estão enfrentando uma redução de despesas.

O ministro Weintraub poderia ter feito esforço com diálogo e explicações claras. Mas preferiu suas batalhas inúteis e histriônicas. Anunciou que puniria três universidades que faziam “balbúrdia”. Determinou cortes lineares, em seguida, usou bombons para fazer um truque estatístico. O corte evidentemente é sobre as despesas discricionárias e não sobre todo o conjunto que inclui as obrigatórias. Atinge barbaramente as universidades. Ontem, ele fez o seguinte raciocínio: como o país atingiu a meta de professores com mestrado (75%) e de doutorado (35%), pode-se fazer um desvio de recursos.

Ascânio Seleme: Só a derrota interessa

- O Globo

Aos poucos, a República do Tiro no Pé foi se consolidando no entorno do presidente

Não passa um dia sem que a corte de Jair Bolsonaro cometa um atentado contra seu próprio patrimônio. A ação deletéria do círculo mais próximo do presidente é cruel, e em alguns casos, ridícula. Já foram escritas algumas milhares de páginas gloriosas relatando graves e disruptivos equívocos históricos que ao longo dos tempos destruíram reis, imperadores, ditadores, presidentes. Uma nova página está sendo escrita nestes dias no Brasil. Esta, porém, não tem uma gota sequer de glória. Ela é composta apenas por erros pernósticos e grosseiros.

Um elenco de erros que ultrapassa o limite do bom senso. O pacote de bobagens começou a ser oferecido já na posse, quando o filho mais mimado do presidente abancou-se no Rolls-Royce presidencial. Parecia uma coisa juvenil, sem maior importância. Não era, como verificou-se em seguida, quando o menino demitiu o primeiro ministro do pai. A partir daí, o país acompanhou atônito uma sequência de episódios capazes de arrasar qualquer reputação. Aos poucos, a República do Tiro no Pé foi se consolidando no entorno do presidente e hoje está instalada de maneira inequívoca e soberana no Palácio do Planalto.

Dos eventos que tornam difícil o trabalho dos bombeiros de Brasília, o mais impressionante é o tratamento que o governo dá à educação. Primeiro, nomeou um maluco desprovido de bom senso que iniciou sua breve jornada na Esplanada dizendo que brasileiro é um ladrão canibal quando viaja ao exterior. Depois, indicou um sucessor mão de tesoura que anunciou um corte bilionário no orçamento das universidades em nome de um revanchismo cego e tolo. Nem o mais leal bolsonarista consegue entender uma medida como esta, a menos que imagine estar assim nivelando o Brasil ao seu próprio patamar. E ache isso bom.

Maria Cristina Fernandes: "Sem educação, basta o presidente"

- Valor Econômico

Bolsonaro superou o PT ao unir estudante, sindicato e Congresso

O título deste texto estava em cartazes de manifestantes em todo o país. Serviu de resposta instantânea à provocação do presidente da República que, de Dallas, comentou a paralisação: "A maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe. São uns idiotas úteis que estão sendo usados de massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo das universidades federais". O bolsonarismo conseguiu aquilo que nem o petismo havia sido capaz, unir sindicatos e estudantes na rua.

O protesto de ontem já estava marcado quando o ministro Abraham Weintraub veio a público anunciar o corte de um terço das verbas da educação. Seus organizadores reconhecem que não passaria de um ato contra a reforma da Previdência. Foi o anúncio do corte que o transformou em paralisação nacional pela defesa da educação em que os sindicatos trataram, espertamente, de recolher as bandeiras.

Presidente e ministro foram além. Somaram, à revolta de estudantes e sindicalistas, aquela dos parlamentares, ao ligarem os motores do "Ministério da Verdade". Ao interpelar Weintraub no plenário da Câmara, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), mostrou para a Câmara fotos de jovens nus e rituais satânicos que, segundo afirmou, comprovavam a afirmação do ministro da Educação, ali presente, de que os campi universitários são redutos de balbúrdia.

As fotos são as mesmas disseminadas nas redes sociais a partir do fim de semana, quando o guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, deu a largada, com a postagem original em que acusava as universidades de gastar dinheiro público para patrocinar orgias.

A mobilização agigantada, em grande parte, por obra e graça do governo, derrotou a contrapropaganda do "Ministério da Verdade", a máquina de falsificações à la '1984', de George Orwell. As vendas do livro dispararam nos Estados Unidos quando o público da posse do presidente Donald Trump foi manipulado por sua assessoria em nome de uma verdade alternativa.

O ministro, que já disse ter ficado míope de tanto ler Orwell, demonstrou que aprendeu a lição do escritor inglês sobre a manipulação de informações pelo Estado para confundir a população. Substituiu o contingenciamento de 30% dos gastos discricionários por um de 3,5% do orçamento total, trucagem com bombons de resultado convergente e destinada a confundir os incautos para dar munição aos exércitos virtuais da mistificação.

Fabio Graner: Em busca da demanda perdida

- Valor Econômico

Fraca demanda está inibindo investimentos das empresas

"É preciso promover regras fiscais que protejam o investimento público." A mensagem foi dada recentemente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no estudo "Melhores gastos para melhores vidas".

O assessor sênior do departamento de pesquisa do BID, Alejandro Izquierdo, citou o caso do Peru, no qual a regra fiscal vigente define que os gastos correntes devem se expandir a um ritmo de no máximo 1% abaixo do crescimento econômico. Aquele país também conta com uma regra de teto de gastos geral, que permite expansão de 1% acima do crescimento de longo prazo para todas as despesas. A combinação ao longo do tempo em tese cria espaço para mais investimentos.

O modelo peruano parece ser um caminho interessante para o Brasil refletir. Afinal, por aqui, a despeito da profusão de regras fiscais (teto de gastos, meta de resultado primário e regra de ouro), o país não só tem sido incapaz de reverter os elevados e repetidos déficits, mas também tem dizimado os investimentos.

O estudo mostra ainda que os gastos públicos em capital - que se traduzem em itens fundamentais como estradas - no Brasil passaram de 29,5% das despesas primárias em 1993 para 5,7% em 2015. O fenômeno ocorrido aqui, deve-se mencionar, ocorreu em vários países em desenvolvimento e com o mesmo efeito negativo.

Ricardo Noblat: A fogueira do capitão

- Blog do Noblat / Veja

As ruas ardem
E assim, 2019 anos depois do nascimento do Senhor, o Rabi de Nazaré, transcorridos apenas 135 dias desde a posse do ex-capitão Jair Messias Bolsonaro na presidência da República Federativa do Brasil, o eixo da política sofreu forte mudança nesta terra onde se plantando corre-se o risco de colher o inesperado.

Se a Era PT no governo se divide entre antes e depois de junho de 2013 quando multidões sem comando ocuparam as ruas para protestar indistintamente contra tudo e contra todos, dê-se por estabelecido que a Era do Mito será no futuro estudada pelos historiadores levando-se em conta o antes e o depois da data de ontem.

A ninguém foi dado o dom de antecipar que as manifestações contra os cortes de verbas para a Educação atrairiam cerca de 1 milhão de pessoas predominantemente jovens às ruas de todas as capitais e grandes cidades do país – nem mesmo à Agência Brasileira de Informações (ABIN), uma espécie de Serviço Secreto do governo.

Estimava-se que elas seriam se tanto de médio porte, concentradas nas capitais, e destinadas a reclamarem por mais dinheiro para a Educação. Pois bem: multidões desfilaram em mais de 200 cidades de todos os Estados. E até em municípios pequenos como Felipe Guerra, no Rio Grande do Norte, com menos de 6 mil habitantes.

A Educação serviu de espoleta para levar às ruas estudantes, professores e pais de alunos não só das universidades públicas como das particulares. Sem falar de estudantes secundaristas preocupados com o que poderá acontecer nos próximos anos. Para o governo, melhor seria que tivesse sido só a Educação o motivo de tudo.

Mas não. Lembra-se de um cartaz de junho de 2013 que dizia “não é somente por 20 centavos”? Referia-se ao aumento no preço das passagens de ônibus no Rio e em São Paulo. Não foi só pelo corte de 30% do dinheiro que banca despesas de custeio das universidades com luz e água, segurança e limpeza que as ruas se encheram de gente.

Foi também por causa da reforma da Previdência, da política de armamento da população, do acesso facilitado ao porte de armas e da falta de reação da economia a todos os estímulos que recebe para que cresça. Políticos e militantes de esquerda tentaram pegar carona nas manifestações. O governo preferiu hostilizar os manifestantes.

Se a presidente Dilma Rousseff, em junho de 2013, saudou, perplexa, o que viu e acenou com providências jamais tomadas para amenizar a insatisfação geral, o presidente Jair Bolsonaro, dos Estados Unidos onde se encontrava atrás de um prêmio, fez justo o contrário. Chamou os manifestantes de imbecis e de “idiotas úteis”.

Aqui, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, comparou o corte na Educação ao corte do churrasco e da cervejinha do fim de semana pelo chefe de família que perdeu o emprego. E o Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, disse que os manifestantes representavam uma minoria de “baderneiros” e de fumadores de maconha”.

O capitão acendeu a fogueira que pode incinerar o seu governo.

A aula do STJ aos justiceiros: Editorial / O Estado de S. Paulo

Não tem sido difícil encontrar, nos últimos tempos, excessos nas decisões da Justiça. Sob o pretexto de combater a corrupção e a criminalidade, alguns juízes têm ido muito além do que a lei permite e, com interpretações que se afastam da razoabilidade e da técnica jurídica, pretendem impor suas idiossincrasias justiceiras. A esses que se arrogam o direito de fazer justiça por seus próprios métodos – e não pelos caminhos legais –, a 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu, no julgamento do habeas corpus impetrado em favor do ex-presidente Michel Temer, uma verdadeira aula de Direito. A decisão de terça-feira passada, que suspendeu a prisão preventiva de Temer e do Coronel Lima, não apenas cessou uma flagrante ilegalidade. Ela reafirmou importantes garantias e liberdades de um Estado Democrático de Direito.

Acompanhando o voto do relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, os integrantes da 6.ª Turma do STJ reconheceram que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena. Não é porque uma pessoa está sendo investigada por um crime grave que ela deva ir para a prisão. “Não se discute a gravidade das condutas investigadas, porém o que está em questão não é a antecipação da pena, mas a verificação da necessidade de medidas cautelares, em especial a prisão preventiva”, afirmou a ministra Laurita Vaz.

Justiça para Temer: Editorial / Folha de S. Paulo

Prisão preventiva do ex-presidente, acusado de crimes graves, não se justificava

Por unanimidade de quatro votos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou a soltura do ex-presidente Michel Temer (MDB), que se encontrava em prisão preventiva. Os efeitos da decisão se estendem ao coronel João Baptista Lima Filho, braço direito do emedebista.

Em seus votos, ministros usaram imagens fortes —como “caça às bruxas com ancinhos e tochas na mão”— para criticar o abuso das prisões cautelares. Trata-se de recado veemente à ala de juízes e promotores da Lava Jato que aposta em interpretações folgadas dos requisitos para o encarceramento.

Ressalte-se que o julgamento não representa um golpe contra a operação jurídico-policial nem passa um atestado de inocência a Temer.

Como ministros do STJ fizeram questão de destacar, o combate à corrupção é um imperativo —e deram-se passos importantes nesse caminho. Entretanto não se pode confundir a prisão cautelar com o cumprimento da pena.

Com efeito, a preventiva (uma das modalidades de prisão cautelar) deveria ser uma exceção, cabível apenas quando a manutenção do suspeito em liberdade representa perigo para a sociedade (se continuará a cometer crimes, por exemplo) ou quando há risco de destruição de provas, pressão sobre testemunhas e fuga do país.

Hora de o Congresso agir contra a crise: Editorial / O Globo

O Brasil só não cairá no ‘abismo fiscal’ com a ajuda de deputados e senadores nas reformas

O Congresso precisa entender a mensagem dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e equipe ao comparecerem terça-feira à Comissão Mista de Orçamento. O motivo da visita já é sugestivo por si só: pedir a deputados e senadores que aprovem projeto de lei do Executivo com a permissão para o governo descumprir a “regra de ouro” e emitir R$ 248 bilhões a fim de pagar despesas correntes: folha de salários, benefícios previdenciários, despesas sociais e assim por diante.

Comparável à família que pede empréstimo para se manter: supermercado, feira, conta de luz, despesas fixas em geral. Nenhum centavo para investir em projetos que possam mais à frente permitir a geração de renda e o pagamento das dívidas. Neste caso, pode-se fazer o paralelo entre Estado e famílias.

A finalidade do sinal verde para a emissão de títulos da dívida já serve de estridente alerta: é necessária a permissão do Congresso porque o governo está impedido, por força constitucional, de usar recursos provenientes de endividamento para pagar gastos de custeio. Mas ser preciso levantar dinheiro no mercado financeiro para manter a máquina pública minimamente funcionando já é alarmante.

Para economia sair do 'fundo do poço' governo precisa agir: Editorial / Valor Econômico

A declaração do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, ontem, em comissão do Congresso, de que o Brasil está no "fundo do poço" é "déjà vu". Desde que a reforma da previdência naufragou no governo de Michel Temer, após o episódio do soturno encontro do presidente com Joesley Batista, da JBS, consultorias e economistas tentam medir exatamente a profundidade do buraco em que a economia brasileira se metera. O fundo do poço já fora superado e, pelo visto, voltamos a ele.

Apesar da corrente para a frente de otimismo, quando houve o impeachment de Dilma Rousseff, e outra, mais forte, quando Jair Bolsonaro foi eleito, nenhuma das previsões de crescimento se confirmou. Para sair do "fundo do poço" o atual governo conta apenas com os efeitos positivos sobre as expectativas de aprovação de reformas.

A equipe econômica fez a coisa certa e contingenciou R$ 30 bilhões do orçamento na primeira revisão das receitas - nada dramático em relação ao que foi feito nos governos anteriores. Agora, com a nova queda das projeções de crescimento, logo da arrecadação, mais R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões poderão ser poupados preventivamente. Com o teto de gastos, o horizonte de despesas encolheu, sem contar que as receitas não estão subindo. Há R$ 86 bilhões orçados para gastos discricionários (que na verdade não o são), montante que, segundo estudos da FGV, está abaixo do mínimo necessário para que a máquina burocrática da União continue funcionando sem grandes sobressaltos.

José Saramago: Nesta esquina do tempo

Nesta esquina do tempo é que te encontro,
Ó nocturna ribeira de águas vivas
Onde os lírios abertos adormecem
A mordência das horas corrosivas.

Entre as margens dos braços navegando,
Os olhos nas estrelas do eu peito,
Dobro a esquina do tempo que ressurge
Da corrente do corpo em que me deito

Na secreta matriz que te modela,
Um peixe de cristal solta delírios
E como um outro sol paira, brilhando
Sobre as águas, as margens e os lírios.