terça-feira, 2 de julho de 2019

Vera Magalhães: Ecos da manifestação nas relações entre os Poderes

- O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro não deixou barato: surfou nas manifestações de domingo, em posts em que diz que devem servir de recado às autoridades para que não tentem paralisar o País, e de que o povo está acima das instituições. Vem aí um manifestacionismo permanente, de cunho chapa-branca?

Por aí. Bolsonaro e o núcleo duro da ala ideológica do governo, ao qual o general Augusto Heleno parece ter se juntado com entusiasmo, a julgar pelo teor de suas ações e declarações recentes, parecem acreditar que sim, que as ruas podem servir de substituto a uma inexistente articulação política. Mas não será possível levar isso indefinidamente.

Reações. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, minimizou o poder de pressão das ruas sobre o Judiciário. “Eu respondo por mim, eu não me impressiono. Quem vem para cá tem que ter couro e tem que aguentar qualquer tipo de crítica, isso faz parte. O processo de sabatina já é um bom teste para isso. Quem está aqui, está todo dia numa “Tropa de Elite”, com todo mundo falando: “Pede pra sair, pede pra sair”, declarou.

Previdência. No Congresso, segue o baile. A reforma da Previdência, que avança muito mais em razão da costura de Rodrigo Maia que da intervenção direta de Jair Bolsonaro, deve avançar, com a leitura do parecer do relator Samuel Moreira e a votação na comissão especial. O cuidado que o governo deveria estar tomando, em vez de usar as ruas para fustigar o parlamento, é com os contrabandos de última hora no texto, alguns vindos da própria base aliada, que tentam criar novas exceções para categorias profissionais e abrandar as regras de transição

Eliane Cantanhêde: O ‘02’ e as forças ocultas

- O Estado de S.Paulo

Manifestações, parecer da reforma, Moro na Câmara, governo focando em divisões

É muito arriscada a estratégia do governo de atiçar manifestações, que agora têm até vídeos do chefe do GSI, general Augusto Heleno, de boné e camiseta amarela, pulando uma cerca, assumindo lugar de honra no palanque, empunhando microfone e vociferando contra os “canalhas” e “esquerdopatas”. O ponto alto do domingo.

Já ontem, as divisões pipocaram dentro do próprio governo, com o “02”, vereador Carlos Bolsonaro, ostentando sua mania de perseguição e postando coisas sem nexo. Joga suspeitas sobre os seguranças do GSI do general Heleno, diz que está “sozinho nessa” e é “alvo mais fácil ainda tanto pelos de fora tanto por outros”. Quais os “de fora”? E quem seriam os “outros”? Já há quem veja mais um general no alvo dos olavistas. E um general fundamental para Bolsonaro.

A mensagem do filho do presidente termina com um tom épico. Após dizer que eles (quem?) vieram deixar “uma mensagem”, ele concluiu: “Creio que essa (?!) faz uma parte dela (da mensagem?!), mesmo que isso custe a minha vida!” O que é isso?

E, hoje, temos a votação do parecer da reforma da Previdência na Comissão Especial e o depoimento do ministro Sérgio Moro para três comissões simultaneamente. Os governadores do Nordeste, todos eles do PT ou ligados ao partido, ignoraram a reforma e fizeram uma nota unicamente para atacar Moro e os procuradores e, indiretamente, mas nem tanto, defender a liberdade do ex-presidente Lula.

Na nota, um óbvio contraponto às manifestações de domingo, os governadores consideram as conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato, reveladas pelo site The Intercept Brasil, como “de extrema gravidade” e condenam: “ao lixo o direito”... Eles são do PCdoB, do MDB, do PSB, além do PT, e calaram sobre a reforma da Previdência, fundamental para o futuro não só do Brasil, mas dos seus Estados.

Debate: O governo deve apoiar ou ter representantes em atos de rua?

Sim - Kléber Carrilho* / O Estado de S. Paulo
O governo de Jair Bolsonaro se mantém com a estratégia de comunicação utilizada durante o processo eleitoral: a simplificação das mensagens e o ataque aos inimigos. Para isso, precisa manter na agenda das redes sociais o caminho narrativo das bandeiras já utilizadas.

As lutas contra os comunistas e a corrupção, a favor da segurança e da família tradicional, continuam presentes. Isso faz com que as manifestações, como as do domingo passado, tornem-se ainda mais importantes para colocar, no ambiente virtual, uma ideia de que o povo está com os valores do presidente.

As mensagens simples, estimuladas pelos organizadores dos movimentos, fazem com que o governo mantenha o apoio de uma parte da população e a defesa radical dos influenciadores digitais. Alguns atores, então, são essenciais pa- ra que o governo esteja presente nas ruas e nos compartilhamentos. Sai, momentaneamente, o presidente, mas está lá o inflável do ministro da Justiça. Saem os filhos, mas o general Heleno dá conta de dizer o que deve ser a tônica dos posts da semana seguinte.

Os personagens boquirrotos têm o papel de fazer a ligação entre o que aparece nas redes e o que se busca nas ruas para alimentar as redes. Para um governo que se mantém com a comunicação organizadamente atabalhoada, para não cair no esquecimento público e no mar de escândalos, ministros como Weintraub, Damares e Heleno são fundamentais para que a guerra continue. E eles precisam estar em todas as frentes, das redes às manifestações nas ruas.

*Cientista político e professor da Universidade Metodista de São Paulo

Não - José Álvaro Moisés* / O Estado de S. Paulo
O governo Bolsonaro enfrenta reveses importantes. No Congresso, algumas de suas medidas – resultantes de decretos presidenciais – são contestadas por parlamentares e, na opinião pública, além das revelações do The Intercept Brasil que deixaram o ministro Sérgio Moro em situação delicada, as recentes pesquisas de opinião mostram que parte importante do apoio do presidente está se esvaindo. Diante disso, seus apoiadores voltaram a apelar para mais mobilização da população nas ruas.

Domingo as manifestações ocorreram em 26 Estados, além do DF e, ao lado da defesa de Moro, da Lava Jato e da reforma da Previdência, os manifestantes voltaram a atacar o Congresso Nacional e o STF. Mesmo o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, se permitiu, para além da defesa de Moro e de Bolsonaro na reunião do G-20, atacar brasileiros que chamou de “esquerdopatas”.

Considerados “legítimos” por Bolsonaro, tais atos revelam uma estratégia de mobilização que só se explica pela fragilidade política do governo, e revelam uma clara confusão entre governo e Estado. Este, diferente do governo, representa o conjunto dos cidadãos, inclusive os que não apoiam aquele, o que torna injustificável que um chefe de Estado ou um ministro seu, ao invés de unir o País para enfrentar seus desafios, ajam para dividi-lo ainda mais. E mais grave é o presidente e um ministro da área de Segurança apoiarem manifestações que atacam instituições democráticas como o Congresso e o STF. Mal sinal para a democracia.

*Cientista político e professor e da Universidade de São Paulo

Merval Pereira: Surpresa difícil

- O Globo

Esquerdistas insistem em querer se beneficiar dos efeitos da reforma sem o ônus de apoiá-la publicamente

A reunião de hoje do governador do Piauí, o petista Wellington Dias, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, provavelmente será infrutífera. Se resultar em acordo, com a inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência, será uma grata surpresa para todos, e um benefício para a economia do país, que terá uma organização horizontal do sistema de previdência.

Os governadores, especialmente os oposicionistas do Nordeste, querem resolver seus problemas sem colocar as digitais na reforma. Mas a maioria dos temas não tem relação com a Constituição Federal, apenas seria mais fácil para eles. Só a alíquota acima de 14% será possível constitucionalizar.

A colocação do tema no bojo da reforma, para a apreciação da Comissão Especial, é delicada e pode trazer risco para a aprovação, a não ser que haja certeza de que os governadores vão agregar votos. Os parlamentares favoráveis à reforma calculam que o governo pode perder cerca de 40 votos de sua base com essa inclusão, e os governadores, sobretudo os de oposição, têm que acrescentar outros tantos para que a aprovação da reforma continue viável.

E por que está difícil aprovar a reforma da Previdência com a inclusão de estados e municípios? Porque os deputados federais, temendo desgaste nas próximas eleições, querem deixar a decisão regional para governadores e prefeitos, que teriam que ter o apoio dos deputados estaduais e dos vereadores.

Míriam Leitão: O real que ficou após a travessia

- O Globo

Agora é natural ter uma moeda que não muda de nome nem corta zeros há 25 anos, período em que passou a ser possível a inflação cair após ter subido

Muitas vezes a travessia pareceu impossível. Várias tentativas fracassaram, o atoleiro a ser vencido era imenso, havia divergências sobre a melhor estratégia. Aqueles tanques, carros blindados e tropas que saíram às ruas dias antes, os aviões da FAB que cruzaram os céus com as suas cargas foram vistos como naturais. Era uma guerra, o que se travava. No dia 1º de julho, uma sexta-feira, as agências bancárias ficaram abertas até mais tarde, para que se pudesse trocar o dinheiro velho pelo novo.

Vinte e cinco anos depois, a memória não registra a enormidade do feito, porque é natural ter uma moeda que não muda de nome há um quarto de século, da qual não se cortam zeros. É comum ter uma inflação que desce depois de subir um pouco, como agora. A taxa em 12 meses chegou perto de 5%, mas com o dado de junho voltará para 4%.

Segundo o IBGE, no exato dia de ontem, o Brasil tinha 81,1 milhões de pessoas com até 25 anos, 38% da população. Esses brasileiros jamais conviveram com outra moeda. Eles e os que eram pequenos naquela época podem se perguntar: por que ter tanques e carros blindados nas ruas e aviões da FAB nos céus? É que o novo plano quis trocar todo o meio circulante do país. Era o aparato para transportar o dinheiro. Outros planos aceitaram carimbar cédula velha com outro nome. O real quis marcar a inauguração da nova história monetária.

José Casado: O balé eleitoral de Bolsonaro

- O Globo

É razoável esperar que presidentes, ao menos, leiam compromissos que juram ou subscrevem

Jair Bolsonaro é um político profissional. Já passou 47% da sua vida no Legislativo, o triplo do tempo em que esteve no Exército, que o prendeu, processou e afastou por indisciplina. Mesmo assim, continua no autoengano da negação da política e esgrimindo uma suposta ignorância sobre o que diz a Constituição.

Na noite de domingo, ele escreveu: “Respeito todas as Instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade.”

A essência dessa frase de 16 palavras é o exorcismo de outra, com 20 vocábulos: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Está destacada em parágrafo único no primeiro artigo da Carta — à qual Bolsonaro jurou obediência oito vezes seguidas nos últimos 30 anos.

Não se pode exigir que presidentes sejam sábios, mas é razoável esperar que, ao menos, leiam compromissos que juram ou subscrevem.

Luiz Carlos Azedo: O senso dos exaltados

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A radicalização inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência”

Muitos cartazes e faixas nas manifestações de domingo passado em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, tinham um significado muito claro: defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Legítimas palavras de ordem em favor da reforma da Previdência, da Operação Lava-Jato e da legislação anticrime, fatores de mobilização da opinião pública, foram desvirtuadas por algumas lideranças que defendem a substituição de nossa democracia representativa por um regime autoritário.

Militantes do Vem Pra Rua e do MBL, que convocaram os protestos, foram agredidos por integrantes de grupos de extrema direita que defendem a transformação do governo num regime militar. O MBL e o Vem Pra Rua surgiram durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas não participaram das manifestações pró-Bolsonaro de maio passado por terem sido convocadas para pressionar o Congresso e o Supremo. Entretanto, apoiam a Lava-Jato e Sérgio Moro. Por isso, convocaram a manifestação de domingo, que foi engrossada pelos militantes que defendem uma intervenção militar. Os dois grupos se estranharam. Na Avenida Paulista, somente não houve um conflito generalizado por intervenção da Polícia Militar, que conteve os mais exaltados.

Tais fatos merecem uma reflexão sobre o nível de exacerbação criado pela radicalização política. Alguém já disse que o senso comum em relação a certos temas nem sempre coincide com o bom senso. Os protestos foram convocados depois que o site The Intercept Brasil passou a divulgar supostas trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba, que sugerem a intervenção do então juiz federal na condução da operação, inclusive com a indicação de possíveis testemunhas. Há duas discussões cruzadas na questão: uma trata da objetividade dos crimes cometidos pelos réus da Lava-Jato e as penas em relação aos seus atos; a outra, da necessária separação de papéis entre quem investiga, quem acusa e quem julga, pressupostos da ordem democrática. A esfera de decisão sobre esses assuntos é o Poder Judiciário.

É óbvio que, na democracia, o povo tem direito de se manifestar como quiser. Tanto o Congresso como o Supremo têm que saber suportar a crítica das ruas. Mas não é uma boa política o Executivo estimular esse tipo de mobilização, muito menos um ministro de Estado como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, subir no palanque como se fosse mais um militante de direita radical.

Por uma série de razões, entre as quais a situação da economia, o presidente Jair Bolsonaro vive um momento delicado de seu governo, que ainda não deslanchou e perde popularidade. Em circunstâncias normais, diante da agenda do governo no Congresso e dos problemas da economia, o movimento natural seria a busca de negociação política. Mas não é isso que acontece. Essa mudança na chamada “correlação de forças” anima a oposição a retomar a iniciativa política e, em contrapartida, estimula o presidente da República a buscar apoio nas ruas, mobilizando sua base eleitoral mais ideológica.

Ranier Bragon: Ele vê, ele ouve

-Folha de S. Paulo

Ex-juiz vê, ouve e dá as mãos ao que de pior há no bolsonarismo

Sergio Moro senta-se nesta terça (2) diante dos deputados federais assim como se sentaram outras vezes, diante dele, um sem-fim de alvos da operação que investigou um dos maiores escândalos de corrupção de toda a nossa história.

De símbolo da Lava Jato, se transformou em superministro indemissível. Seis meses após a posse, chega agora à audiência na Câmara debaixo de uma das suspeitas mais embaraçosas para um juiz, a da parcialidade. E escorado politicamente, como nunca, no presidente da República e em seu grupo mais radicalizado.

Não é preciso citar Constituição, Lei da Magistratura, julgados históricos, a premissa básica da função de um juiz é a imparcialidade. Poupo o leitor da óbvia comparação ao soprador de apito no futebol.

Moro e procuradores da Lava Jato adotaram, após um primeiro desencontro, a mesma postura diversionista de muitos que se sentaram diante do então xerife da Lava Jato.

Vê-se extrema gravidade no modo de obtenção dos diálogos que chegaram ao Intercept —e de fato, se ato criminoso houve na origem, deve ser investigado a fundo e punido—, mas, na história em si, nada há de mais, é um balão vazio, é o proverbial roedor parido pela montanha.

Joel Pinheiro da Fonseca: Nas ruas para quê?

- Folha de S. Paulo

A ideia de que os domingueiros possam carregar o governo nas costas nunca pareceu tão distante

A manifestação pró-governo está se tornando um programa rotineiro de domingo em São Paulo. Em outras cidades parece que os protestos murcharam, mas em São Paulo eles seguem fortes. Uma vez por mês, cidadãos vestidos de verde e amarelo, aguerridos defensores do governo Bolsonaro, caminham pela avenida Paulista, ouvem uns discursos, gritam algumas palavras de ordem e voltam para casa. A cada reedição, o número e a garra dos participantes parecem diminuir um pouco. É essa a grande estratégia do governo?

Moro sem dúvida agradece essa mostra de popularidade, mas não é como se ela trouxesse alguma novidade. Seus apoiadores agora estão estritamente circunscritos ao bolsonarismo. E é nessa condição de fiel escudeiro do “Mito” e nada mais que ele deve continuar ministro. Fora do governo, os protestos estão se tornando irrelevantes.

A ideia era que Bolsonaro não precisava negociar com o Congresso porque a força da pressão popular sobre os parlamentares os obrigaria a seguir as ordens do Executivo. Na prática, contudo, o Congresso vê os manifestantes entoando cantigas de amor ao presidente e seus ministros e não sente medo nenhum. Não vemos nas ruas as multidões a perder de vista. E como elas não apresentam grandes riscos de partir para a violência, invadir o Congresso, parar a cidade (até o dia dos atos é escolhido para não interferir no trânsito) ou algo do tipo, perdem o potencial intimidatório. O domingo de manifestação virou o dia do lazer bolsonarista.

*Pablo Ortellado: respeito à autoridade?

- Folha de S. Paulo

Grupo tem se mostrado leniente com infrações de trânsito e crimes ambientais

Conservadores normalmente se consideram defensores de uma ordem baseada no respeito a uma autoridade tradicional que pune com rigor os desvios da norma social. Já os progressistas costumam se entender como defensores de uma ordem baseada numa autoridade diluída que compreende e respeita a diversidade.

Essas são, grosso modo, as características constitutivas das duas visões de mundo segundo o influente e clássico livro de George Lakoff, "Moral Politics" (University of Chicago Press, 1996).

Embora essa descrição provavelmente seja aceita por atores dos dois campos, ela não parece descrever com precisão o jogo político contemporâneo, especialmente no caso dos conservadores.

Se olharmos com atenção, veremos que conservadores não respeitam toda autoridade tradicional, mas apenas algumas delas. Na verdade, o conservadorismo contemporâneo, pelo menos na sua expressão mais vulgar, tem se mostrado em muitos casos agudamente antiautoridade.

Uma parcela expressiva dos conservadores, por exemplo, tem desafiado a autoridade da ciência, fomentando uma cultura de desconfiança generalizada ao conhecimento científico, que é especialmente forte em temas que foram politizados como mudança climática, segurança pública e orientação sexual e de gênero.

A autoridade profissional do jornalismo também tem sido contestada por conservadores que acusam a cobertura da grande imprensa de ser parcial e esquerdista.

*Michel Temer: Quem é a autoridade?

- Folha de S. Paulo

O povo se expressa pela manifestação do Legislativo

Observei, ao longo do tempo, que muitos entendem que autoridade é uma pessoa física. Presidente, governadores, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, juízes e até outras categorias são (ou se acham) autoridades, segundo o uso comum. Não são. São, isto sim, autoridades constituídas. E constituídas pela única autoridade legítima nos estados democráticos: o povo.

Todo poder emana do povo não é regra de palanque político, de momento eleitoral. É regra jurídica, que diz quem manda no Estado. E, a partir daí, quem manda constitui autoridades por eleições ou por vias legalmente estabelecidas. Estas, autoridades constituídas, exercerão funções definidas na Lei Maior: legislação, execução e jurisdição. Vejam que a lei criadora do Estado é fruto da vontade de um povo determinado. Por isso, costuma-se dizer que ela expressa a soberania popular.

Soberania, por sua vez, é vocábulo que vem de soberano, supremo e incontestado governante, como ocorria no Estado absolutista. Significa que não encontra contraste. É incontrastável. Juridicamente é a capacidade de querer coercitivamente, fixando competências, direitos e deveres. E sanções quando for o caso. É o que faz a Lei Maior, a Constituição. Portanto, desde o nascimento do Estado de Direito, verifica-se a certeza da dicção: autoridade é o povo.

É quem titulariza e defere o exercício do poder constituinte originário, cuja vontade prossegue na elaboração legislativa infraconstitucional. A derivação se dá por meio de leis nascidas no Parlamento ou, no nosso sistema, por medidas provisórias. Portanto, depois de nascido o Estado por meio da Constituição (que é ditada, no geral, pelos representantes populares), é o Legislativo que passa a expressar a vontade popular. Por meio, naturalmente, dos atos normativos que edita.

Andrea Jubé: Tropa de elite 3 - o inimigo está nas ruas?

- Valor Econômico

Placar da prisão em segunda instância pode ter reviravolta

O "couro" resistente dos ministros do Supremo Tribunal Federal - na definição do presidente Dias Toffoli - será testado no segundo semestre a se confirmar a pauta de temas controversos: não oficial, mas ventilada nos bastidores. Sob pressão das ruas e ataques nas redes sociais, o tribunal poderá retomar o julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância, e eventualmente discutir a validade como prova judicial dos diálogos vazados entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador da República Deltan Dallagnol na Lava-Jato.

Ontem Toffoli admitiu que a prisão antes do esgotamento dos recursos pode ser incluída na pauta em uma "janela" do calendário. A coluna apurou que se desenha uma reviravolta no julgamento, com um placar de 7 votos a 4 contra a execução precoce da pena. O resultado favoreceria tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto mais de 100 mil presos, ou 1/4 da população carcerária estimada em 600 mil detentos.

Uma fonte credenciada do STF afirma que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou o voto contrário à prisão em segunda instância, em observância ao princípio da presunção da inocência. Os outros votos já conhecidos nessa mesma linha são os do relator da matéria, Marco Aurélio Mello, do decano Celso de Mello, e dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Dias Toffoli.

Do outro lado, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia mantêm os posicionamentos favoráveis à prisão antes da exaustão dos recursos.

No ano passado, por 6 votos a 5, o plenário analisou o tema em habeas corpusreivindicado por Lula, e decidiu que a prisão do ex-presidente era constitucional. Rosa Weber ressalvou que tem entendimento contrário, mas no caso concreto, acompanharia a maioria do colegiado. Moraes endossou a prisão antecipada, mas estaria inclinado a rever o posicionamento. Toffoli invoca uma solução intermediária, viabilizando a prisão após a análise do processo pelo Superior Tribunal de Justiça.

Luiz Gonzaga Belluzzo: Divergências estratégicas

- Valor Econômico

A crise que hoje machuca a economia brasileira é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica

O economista Tianley Huang, do Peterson Institute, publicou recentemente um artigo a respeito das políticas de investimento do governo chinês. O relatório sobre o Orçamento de 2019, submetido ao Congresso Nacional do Povo, salientou que o governo "daria pleno apoio para o papel dos fundos governamentais na orientação de capital e recursos para áreas-chave de importância estratégica".

Os fundos orientados pelo governo fazem prioritariamente investimentos em empresas não cotadas em bolsa e startups em setores escolhidos. Em alguns casos, esses fundos também investem em empresas cotadas, por meio de aquisições no mercado secundário, fusões e aquisições. A NDRC (Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma) enumera sete áreas nas quais os fundos orientados pelo governo são estimuladas a investir: 1- ensino superior, cultura e entretenimento; 2- infraestrutura; 3- habitação social; 4- proteção ambiental; 5- regiões subdesenvolvidas; 6- indústrias emergentes estratégicas e indústrias de manufatura avançada e 7- inovação e empreendedorismo. Nos últimos anos, os investimentos concentraram-se nas duas últimas.

No dia 23 de maio passado, a NDRC reforçou os programas de conversão de dívida em capital (debt-equity swaps) com novas abordagens para aliviar os encargos da dívida das empresas e impulsionar a sua vitalidade. O vice-presidente da comissão declarou que a conversão de dívida em capital baseada no mercado, com apoio na lei, é medida importante para ajudar as empresas com potencial de mercado a administrar os encargos da dívida e promover o crescimento, com eficiente gerenciamento do risco. Empresas zumbis não entram no programa.

"Nossos esforços na busca de conversões dívida-capital baseados no mercado, com apoio na lei, nos últimos anos, funcionaram. O trabalho nessa frente atingiu uma conjuntura crucial, e desempenha um papel importante na promoção de um ambiente de negócios, energizando a vitalidade do mercado", disse Li Keqiang. "Sem sucesso neste empreendimento, os mercados de capitais da China dificilmente podem florescer".

Peço licença ao leitor para reproduzir o que já escrevi recentemente a respeito das peculiaridades da economia do Império do Meio. Os chineses cuidaram reforçar a centralidade da "organização capitalista" em que prevalecem nexos "cooperativos" nas relações entre empresas e burocracias civis, militares e de segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço tecnológico (P&D). É crucial a presença dos bancos públicos no provimento de crédito e para permitir a apropriação da tecnologia, mediante a utilização das empresas estatais para a formação de joint ventures com empresas privadas, nacionais e estrangeiras, promovendo a "administração estratégica" do comércio exterior. Essa arquitetura institucional não apenas assegurou excepcionais taxas de investimento e acumulação de capital, como também ensejou programas de "graduação" tecnológica.

O paradigma sino-asiático acentua sobretudo a importância das vantagens competitivas construídas na interação entre Estado, empresas, fornecedores e clientes: a- processos cumulativos de aprendizado "learning by doing" na produção flexível, no desenvolvimento de produtos); b - economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado);c- estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro, sobretudo minimização de estoques, de custos de transporte e de armazenagem); d - novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais);e- economias derivadas da cooperação tecnológica e do co-desenvolvimento de produtos e processos.

A crise que hoje machuca a economia brasileira é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica. Bolsonaro, Paulo Guedes e seus "seguidores", dentro e fora do governo, se empenham na desconstrução do arcabouço institucional que sustentou o desenvolvimento do país ao longo de cinco décadas. O debate econômico no Brasil está espremido no espartilho mental que abriga a oposição binária entre Estado e Mercado. Cortar, desmobilizar, privatizar, são os verbos mais conjugados nos gabinetes dos palácios e da finança. Não por acaso, a Secretaria que cuida das Privatizações ostenta também a alcunha de Desinvestimentos. O encolhimento do BNDES está inscrito no programa de desmontagem institucional patrocinado pelo governo Bolsonaro.

Ricardo Noblat: Nem céu de brigadeiro nem mar de almirante

- Blog do Noblat / Veja

Previsões sobre o passado
Quando o governo completou 5 meses, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional da presidência da República, alertou em assustadora entrevista ao jornal Valor: “Subida do dólar, queda abrupta das ações das empresas brasileiras, desabastecimento. Vamos virar uma Venezuela! Vamos disputar arroz no tapa, vamos disputar feijão no tapa!”

À época, o Congresso hesitava em aprovar o crédito suplementar para que o governo pudesse fechar suas contas este ano. O crédito foi aprovado. Até o final de agosto próximo, o Congresso aprovará também a reforma da Previdência – não a proposta pelo governo no valor de 1,2 trilhões, mas uma estimada em 800 bilhões que permitirá ao governo atravessar os próximos três anos e meio.

Bem que o general Heleno, posto onde está por seus ex-colegas de farda para tutelar um capitão indisciplinado, poderia baixar o tom de suas intervenções daqui para frente e colaborar para que o governo buscasse certa paz de espírito sem a qual dificilmente será bem-sucedido. Mas não. De eventual dono da voz, Heleno passou à condição de a voz do dono. E está feliz com esse papel.

Há seis meses, havia três grupos dentro do governo: o dos militares; o dos técnicos; e o de viés ideológico, afinado com Bolsonaro, seus filhos e o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. O primeiro grupo tinha como missão evitar que Bolsonaro se excedesse. O segundo, tocar a vida. O terceiro, cuidar da pauta de assuntos dos eleitores de raiz do capitão.

O grupo dos militares foi a grande baixa do período. Desintegrou-se. E não só porque Bolsonaro operou para que se desintegrasse, mas porque nunca soube ou nunca quis atuar como grupo. Não basta reunir pessoas com afinidades e chamá-las de grupo. E imaginar que agirão como tal. Os militares no governo nunca combinaram nada. Sequer conversam direito. Perdeu o bonde.

O fim do primeiro semestre de um governo acidental (ainda faltam mais sete) marcou o início da fase sem contraste de concentração do poder nas mãos do capitão defenestrado do Exército por insubordinação e comportamento antiético. Pelas características de temperamento e de conduta do personagem em tela, é perda de tempo especular sobre o que o futuro nos reserva.

O bom sinal é que o país conta agora com um Congresso disposto a exercer suas competências e a não se deixar seduzir por aventuras. E um Supremo Tribunal com maioria de ministros empenhada em fazer com que as leis sejam cumpridas. Resta-nos apertar o cinto e aguardar as turbulências que virão. Não haverá céu de brigadeiro nem mar de almirante com um governo de crises.

Corda bamba: Editorial / Folha de S. Paulo

Escândalo dos laranjas do PSL se agrava e complica ainda mais ministro do Turismo

Uma operação desencadeada pela Polícia Federal na quinta-feira (27) fez balançar a corda bamba na qual se equilibra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, suspeito de envolvimento no caso das candidaturas de laranjas do PSL, revelado por esta Folha.

O político, que há muito perdeu as condições de continuar no cargo, se viu enredado em novas complicações após a prisão em caráter temporário de três pessoas ligadas a ele —um assessor especial e dois ex-assessores. Nesta segunda-feira (1º), todos eles tiveram a soltura determinada pela Justiça, mas foram indiciados pela PF.

O primeiro, Mateus Von Rondon, é tido como braço direito de Álvaro Antônio no governo; os demais, Roberto Silva Soares e Haissander Souza de Paula, atuaram na campanha eleitoral que o elegeu deputado federal por Minas Gerais.

As diligências dão seguimento à Operação Sufrágio Ostentação, que há dois meses cumpriu mandados de busca e apreensão em gráficas que declararam ter prestado serviços ao PSL mineiro.

Agora, o jeito é modernizar: Editorial / O Estado de S. Paulo

Modernizar é mais do que nunca um imperativo, uma condição de sobrevivência e de crescimento imposta pelo acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Este é o mais amplo e mais ambicioso pacto comercial celebrado pelo Brasil e pelos parceiros de bloco, mas é também o mais desafiante. Não basta combinar abertura de mercados e prazos para a redução ou eliminação de tarifas. Para competir, as empresas terão de se tornar mais produtivas e inovadoras, mas dependerão também de medidas políticas para enfrentar a nova concorrência. Do outro lado estarão produtores modernos, bem equipados, criativos, apoiados por ampla oferta de capital e de mão de obra qualificada e operando num ambiente mais propício aos negócios – com infraestrutura mais eficiente, menores entraves burocráticos, tributos mais funcionais, maior segurança jurídica e maior visibilidade para planejar.

Durante a longa negociação, iniciada há mais de 20 anos, a diplomacia do Mercosul foi sempre ofensiva quando se tratou do agronegócio e defensiva na discussão do comércio de bens industriais e de serviços. A diplomacia europeia dedicou-se ao jogo inverso, mas as duas estratégias nunca foram exatamente simétricas. Ao defender a agropecuária, os europeus deram atenção, com frequência, mais a pressões políticas internas do que a fatores técnicos. Do lado do Mercosul, os negociadores, principalmente brasileiros e argentinos, tiveram de levar em conta as condições efetivas de competição das indústrias locais.

Acordo com UE será primeiro teste para valer de abertura: Editorial / Valor Econômico

Nenhum acordo comercial foi até hoje tão importante para o Brasil quanto o que foi acertado na semana passada entre Mercosul e a União Europeia. Ele abre uma perspectiva de grande escala para as exportações brasileiras e para a ampliação da participação das empresas do país nas cadeias globais de produção. Os magros acordos feitos pelo Brasil cobrem países que somam só 8% do comércio mundial - com os europeus, chega-se ao triplo disso. Se aprovado, haverá impulso modernizador não só na retaguarda regulatória e de conformidade - normas sanitárias, barreiras tarifárias e não tarifárias, procedimentos alfandegários - do comércio bilateral, como também nos promissores campos da pesquisa, ciência, tecnologia e ambiente.

Vinte longos anos se passaram do início até a conclusão do acordo divulgado na quinta-feira. Idiossincrasias ideológicas e estratégias comerciais foram responsáveis pelo atraso. Os governos petistas tinham outra visão da inserção no comércio global. A UE sempre foi fortemente protecionista na agricultura e o Brasil procurou abrir essa couraça europeia em negociações na Organização Mundial do Comércio que pouco prosperaram. O Brasil não deveria ter abandonado a opção dos acordos bilaterais, mas os governos petistas estavam mais interessados no comércio Sul-Sul e desprezaram as possibilidades dos mercados desenvolvidos. O resultado é que o país não fez qualquer acordo relevante e continuou até hoje como um dos mais fechados do mundo.

Ao governo de Jair Bolsonaro coube arrematar o acordo ao seu jeito - criando problemas para si próprio. A primeira participação de Bolsonaro na reunião do G-20 foi péssima. O presidente disse que não chegara ali para ser advertido por ninguém, enquanto Alemanha estava, como os brasileiros, preocupada com o desmatamento e a França ameaçava não assinar nada se o Brasil não se comprometesse com o Acordo de Paris. O ministro do GSI, Alberto Heleno, mandou-os "procurar sua turma". Não foi necessário porque o governo brasileiro prometeu seguir suas metas no Acordo de Paris como, apesar das preferências de Bolsonaro, e agir para proteger o ambiente e as comunidades indígenas.

É vital que reforma cubra toda a Federação: Editorial / O Globo

A possibilidade de estados e municípios não entrarem no projeto põe a população em risco

A negociação em torno da reforma da Previdência é repleta de riscos e imprevistos, devido aos interesses em jogo. No caso das alterações imprescindíveis no sistema de seguridade, os problemas são de tamanho proporcional ao tempo que os políticos deixaram passar sem adequar as regras do INSS (dos empregados do setor privado) e dos “regimes próprios” (dos servidores públicos) às mudanças demográficas. O bem-vindo aumento da expectativa de vida da população requer que as pessoas passem mais tempo no trabalho ativo, contribuindo para a Previdência. Como isso não ocorreu, os déficits bilionários explodem, e, agora, tenta-se corrigir o erro.

Como se trata de uma reforma que implica mudanças na Constituição, há um longo rito a ser cumprido. O que significa que existem mais chances para obstruções e sabotagens contra a atualização do sistema, tramadas no Congresso por representantes de corporações que se beneficiam das atuais regras, a maioria delas do funcionalismo público.

Tem sido assim desde a tentativa, ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), de se estabelecer uma idade mínima para aposentadoria, derrotada por um voto. Com Lula e Dilma — mais com o primeiro —, houve avanços na seguridade do funcionalismo, mas insuficientes. Porém, em meio a crises no PT, partido capturado pela antiga visão ideológica de que o Estado tudo pode — a receita da hiperinflação. No momento, enquanto o relator do projeto da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), se prepara para apresentar à Comissão Especial um parecer complementar a seu relatório, há riscos de ficar pendente a inclusão de estados e municípios no projeto.

Castro Alves: Ode ao dois de julho

Era no dois de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
"Neste lençol tão largo, tão extenso,
"Como um pedaço roto do infinito...
O mundo perguntava erguendo um grito:
"Qual dos gigantes morto rolará?!..."

Debruçados do céu... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era a tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!

Não! Não eram dois povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado...
Era o porvir - em frente do passado,
A Liberdade - em frente à Escravidão,
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva - e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...
As bandeiras — como águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!...


Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu— Liberdade peregrina!
Esposa do porvir-noiva do sol!...


Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos de Cabrito,
Um pedaço de gládio — no infinito...
Um trapo de bandeira — n'amplidão!...