terça-feira, 9 de julho de 2019

Eliane Cantanhêde: Lava Máfia

- O Estado de S. Paulo

Sob pressão, Moro comemora a ação impecável da PF na prisão de mafiosos italianos

Depois de anos de estranhamento, Brasil e Itália retomam as relações a todo vapor, principalmente no combate ao crime organizado, e comemoraram ontem o sucesso da operação da Polícia Federal que prendeu em São Paulo dois importantes líderes mafiosos, Nicola e Patrick Assisi, pai e filho, os “fantasmas da Calábria”.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, comemoraram a operação impecável, o desfecho e a sinalização para brasileiros e para o mundo: “O Brasil não deve ser refúgio para criminosos”, declarou Moro. “O Brasil não é paraíso de mafioso”, disse Valeixo, sem precisar lembrar dos filmes estrangeiros em que o bandido, de camisa florida, foge, feliz, para o Brasil.

Moro e Valeixo se reuniram com o procurador Antimáfia e Antiterrorismo da Itália, Federico Cafiero, que gravou vídeo recheado de elogios à PF brasileira. Bem... o fato de ser bem às vésperas da votação da reforma da Previdência no plenário da Câmara deve ser mera coincidência. Policiais da PF, da PRF, da Polícia Legislativa e da Polícia Civil pressionam o Congresso por uma aposentadoria camarada, equiparada à dos militares.

Sob pressão, por conta dos diálogos com procuradores divulgados pelo site The Intercept Brasil, Moro estava todo saltitante ontem (na medida em que o contido Moro consegue ser saltitante), talvez por, enfim, inverter a pauta. Segundo ele, Nicola Assisi é “um dos maiores traficantes de cocaína do mundo” e a operação da PF foi impecável, merece todos os elogios.


Valeixo endossa: “Foram meses de trabalho, de levantamento, apuração, checagem”, contou, particularmente satisfeito porque seus agentes conseguiram driblar o sofisticado sistema de segurança dos dois mafiosos, surpreendê-los e prendê-los sem que tivessem tempo de correr para o esconderijo do apartamento. E sem troca de tiros, mortos e feridos.

Os alvos ocupavam três apartamentos duplex, com câmeras de monitoramento de última geração, e mantinham em casa um velho hábito de mafiosos na Itália: um cômodo com paredes reforçadas, antirruído e dissimuladas atrás de armários. Tinham, também, em torno de R$ 1 milhão, em dólares, euros e reais; 4 kg de cocaína pura e armas. Mas nada disso foi suficiente para escaparem da PF, que atuou em conjunto com a inteligência italiana.

Ao mover mundos e fundos para manter o terrorista Cesare Battisti no Brasil, contra a opinião de juristas e de pareceres do Ministério da Justiça e do Itamaraty, os governos do PT geraram irritação não apenas no governo e nas instituições italianas, mas também da própria opinião pública do país, sempre tão simpática ao Brasil e aos brasileiros. Os ventos mudaram, Battisti foi cumprir pena no país dele e os acordos e ações de cooperação deslancharam.

*Pablo Ortellado: Silêncio irresponsável

- Folha de S. Paulo

Relatório sobre situação dos direitos humanos na Venezuela foi recebido pela esquerda com silêncio

É embaraçoso o silêncio da esquerda sobre o relatório da ex-presidente chilena Michelle Bachelet a respeito da situação dos direitos humanosna Venezuela.

Enquanto uma parte da esquerda aceitou acriticamente as explicações do governo Maduro, a outra parte preferiu um silêncio constrangido para não se indispor com o primeiro grupo e abalar a unidade do campo num momento em que o inimigo é o “fascismo”. A decência, porém, indica uma enérgica dissociação com o monstro bolivariano, inepto e totalitário.

O relatório lançado na última quinta-feira mostra um retrato assustador do que a Venezuela se tornou, com uma mistura de devastação econômica, corrupção generalizada, supressão de direitos civis e perseguição política.

A FAO estima que há 3,7 milhões de pessoas subnutridas no país (12% da população). O salário mínimo de US$ 7 por mês (cerca de R$ 28) permite comprar apenas 4,7% de uma cesta básica. Embora o governo subsidie e distribua alimentos, há denúncias abundantes de que a distribuição está condicionada a apoio político e é completamente insuficiente —mulheres gastam em média dez horas por dia em filas para conseguir alimentos.

O acesso à saúde também é calamitoso. A falta de medicamentos em hospitais nas quatro maiores cidades do país varia de 60% a 100%. Apenas entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, 1.557 pessoas morreram por falta de suprimentos nos hospitais.

As liberdades civis e políticas também não são respeitadas.

Ranier Bragon: Mazelas nas escolas

- Folha de S. Paulo

À preocupação popular, governo responde com corte de verbas e devaneios em série

Jair Bolsonaro diz não acreditar em pesquisas de opinião. Frequentemente, afirma recorrer diretamente ao povo para tomar decisões —povo esse, claro, que na sua cabeça se resume a adoradores na porta de sua casa, manifestantes convocados por seus grupos aliados e espectadores de partidas de futebol com preço médio de ingresso a R$ 500.

Seria bom, porém, que ele descesse do salto alto e prestasse atenção a um dos alarmantes dados divulgados pelo Datafolha nesta segunda (8): a preocupação do brasileiro com a educação atingiu o seu mais alto índice, com 15% de citações como o principal problema do país hoje.

O que o presidente pensa ou está fazendo para resolver isso aí?

Vejamos sua campanha. A principal bandeira era o Escola sem Partido—um dos itens do festival de besteiras que, felizmente, não andou no Congresso. Prometia-se ainda ênfase nos ensinos básico e técnico. Eleito, delegou a nomeação dos comandantes da pasta a Olavo de Carvalho, o já notório guru do bolsonarismo camisa de força, um claro sinal da importância que dá ao tema.

*Joel Pinheiro da Fonseca: Contradições nacionalistas

- Folha de S. Paulo

Retórica 'antiglobalista' é danosa e corrói a cooperação internacional

O memorando vazado à mídia do embaixador inglês em Washington sobre o governo de Donald Trump não trouxe absolutamente nenhuma novidade. Um governante incompetente e inseguro, um governo disfuncional, que se perde em brigas internas constantes, diplomaticamente desastrado e inepto. Parece até um outro governo que eu conheço…

Sob a retórica do nacionalismo, o governo americano vem se comportando como um valentão agressivo e imprevisível. Com isso, consegue intimidar com mais eficácia adversários muito menores, como a Síria ou a Coreia do Norte, mas eleva a tensão de forma preocupante com qualquer governo que não abaixe a cabeça, como o Irã ou a China. Seu pior efeito, contudo, talvez seja na corrosão da relação com os próprios aliados dos EUA.

Ameaçar tarifas comerciais contra o México para conseguir uma ação pontual de combate à imigração ilegal, sabotar a Otan por um aumento de gasto bélico dos países europeus e esvaziar a OMC podem resultar em alguns trocados economizados a curto prazo, mas estão arruinando a boa-fé do mundo todo para com os EUA e a disposição de todos os países em cooperar. Se esse egoísmo míope for imitado por mais países, todos sairão perdendo.

O governo brasileiro reproduz a mesma retórica nacionalista, com a diferença paradoxal de que nossos nacionalistas não perdem uma única oportunidade de ceder algo aos EUA e nos transformar em servos obedientes de sua política externa.

Felizmente, se deixamos de lado os discursos “antiglobalistas” do chanceler e do presidente, temos visto uma política externa pragmática, que tem primado justamente pelo mergulho no globalismo.

Afinal, nada mais globalista do que entrar na OCDE, grupo que coordena políticas públicas e compartilha melhores práticas entre vários países para promover o desenvolvimento sustentável. O mesmo vale para o acordo entre Mercosul e União Europeia. Longe de apenas reduzir barreiras tarifárias ao comércio, o acordo inclui medidas importantes para padronizar a regulamentação trabalhista, ambiental e da saúde. Pior: a fiscalização das metas será feita, entre outros participantes, por ONGs, e será criado um fórum conjunto para discutir e compartilhar esse conhecimento. Não dá para ser mais “globalista” do que isso.

Fernando Exman: Freio de arrumação

- Valor Econômico

Governo muda articulador e busca aperfeiçoar gestão

Está em curso um rearranjo em cargos estratégicos do governo federal, que entrará numa nova fase a partir da aprovação da reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados. Esse novo momento não será caracterizado apenas pelo início de uma série de anúncios a serem feitos pela equipe econômica, mas passa também por uma reformatação nas áreas de gestão e articulação política. Autoridades do governo têm a clareza de que o Executivo precisa entregar mais e cada vez mais rápido.

Afinal, apesar da euforia inicial com uma proposta de reforma da Previdência com um potencial impacto de aproximadamente R$ 1 trilhão em dez anos, não tardou para que integrantes do governo e agentes do mercado concluíssem que ela não seria a panaceia para todos as dificuldades vivenciadas no país nos últimos anos. Muito menos a solução para os problemas do presente e do futuro.

Não à toa, apesar de ainda manterem segredo em relação a diversos detalhes, agora integrantes da equipe econômica começam a falar com mais clareza sobre as medidas que estão em gestação.

A postura ainda é defensiva, uma vez que inevitavelmente as medidas deverão atingir interesses setoriais e em Brasília a gritaria dos insatisfeitos quase sempre ecoa no Congresso Nacional. Tudo que o governo não quer neste momento é que a reforma da Previdência seja usada como moeda de troca ou fique refém de outras agendas.

No centro do poder decisório do Palácio do Planalto, as alterações vão sendo feitas com discrição e garantindo mais poder a quem conta com a confiança pessoal do presidente Jair Bolsonaro. É o que se passa atualmente, por exemplo, na Casa Civil, na Secretaria de Governo e na Secretaria-Geral da Presidência da República.

Antigo amigo da família Bolsonaro, o novo secretário-geral da Presidência, Jorge Antonio de Oliveira Francisco, já era o responsável por assegurar a constitucionalidade e a legalidade dos atos presidenciais, além de supervisionar a elaboração de projetos e atos normativos de iniciativa do Poder Executivo. Antes subordinado ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, agora ele acumula a função com o status de ministro e mais ferramentas para levar adiante a missão de modernizar o Estado.

Merval Pereira:Na reta final

- O Globo

Acordo só será possível se corporações aceitarem regras básicas de idade, podendo obter transição mais favorável

A interferência do presidente Jair Bolsonaro a favor de regras mais brandas para a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal pode criar obstáculos de última hora para a aprovação da reforma da Previdência na Câmara.

O presidente Rodrigo Maia está disposto a fazer as duas votações antes do recesso parlamentar, convencido de que já tem pelo menos 330 votos, com uma margem de mais de 20 votos necessários para a aprovação. Vai entregar a reforma para o Senado praticamente pronta. Mas que não se pense que os senadores são peças decorativas nesse processo.

Todos os acordos acertados na Câmara foram feitos após consulta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que, por sua vez, negociou com os senadores cada passo. Isso aconteceu justamente pela pressa que há na aprovação da reforma logo na volta do recesso, em agosto.

Se houver modificação no Senado, a emenda tem que voltar à Câmara para outras duas votações, e depois retornar ao Senado também para outras duas votações.

Há ainda outra combinação entre eles. Se por acaso alguma emenda for aprovada na Câmara sem estar dentro do acordado com o Senado, prejudicando de maneira relevante o resultado final da reforma, a maioria dos senadores pode vetar a alteração.

Carlos Andreazza: O Supremo lavajatista

- O Globo

A Polícia Federal ainda não esclareceu: Glenn Greenwald, do site Intercept, está sob investigação? A resposta é importante porque dirá a quanto estamos do estado policial. A explicação dada até aqui — cuja ambiguidade compõe um método intimidador — é alarmante: “A PF não confirma tal solicitação e não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”.

Se circula a notícia de que o órgão do Estado responsável por apurar crimes federais teria instaurado um procedimento contra um jornalista, e se tal consiste em afronta a um direito fundamental, aquele expresso no artigo 5º da Constituição, a única manifestação aceitável seria uma que negasse — com energia —a existência da inquirição.

Não aprecio o jornalismo de Greenwald, limitado por sua militância, nem a forma como o Intercept oferta o conteúdo sob seu controle, a conta-gotas, como num folhetim, e reativamente, algo que é apanágio do discurso político-partidário. Mas: não há crime na prática —e só isso ora interessa.

Os abusos sobre as liberdades individuais costumam ter a história facilmente identificável, daí por que pergunte: como medir o pulso do ambiente intimidatório que contaminou o país sem se lembrar do inquérito autoritário, estabelecido de ofício e sem objeto definido, por meio do qual Dias Toffoli, presidente do Supremo, formalizou estarmos todos sob suspeita, o que, objetivamente, logo resultaria em censura à revista “Crusoé”?

A repercussão do imbróglio Intercept mapeia o drama brasileiro —qual seja: se um togado pode extrapolar, se um procurador pode, todo mundo pode. Roberto Barroso — aquele que autorizou uma investigação permanente contra um presidente da República, e por crimes supostamente havidos antes de seu mandato — está indignado com o que considera “uma clara violação de comunicação privada”. No caso, entre procuradores e, particularmente, entre um deles, Deltan Dallagnol, e Sergio Moro. O ministro — aquele que autorizou a quebra de sigilo bancário de um presidente não porque houvesse elementos para tanto, mas porque era preciso encontrar alguma coisa —tem razão em se incomodar com o que parece mesmo ser obtenção ilegal de conteúdo particular.

Mui preocupada com essa ocorrência, e zelando pela segurança de Moro e dos procuradores, a PF — aqui, sem qualquer dubiedade —investiga a invasão e o vazamento de dados privados; mas, atenção, sem se deter na análise das conversas em si, sobre se ali haveria o cometimento de algum ilícito por autoridades. Gostaria de questionar Barroso sobre se a PF pode cuidar da provável ação criminosa de roubo de mensagens, no entanto negligenciando a perícia acerca da autenticidade do conjunto e o exame de seu teor? A PF não incorreria em disfunção ao não solicitar os celulares dos procuradores que supostamente participaram dos diálogos?

Gostaria, aliás, de perguntar a Barroso, o mais afiado entre os justiceiros do STF, sobre se vê alguma impropriedade no conteúdo das conversas até aqui reveladas. Teria curiosidade em saber como o ministro avalia a conduta de Moro conforme apresentada nos diálogos. Teria Barroso, cuja vocação para advogar é espantosa, uma opinião sobre se o ex-juiz tomou lado no processo relativo a Lula.

As mesmas questões caberiam a Edson Fachin, aquele que, de acordo com Dallagnol em mensagem a procuradores, “aha uhu!”, seria deles. Rodrigo Janot talvez tenha pensado o mesmo sobre o ministro quando, por ocasião do acordo de delação dos irmãos Batista, teve no juiz um despachante. Pergunto a Fachin, mestre em homologações exóticas: quantas vezes, no período de negociação dos termos de um acordo, um delator pode reformar sua delação? Quantas vezes poderá ser impreciso, omisso ou mentiroso, até que ofereça a verdade aceita pelo Ministério Público? Sem qualquer restrição, o sujeito, um criminoso confesso em busca de se aliviar, pode ajustar a entrega —numa espécie de obra em permanente construção —até alcançar o que será a verdade segundo procuradores, só a partir de então, à espera da canetada que homologa (e liberta), tendo compromisso com a própria palavra? É isso?

Ricardo Noblat: Bretas para a vaga de Moro

- Blog do Noblat / Veja

O que está por vir

Por ora, Marcelo Bretas, juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, encarregado, ali, da Operação Lava Jato, é o nome do coração do presidente Jair Bolsonaro para preencher a vaga a ser aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello em 2019. Seria o primeiro ministro evangélico.

Bolsonaro está convencido de que o Senado não aprovará a nomeação do ex-juiz Sérgio Moro depois que sua reputação foi gravemente abalada com o vazamento a conta gotas de mensagens trocadas por ele com procuradores da Lava Jato, em Curitiba. De resto, o ambiente no STF tornou-se tóxico para Moro.

Mas Bretas é também o nome do coração de Bolsonaro para substituir Moro no Ministério da Justiça, caso o ex-juiz não mais se sustente por lá. O presidente entende que ministro, qualquer um, é como fusível: queimou, joga-se no lixo e providencia-se outro. A chapa de Mouro está esquentando e ele não tem muito que fazer.

Sua saída do cargo para uma curta temporada de férias com a família poderá coincidir com a publicação de novas mensagens que o comprometem. O procurador Deltan Dallagnol recusou convite para depor a respeito na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Esqueceu que poderá ser convocado, e, nesse caso, obrigado a ir.

Se não for, será levado coercitivamente. Como aconteceu com Lula quando a Polícia Federal foi buscá-lo em São Bernardo do Campo para ser ouvido por procuradores em uma sala do aeroporto de Congonhas. Com uma diferença: Lula não havia sido convidado para depor. Nem intimado. Foi mais um espetáculo da Lava Jato.

Mudar para que tudo permaneça igual

Sobre a velha e a nova política

Luiz Carlos Azedo: Corrida contra o recesso

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Não aprovar a reforma sinalizaria dificuldades políticas que podem até aumentar no segundo semestre”

Tem razão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): a aprovação da reforma da Previdência será uma construção do Congresso. Aprovada pela comissão especial, a proposta de iniciativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi mitigada pelos parlamentares, para formar uma maioria que vai garantir um montante de economia para os cofres do governo em torno dos R$ 900 bilhões. Em alguns momentos, porém, o governo atrapalhou mais do que ajudou, como na semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro quis fazer duas emendas ao substitutivo do deputado Samuel Moreira (PDSDB-SP) para beneficiar setores de sua base eleitoral.

“Acho que a construção desse texto se deve à capacidade de diálogo, ao equilíbrio do Parlamento brasileiro. Todos participaram. Aqueles que defendem a proposta e aqueles que não defendem a proposta. Então, é importante que a gente entre nesta semana com essa clareza, que o texto foi uma construção parlamentar”, disse Maia, a propósito das discussões realizadas até agora. O presidente da Câmara fez várias reuniões para tentar garantir a aprovação da reforma em primeira votação ainda nesta semana, concluindo-a na próxima, se não conseguir votar tudo até sábado. É uma corrida contra o tempo, ou melhor, contra o recesso parlamentar. Não aprovar a reforma sinalizaria dificuldades políticas que podem até aumentar no segundo semestre.

Maia estima que a proposta da comissão especial tenha maioria em plenário. Para aprovar uma emenda à Constituição, são necessários os votos de 308 dos 513 deputados (3/5 da Câmara) em dois turnos de votação. As turbulências são previsíveis, a oposição espera ter até 150 votos contra a reforma e fará tudo para obstruir a votação; Bolsonaro provavelmente orientará aliados para aprovar as emendas que favorecem o pessoal da segurança pública, cujos representantes eleitos hoje têm certo protagonismo na Câmara, a começar pelo líder do governo, deputado major Vitor Hugo. Mas isso é pedra cantada, porque se formou um certo alinhamento de astros entre o mercado financeiro e parte da opinião pública a favor da reforma, que pode resultar em 340 votos em plenário a favor do projeto.

Ao que tudo indica, o governo jogou a toalha quanto à inclusão de estados e municípios na nova Previdência, proposta rejeitada pelo relator e pela comissão especial. A líder do governo no Congresso Nacional, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), passou recibo. Segundo ela, “não é grande” a chance de inclusão de servidores estaduais e municipais na reforma da Previdência durante discussão e votação no plenário da Câmara. A estratégia do governo é voltar à carga no Senado, supostamente mais suscetível a aceitar a emenda, porque os senadores, eleitos pelo voto majoritário, têm preocupações eleitorais diferentes dos deputados federais, que temem a concorrência de deputados estaduais e prefeitos nas suas bases eleitorais em 2022. Hasselmann trava uma batalha particular na bancada do PSL, que é muito corporativista, para que não sejam apresentadas emendas ao texto.

Míriam Leitão: A concorrência no gás natural

- O Globo

Acordo entre o Cade e a Petrobras é histórico e pode abrir espaço para a queda dos preços do gás no país. Mas não será na velocidade que o governo diz

A Petrobras e o Cade deram ontem um passo histórico para viabilizar mais competição no mercado de gás natural e, consequentemente, queda dos preços dessa fonte energética. A empresa se comprometeu a vender sua participação em gasodutos, distribuidoras, arrendar terminais e dar acesso a outras empresas aos dutos de escoamento e unidades de processamento. Capitalismo sem competição o Brasil sabe fazer, com seus monopólios, oligopólios e cartéis. O desafio é permitir que a competição aconteça.

O Cade, órgão de defesa da concorrência, acusava a empresa de práticas anticoncorrenciais. Mas isso todos já sabiam. A novidade é que pela primeira vez o órgão atuou de forma mais dura contra a Petrobras, e pela primeira vez a estatal se dispôs a fazer um acordo para diminuir a sua participação no setor. A assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) fará com que a empresa tenha data para vender ativos, sob o risco de pagamento de multas em caso de descumprimento do que foi acordado.

Se tudo der certo, ela deixará de ser monopolista de fato. Pela lei, o monopólio da Petrobras em todos os mercados de óleo e gás acabou em 1995. A mudança permitirá que outras companhias aumentem a sua participação no setor. Só que será lento. O mercado acredita que levará algum tempo para que isso seja realidade.

*Maria Clara R. M. do Prado: Janelas de oportunidade

- Valor Econômico

Presidente é um homem de sorte. Tem colhido os benefícios políticos de iniciativas tomadas em governos anteriores

Mas o presidente Bolsonaro é um homem de sorte. Tem colhido os benefícios políticos de iniciativas tomadas em governos anteriores e pode obter melhores resultados nas próximas pesquisas de opinião, desde que consiga abandonar o estilo de governar que afeta a sua popularidade. A notícia mais favorável, até aqui, foi o anunciado acordo de livre comércio entre os blocos do Mercosul e da União Europeia.

É bem verdade que se trata por enquanto de um protocolo de intenções, sujeito ao detalhamento de regras, compromissos e condicionantes como, por exemplo, a imposição de que todos os países envolvidos façam parte do Acordo do Clima de Paris, de que não prejudiquem as condições de vida de suas comunidades indígenas e cumpram com as exigências da ONU relacionadas aos direitos humanos, entre outros. Também é verdade que o acordo, estagnado por mais de vinte anos nas gavetas dos burocratas de ambos os blocos, vem à luz agora pela necessidade da UE de ampliar o leque de seus parceiros comerciais diante das ameaças ao comércio alardeadas por Donald Trump.

Não há dúvida de que o acordo é uma boa notícia para o Mercosul, e para o Brasil. E, quis o destino, veio cair no colo do presidente Bolsonaro, um acaso que pode lhe render uma substancial melhoria de imagem, dentro e fora do país, se souber tirar proveito da oportunidade.

A reforma da previdência é outra iniciativa cujo mérito deve ser imputado a governos anteriores e representantes do poder legislativo desta outras legislaturas.

Como se sabe, a Constituição de 1988 criou a figura da Seguridade Social, englobando saúde, previdência e assistência social, e desde então os governos têm, sucessivamente, atuado para ajustar os critérios das aposentadorias dos setores público e privado. O objetivo maior, para além da questão isonômica, é enfrentar o enorme déficit nas contas do governo.

Um primeiro ajuste através de emenda constitucional foi feito em 1998, com a introdução do fator previdenciário que passou a calcular o valor das aposentadorias, em especial do setor privado, a partir de uma média relacionada às contribuições, ponderada pela expectativa de vida do aposentado. 

Também se introduziu ali o conceito de idade mínima de 55 anos para mulheres e de 60 anos para os homens. Em 2003, uma nova proposta de emenda à constituição instituiu os primeiros critérios para aproximar as regras das aposentadorias do setor público ao privado. Foi criada uma contribuição para o servidor público inativo e, ainda, introduzido limite no valor da aposentadoria dos novos ingressantes nos quadros do governo equiparado ao do setor privado, muito embora este ponto só tenha sido regulamentado dez anos depois.

Raquel Balarin: Bancos têm espaço para emprestar mais

- Valor Econômico

Inadimplência caiu e bancos privados têm folga no balanço

O perfil da dívida das empresas brasileiras está sofrendo uma transformação radical. Muito se tem dito sobre a redução dos desembolsos do BNDES e o retorno das grandes empresas ao mercado de capitais, via venda de ações ou emissões de debêntures. Mas o mais interessante é a tendência de queda da participação do sistema financeiro nacional no total da dívida tanto entre grandes empresas como entre as pequenas e médias (PMEs).

O diretor sênior da Fitch Ratings, Claudio Gallina, apresentou no "Brazilian Banking Conference 2019" levantamento indicando que, em 2014, 52% do total da dívida de grandes empresas era com o sistema financeiro nacional, ou seja, com os bancos instalados no Brasil, inclusive o BNDES. No ano passado, esse percentual caiu a 38%. A tendência é a mesma para PMEs: de 72% em 2014 para 52% em 2018 (ver gráfico nesta página). Em contrapartida, crescem o mercado de capitais e, mais ainda, a dívida externa, considerando aí empréstimos entre a matriz no exterior e as subsdiárias no Brasil, além de títulos emitidos lá fora.

Em parte, a queda da participação do SFN reflete a retração dos bancos na concessão de crédito em anos recentes, por causa dos calotes de grandes empresas e pela percepção de maior risco. Mas a mudança do perfil é também reflexo da baixa redução do spread bancário no período, apesar da queda na taxa básica de juro observada a partir da segunda metade de 2017. Há de se considerar, também, a valorização do dólar ante o real no período analisado.

*Antonio Penteado Mendonça: 1932 – Uma derrota ou uma vitória?

- O Estado de S.Paulo

O anseio dos paulistas era a possibilidade de manter as importantes vitórias sociais que haviam conquistado nos 70 anos anteriores

De 9 de julho a 2 de outubro de 1932, as tropas paulistas, mal armadas, mal treinadas e mal comandadas, com o apoio raquítico de Mato Grosso, lutaram contra a ditadura que governava o Brasil. Chamado de Revolução Constitucionalista, o maior movimento armado do século 20, no Brasil, tinha como mote uma nova Constituição, prometida por Getúlio Vargas, em 1930, mas que ia sendo adiada, transformando o país numa ditadura comandada pelo caudilho gaúcho com o apoio dos “tenentes”, grupo de jovens oficiais do Exército, que desde a década de 1920 tentava dar novo rumo político à nação.

Representado por uma nova Constituição, o anseio dos paulistas era a possibilidade de manter as importantes vitórias sociais que haviam conquistado nos 70 anos anteriores. A única chance de vitória teria sido a marcha fulminante em direção ao Rio de Janeiro, logo após a deflagração do movimento. Quando o coronel Euclides Figueiredo determinou que as tropas parassem na divisa do Estado para aguardar a chegada do general Klinger, escolhido pelos líderes revolucionários para chefe militar do movimento, a derrota no campo de batalha passou a ser uma questão de tempo.

Getúlio Vargas percebeu rapidamente que a sorte havia mudado e começou a asfixiar São Paulo, enviando tropas bem preparadas e bem armadas, em grande parte formadas pelas polícias dos outros Estados, para lutarem contra os revolucionários.

João Pereira Coutinho: A doença das ideologias

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Conservadores e progressistas precisam uns dos outros para sobreviver

Haverá uma crise do conservadorismo? A revista The Economist, em edição recente para ler e guardar, acredita que sim.

Acredita bem. Quando olhamos para a Europa, onde estão os partidos conservadores tradicionais? Não estão. Desapareceram na França ou na Itália. Diminuiram de tamanho e influência na Alemanha ou na Espanha. E qual foi a razão para esse eclipse?

O crescimento e a ascensão de uma “nova direita”. Explica a Economist: o conservadorismo tende a ser pragmático, desconfiado das grandes mudanças, antiutópico e avesso a líderes carismáticos ou a cultos de personalidade.

A “nova direita”, pelo contrário, é fortemente ideológica; apresenta uma vocação revolucionária mais própria de jacobinos ou bolcheviques; e segue o primeiro messias que aparece na paisagem, indiferente a questões de civilidade ou caráter. E como foi que essa crise do conservadorismo apareceu? A Economist apresenta duas razões.

Em primeiro lugar, o declínio do conservadorismo tradicional acompanhou o declínio dos “pequenos pelotões” de que falava Edmund Burke, como a religião ou a família.

Em segundo lugar, a crise financeira de 2008 e as aventuras militares no Afeganistão e no Iraque foram o descrédito dos velhos partidos de direita, acusados de cupidez ou irresponsabilidade. Para a
revista, a crise do conservadorismo será longa.

Concordo com o diagnóstico. A “nova direita”, ou uma parte substancial dela, foi tomada de assalto pela mais antiga metástase do conservadorismo: o espírito reacionário.

Plenário realça o problema do lobby das corporações: Editorial / O Globo

PMs e bombeiros inativos custam mais que os ativos; eis por que a reforma tem de abranger estados

O início da tramitação da reforma da Previdência na Câmara para a primeira de duas votações em plenário recoloca o problema da atuação no Congresso dos grupos defensores de segmentos privilegiados na aposentadoria, basicamente servidores públicos.

Se na Comissão Especial estavam em jogo 49 votos, agora o desafio é obter o apo iode no mínimo 308 deputados, de um total de 513, ou seja, 60% do plenário. O espaço para lobbies é muito mais amplo, mas que também pode ser considerado um empecilho para os lobistas. A ver. Mas deve-se considerar que entre eles, por incrível que pareça, está o próprio presidente Bolsonaro, que se frustrou por não conseguir, na Comissão Especial, privilegiar policiais federais e rodoviários federais, da área de segurança, sua base eleitoral.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como agendado, fez reuniões ontem em Brasília com líderes de partidos aliados ao governo, como parte da preparação para se tentar, ainda nesta semana, votar o projeto da reforma no primeiro turno e talvez também no segundo.

Se isso for possível, a meta ambiciosa de se vencer a etapa da Câmara antes do início do recesso de meio de ano, quinta da semana que vem, pode ser factível. Melhor que seja.

Dividido em três: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro não deveria se dirigir somente ao contingente mais fiel do eleitorado

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ouviu tanto vaias quanto aplausos no Maracanã, na conquista da Copa América pela seleção brasileira neste domingo (7). A divisão da torcida reflete bem os sentimentos divergentes da população captados em nova pesquisa Datafolha.

Segue estável a profunda polarização evidente na eleição atípica de 2018, em que a forte rejeição a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) beneficiou o eleito: um terço aprova Bolsonaro (33% de ótimo/bom), outro o deplora (33% de ruim/péssimo).

Há que assinalar, ainda, a terceira parte que o qualifica como regular (31%) ou escolhe dizer que não sabe (2%). São eleitores pendulares, que poderão bandear-se para uma margem ou outra do espectro de opiniões, desequilibrando-o.

Tradicionalmente, o fiel da balança tende a mover-se com os ventos da economia. Embora o presidente possa dar-se por satisfeito com a momentânea calmaria, carregada mais de expectativa que de resultados, seria prudente que divisasse as turbulências à vista.

O otimismo com a situação econômica segue em queda. Nenhum dos parâmetros sondados pelo Datafolha —desemprego, inflação, contas pessoais, situação do país e poder de compra— reagiu além da margem de erro.

Investimento em tecnologia é vítima da crise prolongada: Editorial / Valor Econômico

Uma das diversas vítimas da crise econômica prolongada que o Brasil vem vivendo é o investimento em tecnologia. Talvez não seja tão dolorosa quanto o aumento do desemprego e da desigualdade, e a deterioração dos serviços públicos como educação e saúde. Mas é igualmente prejudicial devido às repercussões a longo prazo, freando a velocidade da esperada recuperação.

Estudos recentes mostram que o Brasil vem perdendo terreno na área tecnológica, com raras exceções. Um deles compara o investimento em relação ao valor adicionado bruto e concluiu que o país está bem longe da fronteira tecnológica em 32 de 37 setores analisados na comparação com a taxa média registrada nos países Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O levantamento foi feito pelo pesquisador Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (NereusUSP), e Milene Tessarin, pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com base em dados da Pesquisa de Inovação (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e outros colhidos via Lei de Acesso à Informação para levantar os recursos investidos por organizações públicas como Embrapa e Fiocruz (Valor25/6).

No caso dos segmentos de alta intensidade tecnológica, como equipamentos de informática, eletrônicos e óticos, os países da OCDE investem em pesquisa e desenvolvimento 24% do valor adicionado bruto; no Brasil, apenas 10%. Em produtos farmacêuticos, a OCDE chega a 28%; o Brasil, 5%. Em equipamentos de transporte como aviões e navios, o percentual do bloco é de 20%, quase o dobro do brasileiro, de 10,7%, apesar de o segmento incluir uma das líderes do país, a Embraer.

Solidariedade no frio: Editorial / O Estado de S. Paulo

O drama da população que vive ao relento nas ruas de São Paulo aumenta no inverno. O frio é a causa provável de ao menos cinco mortes no Estado desde o fim de semana. Na madrugada de domingo foi registrada a temperatura mais baixa do ano, 6,5º C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Na capital paulista, a média registrada pelos termômetros foi de 5º C, a mais baixa em três anos. Os mortos, todos moradores de rua, foram encontrados em Santo André, em Assis e na capital, em Itaquera, na zona leste, e na Barra Funda, na zona oeste.

A adversidade climática desta época do ano lança luz sobre o trabalho de acolhimento realizado pela Prefeitura de São Paulo, a solidariedade dos paulistanos e a complexidade da situação dos moradores de rua, muitos dos quais se recusam a ir para os abrigos públicos pelas mais variadas razões.

De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), desde o dia 22 de maio, quando teve início o Plano de Contingência para Situação de Baixas Temperaturas, houve cerca de 470 mil acolhimentos em abrigos da Prefeitura de São Paulo, chamados de Centros de Acolhida. O número de acolhimentos não é o total de cidadãos abrigados, haja vista que uma mesma pessoa pode ser atendida em diferentes dias durante o programa, que vai até o dia 22 de setembro, e não há tamanho número de vagas disponíveis. De todo modo, trata-se de um contingente bem expressivo.

Afonso Schmidt: Anhangabaú

No Piques, vagando à-toa,
é raro quem não pressinta
uma toada indistinta
que, sob as pedras, ressoa.

Conta moedas, tilinta,
como refrão de uma loa,
a fonte exilada e boa,
há muitos anos extinta.

Sua alma que ali revoa,
de céus e de ares faminta,
repete a cada pessoa

uma novela sucinta:
noturnos, capas, garoa,
1830...


Publicado no livro Mocidade (1921).