quarta-feira, 10 de julho de 2019

*Luiz Werneck Vianna: O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira

(Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS)

Não é a primeira vez que temos a desventura de nos encontrar numa situação como esta que aí está. Com o Estado Novo de 1937 que se prolonga até 1945 tem início este ciclo infernal, que, com interrupções provocadas por movimentos democráticos – embora mesmo nesses momentos tenha permanecido de modo latente na vida institucional e política como se manifestou na tentativa do golpe militar para impedir a posse do presidente eleito JK. Inaugura-se outro ciclo com a intervenção militar de 1964, especialmente após a imposição do AI-5, em 1968, que derrogou o que havia de democrático na Carta de 1946. Mais uma vez por força da resistência da sociedade, em 1985 a democracia ganhou nova oportunidade, apesar de sua volta não ter importado ruptura com o regime autocrático que até então vigia sob a institucionalidade do AI-5. Como se sabe, o caminho adotado foi o da transição política que abriu caminho para uma assembleia nacional constituinte, restaurando-se as liberdades civis e públicas que o regime anterior tinha expurgado da política.

A Carta de 1988 teve a pretensão de sepultar as possibilidades de retorno do autoritarismo político afirmando uma forte adesão ao liberalismo e ao sistema da representação, e robustecendo de modo inédito o poder judicial por meio de novos institutos como o mandato de injunção, e com a recriação do papel do Ministério Público que será deslocado do eixo estatal, conforme antiga tradição, para o da sociedade civil, a quem foi confiado, entre outras, a missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático, figura inexistente no direito comparado

Com a ressalva do PT, já um importante partido, influente no sindicalismo e com a auréola portada por seus dirigentes de ter conduzido greves vitoriosas no regime militar, a nova Carta encontrou recepção positiva na sociedade. Estava aberta uma via real para a internalização da democracia política entre nós. As instituições eram propícias e o cenário internacional favorável, faltava a ação humana capaz de portar uma política que soubesse se aproveitar dos bons ventos da fortuna que a tinham levado a seus êxitos contra o regime militar. Vargas Llosa, nas primeiras páginas de Conversa na Catedral, clássico da literatura latino-americana, indaga, amargando a história do seu país, o Peru, quando foi que ele se ha hodido. No nosso caso talvez resposta a uma questão desse tipo esteja no momento em que se abre a conjuntura da primeira sucessão presidencial do novo regime democrático institucionalizado com a Carta de 88. Aqui o que faltou não foi a fortuna, que nos sorria, mas o ator que, com suas ações desastradas malbaratou as oportunidades de que dispunha.

Findo o governo de transição, que foi o de Sarney, estava aberta a primeira sucessão presidencial sob a égide da nova Constituição. É aí, nesse momento de importância capital que os atores políticos abandonam suas práticas de alianças tão bem-sucedidas na hora da resistência ao regime militar e dos trabalhos constituintes, particularmente entre a esquerda e os liberais, e passam a procurar caminhos solitários. Vale lembrar que o hoje extinto PCB apresentou à sucessão uma candidatura própria, refugando apoio à candidatura de Ulisses Guimarães, a maior liderança surgida nas lutas pela democratização do país, comportamento que se reiterou no PT. Selou-se, então, a fratura entre o campo do social e das forças políticas liberais, fatal para o transcurso do processo que se segue.

Malu Delgado: Energia para os combatentes

-Valor Econômico

Estrago a Moro foi maior no mundo jurídico que no real

Se as curtas férias do ministro Sergio Moro servirão para o ex-juiz "reenergizar o corpo e prosseguir no combate", como atestou o porta-voz da Presidência, a reforma da Previdência, quando aprovada, servirá a Jair Bolsonaro como a vitamina necessária para que ele caminhe até 2022 e dispute a reeleição, desejo já exposto sem nenhuma dissimulação pelo presidente.

Tanto Bolsonaro quanto Moro foram abatidos por desgastes evidentes em seis meses de mandato e tiveram perdas de popularidade expressivas, mas ambos hoje conservam fôlego para concluir o percurso político que traçaram a si mesmos.

O mundo jurídico reagiu com muito mais perplexidade que o mundo real diante das mensagens de Moro com a força-tarefa da Lava-Jato, vazadas e publicadas pelo site "The Intercept Brasil". A abordagem jocosa e criativa com o qual o assunto é tratado nas redes sociais por profissionais do direito não exime a gravidade. Há, por exemplo, a propaganda do fictício 'Moro App': "Você cadastra o processo e ele te avisa dos prazos. Na versão premium, ele te lembra de incluir provas e ainda corrige a sua petição. Aproveite! Descontos especiais para membros do Ministério Público".

Em três meses, a aprovação pessoal do ministro da Justiça caiu de 59% para 52%, apontou o Datafolha. Para 58% dos entrevistados, a conduta de Moro, explicitada na troca de mensagens do então juiz em Curitiba com procuradores que comandavam a força-tarefa da Lava-Jato, é inadequada. Não é preciso muita matemática para entender que Moro ainda é idolatrado pela maioria.

Porém, é pouquíssimo provável que advogados, em especial os especialistas em direito penal e criminal, e também os ministros do Supremo, não tenham ficado "escandalizados" com o que leram, confidencia um renomado criminalista. Sabe-se que provas ilícitas não poderão ser usadas contra Moro e contra os procuradores, explica este profissional, mas obviamente poderão ser usadas em benefício dos réus - entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para pânico dos profissionais do Ministério Público que atuam em Curitiba.

Moro e os procuradores não reconhecem a autenticidade das mensagens, mas nenhuma das partes envolvidas colocou em xeque, e de forma contundente, a veracidade das conversas via Telegram. A estratégia de defesa do ministro está corretíssima, ironizam criminalistas, pois reconhecer as mensagens como autênticas seria esquentar provas (ainda que ilícitas) e fazer a confissão.

Enquanto Moro aguarda ansioso os dias para descansar com a família na Europa, ministros do STF mandam recados que não poderiam ser mais diretos. Curiosamente, as manifestações partem dos citados no Telegram. Nesta semana foi a vez de Edson Fachin ('Aha, Uhu, o Fachin é nosso', disse o procurador Deltan Dallagnol em uma das mensagens). O ministro é relator dos processos da Lava-Jato no Supremo e deu as declarações num discurso em Curitiba, no Tribunal Regional Eleitoral. Nada mais emblemático. Juízes cometem ilícitos e devem ser punidos, afirmou Fachin. Mas as instituições, acrescentou, devem ser preservadas. É um jeito pouco sutil de dizer que se Moro foi parcial e processos terão que ser anulados e sentenças revistas, a responsabilidade deve ser atribuída somente ao ex-magistrado, e não ao Supremo. Juiz não pode ter uma Constituição para chamar de sua e tampouco agenda pessoal e partidária, concluiu Fachin.

*Elio Gaspari: A Moro tudo, menos o papel de bobo

- Folha de S. Paulo / O Globo

O ex-juiz e o coletivo da Lava Jato repetem o erro do PT e insistem na desqualificação das informações

O ministro Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato decidiram se defender das acusações que derivam das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil desqualificando o seu conjunto. Como os textos teriam sido obtidos a partir de uma ação ilegal, não mereceriam crédito. Falta combinar com quem lê os diálogos e não acredita que o fim justifica os meios. O ministro Edson Fachin pode não ter acreditado na autenticidade do “aha uhu o Fachin é nosso” atribuído ao procurador Deltan Dallagnol. Mesmo duvidando, Fachin parece ter-lhe dado uma resposta hiperbólica:

“Juízes também cometem ilícitos e também devem ser punidos. (...) E assim se aplica a todos os atores dos Poderes e das instituições brasileiras, incluindo o Ministério Público.”

A estratégia negacionista destina-se a evitar a discussão do conteúdo das mensagens que se transformaram em denúncia de parcialidade. Coisa parecida fez o PT quando a Lava Jato começou a expor seus malfeitos. Não só o fim justificava os meios, como era tudo uma conspiração que chegava ao braço clandestino do governo americano. Lula acabou na cadeia e continua repetindo a mesma cantilena. Trata-se de converter todas as questões a um jogo de sim ou não. Se a pessoa acredita em Lula, deve acreditar numa conspiração. Se uma pessoa acredita em Moro e no coletivo da Lava Jato, deve acreditar noutra conspiração. A ideia deu errado para o PT e está dando errado para Moro. 

Merval Pereira: De última hora

- O Globo

Há quem queira aproveitar a iniciativa de Bolsonaro para incluir outros agentes de segurança no pacote da PF

O presidente Jair Bolsonaro, ao interferir na tramitação da reforma da Previdência para garantir aos policiais federais e à Polícia Rodoviária regra mais branda, fora da emenda principal, ajudou o trabalho da oposição de obstrução da votação.

Além de colocar em risco a própria economia de que seu governo necessita para dar início à Nova Previdência, com um fundo próximo a R$ 1 trilhão para bancar a transição para o regime de capitalização.

Nesse ponto está a fundamental diferença entre o que quer Bolsonaro e o projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes. Este já afirmou diversas vezes que uma reforma incompleta será boa para o governo atual, mas não resolverá o problema estrutural da Previdência.

O presidente parece ter entendido isso, e trabalha com o curto prazo, enquanto Guedes mira o futuro do sistema. A economia abaixo de R$ 900 bilhões vai dar um caixa extra ao governo, que terá mais espaço para investimentos, mas deixará para o futuro governo a necessidade de nova reforma.

Bolsonaro já é candidato declarado à reeleição, pode estar montando uma armadilha para si mesmo. Mas como um populista só pensa na próxima eleição, e não na próxima geração, essa pode ser uma estratégia do presidente, à revelia de Guedes.

Isso porque, a cada emenda apresentada, abre-se espaço para discussões e perde-se tempo para chegar à votação final do mérito. A ideia era aprovar o mérito até a madrugada de hoje, e depois discutir os destaques.

Míriam Leitão: Novas concessões e velhos defeitos

- O Globo

Reforma iria cortar o rombo e diminuir privilégios. Avançará no primeiro item, mas manterá a desigualdade entre brasileiros

Quando o Brasil esperava que a discussão da reforma da Previdência finalmente começasse em plenário, os deputados passaram horas discutindo se deveria ou não ser aprovado um projeto que regulamenta a vaquejada. O assunto parecia despropositado, e era. Se a proposta não estava sendo votada é porque corria riscos de ser derrotada naquele momento. Para tentar angariar mais apoio, o governo fez novas concessões, como regras tributárias ainda mais flexíveis para igrejas, perdão de dívida rural e novas flexibilizações para mulheres.

O caminho escolhido foi desidratar ainda mais a reforma, dando novas vantagens aos policiais, ou fazendo o que o presidente Jair Bolsonaro propôs, que é tirar as forças de segurança da reforma. Nesse ponto, até faz sentido discutir a vaquejada. Com proteções dos grupos pelos quais o presidente faz lobby, a vaca vai mesmo para o brejo. A Previdência não está mudando, está confirmando seus defeitos.

Houve cristalização de privilégios corporativos. Os policiais já têm pelo texto da reforma muita vantagem em relação ao resto do país. Trabalharão menos e terão integralidade e paridade. As Forças Armadas também mantiveram, no projeto que ainda será analisado, esses mesmos privilégios. Outro problema da reforma é o de ter aceitado que os estados e municípios fiquem de fora, mantendo uma parte grande do desequilíbrio no sistema.

Fábio Fabrini: Não caiu a ficha de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Não à toa presidente anda com a popularidade no volume morto

Jair Bolsonaro subiu a rampa do Planalto há seis meses, mas seus gestos fazem crer que não lhe caiu a ficha do cargo que ocupa.

É o chefe do governo e do Estado, mas se comporta como um agente fora deles, a sabotar suas instituições, tal qual um ser marginal na política.

Quer que a população se arme para se defender da violência que, como mandatário, tem a missão de enfrentar com políticas de segurança.

Rebela-se contra comandos constitucionais, a exemplo da demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Boicota o já combalido aparato de fiscalização do país ao denunciar uma indústria de multas no trânsito e na área ambiental, buscando reduzir a vigilância e anistiar infratores.

Na semana passada, exaltou a exploração de mão de obra infantil, a despeito do esforço das delegacias do trabalho para tirar crianças de carvoarias e cruzamentos.

Investe também contra a atividade de órgãos como o IBGE, cujo cálculo do desemprego chama de enganoso.

Vinicius Torres Freire: O conflito político depois da reforma

- Folha de S. Paulo

Mesmo sem coalizão no Congresso, Bolsonaro deve enfrentar parlamentarismo branco

A tramitação da reforma da Previdência colocou alguma ordem na política e conteve desordem maior no governo. Depois da mudança nas aposentadorias, porém, não se sabe o que será do breve parlamentarismo branco nem se Jair Bolsonaro vai tolerar essa camisa de força. É melhor nem pensar o que vai ser se a reforma cair, resultado ora improvável.

Depois de aprovada a reforma, as peças do quebra-cabeça político devem ser embaralhadas, talvez algumas se percam e outras novas apareçam. O presidente continua sem coalizão política, os conflitos serão diferentes, a impaciência popular pode aumentar e as próximos reformas são bem menos consensuais na elite político-econômica, caso dos impostos.

Por ora, o miolão da Câmara, liderado por Rodrigo Maia, pretende seguir com seu plano de aprovar um programa próprio e cortar as asinhas de Bolsonaro. Vai ser mais difícil.

Para começar, haverá também um projeto de reforma tributária no Senado; um terceiro, ambicioso, do próprio governo; talvez um quarto, a ser apresentado pelos empresários amigos do governo. Essas propostas não se complementam, quando não se chocam de frente.

Além do mais, mesmo a reforma da Câmara, a de tramitação mais avançada e a mais respeitada, cria conflitos. Pretende manter inalterada a carga tributária, mas haverá quem passe a pagar mais e menos impostos; a reforma poda a autonomia tributária de estados e cidades. Isso dá rolo.

*Ruy Castro: Governante menor

- Folha de S. Paulo

Que sorte, a de João Gilberto! Bolsonaro não o elogiou

Leio que o presidente Jair Bolsonaro reagiu com indiferença à notícia da morte de João Gilberto. Não decretou luto nem se deu ao respeito de emitir um comunicado lamentando a perda desse grande artista etc. —o discurso protocolar dos chefes de Estado, que pode não engrandecer o morto, mas também não apequena quem o emite. Que sorte, a de João Gilberto! Um elogio de Bolsonaro seria uma nódoa nas homenagens que lhe estão sendo prestadas por tanta gente importante, no Brasil e no exterior.

Outras glórias da cultura já morreram este ano, como Bibi Ferreira e Beth Carvalho, e não me lembro de ter escutado uma palavra de Bolsonaro a respeito. Beth era declaradamente de esquerda, mas não me consta que, no fim, a política tomasse muito tempo de Bibi. Bolsonaro, se fosse um estadista, e não um presidente com estofo de vereador, teria aproveitado para reverenciá-las e mostrar como um governante está acima de divergências e mesquinharias. Mas não faz isto, porque conhece bem o seu lugar. A rampa do Planalto não elevou sua estatura.

Diz-se que Bolsonaro não se pronuncia sobre certas pessoas porque não sabe quem são, nem tem quem o instrua. É possível. Seu universo de referências culturais não parece extrapolar a churrasqueira do condomínio onde morava, na Barra.

*Monica de Bolle: Fios desencapados

- O Estado de S. Paulo

Países que utilizam trabalho infantil geram desincentivos ao investimento e ao aprimoramento produtivo

A imagem que tinha na cabeça quando comecei a escrever este artigo estava mais para cabos elétricos soltos do que fios desencapados, mas o efeito visual é mais ou menos o mesmo. Pensava em postes elétricos caídos e aqueles cabos chamuscando e soltando fagulhas, perigo para qualquer um que passe perto. Fios desencapados servem ao mesmo propósito de visualizar perigos aos quais somos expostos todos os dias e à necessidade de conter os danos desses fios desarmando-os e refutando argumentos estapafúrdios.

Não falo sobre os terraplanistas, pois esses já se tornaram folclóricos de tão primitivos que são. Falo dos outros. Falo do susto brutal de aprender repentinamente que, no Brasil, parte da elite não sabe o que é trabalho infantil, ou finge que não sabe para proteger o presidente da República da repercussão de seus tuítes. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o trabalho infantil assim: “Nem todo o trabalho exercido por crianças ou adolescentes deve ser classificado como trabalho infantil. A participação de crianças e adolescentes em atividades que não afetem sua saúde ou desenvolvimento e não interfiram nas atividades escolares é geralmente vista como positiva”. Isso inclui atividades como ajudar os pais nas tarefas de casa, nos negócios da família, ou algo que possibilite ganhar um dinheirinho extra durante as férias escolares ou feriados.

O termo “trabalho infantil se refere a atividades que privem as crianças de sua infância, de seu potencial, de sua dignidade, e que possam ser prejudiciais ao seu desenvolvimento físico e mental”. Portanto, a parlamentar que vendia brigadeiros na escola para pagar as aulas de tênis “sem precisar”, a jornalista que trabalhava no armazém do pai, ou o juiz que aos 12 anos foi trabalhar numa pequena loja da família não foram vítimas de trabalho infantil. Assim como não foram vítimas de trabalho infantil as centenas de pessoas que tuitaram suas experiências a pedido do filho deputado do presidente.

*Paulo Delgado: Presságios

- O Estado de S.Paulo

O mundo é da riqueza, das hierarquias e dos criadores. O povo nunca esteve tão fora de moda

Para entender a perda de poder do Estado é preciso mais talento humanista do que habilidade política. De maneira geral, governos usam sua força como oficina de testes para usufruir ou confrontar fatos dos quais com frequência são os causadores. Mas para entender como a sociedade está reagindo a tais iniciativas experimentais melhor mesmo é ampliar o ponto de observação e evitar a depressão e revolta que é viver sob governos ingênuos.

O mundo é da riqueza, das hierarquias e dos criadores. E o povo, ora, o povo nunca esteve tão fora de moda como agora. Estão aí três sistemas sociais poderosos que explicam o rápido processo de mudança a partir da atual revolução tecnológica e da crise do sistema financeiro. Chips & Pounds, dois impérios virtuais em guerra que vão se chocar e tirar do Estado a capacidade de vigiar e imprimir dinheiro.

A tecnologia acelera em ritmo cada vez maior e vem pervertendo tanto nosso sistema de reflexos que sua velocidade já é uma doença. O sistema financeiro, por sua vez, gigantesco e socialmente infértil, será engolido pela criptomoeda como o Uber comeu o táxi.

A tecnologia deu aos bancos um suporte material e um saber extraordinário sobre a angústia dos clientes, mas não lhes deu nenhuma sensibilidade sobre a experiência de salvá-los pela vida produtiva. Se o concentrado sistema bancário não enfrentar sua riqueza enganadora, usando de forma virtuosa a memória que armazena dos seus clientes, será tragado pela degenerescência do dinheiro virtual provocando um Alzheimer na riqueza.

Tecnologia e Moeda são impérios virtuais que se aproveitam do sono dos Parlamentos, anestesiados pelo narcisismo dos selfies e prisioneiros de qualquer Big Data que se ofereça. Notícias não compensam a falta de ideias. A maquinação digital é uma armadilha que consiste em transferir a legalidade de todas as coisas para os que armazenam os meios eletrônicos, fazendo o controle da verdade pertencer ao manipulador de dados.

Luiz Carlos Azedo: Das coisas da política

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A queda de braços entre o Congresso e o presidente Jair Bolsonaro pode resultar num processo de descentralização do poder e fortalecimento fada democracia”

A Câmara dos Deputados entrou num processo vertiginoso de discussão em plenário para aprovação da reforma da Previdência ainda nesta semana. Não é uma discussão feita de afogadilho, como afirma a narrativa dos que se opõem à reforma, legitimamente, diga-se de passagem. Na verdade, trata-se de mais uma etapa de mudanças no regime previdenciário iniciadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, complementadas parcialmente durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva e embarreirada no governo de Michel Temer, em razão das denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

A discussão de mérito sobre a reforma tem dois vetores: o demográfico, que alterou profundamente os cálculos atuariais de Previdência — cada vez menos jovens trabalhando, e idosos vivendo mais, o que torna o atual modelo financeiramente insustentável; e o da desigualdade — os servidores públicos se aposentam com salário integral e outros privilégios, e trabalhadores do setor privado, com, no máximo cinco salários mínimos, a maioria após os 65 anos. Essa discussão poderá ser acompanhada em tempo real nos próximos dias.

Mas há uma outra questão que precisa ser valorizada neste momento: o protagonismo do Congresso na relação com o Executivo. Entre idas e vindas, para aprovar a reforma da Previdência, a Câmara dos Deputados conseguiu entrar em sintonia com a maioria da opinião pública e os agentes econômicos, formando a massa crítica necessária para a mudança em curso. Haverá sacrifícios para as gerações futuras, os mais pobres terão um ônus maior ainda, e os servidores públicos das corporações mais poderosas não perderão todos os seus privilégios. Mas haverá um avanço considerável do ponto de vista da necessidade de reduzir o deficit fiscal e destravar a economia. A estimativa de economia em torno de R$ 900 bilhões em 10 anos é realista.

Nem começou a votar a Previdência, o Congresso também se prepara para produzir uma reforma tributária que simplifique e desonere a vida dos agentes econômicos, equalize melhor o pagamento de impostos por consumidores e redistribua a arrecadação entre a União, estados e municípios. Há de parte desses entes federados grandes expectativas em relação a isso, ainda mais, agora, que foram excluídos da reforma da Previdência dos servidores federais e terão que fazer o seu próprio ajuste. Não será em torno da Previdência que se fará uma política de descentralização e resgate da Federação; é a reforma tributária que terá esse papel.

Cristiano Romero: Que Estado queremos?

- Valor Econômico

Reforma tributária é urgente, mas é preciso redefinir despesas

Há quase 30 anos o Congresso debate a necessidade de mudanças no sistema tributário. No mesmo período, especialistas avisam que, sem reforma, empresas brasileiras - e as estrangeiras que produzem aqui - jamais conseguirão competir no mercado internacional. Governadores alegam que, se a reforma acabar com a possibilidade de os Estados concederem incentivos para atrair investimento produtivo, a desigualdade entre os entes mais ricos da Federação, como São Paulo, e os mais pobres, como Alagoas e Maranhão, vai aumentar. Empresários se queixam há décadas da carga e da complexidade que dificulta e encarece o que deveria ser simples - o pagamento de tributos. A indústria reclama do fato de pagar mais impostos, mesmo sabendo-se que sua participação no PIB encolheu de forma significativa nas últimas três décadas.

Se ninguém está satisfeito com o sistema tributário, por que todas as tentativas de reformá-lo fracassaram? A última reforma foi realizada em 1988, durante a elaboração da Constituição. O texto não agradou, tanto que, três anos depois, o governo Collor começou a discutir mudanças. Outras propostas foram debatidas nas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Lula (2003-2010), Dilma (2011-2016) e Temer (2016-2018), mas nada andou.

A derradeira tentativa séria ocorreu no segundo mandato de Lula, a partir do trabalho árduo do economista Bernard Appy, que, nos bastidores, foi boicotado por seu chefe - o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Appy especializou-se no tema e formulou proposta que está sendo adotada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como ponto de partida para uma nova tentativa de reforma.

Nilson Teixeira: Apesar de boa, há injustiças na reforma

- Valor Econômico

O mais correto seria o governo reclassificar a aposentadoria rural, transformando-a em programa social

Após as eleições, defendi que seria equivocado retomar a discussão da proposta do governo anterior para a Previdência Social, naquele momento já bastante diluída. No início deste ano, voltei a argumentar que seria melhor que o atual governo encaminhasse uma nova proposta, descartando a versão disponível no Congresso. A decisão de encaminhar um projeto com impacto fiscal muito maior do que o da alternativa anterior e a aprovação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados de uma versão cuja diluição não foi tão expressiva comprovam que essa foi a estratégia correta. A agora provável aprovação no plenário na próxima semana seria outra vitória significativa.

A forte expansão nos últimos anos do déficit do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) - que atende os trabalhadores do setor privado - deve-se, em grande parte, à redução da taxa de natalidade, ao aumento da esperança de vida, à alta informalidade no mercado de trabalho privado, aos mecanismos que permitem que os trabalhadores rurais posterguem o início da contribuição ao sistema, ao pagamento de benefícios após uma certa idade para os trabalhadores que pouco ou nunca contribuíram para a Previdência Social e às condições pouco restritivas na concessão de pensões e benefícios.

Essa dinâmica explica a razão de a economia com a reforma depender muito da elevação da idade mínima para a aposentadoria, da imposição de uma regra de transição dura, do aumento do tempo de contribuição para todos os participantes, em particular os do sistema rural, da redução de benefícios para os que contribuíram de forma insuficiente e de condições menos flexíveis no pagamento de pensões e benefícios.

A proposta aprovada na Comissão Especial referente ao RGPS peca ao não alterar as condições para a aposentadoria rural e nem os pagamentos para os que pouco contribuem para o sistema previdenciário. O mais correto seria o governo reclassificar essas despesas, transformando-as em programas sociais, em vez de registrá-las como gastos previdenciários. Isso aumentaria a transparência dos gastos públicos, haja vista que a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada representam muito mais uma transferência do que uma previdência. A sociedade precisa escolher, em última instância, quais os programas sociais a serem mantidos pelo governo e, também, como pagá-los.

Ricardo Noblat: A desculpa esfarrapada do capitão

- Blog do Noblat

Pagou porque quis pagar
Empenhado em manter de pé a enganação de que uma Nova Política subiu a rampa do Palácio do Planalto e por lá ficou desde que ele tomou posse há seis meses, o presidente Jair Bolsonaro apressou-se a postar no Twitter a mensagem que segue aqui:

“Por conta do orçamento impositivo, o governo é obrigado a liberar anualmente recursos previstos no orçamento da União aos parlamentares e a aplicação destas emendas é indicada pelos mesmos. Estamos apenas cumprindo o que a lei determina”.

É verdade que a lei determina. Cumpra-se, portanto. Mas o governo só libera dinheiro para o pagamento das emendas quando quer. E, de preferência, para quem atender aos seus desejos. Todo governo procede assim. E o de Bolsonaro não fugiu à regra.

Deixou para soltar a grana às vésperas da votação da reforma da Previdência. E premiou os que se comprometeram a votar a favor. Na base do toma lá, me dá cá. Tome lá grana para pequenas obras em suas bases eleitorais. Em troca, dê-me seu voto.

Foi assim, por exemplo, que o ex-presidente Temer evitou por três vezes que a Câmara aprovasse pedidos do Supremo Tribunal Federal para processá-lo por corrupção. Bolsonaro mandou os escrúpulos às favas – e, com eles, a lorota da Nova Política.

Salve, Maia!

O grande pai da reforma
Se o presidente Jair Bolsonaro não atrapalhar, e ele ainda poderá fazê-lo, a proposta de reforma da Previdência será aprovada pela Câmara dos Deputados entre hoje e amanhã em primeira votação. No que isso acontecer, a segunda votação será meramente simbólica para confirmar a primeira como mandam as regras.

O ‘racha’ do PSL: Editorial / O Estado de S. Paulo

A reforma da Previdência percorreria um caminho bem menos sobressaltado se o governo do presidente Jair Bolsonaro tivesse aproveitado a proposta apresentada por seu antecessor, cuja tramitação na Câmara dos Deputados estava madura. Decerto, ao País interessa mais a aprovação da reforma de um sistema há muito insolvente e injusto do que a verificação de autoria do santo reformador.

Tendo o governo optado por apresentar um novo projeto – o que lhe era facultado, ainda que não recomendável –, o mínimo que se poderia esperar era o apoio incondicional do PSL ao texto. Afinal, trata-se do partido do presidente da República. Mas ao contrário do que sugerem a razão e o bom senso, tem sido justamente o PSL uma das maiores fontes de atribulações no curso da reforma da Previdência.

Ainda está fresca na memória a aflitiva demora para a aprovação do projeto pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, muito em função dos vaivéns protagonizados por parlamentares do PSL. O que se viu ali foi um agrupamento de políticos erráticos sob uma mesma sigla, não um partido coeso em torno da agenda do governo, da qual, presume-se, a reforma da Previdência seja a grande estrela.

Ao fim e ao cabo, o texto-base do projeto foi aprovado tanto na CCJ como na Comissão Especial, e com os votos do PSL. O que se teme agora é a sua desidratação por meio dos destaques que, certamente, serão apresentados pelos deputados no plenário da Casa.

Mais sim, menos não: Editorial / Folha de S. Paulo

Datafolha mostra alta do apoio à reforma da Previdência, que descola de Bolsonaro

Reformas previdenciárias, por mais bem desenhadas que sejam, sempre significam algum sacrifício para os segurados e, não por acaso, despertam resistências em qualquer lugar do mundo. Nada tem de corriqueiro, portanto, um deslocamento da opinião pública em favor de uma iniciativa do gênero.

Foi o que detectou o Datafolha, em pesquisa realizada neste início de julho. A proposta que avança na Câmara dos Deputados conta hoje com o apoio de 47% dos brasileiros, ante 41% em abril; a rejeição, por sua vez, recuou de 51% para 44%.

Evidente que não se está diante de uma clara maioria —a rigor, a diferença entre os dois grupos está na margem de erro. Ainda assim, trata-se de evolução notável num país em que as aposentadorias ocupam espaço exagerado no Orçamento e no debate público.

Recorde-se que, dois anos atrás, o projeto de reforma encaminhado pelo governo Michel Temer (MDB) enfrentava a oposição de nada menos de 71% do eleitorado. O texto de então era diferente do atual, decerto, mas nem tanto.

O peso do apoio popular à reforma da Previdência: Editorial / O Globo

Tendência de aumento da aprovação das mudanças é um recado aos políticos

O fato de pesquisa Datafolha haver detectado inédito apoio na população à reforma da Previdência tem muito a dizer, principalmente a deputados e senadores, aos quais cabe aprovar ou rejeitar a proposta de mudanças.

Não há país democrático em que este tipo de reforma transite sem fortes resistências. Toda vez, por exemplo, que a França precisa ajustar o custo para a sociedade dos chamados direitos sociais, a fim de adequá-los a imperativos econômicos e demográficos, o gás lacrimogênio dos batalhões de choque da polícia volta a flutuar nas ruas de Paris e de outras grandes cidades do país.

É parte do jogo democrático, mas, para o bem de todos, a começar pelas ditas classes desassistidas, essas reformas precisam ser feitas.

A brasileira já vem com grande atraso. Daí ser inadequado ampliar o leque de concessões já feitas a categorias do funcionalismo, cujo poder de pressão sobre Executivo e Legislativo, historicamente forte, impede medidas para tornar o Brasil menos desigual.

Desempenho da indústria esfria previsões para o ano: Editorial / Valor Econômico

O resultado da indústria em maio confirmou as expectativas pessimistas para a economia no primeiro semestre. A produção industrial caiu 0,2% em relação ao mês anterior, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parte do crescimento de 0,3% de abril foi anulado. Em relação a maio de 2018, houve um salto de 7,1%, mas deve-se levar em conta que a base de comparação é o mês da greve dos caminhoneiros, que praticamente paralisou as atividades em todo o país. No acumulado do ano, a queda é de 0,7% e, em 12 meses, o resultado está zerado.

A indústria de transformação recuou 0,5% em maio, na comparação com abril, e o resultado final só não foi pior porque a extrativa avançou 9,2% compensando apenas parcialmente a forte queda acumulada em 25,6% nos quatro primeiros do ano, dos quais 9,5% apenas em abril. Analistas atribuem a melhora da indústria extrativa à retomada da produção de minério de ferro em minas que tiveram a produção interrompida após o acidente de Brumadinho e em jazidas no Estado do Pará, onde fortes chuvas haviam forçado paradas em várias localidades, e ao aumento de 3,2% da produção no setor de coque, derivados do petróleo e biocombustíveis, que interrompeu dois meses consecutivos de queda.

Reforma prevê seis regras de transição

Por Edna Simão | Valor Econômico

BRASÍLIA - A proposta da reforma da Previdência prevê seis regras de transição para os novos critérios de aposentadoria, que equiparam exigências do setor público e privado e fixa idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, ao longo de 14 anos.

Caberá ao trabalhador optar por uma delas. O tempo que falta de contribuição para se aposentar e a idade serão relevantes na escolha. Para os trabalhadores que pretendem se aposentar por tempo de contribuição, a proposta de reforma estabeleceu quatro possibilidades (uma delas válida também para o servidores).

Uma delas considera um sistema de pontos, que corresponde a soma do tempo de contribuição e da idade. Considerando os dados do governo, para que o funcionário solicite a aposentadoria por esse critério, o resultado deveria ser, em 2019, de 96 pontos para homens e de 86 para mulheres. Esse valor vai subindo gradualmente até atingir 105 pontos em 2028, e 100, em 2033, respectivamente.

No caso dos professores, há uma redução de cinco pontos, ou seja, a soma do tempo de contribuição com a idade se inicia, em 2019, com 81 anos para mulheres e 91 anos para homens, desde que comprovem, exclusivamente, o tempo efetivo no exercício das funções de magistério na ensino fundamental e médio. Os pontos sobem até atingir 95 pontos para professoras, e 100 pontos para professores.

Pressão na reta final

Partidos pedem mudanças no texto, e Bolsonaro defende regra para policiais

Geralda Doca, Manoel Ventura, Jussara Soares e Gustavo Maia / O Globo

BRASÍLIA - Pressões de partidos, governadores, prefeitos e até do presidente Jair Bolsonaro para fazer ajustes de última hora no texto na reforma da Previdência, além do apetite de parlamentares por mais verbas, atrapalharam o andamento da reforma da Previdência no plenário da Câmara. O plano original do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era votar o texto ainda ontem, mas, após um dia de negociações, os parlamentares iniciaram as discussões, e a votação ficou para hoje. Ela deve ocorrer após a visita de Bolsonaro à Casa para participar da sessão solene de aniversário da Igreja Universal do Reino de Deus, pela manhã

O primeiro requerimento da oposição para retirara reformada Previdência da pauta foi derrotado por 331 votos a 117, por volta das 22h30m. O número foi expressivo, diante da necessidade de 308 a favor para aprovara reforma.

Maia decidiu adiara conclusão das discussões para hoje e disse que já tinha votos suficientes para aprovara reforma. Ao respondera um parlamentar, afirmou que estava protegido e sacou do bolso um amedalha de Nossa Senhora Aparecida, que ganhou de presente de sua mulher. Hoje, os parlamentares ainda devem lidar com as manobras regimentais da oposição e votar o texto-base.

LIBERAÇÃO DE VERBA
Ao longo do dia, parlamentares que falaram sob anonimato demonstraram insatisfação com os R$ 2,5 bilhões empenhados nos cinco primeiros dias de julho, já que o valor desejado chegaria a R$ 10 bilhões. No fim da noite, ficou acertado, segundo deputados que articularam a votação do texto no plenário, que hoje será editado um projeto de lei do Congresso Nacional (PLN) autorizando a liberação de mais recursos para os partidos.

Intercept divulga primeiro áudio de Deltan para procuradores da Lava Jato

Em gravação divulgada por site, ele comemora proibição de entrevista de Lula à Folha

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Um mês após a primeira reportagem sobre mensagens atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e a membros da Lava Jato, o site The Intercept Brasil divulgou nesta terça (9) o primeiro áudio das conversas, obtido de fonte anônima a partir de dados do aplicativo Telegram.

No arquivo de som divulgado pelo Intercept, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, afirma que a proibição de entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Folha, no ano passado, era "uma notícia boa".

Desde que vieram à tona as mensagens publicadas pelo Intercept, a partir de 9 de junho, tanto Deltan como Moro têm repetido que sempre agiram conforme a lei e que não podem garantir a veracidade dos diálogos divulgados.

Em 28 de setembro do ano passado, antes das eleições, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski autorizou a colunista Mônica Bergamo, da Folha, a entrevistar Lula na prisão. No fim do mesmo dia, a decisão foi suspensa pelo ministro Luiz Fux.

Na ocasião, ele também decidiu que, se a entrevista já tivesse sido realizada, sua divulgação seria censurada. A decisão de Fux só foi revogada em abril deste ano pelo presidente do tribunal, Dias Toffoli.

Logo após a determinação de Fux, Deltan enviou em um grupo de procuradores: "URGENTE. É SEGREDO. Sobre a entrevista. Quem quer saber ouve o áudio".

No arquivo, ele dizia: "Caros, o Fux deu uma liminar suspendendo a decisão do Lewandowski que autorizava a entrevista dizendo que vai ter que esperar a decisão do plenário", disse Deltan em um grupo de procuradores.

"Agora não vamos alardear isso aí, não vamos falar para ninguém. Vamos manter, ficar quieto, para evitar a divulgação o quanto for possível. Porque quanto antes divulgar isso, antes vai ter recurso do outro lado, antes isso aí vai para o plenário", acrescentou.

"O pessoal pediu para a gente não comentar publicamente e deixar que a notícia surja por outros canais pra evitar precipitar recurso de quem tem uma posição contrária a nossa. Mas a notícia é boa para terminar bem a semana depois de tantas coisas ruins e terminar bem o final de semana. Abraços, falou!"

A mensagem foi enviada após um dia de intensa troca de mensagens dos procuradores sobre o episódio. Após a liberação de Lewandowski, a procuradora Laura Tessler disse que era "revoltante".

"Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas... e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse...".

Os procuradores passaram a discutir sobre a possibilidade de impedir a entrevista ou formas de diluir a entrevista entre vários veículos.

“Plano a: tentar recurso no próprio stf, possibilidade Zero. Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona mas diminui a chance da entrevista ser direcionada", afirmou o procurador Januário Paludo no grupo.

Procurada, a força-tarefa da Lava Jato do Paraná não comentou o caso de forma específica. Disse em nota que "as supostas mensagens atribuídas a integrantes da força-tarefa são oriundas de crime cibernético e não puderam ter seu contexto e veracidade verificados".

"Diversas dessas supostas mensagens têm sido usadas, editadas ou descontextualizadas, para embasar falsas acusações que contrastam com a realidade dos fatos", afirma o comunicado.

Ferreira Gullar: Extravio

Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?

Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.