quinta-feira, 18 de julho de 2019

Maria Hermínia Tavares de Almeida*: Rito de passagem

- Folha de S. Paulo

O desafio é compatibilizar responsabilidade fiscal e equidade na proteção social

Três anos atrás, quem deixasse o aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, rumo ao centro veria um enorme painel vermelho onde se lia "Políticas sociais com moderação fiscal". Assinava-o um dos partidos da "geringonça", como os portugueses gostam de chamar o acordo político firmado pelo Partido Socialista separadamente com três agrupamentos à sua esquerda. Graças a isso, embora minoritário no Parlamento, o PS continua a governar o país.

O painel reafirmava o compromisso social com a equidade —a razão de ser da esquerda— ao mesmo tempo em que reconhecia a realidade imposta pelas limitações fiscais a que os governos estão invariavelmente submetidos.

Na mesma linha, o líder da oposição na Câmara, deputado AlessandroMolon (PSB-RJ), ao comentar nesta Folha a atuação das forças que coordena no debate da proposta de reforma previdenciária, mesmo votando contra ela, ponderou: "É preciso conciliar responsabilidade fiscal com responsabilidade social".

O texto do Ministério da Economia, embora atacasse alguns mecanismos geradores de desigualdades, especialmente entre os regimes público e privado de aposentadoria, visava antes de tudo reduzir o forte impacto da Previdência sobre as contas públicas —indiferente aos inevitáveis efeitos de algumas mudanças para o futuro dos muitos milhões de brasileiros nas fronteiras da pobreza. Além disso, o ministro aceitou mansamente a decisão presidencial de reintroduzir benefícios corporativos para presumíveis setores da base eleitoral do bolsonarismo.

Renato Janine Ribeiro*: A Flip e o fascismo

- Folha de São Paulo, 15/7/2019.

Mediocridade procede ao desmonte de conquistas

Vários amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão. Alguns acrescentam que o Brasil assim aprenderá melhor o valorda democracia.

De minha parte, entendo que eles subestimam a destruição do tecido social e político, a liquidação da
vida inteligente e da vida mesma, que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação e do meio ambiente.

Debate-se muito o que é fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, talvez o mais antidemocrático de todos, que não é apenas um exemplo de autoritarismo.

Primeiro, o fascismo conta com ativo apoio popular. Tivemos uma longa ditadura militar, mas com sustentação popular provavelmente minoritária e seguramente passiva. Mesmo no auge de sua popularidade —o período do “milagre”, somando general Médici, tortura e censura, tricampeonato de futebol e crescimento econômico— não houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime.

Hoje, há.

Daí, segundo, a banalização da violência. Elas deixam de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Estado, por meio da polícia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, sentem-se autorizados a partir para a porrada.

O ataque à barca em que estava Glenn Greenwald em Paraty é exemplo vivo disso.

O que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada, ou seja, massas que banalizam o recurso à violência. O fascismo já estava no ar uns anos atrás quando um pai, andando abraçado com o filho adolescente, foi agredido na rua por canalhas que pensavam tratar-se de um casal homossexual.

‘A educação é um perigo para uma ditadura sutil’, diz Manuel Castells

‘Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura’, diz sociólogo Manuel Castells

Referência no estudo das redes, espanhol diz que disseminação de informações falsas conduz país ao totalitarismo e educação é única via para reverter o quadro

RIO — O Brasil está vivendo um novo tipo de ditadura, que tem como pilares a disseminação de notícias falsas e sucessivos ataques à Educação . Essa é a visão do espanhol Manuel Castells , um dos principais teóricos da comunicação e autor de livros como “A Sociedade em Rede” e “Galáxia da Internet”.

Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que o país só conseguirá evitar um futuro totalitário caso as escolas desempenhem bem seu papel . Nesse sentido, criticou o projeto do governo Bolsonaro de criar escolas militares, com foco na disciplina.

Castells diz ainda que os cidadãos que “querem estabelecer a verdade” precisam retomar o protagonismo nas redes.

O espanhol visitou o Rio para participar do seminário “Educação, Cultura e Tecnologia: Escola do Século XXI”, promovido pela Prefeitura de Niterói, e para palestrar sobre “Comunicação, política e democracia”, na FGV.

Paula Ferreira / - O Globo, 17/7/2019

• Hoje, no Brasil, há pessoas que dizem que o nazismo era de esquerda e que a terra é plana. Como isso é possível na era da informação?

Primeiro, as pessoas não funcionam racionalmente e sim a partir de emoções. As pesquisas mostram isso. As pessoas não veem o noticiário para se informar, mas para se confirmar. Não vão ler algo de outra orientação cultural, ideológica ou política. A segunda razão para esse comportamento é que vivemos em uma sociedade de informação desinformada. Temos mais informação do que nunca, mas a capacidade de processá-la e entendê-la depende da educação e ela, em geral, mas particularmente no Brasil, está em muito mau estado. E vai ficar pior, porque o próprio presidente acha que a educação não serve e vai cortar os investimentos na área.

• As universidades públicas e os professores brasileiros estão sob ataque por aqui?

Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura. As instituições estão preservadas, mas se manipulam tanto por poderes econômicos quanto ideológicos. O Brasil perdeu a influência da Igreja Católica, mas ganhou algo muito pior que são as igrejas evangélicas, para quem não importa a ciência e a educação, porque, quanto mais informadas estejam as pessoas, mais capacidade terão de resistir à doutrinação. O mesmo acontece com o presidente e com o regime que está instalando. Não se pode fazer uma ditadura antiga, que se imponha com o Exército, mas uma ditadura orwelliana, de ocupar as mentes. Esse tipo de ditadura só pode funcionar com um povo cada vez menos educado e mais submetido à manipulação ideológica.

• Como essa manipulação é exercida?

As redes sociais permitem a autonomia dos indivíduos, mas são usadas tanto pelos manipuladores como pelos jovens que tentam mudar o mundo. Foram desenvolvidas técnicas muito poderosas de desinformação, que incluem a utilização massiva de robôs, de forma que a construção coletiva do que ocorre na sociedade está totalmente dominada por movimentos totalitários. Por isso, atacam a educação, os professores, as universidades, as humanidades e as ciências sociais, que são áreas que nos permitem pensar. Tudo o que significa pensar é perigoso.

• O que as escolas brasileiras precisam ter para mudar a realidade do país?

Primeiro: recursos. Mesmo que haja mudanças na pedagogia, se não há recursos, se não pagam e não respeitam os professores e se não há menos alunos por classe, (não adianta). É preciso uma formação inicial melhor dos professores e também uma reciclagem contínua, sobretudo nas escolas mais longínquas do Brasil. Precisamos de bons professores imediatamente, não podemos esperar 20 anos para produzir os educadores que vão educar os jovens. E como fazer isso? Com educação virtual à distância. Precisamos reforçar as universidades virtuais. Estou na Universidade Aberta da Catalunha, que tem 65 mil estudantes 100% na internet, e funciona muito bem. Os estudantes de lá têm os mesmos diplomas que os demais e não há nenhuma diferença de qualidade e nem de mercado.

• Falando sobre a importância de valorizar o professor, atualmente o mais conhecido do país, Paulo Freire, está sendo alvo de ataques.

Isso significa que tudo que é criação de uma cidadania informada, educada e autônoma é um perigo para uma ditadura sutil, que precisa de pessoas que não sejam bem educadas, que sejam desinformadas e manipuláveis. Os três princípios de Paulo Freire são: aprender pela experiência — hoje em dia encontramos tudo na internet —, autonomia dos alunos para educar-se para buscar a informação e professores para guiá-los. Agora que temos tecnologia, não só internet, mas as conexões rápidas, é possível revolucionar facilmente a escola seguindo os princípios de Paulo Freire. Por que se ataca ele? Porque no mundo, e não só no Brasil, ele é um símbolo. Eu conheci Paulo Freire na Universidade Stanford (Estados Unidos) e lá ele era adorado, porque seus princípios são adaptados ao que é a nova sociedade: criar pessoas livres e autônomas, capazes de promover sua própria aprendizagem, guiadas por seus professores. Isso é muito perigoso para aqueles que querem manipular. Paulo Freire é liberdade, e a liberdade é agora o maior obstáculo que existe para que se siga desenvolvendo essa ditadura sutil que estão tentando impor ao Brasil.

• O governo anunciou recentemente que pretende criar mais de cem novas escolas militares. Qual sua opinião sobre essa iniciativa?

O que precisamos hoje é de pessoas educadas para pensar autonomamente, porque há uma quantidade de informação tão grande que precisamos ser autônomos em construir nossas opiniões e tomar decisões. As escolas não podem ser produtoras de robôs. (A formação de) gente que simplesmente obedece, segue o que está programado e aceita tudo é um princípio de militarização não só da escola, mas da sociedade. A grande questão do Brasil nesse momento é que, se não houver uma grande reação da sociedade contra essas medidas, o Brasil será transformado em uma sociedade totalitária.

Bruno Boghossian: Ciro e a esquerda em tom pastel

- Folha de S. Paulo

Ex-ministro busca primazia na esquerda, mas depende de ataques a outros personagens

Ciro Gomes tenta transformar as dissidências dentro de seu partido em peça de propaganda. Depois que a bancada do PDT rachou na votação da reforma da Previdência, o ex-presidenciável passou a liderar uma campanha doméstica contra Tabata Amaral e os deputados que apertaram o botão verde para a proposta de Jair Bolsonaro.

A reação furiosa evidencia um esforço para limpar a imagem da legenda, que viu 8 de seus 27 parlamentares traírem a orientação partidária. "A história vai registrar quem estava de um lado e quem estava do outro", declarou Ciro, na segunda-feira (15).

O pedetista mostra que pretende usar esse grupo de infiéis como escada política. Ao tratar o voto a favor da reforma como um comportamento intolerável, Ciro quer amplificar sua própria oposição à reforma e conquistar terreno na esquerda como adversário principal da agenda econômica do atual governo.

Na largada, ele conseguiu atrair alguns holofotes. O PT, que tem o dobro da bancada do PDT, deu todos os seus 54 votos contra a proposta, mas foi Ciro quem apareceu como antagonista de destaque —graças a seu embate com Tabata e companhia.

Mariliz Pereira Jorge: Tabata incomoda muita gente

- Folha de S. Paulo

Deputada conquistou, em pouco tempo, um protagonismo que não passa impune

Quem são Alex Santana, Subtenente Gonzaga, Silvia Cristina, Marlon Santos, Jesus Sérgio, Gil Cutrim e Flávio Nogueira? Deputados do PDT, que votaram a favor da reforma da Previdência, contrariando o partido. Ninguém fala deles. Muito menos sobre os 11 do PSB, que fizeram o mesmo.

As críticas e as ameaças têm sido direcionadas a Tabata Amaral. A deputada incomoda muita gente. Há seis meses, apenas seu eleitorado sabia quem era a garota de origem humilde, que estudou em Harvard e chegou ao Congresso. Em pouco tempo conquistou um protagonismo que não passa impune.

Ciro Gomes é um dos incomodados com a rebeldia de quem ele adora reivindicar o apadrinhamento. "Eu recrutei", disse numa entrevista há cerca de um mês. Minha intenção era saber sobre o potencial da deputada, mas Ciro passou os minutos seguintes descrevendo como ele, muito astuto, despertou nela o interesse pela política. Deve ser indigesto.

Tabata incomoda os eleitores extremistas, que exigem fidelidade. É cedo para calcular o prejuízo, mas os ataques que enfrenta talvez saiam pela culatra e a enorme exposição multiplique seu capital político. Pode renascer gigante do episódio.

Fernando Schüler*: Fundão eleitoral de R$ 3,7 bilhões: é mesmo preciso?

- Folha de S. Paulo

É de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada cidadão?

A ideia é usar até R$ 3,7 bilhões do orçamento público nas campanhas eleitorais do ano que vem. É o valor que consta no parecer do deputado Cacá Leão, relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias no Congresso. “Não acho que é um exagero”, sinalizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

“Orçamento público” é uma palavra elegante que significa o seguinte: dinheiro drenado do bolso do contribuinte para o caixa dos partidos políticos. Alguns dirão que não é nada. Se dividirmos pelo número de eleitores, dá R$ 25 por cabeça. O valor é pouco mais de 10% do que gastamos, todos os anos, com o Bolsa Família. Quem se preocupa com isso?

Uma boa sociedade democrática deveria se preocupar. Cada real retirado da conta do cidadão é um pequeno ato de violência. Qualquer despesa aprovada em Brasília deveria ser precedida dessa pergunta: é de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada um?

No debate sobre o financiamento público de campanhas, não é apenas o montante do dinheiro público que importa, mas o impacto que ele gera sobre a qualidade da democracia. É melhor continuar despejando (ainda mais) dinheiro público nas eleições ou migrar para um modelo em que os partidos assumam a responsabilidade e busquem o apoio direto dos cidadãos?

Sejamos claros: não há modelo ideal de financiamento eleitoral. O melhor é ver a questão pelo ângulo inverso: qual o modelo menos imperfeito? Aquele que mais ajuda ou o que mais prejudica, de verdade, a equidade nas eleições?

Sérgio Rodrigues: De esquerda, a Flip?

- Folha de S. Paulo

A bolha que eu vi em Paraty foi a da democracia, da arte e da civilização

A Flip é de esquerda, decreta o consenso formado após a 17ª edição da festa literária, restando decidir se isso a torna boa, como bastião de resistência a um governo reacionário, ou má, como bolha em que os intelectuais se escondem do “Brasil real”.

Estive lá este ano —como estive na maioria das Flips, inclusive como mediador (2004) e autor convidado (2009)— e discordo. Deixemos de lado a guinada que a programação oficial, hoje apenas uma entre as muitas atrações do evento, deu em 2017 rumo às irreprimíveis questões identitárias, que são “de esquerda” por uma razão mais tática que estrutural.

Será mesmo de esquerda um festival que já nasceu carimbado como convescote da elite? Que glorifica o mercado editorial? Que custa uma nota em hospedagem e costuma ter convidados estrangeiros —sobretudo europeus— como estrelas?

“É a esquerda-caviar”, insistirão. O clichê também não serve. Amassar numa geleia esquerdista autocongratulatória escritores como J.M. Coetzee, Tom Stoppard, Christopher Hitchens, Lobo Antunes e Fernando Henrique Cardoso é, para dizer o mínimo, não entender o que eles dizem.

Quem reduz a Flip a terra encantada de uma esquerda alienada da realidade brasileira se engana sobre a Flip e sobre o Brasil. Ela se situa inevitavelmente à parte por ser uma festa de livros num país semianalfabeto. Mas só é “de esquerda” na cabeça de quem assim classifica Reinaldo Azevedo, a Globo, a Veja e toda a imprensa mundial.

Luiz Carlos Azedo: Nova esquerda pede passagem

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Dissidentes do PDT e do PSB podem protagonizar a emergência de uma nova esquerda no Congresso, de caráter democrático e liberal, sem o viés nacionalista e socialista que caracteriza historicamente a esquerda brasileira”

O presidente do PDT, Carlos Lupi, anunciou ontem a suspensão dos oito deputados que votaram a favor da reforma da Previdência contra a orientação do partido: Alex Santana (BA), Flávio Nogueira (PI), Gil Cutrim (MA), Jesus Sérgio (AC), Marlon Santos (RS), Silvia Cristina (RO), Subtenente Gonzaga (MG) e Tabata Amaral (SP). Todos desafiaram os caciques da legenda, inclusive o ex-governador Ciro Gomes, que exigiu punição dos rebeldes em caráter pedagógico. Segundo ele, os deputados não podem servir a dois senhores, numa referência aos movimentos Acredito e RenovaBR, dos quais fazem parte.

Esses parlamentares são alinhados ao programa de renovação política de alguns movimentos aos quais estão ligados, como Acredito e RenovaBR, antes mesmo de terem se filiado à legenda. É o caso da jovem deputada Tabata Amaral, uma estrela em ascensão na política nacional, que escolheu o PDT como legenda por lhe oferecer melhores condições do que o Cidadania e a Rede para disputar uma vaga de deputada federal por São Paulo. É jogo jogado, ninguém foi enganado.

O comentário de Ciro Gomes lembra a famosa polêmica que deu origem ao “centralismo democrático”dos partidos comunistas, entre o líder bolchevique Vladimir Lênin e o social-democrata Julius Matov, na fundação do Partido Socialista Operário Russo (PSOR), em 1902. Martov era um importante líder da União Geral dos Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, que havia aderido aos bolcheviques. Pretendia manter sua organização, mas foi impedido por Lênin, que proibiu a dupla militância com o argumento de que um partido revolucionário não poderia abrir mão de um “centro único” dirigente.

Curiosamente, no Brasil, o antigo PCB, que mudou para PPS e, agora Cidadania, aboliu o centralismo democrático e se tornou uma Babel de tendências políticas, o que se reflete no posicionamento contraditório da bancada em relação ao governo Bolsonaro. Entretanto, seus oito deputados votaram unidos a favor da reforma da Previdência e agora abrem as portas da legenda para os dissidentes do PDT, acusados de serem neoliberais. Outras siglas, como o Novo e a própria Rede, também disputam corações e mentes desses dissidentes.

Entretanto, pode ser que estejamos presenciando um outro fenômeno: a gênese de uma nova esquerda, em ruptura com a esquerda tradicional, da qual o PDT e o PSB fazem parte, como partidos mais moderados do que o PT e o PSol, por exemplo. É preciso atenção também para os 11 dissidentes do PSB, contra os quais o presidente do Conselho de Ética da legenda, Alexandre Navarro, abriu um processo disciplinar.

Os deputados Átila Lira (PI), Emidinho Madeira (MG), Felipe Carreras (PE), Felipe Rigoni (ES), Jefferson Campos (SP), Liziane Bayer (RS), Luiz Flávio Gomes (SP), Rodrigo Agostinho(SP), Rodrigo Coelho (SC), Rosana Valle (SP) e Ted Conti (ES) também votaram a favor da reforma da Previdência, contrariando a orientação da direção do PSB, cujo eixo dominante é o clã Arraes, em Pernambuco. A maioria também faz parte dos movimentos Acredito e Renova BR.

Eugênio Bucci*: Pálidos apocalipses

- O Estado de S.Paulo

Num país onde só os boçalistas falam alto, a esquerda balbucia ‘Lula livre’

Cena 1. Dúvidas no lugar da fé. Ainda é cedo para saber se o papa Francisco terá sido o Gorbachev do Vaticano. Ainda é cedo para saber se o atual pontífice, em nome de purificá-lo, não vai ferir de morte o organismo que o destino o encarregou de conduzir. O líder soviético de nome Mikhail Gorbachev fez algo assim quando escancarou os males do stalinismo com suas glasnost e perestroika. Inadvertidamente, ou mesmo de propósito, abriu chagas que mataram de hemorragia o império comunista. Talvez Gorbachev estivesse certo. Talvez não houvesse nada ali para preservar. Ou talvez estivesse errado. Não sabemos ainda. Sabemos apenas que o legado de Lenin se estilhaçou no dia em que um líder se prontificou a exorcizá-lo de seus defeitos mais atrozes. E quanto ao Vaticano? Estará o papa Francisco entregue à mesma sina? Suas tentativas – tíbias – de punir prelados pedófilos trará mais fraqueza do que força para a sua igreja? Há católicos, deveras conservadores, que temem esse desfecho. Não o declaram, porém. Ainda é cedo para saber. A incerteza cala fundo.

Cena 2. Dia desses, coisa de um mês atrás, o ministro da Justiça, Sergio Moro, deu de comparecer ao um estádio de futebol em Brasília. Na tribuna, ao lado do presidente da República, ficou de pé e vestiu uma camisa do Flamengo sobre seu uniforme social de autoridade pública. Moro esboçou um sorrisinho. Populares logo abaixo aplaudiram. Festejos futebolísticos. Por um instante, ou mesmo dois, soou ali um fundo musical inaudível, mas real. Era possível pressentir a voz de Jorge Benjor, uma voz antiga, ainda do tempo em que Jorge Benjor era apenas Jorge Ben, interpretando a música País Tropical. Mas há uma mudança de sentido. Agora, na letra, o verbo morar, de “moro num patropi”, soa como sobrenome: “Moro num patropi”. A canção que celebrava a malandragem e zombava da oficialidade se inverte por inteiro. O ministro e seu poder se entronizam no estádio de futebol, enquanto os “camaradinhas” de Jorge Ben, sem “jor”, talvez ouçam a canção com travos de desconfiança.

Cena 3. Agora é Maracanã. Maracanã na veia. Não faz nem duas semanas. Final de jogo. Brasil campeão da Copa América. O chefe de Estado se escarrapacha no gramado, segura a taça com as duas mãos, emoldurado pelo escrete canarinho em peso, aos gritos, em júbilo. Repórteres presentes registraram ter ouvido vozes, de jogadores ou de gente da comissão técnica, chamando o governante de “mito”. No chocante e inaudito congraçamento entre o ludopédio bilionário e o bonapartismo da era digital, algo de uma explicitude obscena, em que o suor dos atletas manchava o terno do presidente, outra pérola do cancioneiro ecoou – imaginariamente – e, de novo, com os sinais invertidos. Há décadas e décadas Chico Buarque entoava o verso “minha cabeça rolado no Maracanã” e ia por aí. “Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela/ Eu achei que era ela puxando o cordão”. Naquelas eras, deveras priscas, tinha havido uma campanha de rua, com passeatas e comícios, pedindo eleições diretas para presidente da República. A cor símbolo da campanha era o amarelo.

Era amarelo pelas diretas. Era amarelo contra a ditadura militar. O tempo passou, o tempo rolou pelas estribeiras e o amarelo mudou de lado, veja você.

William Waack: Países não pertencem a presidentes

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e Trump enxergam as relações internacionais como relações pessoais

Ao se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm interesses.

Pode-se discutir as qualificações do indicado ou a falta delas para o exercício do cargo, a idade ou o fato de ser filho do chefe de Estado, mas não é o que mais importa. Relevante é algo que o presidente brasileiro destacou ao justificar a escolha: Eduardo tem acesso direto à família do colega americano Donald Trump.

Em outras palavras, relevante para a indicação é a proximidade com uma família entendida como amiga. Quaisquer que sejam esses laços, a noção de que negócios de Estado poderiam ser melhor resolvidos na base do entendimento pessoal expressa desprezo por fundamentos básicos de relações internacionais – além de pouco apreço pelo “staff” profissional das respectivas diplomacias, característica comum a Bolsonaro e Trump.

A “química pessoal” funciona menos do que se pensa. Tome-se o exemplo recente do ditador da Coreia do Norte – por quem Trump “caiu de amores”, segundo disse, mas o baixinho que Trump ridicularizava continua sentado nas suas bombas atômicas. Ou considere-se a postura de Vladimir Putin, por quem Trump expressou sincera admiração pessoal – a mais nova versão de um czar russo peita os EUA onde pode, e está se articulando com a grande rival americana, a China (onde uma espécie de líder vitalício pensa em sistemas e não em pessoas).

Zeina Latif*: Responsabilidade compartilhada

- O Estado de S.Paulo

Houve esforço na reforma para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União

A reforma da Previdência tem muitos méritos. O principal é estabelecer a idade mínima de aposentadoria para (quase) todos (servidores públicos estaduais e municipais não foram incluídos). Atualmente, apenas os mais humildes, que não conseguem comprovar o tempo mínimo de contribuição à Previdência, se aposentam por idade.

Não é possível dizer que foi a reforma “possível”, pois o governo evitou temas polêmicos, como igualar a idade de aposentadoria de mulheres e homens, e defendeu corporações.

Houve esforço para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União. Elevou-se a idade mínima no caso geral, em linha com o setor privado (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), mas com idade menor para professores (57/60) e policiais (55), e com regra de transição mais suave para quem ingressou no setor público antes de 2003 (idade mínima de 55/60 e a possibilidade de integralidade do valor da aposentadoria), grupo que representa significativos 45% do total de servidores.

A diferença entre as regras do setor público e do setor privado foi reduzida, mas não satisfatoriamente; e reconhecendo que a eliminação completa, sujeita a judicialização. Computando todos os ajustes feitos na proposta do governo, a Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que a desidratação no regime próprio da União é de 45%. No regime geral do setor privado foi menor, de 15%.

Malu Delgado: O 'vestibular' de Eduardo Bolsonaro

- Valor Econômico

Amizade com Trump não pode ser vista como um trunfo

Ao Senado Federal e à população brasileira pouco interessam as habilidades culinárias do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para exercer o cargo de embaixador do Brasil em Washington. O próprio parlamentar foi o responsável por se tornar alvo fácil de memes e caricaturas de humor político ao destacar que fritar hambúrguer numa rede de fast food americana engrandece o currículo de quem pode ter pela frente um gigante desafio diplomático. Não é a vivência do jovem 'intercambista' pelo mundo, a fluência na língua inglesa obtida no Colorado, a idade recém alcançada de 35 anos, e nem tampouco o fato de ser filho do presidente que suscitarão os questionamentos mais relevantes sobre a adequação de Eduardo Bolsonaro à função. Ainda que tudo isso venha à baila numa sabatina, em especial as variações jurídicas do conceito de nepotismo, não reside exatamente aí o xis da questão.

O que de fato deve ser levado em conta pelos senadores - ou pelo menos deveria ser - é se o que a família Bolsonaro apresenta como seu grande trunfo, a proximidade e a "amizade" com o presidente Donald Trump, o credencia ou torna a sua missão ainda mais delicada e complexa.

Aos 84 anos, o embaixador Marcos Azambuja, que representou o Brasil na França e na Argentina, ensina que "o que parece vantagem pode passar a ser suspeita". A relação fluida entre o agente brasileiro e o titular do poder americano, sustenta o diplomata, é sim importante atributo. Porém, um embaixador representa a totalidade dos interesses brasileiros e faz a intermediação com a totalidade dos interesses americanos. "Não é bom que o Partido Democrata americano ache que ele [Eduardo Bolsonaro] é um enviado junto a Trump e aos republicanos."

A vivência e, porque não dizer, o exercício da diplomacia deram ao funcionário do Itamaraty a consciência da finitude de eras políticas e a delicadeza de não prejulgar. Eduardo Bolsonaro nunca esteve na 'short list' do embaixador para o cargo em Washington, mas ele diz se sentir muito desconfortável para julgar pessoas. Alerta apenas que a situação política nos Estados Unidos pode se alterar e que não se pode exercer a diplomacia pensando em interesses conjunturais, mas em aspectos permanentes.

Para quem ocupou o primeiro cargo de embaixador aos 57 anos, a diplomacia se faz com as seguintes linhas: "moderação, civilidade e racionalidade". "O candidato tem que ter estes três ornamentos: ser racional, moderado e civilizado." Tolerância e diálogo não são atributos dos Bolsonaro, pelo menos com base no que se observa no Brasil. Se pudesse traduzir, o diplomata diria que ter a ideologia como balizador político não é bom remédio, seja à direita ou à esquerda.

Há precedentes de indicações para Washington fora da carreira diplomática e esta não é uma condição exclusiva para a escolha. Quem é do meio, no entanto, não vê com naturalidade o fato de Washington, o mais nobre posto da diplomacia, ser local para testes. "Eu gosto de estar com médicos formados, advogados formados, tenho respeito pelas formações, mas isso não é exigência. No caso deste nosso candidato, não creio que exista esta qualificação tão clara. Não creio que ele tenha trajetória em relações internacionais", define Azambuja. Mais direto, ainda que cuidadoso: "Em outras palavras, a Embaixada do Brasil em Washington não é um exame vestibular. Não é o começo, é a coroação de uma carreira. Você chega lá não quando está começando, mas quando chegou ao auge".

Ribamar Oliveira: Governo depende do TCU para sair do sufoco

- Valor Econômico

O risco é leilão da cessão onerosa ser adiado novamente

Todo o sufoco vivido atualmente pelos ministérios - alguns deles não têm dinheiro para chegar a dezembro - poderia ser evitado se o Tribunal de Contas da União (TCU) concluísse a sua análise sobre o megaleilão dos excedentes de petróleo da cessão onerosa e sobre a revisão do contrato feito entre a União e a Petrobras.

Uma montanha de dinheiro está prevista para ingressar nos cofres do Tesouro até o fim deste ano, mas o governo não pode incluir os recursos em sua previsão de receita orçamentária por não saber quais serão as decisões do TCU. Já há dúvidas no alto escalão do governo se, efetivamente, o leilão será realizado em novembro, como programou a Agência Nacional do Petróleo (ANP), ou se será novamente adiado.

A área técnica do Ministério da Economia se queixa das perguntas intermináveis do TCU e algumas delas sobre questões que se achava já terem sido resolvidas em 2018. Para ter uma ideia, ontem, em consulta feita nos processos que tratam do assunto, o Valor verificou que houve novos pedidos de informações registrados no dia anterior.

A instrução normativa 81 do tribunal estabelece um prazo de 75 dias para a área técnica encaminhar sua proposta de mérito sobre o assunto analisado ao ministro relator do processo.

O problema é que o prazo só começa a contar depois que todos os documentos solicitados são recebidos. A questão é que os pedidos de informação feitos pela área técnica do TCU ao governo sobre a cessão onerosa e o leilão do excedente do petróleo não param.

Pedro Ferreira* e Renato Fragelli*: Retomada lenta mesmo

- Valor Econômico

O imediatismo nacional prefere políticas de demanda que aliviam temporariamente o desemprego

A aflição gerada pela letárgica recuperação da economia, com seus 13 milhões de desempregados, tem levado alguns analistas a defender um aumento dos gastos públicos. Uma análise menos apaixonada do problema, entretanto, mostra que não há alternativa à atual estratégia de insistir na implantação de reformas estruturais, deixando ao Banco Central e às concessões de infraestrutura a tarefa de atuar contra-ciclicamente.

No país do jeitinho, da improvisação, e da tolerância com os grupos de interesse organizados, o adiamento de reformas estruturais - únicas medidas capazes de aumentar permanentemente a oferta agregada - sempre foi um traço marcante das políticas econômicas. O imediatismo nacional prefere políticas de demanda contra-cíclicas, que aliviam temporariamente o desemprego, mas que gestam a próxima colisão adiante. Somente após uma crise profunda surgem condições políticas para se implantar decisões difíceis que foram longamente adiadas. Episódios históricos ilustram a tese.

Após crescer aceleradamente durante a década de 1950, os imensos desequilíbrios estruturais lançaram a economia numa paralisia. No início da década de 1960, a estagnação, acompanhada de crise cambial e inflação de três dígitos, pavimentaram o caminho para a traumática derrubada de João Goulart. Durante o governo Castello Branco, implantaram-se reformas estruturais que criaram as condições para a retomada do crescimento a partir de 1968. A propaganda do regime cunhou a equivocada expressão "milagre econômico" para denominar um fenômeno que nada tinha de sobrenatural, pois se tratava da mera colheita de frutos arduamente semeados.

Merval Pereira: Provas imprestáveis

- O Globo

Nívio de Freitas garantiu que, além de ilegais, nenhuma das mensagens demonstra concreto prejuízo ao réu

A impossibilidade constitucional de usar provas conseguidas através de meios ilícitos para anular processos da Lava-Jato, ou punir os procuradores de Curitiba, começa a ser explicitada através de decisões em várias instâncias judiciais. Todas concordam também que os diálogos, se verdadeiros, não indicam nenhuma ação ilegal ou prejuízo ao ex-presidente Lula.

O mais recente pronunciamento nesse sentido foi feito ontem pelo subprocurador-geral da República Nívio de Freitas. Ele rebateu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de Lula para anular a condenação do julgamento do caso do tríplex do Guarujá, sob alegação de parcialidade de Sergio Moro, com base nos diálogos divulgados pelo site Intercept Brasil.

O subprocurador-geral garantiu que, além de ilegais, nenhuma das mensagens demonstra concreto prejuízo ao réu. Ele afirmou que as interceptações de autoridades foram realizadas “ao arrepio da lei, e utilizadas para aviltar e desacreditar as instituições republicanas de combate à corrupção.”

O representante da PGR argumentou que “(...) Ainda que se cogitasse de eventual quebra de imparcialidade pelo Juízo de primeira instância, não custa lembrar que o manancial de provas foi revisitado novamente pela instância superior”, referindo-se ao TRF-4, que confirmou a condenação do expresidente Lula.

Por sua vez, o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, que ontem abriu uma investigação, a pedido do PT, contra o coordenador do MP em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, em junho já havia se manifestado contra a aceitação de provas conseguidas de maneira ilícita. O processo tinha por base pedido de membros do CNMP, utilizando os mesmos diálogos do Intercept Brasil agora usados pelo PT.

Bernardo Mello Franco: Rancores tribais

- O Globo

Theresa May fez um alerta contra a difusão dos discursos de ódio. A premiê disse que o debate público está sendo abafado pela intolerância, o que também ocorre por aqui

A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, está em contagem regressiva. Deixará o cargo na semana que vem, depois de seguidas derrotas no Parlamento.

Será a segunda premiê derrubada pelo Brexit, o tumultuado divórcio britânico com a União Europeia.

Ontem a conservadora fez um pronunciamento de despedida. Em tom grave, ela alertou para a polarização que está “embrutecendo o debate público”. “Alguns estão perdendo a capacidade de discordar sem achincalhar a opinião dos outros”, afirmou.

A premiê disse que as redes sociais amplificaram os discursos de ódio. A internet virou terreno fértil para a radicalização, onde “as visões mais extremas tendem a ser as mais notadas”. “O rebaixamento do nosso debate a rancores tribais é corrosivo para os valores democráticos que todos devemos procurar defender”, advertiu.

O novo populismo segue uma receita conhecida: elege um bode expiatório, como os imigrantes, e propõe soluções fáceis para problemas complexos. “As palavras têm consequências”, lembrou May, “e podem nos conduzir a um lugar obscuro, onde o ódio e o preconceito definem o que as pessoas dizem e fazem”.

Ascânio Seleme: Por sorte não é o Carlos

- O Globo

‘O pensamento meu é no Brasil”. O presidente Jair Bolsonaro repete esta frase toda vez que é questionado sobre uma decisão sua que ultrapassa o limite do bom senso. Terça-feira passada foi a última vez em que “pensou no Brasil”, quando disse que estava pronto para indicar o seu filho Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. Numa entrevista na saída do Palácio da Alvorada, onde fez uma reunião ministerial, afirmou que, se dependesse dele, a nomeação do deputado-filho seria feita.

Dois pontos chamam a atenção na entrevista. Primeiro, desde quando a nomeação de seu filho representaria um anseio da nação, ou mesmo um benefício para o país? A indicação, sob todos os pontos já analisados por juristas, diplomatas, políticos e jornalistas, representa um retrocesso para a diplomacia nacional. Mais do que isso, significa prejuízo até mesmo para o governo de Bolsonaro. Porque enfraquece o seu clã internamente, como observou o guru Olavo de Carvalho, e porque bajulação e inexperiência não fazem de ninguém um bom embaixador.

Eduardo Bolsonaro usou um boné com a inscrição “Trump 2020” durante uma visita que fez aos Estados Unidos em novembro do ano passado, quando se tornou “amigo” dos filhos de Trump. Bajulação mais explícita se desconhece na diplomacia brasileira. O Zero Três foi ainda mais longe. Imitou o presidente americano e levou o pai a anunciar a transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. A ideia causou um mal-estar tão grande que só não resultou em perdas para o Brasil porque acabou ficando apenas no blá-blá-blá retórico, bem conhecido entre os Bolsonaro.

Míriam Leitão: O que mudou e falta mudar no gás

- O Globo

Redução do preço do gás dependerá de fortes investimentos em infraestrutura e de acordo com as distribuidoras estaduais

O governo tem falado de várias iniciativas que tomará, mas ainda são intenções. A liberação de dinheiro do FGTS tem fôlego curto. A reforma tributária ainda não foi explicada. As privatizações não aconteceram. Mas a tentativa de mudar o mercado de gás teve algum avanço. O acordo do Cade com a Petrobras para acabar com o monopólio da empresa no setor foi um passo na direção correta.

Há muitos obstáculos a superar para viabilizar o gás do pré-sal a preços competitivos. O maior deles será construir a infraestrutura de transporte, o que deve consumir bilhões de dólares em investimentos e alguns anos em obras.

Outro problema será lidar com as concessões estaduais de distribuição, que não poderão ser revistas de uma hora para outra e vão exigir muita negociação para evitar que o tema seja judicializado.

O ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn diz que o acordo entre o órgão de defesa da concorrência e a Petrobras aconteceu muito mais por iniciativa da empresa, que precisa vender ativos e se concentrar nas áreas mais lucrativas do negócio. Para se ter uma ideia, a taxa de retorno na exploração de petróleo pode chegar a 30%, enquanto no setor de gás gira em torno de 7% a 8%. Ele acha que o Cade demorou demais a agir contra o monopólio e lembra que o órgão só se manifestou oficialmente após a greve dos caminhoneiros.

—É um movimento atrasado, mas antes tarde do que nunca. Hoje, para fazer gasoduto é muito mais difícil do que há 20 anos. Há um adensamento populacional que dificulta a passagem do duto. Há restrições ambientais maiores e custos mais elevados para aumentara rede, que é incipiente no Brasil. Vamos termais gás do que infraestrutura aqui —afirmou.

Ricardo Noblat: O embaixador que foi sem nunca ter sido

- Blog do Noblat / Veja

Adeus a Washington
Tão certa como a Terra é plana é a chance de a nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro para embaixador em Washington ser aprovada pelo Supremo Tribunal Federal.

A maioria dos ministros está convencida de que a nomeação do garoto pelo pai configura nepotismo e não pode ser aceita porque fere a Constituição e um conjunto de leis.

O Supremo só age se provocado. E deverá ser provocado tão logo a indicação de Eduardo para a função seja formalizada pelo presidente Jair Bolsonaro, o que poderá acontecer em breve.

O Senado não sentirá o gosto de sabatinar Eduardo. Basta que um ministro do Supremo conceda uma liminar para que Eduardo seja promovido à condição de o embaixador que foi sem nunca ter sido.

Witzel, e o que mais preocupa Bolsonaro

Confidência nas alturas
cidade do Rio na companhia do presidente Jair Bolsonaro, do general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa e de alguns agentes de segurança, o governador Wilson Witzel resolveu puxar conversa.– Tenho uma coisa para lhe contar – disse Witzel a Bolsonaro.

– O que é, governador? – perguntou o presidente.– Serei candidato à sua sucessão.

– É?

– Só não serei se o senhor foi candidato à reeleição. Então eu o apoiarei – completou Witzel.

A revelação não causou espanto a Bolsonaro. Foi a segunda vez que ele a ouviu da boca do governador. A primeira fora em Brasília. Na ocasião, Witzel chegou a dizer que gostaria de conhecer o Palácio da Alvorada, mas Bolsonaro não atendeu ao seu pedido.

Em 2017, quando ainda era juiz federal, Witzel pediu uma audiência ao então governador Luiz Fernando Pezão. Mas exigiu que fosse no Palácio das Laranjeiras, o que deixou Pezão desconfiado de que poderia ser coisa séria.

No dia e hora marcados, Witzel chegou ao palácio com a sua mulher. Pezão o recebeu junto com assessores. Estava nervoso e curioso. Depois de 15 minutos de conversa jogada fora, Witzel revelou a razão da visita: queria conhecer o interior do palácio.

Um Pezão surpreso, mas atencioso apresentou ao casal as principais dependências do palácio. Deixou para o fim os aposentos do governador que quase nunca usava. Foi ali que Witzel comentou para espanto de Pezão:

– Serei candidato à sua sucessão. E dormirei aqui.

Dito e feito. A quinze dias da eleição do ano passado em primeiro turno, Witzel tinha meia dúzia de pontos nas pesquisas de intenção de voto. Venceu o primeiro turno com 41,28% dos votos válidos. E o segundo com 59,87%, derrotando o ex-prefeito Eduardo Paes.

Bolsonaro tem uma cisma com Witzel. Acha que ele está por trás do empenho do Ministério Público do Rio em investigar os rolos do senador Flávio e do ex-motorista Fabrício Queiroz. Tudo para tirá-lo do páreo na eleição de 2022.

Pacto de um lado só

Enfim, medidas contra a crise: Editorial / O Estado de S. Paulo

O governo decidiu, enfim, dar alguma atenção aos 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados e à multidão de empresários, principalmente pequenos e médios, atolados na mais longa crise da história republicana. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a intenção de liberar dinheiro para estimular o consumo, reativar os negócios e criar alguma esperança de tempos menos duros. Poderão chegar às famílias R$ 42 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e até R$ 21 bilhões do PIS/Pasep. “Agora, com o avanço na tramitação da Previdência, podemos levar essas medidas adiante”, afirmou. O ministro demorou muito, no entanto, para tomar essa decisão. Até há pouco tempo, a intenção proclamada pelas autoridades era outra: cuidar da reativação econômica só depois de aprovada a reforma do sistema de aposentadorias e pensões. Aparentemente, nem o governo aguentou a deterioração da economia e das condições de sobrevivência dos brasileiros.

Os novos estímulos devem chegar, segundo as novas informações, antes de concluída a votação da reforma na Câmara dos Deputados. O segundo turno está previsto para o começo de agosto, mas o governo parece ter cedido, afinal, à pressão dos fatos. Até o Ministério da Economia já reduziu para 0,8% sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Com isso a estimativa oficial coincidiu com a dos economistas do setor financeiro e das principais consultorias. A projeção do mercado recuou por 20 semanas consecutivas antes de se confirmar a disposição do governo de proporcionar algum estímulo aos negócios.

A pressa de Toffoli: Editorial / Folha de S. Paulo

Decisão sobre investigações com dados do Coaf deve ser levada ao plenário do STF

Causa estranheza a decisão tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de mandar suspender investigações baseadas em informações compartilhadas por órgãos de controle sem autorização judicial.

Anunciada na terça (16), a medida tem como primeiro beneficiário o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado por suspeitíssimas movimentações financeiras de um ex-assessor parlamentar.
Os advogados do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro buscam há meses o apoio da corte para barrar a investigação, e foi para atender a uma petição deles que Toffoli assinou seu despacho, de plantão no recesso do Judiciário.

O senador sustenta que é vítima de abusos do Ministério Público do Rio, cuja investigação se ampara em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão subordinado ao Ministério da Economia.

Mas a medida de Toffoli tem amplo alcance, atingindo também inquéritos alimentados por informações encaminhadas pela Receita Federal e pelo Banco Central. Ficam igualmente suspensas ações que contestem o uso desses dados pelas autoridades na esfera penal.

É inaceitável obstruir contatos entre Coaf e MP: Editorial / O Globo

Precisa-se definir com clareza o relacionamento entre conselho e procuradores, mas sem separá-los

A história do combate à alta corrupção no Brasil acaba de ganhar mais uma controvertida passagem, com a decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de acolher pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para suspender as investigações em curso sobre o desvio de dinheiro público ocorrido no gabinete do político, quando ele ainda era deputado estadual fluminense.

Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações bancárias atípicas envolvendo principalmente o deputado e seu braço direito, o ex-PM Fabrício Queiroz, ao qual caberia arrecadar par tedos salários pagos a assessores lotados no gabinete. É o golpe chamado de “rachadinha ”, em que pessoas de confiança são contratadas para receber boa remuneração, desde que rache o dinheiro com o dono do gabinete. Na operação do Ministério Público e da PF batizada de “Furna da Onça”, o arrastão das investigações apanhou vários outros deputados e inúmeros assessores, além de Flávio e Queiroz .

A defesa de Flávio argumentou que houve indevida quebra de sigilo bancário, porque suas informações financeiras foram passadas para o Ministério Público sem autorização judicial. Trata-se, é verdade, de questão em julgamento no Supremo. O tamanho do caso cresceu ainda mais porque Toffoli acaba de aceitar o pedido de concessão de liminar feito por Flávio, e suspendeu não só a tramitação do processo do senador, como estendeu o ato a todas as ocorrências idênticas no país.

Telenovela do Brexit terá logo um novo protagonista: Editorial / Valor Econômico

Se não houver surpresas, em uma semana Boris Johnson será o novo premiê do Reino Unido. Ele terá então pouco mais de três meses para renegociar o acordo de saída da União Europeia (UE), o Brexit. Senão, promete sair sem acordo. É "do or die", disse ele. Vai ou racha. O racha parece hoje mais provável. Nesse caso, o país corre o risco de ter crises institucional e econômica. E ameaça causar turbulência na economia mundial.

Ex-prefeito de Londres, Johnson, de 55 anos, é o favorito para vencer a disputa em andamento pela liderança do Partido Conservador, que domina a coalizão de governo no país. Como novo líder, ele se torna automaticamente premiê, no lugar da demissionária Theresa May.

Johnson costuma ser visto como uma espécie de Trump britânico. Ele não é bilionário, apesar de vir de famílias aristocráticas, e seus cabelos loiros estão constantemente despenteados, ao contrário do penteadíssimo americano. Mas ambos compartilham um instinto populista e nacionalista, caráter imprevisível e o desprezo pela UE, além de terem nascido em Nova York. Os dois frequentemente trocam elogios.

Ferreira Gullar: Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?