quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Mariliz Pereira Jorge: Fale mais, Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

O peixe e o falastrão quase sempre morrem pela boca

Bolsonaro disse que não vai mudar seu jeito. Ele está certo. Tem que continuar desse jeitinho, tão "espontâneo", sem filtro, que seus eleitores admiram. Apoio total para que diga tudo o que pensa. Fale mais, presidente. Fale tudo o que vossa excelência, ops, pensa. Faça piada com pinto de japonês, chame nordestino de paraíba, diga que não tem fome no Brasil, minimize a questão do trabalho infantil, ameace jornalista de pegar cana.

Diga que não houve ditadura, que jornalista torturada não foi torturada. Insinue que sabe o que aconteceu com desaparecido político. Chame de balela documentos oficiais sobre os mortos do regime. Diga que o nazismo é de esquerda. E que o Exército não matou ninguém, afinal, o que são 80 tiros?

Diga que pode perdoar o Holocausto, que vai fechar a Ancine, que não pode filme com prostituta ou propaganda com transexual. Proíba as palavras "lacrou" e "morri" em peças do governo. Diga mais, mito, diga que vai privilegiar o filhão com uma embaixada e que vai mandar a família passear com helicóptero da FAB.

Fale para quem quiser ouvir que o Brasil não pode ser país de turismogay, mas quem quiser sexo com mulher, fique à vontade. Fale mais, tiozão do pavê. Diga que só os veganos se preocupam com o meio ambiente. Defenda trabalho forçado para presidiários. É proibido, mas e daí?

Fale mais, sincerão. Diga que o IBGE não sabe nada sobre desemprego, que a Fiocruz não tem dados confiáveis sobre drogas, que o Inpe mente sobre o desmatamento, que o Brasil é exemplo para o mundo em preservação ambiental, o país que menos usa agrotóxico.

Fale mais, todos os dias, sem falhar nenhum, para que seja de conhecimento geral, para que não nos esqueçamos nem por um único dia o autocrata, ignóbil, sem empatia, o ser obtuso que desgoverna este país. Fale mais, que tá pouco. Fale mais porque o peixe e o falastrão quase sempre morrem pela boca.

Maria Hermínia Tavares de Almeida*: Na contramão do mundo

- Folha de S. Paulo

Agenda de Bolsonaro mobiliza coalizão política tão forte quanto sem sintonia global

Além de distribuir insultos e ameaças a torto e direito, como de praxe, Bolsonaro vem de adicionar um pleonasmo à verborragia. Ensinou a uma plateia de militares que a questão ecológica importava apenas a "veganos que comem só vegetais".

E se confessou frustrado por não poder transformar a baía de Angra dos Reis, área de proteção ambiental, na "Cancún brasileira". Para arrematar, reiterou a disposição de resgatar os indígenas das "reservas" onde viveriam como em "um zoológico".

Na mesma semana, diplomatas brasileiros participaram, em Washington, de conclave reunindo figuras exóticas que negam a crise climática que se avizinha.

A fala destrambelhada do presidente se faz acompanhar do desmanche dos instrumentos de monitoramento da aplicação das leis de proteção ambiental e daquelas que garantem às populações indígenas o direito de viver em suas terras de acordo com seus costumes. Para tanto, o governo aposta na asfixia dos órgãos de controle pelo garrote dos orçamentos e a substituição de chefias competentes, bem como na tentativa de mudança da legislação sobre áreas de proteção, licenciamento ambiental e demarcação de territórios indígenas.

Fernando Schüler*: E se Bloomberg fosse brasileiro?

- Folha de S. Paulo

Oxalá a lógica da polarização política não destrua uma pauta que vai muito além deste ou de qualquer governo

No final do ano passado, Michael Bloomberg anunciou a doação de US$ 1,8 bilhão para a Universidade Johns Hopkins. Bloomberg se formou lá, em 1964, e de alguma forma queria retribuir. O dinheiro vai para um fundo financeiro, um endowment. Vai financiar bolsas para alunos de menor renda, do mundo inteiro, que queiram ter a mesma oportunidade que ele teve, um dia.

Observem bem. O dinheiro vai para um fundo financeiro, boa parte lastreado em ações. A universidade é privada, sem fins lucrativos. É ela mesma uma grande organização social. E um enorme caso de naming rights, em homenagem ao empreendedor Johns Hopkins, que no final do século 19 doou US$ 7 milhões para criar a instituição.

Caso Bloomberg fosse brasileiro e quisesse fazer sua doação para uma de nossas universidades federais, possivelmente não conseguiria. Enfrentaria uma discussão bizantina sobre criar um “fundo financeiro”, dar seu nome a alguma coisa, sobre suas “reais intenções” em doar a dinheirama toda e, por fim, sobre o risco de que tudo não passe de uma forma disfarçada de “privatização” da universidade.

Bruno Boghossian: Anarquia ambiental

- Folha de S. Paulo

Ao desautorizar punições, Bolsonaro e governador incentivam o descumprimento da lei

Do alto de um palanque, o governador do Acre baixou uma nova lei ambiental no estado. "Não pague nenhuma multa, porque quem está mandando agora sou eu", afirmou Gladson Cameli (PP), batendo orgulhosamente no peito.

O ex-senador sempre condenou as punições aplicadas a produtores rurais por desmatamento, mas parece ter se embriagado com o poder depois que assumiu o novo cargo.

Num evento realizado no fim de maio, Cameli criticou o órgão estadual de fiscalização e repetiu três vezes que as multas ambientais já não valem mais nada. "Não pague, não. Eu que estou mandando", declarou.

Sob o pretexto de evitar abusos e proteger a atividade econômica, alguns governantes decidiram partir para a anarquia. As regras de preservação continuam valendo, mas agora vêm acompanhadas de um estímulo à prática de crimes.

Roberto Dias: Objetivo único

- Folha de S. Paulo

Proposta de defensores é começar a transição pela desoneração da folha de pagamento

A ideia do imposto único sobre transações financeiras é tão ruim que custa crer que três décadas depois ela esteja sendo novamente debatida a sério.

Num momento de juros baixos e cadentes, então, a proposta muda de categoria —de ruim para péssima.

As principais críticas são bem conhecidas: a cobrança atinge de maneira mais intensa as cadeias produtivas mais complexas e estimula a informalidade.

Mais palpável é o atraso do "imposto do atraso", na definição do presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, quando se observam suas implicações no dia a dia.

Como obviamente ninguém vai ficar parado esperando sua vez de perder dinheiro, cada empresa e cada pessoa procurará, dentro das possibilidades legais, elidir oportunidades de mordida do fisco.

Eugênio Bucci*: O poder contra a liberdade

- O Estado de S.Paulo

Jornalistas têm, sim, o direito de receber e publicar informações obtidas ilegalmente

Os ataques do presidente da República a reportagens que apontam suspeitas de conduta indevida em trocas de mensagens entre membros do Ministério Público Federal e representantes do Judiciário por ocasião do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostram um sinal – mais um – da mentalidade antidemocrática no poder. No sábado, o chefe de Estado afirmou que o jornalista Glenn Greenwald – o principal repórter na série de revelações que flagram os protagonistas da condenação do presidente Lula, no bojo da Operação Lava Jato, em conversas, no mínimo, impróprias – poderia “pegara uma cana aqui, no Brasil”. A frase é um despautério. É também esdrúxula, estapafúrdia e extravagante, pois o presidente, que não exerce cargo em chefatura de polícia nem enverga toga, não tem incumbência nem atribuição para tomar decisões judiciais.

Está em marcha mais uma saraivada de ataques – infundados – à imprensa, à liberdade de expressão e ao direito à informação, de que todo cidadão é titular. Os fundamentos da democracia correm perigo. Fiquemos atentos.

As reportagens que enfureceram o Planalto – pois o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, é hoje ministro da Justiça, representando o papel de lastro moral do Planalto – começaram a ser publicadas pelo Intercept, site jornalístico de Greenwald. Os diálogos reproduzidos apontaram indícios de direcionamento indevido do Ministério Público pelo Poder Judiciário e falta de imparcialidade do juiz. Em seguida, em parcerias com a redação do Intercept, outros órgãos de imprensa, como a revista Veja e o jornal Folha de S.Paulo, entraram na história e veicularam novas notícias. Todas bombásticas e péssimas para o ministro da Justiça.

William Waack: Estratégia e momento

- O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro tinha uma estratégia para 2018. Agora, não

Jair Bolsonaro é um personagem transparente. Assegura que pensa o que diz. Assim, em relação à sequência de frases revoltantes que insiste em pronunciar, não há razão para duvidar quando ele afirma “eu sou assim, não tenho estratégia”.

De fato, aparentemente Bolsonaro deixou o Exército antes de frequentar as aulas de Estado-Maior sobre o que é estratégia. Na acepção clássica, adotada por militares, políticos e empresários, estratégia é a adequação dos meios aos fins levando em consideração tempo e espaço.

Esse ajuste dos meios (sempre finitos) aos fins (às vezes infinitos) funcionou muito bem na vitória eleitoral de 2018. Estava bem delineado o que ele queria (ganhar o pleito), quem era o principal adversário (o lulopetismo), o horizonte de tempo (o calendário eleitoral), qual comportamento tático (conteúdos políticos e estilo) funcionaria, quais recursos estavam ao alcance (redes sociais).

Mas, acima de tudo, o personagem político Bolsonaro atendia exatamente à demanda do eleitorado naquele momento de um ano atrás: alguém que convencesse milhões de indignados de ser capaz de chutar o pau da barraca do “sistema” (político, midiático, econômico). Tinha a seu favor uma onda popular muito maior do que ele – e foi ajudado pelo imponderável (a facada).

Zeina Latif*: O novo normal da Selic

- O Estado de S.Paulo

BC pode estar mais confiante ou vendo uma janela para cortes futuros em meio a incertezas

Inflação acima da meta e taxa de juros básica de dois dígitos ficaram para trás. O Brasil, aos poucos, supera esse obstáculo ao crescimento. Pena que tardiamente – os países vizinhos da costa do Pacífico há muito operam com juros baixos – e já no fim do bônus demográfico. Este exigirá maior esforço para o País crescer, pois o crescimento da população idosa, fora do mercado de trabalho, já supera o populacional.

O valor que a sociedade atribui à inflação baixa é exemplo de avanço institucional no País, no sentido mais amplo utilizado por Douglass North. A aprovação da reforma da Previdência pode ser vista como reflexo desse amadurecimento. A classe política – destacadamente o “Centrão” – compreendeu a ligação entre desequilíbrios fiscais e inflação. Não convém colocar toda a culpa do atraso nos políticos. Muitos centros acadêmicos pregam que a inflação mais elevada não é um problema e que os juros altos decorrem de incompetência e interesses escusos do Banco Central, enquanto desconsideram a importância da disciplina fiscal.

A inflação está praticamente estável, oscilando conforme a ocorrência de choques, benignos ou adversos; neste último caso, com efeito menos persistente em comparação ao passado. Exemplos disso foram a rápida superação da alta da inflação causada pela greve dos caminhoneiros e os choques de energia e alimentos no início deste ano. Trata-se de um sinal muito favorável.

Maria Cristina Fernandes: Um homem comum

- Valor Econômico

Além de falar o que pensa, Bolsonaro também banaliza o mal

Depois do surto das duas últimas semanas, Jair Bolsonaro resolveu confundir todas as teorias que já pontificavam sobre seu comportamento. O presidente que faz troça de um órfão produzido pela ditadura se diz capaz de se sentar com Adélio Bispo, antes que vire queima de arquivo, para saber o que o levou a esfaqueá-lo.

Na ausência de um laudo psiquiátrico, um amigo, que ainda o chama de Jair, o define como um homem comum, capaz de falar o que pensa, se desdizer e virar uma onça quando cutucado.

Foi assim que se mostrou a Jussara Soares, de "O Globo". A repórter pediu para falar com o presidente e ele a chamou na subida da rampa que separa o salão nobre de seu gabinete. A entrevista foi de improviso na forma e no conteúdo. Indagado sobre os disparates em série, respondeu: "Sou assim mesmo, não tem estratégia nenhuma."

Por trás de todo homem comum que chega à Presidência tem um formulador. Aquele que tem assento no Planalto é Fábio Wajngarten. Depois de influenciar na campanha, foi mantido à distância, mas acabou incorporado ao governo com a queda de Gustavo Bebianno, de quem era desafeto.

No governo, Wajngarten ainda enfrentaria as resistências de Carlos Alberto dos Santos Cruz, não exatamente pela estratégia de comunicação, mas pela forma e, principalmente, pelo custeio de sua operação.

A queda do ministro da Secretaria de Governo escancarou as portas para o discípulo de Steve Bannon, que se tornou estrela da extrema direita mundial advogando a segmentação de públicos pela manipulação da informação. Na campanha a mistura de falso e verdadeiro provocava medo e ojeriza aos concorrentes. Agora ele se dá ao luxo de dispensar a oposição. Diz e se contradiz ou é desmentido por ministros.

Ribamar Oliveira: Ideia é devolver imposto sobre cesta básica

- Valor Econômico

Transferência de renda é mais eficiente que subsídio

As duas propostas de reforma tributária que já estão no Congresso - a relatada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly e a elaborada pelo economista Bernard Appy - preveem mudança no tratamento tributário dispensado à cesta básica, que hoje é isenta de impostos. A ideia que consta nas duas propostas é trocar a atual desoneração tributária pela devolução do imposto pago pelos mais pobres na compra dos 16 produtos que constam da cesta, sendo 13 deles alimentos.

O Ministério da Economia ainda não fechou a sua proposta de reforma tributária. Mas há um entendimento na área econômica de que a atual desoneração da cesta é uma das distorções, entre muitas outras no âmbito dos subsídios concedidos pela União, que precisam ser corrigidas.

Um estudo feito, em novembro de 2018, pela então Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria do Ministério da Fazenda sugeriu a substituição dos subsídios por políticas de transferência direta de renda, como um caminho mais eficiente para reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida da população mais pobre. Como fazer isso, no entanto, ainda não está definido. Criar um sistema de devolução do imposto pago, como sugerido pelas outras duas propostas em tramitação no Congresso, ou simplesmente aumentar os valores do programa Bolsa Família?

Nas propostas de Hauly e Appy, lei complementar vai definir os critérios e a forma pela qual será feita a devolução dos tributos aos pobres. Em conversa com o Valor, Appy disse que uma forma de promover a devolução do tributo seria fazer o cruzamento do CPF declarado no momento da aquisição dos produtos com o cadastro único dos programas sociais. Esse cadastro abrange 73 milhões de pessoas, universo maior do que as cerca de 40 milhões beneficiadas pelo programa Bolsa Família. Haveria, é claro, um valor limite para a devolução.

Bernardo Mello Franco: A estratégia do insulto

- O Globo

Trump e Bolsonaro dizem não ter uma estratégia por trás do discurso agressivo. Mas o objetivo deles é claro: acirrar a divisão e manter a tropa mobilizada

Donald Trump escolheu um novo alvo para despejar sua ira: o deputado Elijah Cummings, do Partido Democrata. Em tuítes raivosos, o presidente chamou o oposicionista de corrupto e inoperante. Ele também descreveu seu distrito eleitoral, de maioria negra, como um lugar “repugnante” e “infestado de ratos”.

Na terça-feira, Trump foi questionado sobre a estratégia por trás dos insultos. Ele negou que a baixaria seja calculada. “Não tenho estratégia. Zero estratégia”, disse, antes de embarcar no helicóptero presidencial.

Na mesma terça, Jair Bolsonaro deu entrevista à repórter Jussara Soares. Ela perguntou se suas declarações agressivas são calculadas. Ele jurou que não. “Sou assim mesmo. Não tem estratégia”, respondeu.

Trump e Bolsonaro têm pavio curto e sofrem de incontinência verbal. No entanto, seria ingenuidade pensar que fazem tudo de improviso. Os dois farejaram o potencial da ofensa como arma política. Na era das redes sociais, perceberam que o insulto rende cliques e votos.

Nos EUA, a estratégia de Trump já deixou de ser segredo. O republicano aposta na divisão do país e no clima de confronto permanente. Com isso, mantém sua base mobilizada e estimula os conservadores a irem às urnas.

Carlos Alberto Sardenberg: A falta que nos faz uma boa direita

- O Globo

O voto foi mais anti-PT do que pró-agenda liberal. E deu Bolsonaro, extrema direita autoritária e atrasada

Vou falar francamente, de novo: uma Thatcher, hoje, seria perfeita para o Brasil. Mas uma Thatcher em grande estilo: líder de partido, ganhando eleições com uma agenda liberal. Seria bom até para modernizar a cultura estatizante amplamente dominante no Brasil.

Um pouco de história: a longa administração conservadora de Margaret Thatcher fez o trabalho, digamos, sujo de demitir funcionários excedentes, cortar gastos públicos, controlar o poder dos sindicatos de empresas estatais (e depois privatizá-las), além de desregulamentar a economia, reformar
a legislação trabalhista e reduzir a pesada burocracia do Estado.

Depois de um início custoso, com greves e desemprego em alta, funcionou. Com investimentos privados, o país voltou a crescer e gerar emprego e renda. Não por acaso, Thatcher ganhou três eleições seguidas.

Quando veio o desgaste até normal da administração conservadora, o serviço principal estava feito. Aí veio Tony Blair com a suave conversa do “Novo Trabalhismo”: retomada dos investimentos públicos em educação, saúde e segurança, mas em uma economia livre, aberta e competitiva.

Luiz Fernando Verissimo: O Bolsonaro ou a vida

O Globo / O Estado de S. Paulo

Num dos textos que escreveu na prisão, Antonio Gramsci refletiu sobre Maquiavel como teorista político, principalmente na sua obra “O príncipe”, sempre tida como um livro de conselhos sobre como governar Florença com sabedoria e alguma sacanagem, dirigidos aos Médici. Os conselhos de Maquiavel eram certamente influentes, mas o que ficou na História sobre sua atuação como consigliere foi a sacanagem. Até hoje “maquiavélico” quer dizer mau e furtivo no pior sentido. 

Para Gramsci, longe de ser apenas um oportunista bajulador do poder, Maquiavel foi um realista político que defendia coisas como a unificação da Itália por qualquer meio. Foi quem inventou os condottieri, equivalentes às nossas milícias e com a mesma função, proteger as fortunas da burguesia e a burguesia do crime nas ruas, sem se importar com muita legalidade. 

Maquiavel não tinha nada contra o sistema político das cidades-estado italianas, mas admirava as monarquias absolutas da França e da Espanha e os países que elas mantinham fortes e coesos. Os reis da França e da Espanha também faziam e diziam bobagens mas lá, ao contrário daqui, a imprensa não dava, e WhatsApp nem existia. As bobagens eram captadas assim que saíam das bocas reais e levadas para o fundo do palácio, onde eram sacrificadas.

Merval Pereira: Demonstração de força

- O Globo

É o modus operandi da Lava-Jato, dar o troco para deixar a impressão de que não são passíveis de controle

A Operação Lava-Jato deu ontem uma dupla demonstração de força, depois de acuada nos últimos dias pela publicação de diálogos atribuídos ao então juiz Sergio Moro e o coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol.

Em São Paulo, numa investigação do ramo carioca da operação, foi preso o “doleiro dos doleiros” Dario Messer, foragido há um ano. No Rio, mas devido a uma ação do Ministério Público em Curitiba, foram presos vários executivos da Cervejaria Petrópolis, acusada de servir de canal de suborno para o grupo Odebrecht. O proprietário da empresa, Walter Faria, está foragido.

O procurador Eduardo El Hage, chefe da operação no Rio, disse que a prisão de Messer é um marco no combate ao crime organizado no país. Para os procuradores da Lava-Jato no Rio, o poder econômico de Messer, que controlava uma grande rede de doleiros, e a influência no submundo do crime, permitiram que nunca fosse preso.

De fato, o “doleiro dos doleiros” nunca havia sido preso antes, apesar de estar enrolado com a polícia desde o caso do Banestado, quase 20 anos atrás.

Luiz Carlos Azedo: Lava-Jato na ofensiva

-Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Embora no Rio de Janeiro, o juiz federal Marcelo Bretas mira os tucanos paulistas, por suspeita de superfaturamento e desvio de recursos públicos na ampliação da Marginal Tietê”

No último dia de recesso do Judiciário, a Operação Lava-Jato retomou a iniciativa, com nova denúncia contra o ex-diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) Paulo Vieira de Souza, pelo Ministério Público Federal (MPF), por corrupção, lavagem de dinheiro e fraude de licitação. Preso em Curitiba, Paulo é apontado como suposto operador financeiro do PSDB e responsável pela lavagem de milhões de reais a favor da Odebrecht.

Paulo Vieira é réu por suspeita de superfaturamento de uma obra de R$ 71,6 milhões que foi paga pela estatal Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) ao consórcio Nova Tietê, cuja liderança pertencia à Delta, empresa de Fernando Cavendish. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, mas foi enviada à 7ª Vara Federal do Rio em julho de 2016 porque os réus e os crimes são semelhantes aos da Operação Saqueador, um desdobramento da Operação Lava-Jato.

Embora no Rio de Janeiro, o juiz federal Marcelo Bretas mira os tucanos paulistas. A ampliação da Marginal Tietê custou R$ 360 milhões. As obras foram realizadas entre 2009 e 2011, na gestão de José Serra (PSDB-SP). Paulo Preto está sob forte pressão da Lava-Jato para fazer uma delação premiada. Ontem, Cavendish disse ao juiz Bretas que conheceu Paulo Vieira de Souza em 2008, durante uma reunião em São Paulo sobre a participação da Delta em obras do governo paulista.

O ex-diretor da Dersa teria pedido R$ 8 milhões em espécie para garantir a entrada da empresa carioca nos contratos. Cavendish disse que, além desse pagamento, depois do início das obras foram feitos outros, no valor de R$ 20 milhões, ao longo do contrato. O operador financeiro Adir Assad, que também prestou depoimento, aumentou a carga contra Paulo Vieira: disse que entregou a ele, em mãos, R$ 1,5 milhão.

Em outra frente de investigações, o doleiro Dario Messer foi preso em São Paulo, pela Polícia Federal. Estava foragido desde maio de 2018, quando foi deflagrada a Operação Câmbio Desligo, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro. O doleiro estava no apartamento de uma amiga, Mary Oliveira Athayde, na Avenida Pamplona, nos Jardins. A prisão foi efetuada durante cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos por Bretas, com base em informações da inteligência da Superintendência da PF do Rio de Janeiro.

Ricardo Noblat: Moro em baixa junto a Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

Meteu os pés pelas mãos
Por enquanto, o melhor é não convidarem para a mesma mesa o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro. Em sua fase mais recente, chamada jocosamente por assessores de Gabriela (“Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim…”), Bolsonaro tem se queixado do ministro com palavras duras.

Tudo a ver com o modo como Moro conduziu os desdobramentos da prisão dos hackers da República de Araraquara. Ele não poderia ter anunciado que o celular de Bolsonaro havia sido invadido, bem como pelo menos mais mil celulares, parte deles do primeiro escalão da República. Foi mal, segundo Bolsonaro.

Outra coisa: Moro errou quando se dispôs a avisar diretamente a certas pessoas que elas tinham sido alvo dos hackers. Foi como se quisesse dizer: olha, agora conheço seus segredos, mas não se preocupe, saberei preservá-los. A Polícia Federal ficou furiosa com o comportamento do ministro, mas não só ela.

Há severos protocolos dentro da Federal que foram sempre respeitados. Por exemplo: o diretor-geral só fica sabendo de uma operação em cima da hora para reduzir as chances de vazamento de informações. Ele só avisa ao ministro quando a operação já está em curso. Cabe ao ministro se quiser avisar ao presidente.

Como Moro teve acesso a informações de um inquérito que continua sob segredo de justiça? Quem foi o culpado? A Polícia Federal quer saber e está apurando. O ministro acabou expondo o presidente a críticas desnecessárias. E ele não gostou nem um pouco disso.

Deltan, alvo da bala de prata

FHC critica 'incontinência verbal' de Bolsonaro e contesta fala sobre ditadura

Tucano disse que presidente contraria documentos oficiais em caso do pai do chefe da OAB

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) criticou nesta quarta-feira (31) a "incontinência verbal" de Jair Bolsonaro (PSL) e somou-se à onda de repúdio contra o presidente pelas afirmações sobre o pai do presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.

Em uma rede social, o tucano escreveu que Bolsonaro "despreza os limites do bom senso por sua incontinência verbal".

"Contraria documentos oficiais sobre o pai do presidente da OAB e dá vazão a rompantes autoritários. Prejuízo para ele e para o Brasil: gostemos ou não foi eleito. O que diz repercute e afeta nossa credibilidade", afirmou FHC.

Um dia antes, no mesmo perfil, o ex-presidente fez um apelo por sensatez e razão, "diante da barbárie do presente", sem mencionar pontos específicos.

Desde que Bolsonaro chegou à Presidência, FHC tem feito comentários negativos sobre o atual presidente. Em abril, disse que o governo era pior do que ele esperava e não tinha feito nada até aquela altura. Em janeiro, declarou-se de oposição ao atual ocupante do Planalto.

Mais cedo, nesta quarta, Bolsonaro disse que não quebrou o decoro ao dizer que poderia explicar ao presidente da OAB como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985). A declaração de dois dias atrás provocou uma série de repercussões entre políticos e entidades.

"Não tem quebra de decoro. Quem age desta maneira perde o argumento", afirmou o presidente em Brasília. Capitão reformado do Exército, ele defende a atuação dos militares na ditadura e, para se contrapor a setores da esquerda, tem dito que "não pode valer um lado só da história".

Como mostrou a Folha, documentos oficiais desmontam a versão de Bolsonaro sobre a morte de Fernando Santa Cruz. O presidente disse que o servidor público foi morto por militantes de esquerda, mas a tese contraria toda a série de relatórios produzidos pela própria ditadura sobre Fernando.

FHC diz que Bolsonaro tem 'rompantes autoritários' e 'incontinência verbal'

Ex-presidente da República afirmou que declarações de Bolsonaro afetam a credibilidade do Brasil

Gregory Prudenciano / O Estado de S.Paulo

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso escreveu em sua conta no Twitter que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem dado "vazão a rompantes autoritários" em suas declarações recentes a respeito da morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, durante a ditadura militar.

Para FHC, Bolsonaro tem "incontinência verbal", o que traz, na visão do tucano, prejuízos para o Brasil porque afeta a credibilidade do País.

"O presidente despreza os limites do bom senso por sua incontinência verbal. Contraria documentos oficiais sobre o pai do presidente da OAB e dá vazão a rompantes autoritários. Prejuízo para ele e para o Brasil: gostemos ou não, foi eleito. O que diz repercute e afeta a nossa credibilidade", tuitou o ex-presidente

Freire critica declarações de Bolsonaro sobre morte de Fernando Santa Cruz

- Portal Cidadania

O presidente do Cidadania 23, Roberto Freire (SP), repudiou (veja abaixo) veementemente, nesta segunda-feira (29), as declarações agressivas do presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre a morte de Fernando Santa Cruz pela ditadura militar. Santa Cruz é pai do atual presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz.

Antes de falar sobre o pai do jurista, Bolsonaro criticou a atuação da OAB no caso de Adélio Bispo, que deu uma facada no então candidato à presidência. Ele questionou qual era a intenção da entidade. Segundo o mandatário, a Ordem teria impedido o acesso da Polícia Federal ao telefone de um dos advogados do autor da facada. Sem ser questionado, ele teria dito sobre o pai do presidente da Ordem.

“Um dia se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”, disse Bolsonaro para jornalistas.

“Nota de Repúdio
O requinte de maldade com que o Presidente Bolsonaro se refere ao assassinato do jovem pernambucano Fernando Santa Cruz, cometido pela ditadura militar e pai do atual presidente da OAB, é assustador. Revela uma personalidade que se compraz em agredir e ferir as pessoas. Deixamos a nossa fraterna solidariedade ao Presidente da OAB Felipe Santa Cruz bem como a toda sua família.
Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania 23

Grupo Tortura Nunca Mais/RJ

Solidariedade a família de Fernando Santa Cruz e a todos os desaparecidos políticos encarcerados, assassinados, exilados e banidos pelo Terrorismo de Estado

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ repudia, veementemente, as desprezíveis e revoltantes declarações do presidente da república do Brasil. Em uma mesma declaração afirmou ser cúmplice de desaparecimento forçado pelo Estado e garantiu a existência de pena de prisão perpétua no Brasil pelo encarceramento manicomial á revelia da lei.

No Brasil que executou apenas políticas frágeis de memória e justiça sobre crimes da ditadura empresarial-militar, torna-se ainda mais grave que o mandatário do mais alto cargo representativo declare saber, por “vivência no quartel”, o que aconteceu com um desaparecido político desde 1974.

Não é de hoje que este presidente defende crimes como a tortura, homenageando o notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que colocou em seu gabinete, quando era Deputado Federal, a placa “Quem procura osso é cachorro” tendo como alvo os familiares de mortos e desaparecidos políticos que há cinquenta anos lutam por saber como? quando? onde aconteceram esses desaparecimentos e toda a cadeia de comando responsável por esses crimes.

Cabe ressaltar que o Estado brasileiro descumpre cotidianamente a sua condenação internacional sobre o caso Gomes Lund (Araguaia), pela OEA. As declarações do presidente o colocam, mais uma vez, como um desses agentes perpetradores da violência de Estado, da tortura e do desaparecimento.

Exigimos que ele revele em juízo o que diz saber, com as diversas provas e apontando seus informantes, sob pena de falso testemunho. Ao contrário do que afirmou, de que o filho de Fernando Santa Cruz não gostaria de saber a “verdade”, a luta de todos os familiares, de ontem e de hoje, é pelo esclarecimento e responsabilização. A omissão e o acobertamento só serviram até hoje aos interesses dos algozes.

Por Fernando Santa Cruz

Por todos os mortos e desaparecidos da ditadura

Por todos os mortos e desaparecidos da história até hoje

Pela Vida
Pela Paz
Tortura Nunca Mais!

PSDB acelera movimento para se descolar do Planalto

Após dois governadores tucanos criticarem Bolsonaro, partido demarcou ontem diferenças em relação ao presidente

Silvia Amorim / - O Globo

SÃO PAULO – A escalada de declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro acelerou no PSDB um movimento para se descolar do Palácio do Planalto. Depois de críticas públicas a Bolsonaro feitas por dois de seus três governadores — João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) —o partido se posicionou ontem, demarcando diferenças em relação ao presidente.

“Gente, fica a dica: ser contra a ditadura no Brasil não é ser de esquerda ou comunista. É apenas respeitar a história e ser absolutamente contra todas as atrocidades cometidas durante o período”, escreveu o partido em suas redes sociais.

Foi a primeira vez que a nova direção do partido, empossada em maio, usou seus perfis paras e contrapor a uma declaração do presidente.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reforçou ontem a ofensiva tucana. “O presidente despreza os limites do bom senso por sua incontinência verbal.

Contraria documentos oficiais sobre o pai do presidente da OAB e dá vazão a rompantes autoritários. Prejuízo para ele e para o Brasil: gostemos ou não foi eleito. O que diz repercute e afeta nossa credibilidade”, escreveu FH no Twitter.

Ataque verbal de Bolsonaro dá auxílio a Doria para ruptura ensaiada de 2022

Provável rival nas eleições, governador de SP disputa eleitorado com o presidente

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Buscando viabilizar sua candidatura ao Planalto em 2022, o governador João Doria (PSDB-SP) ganhou auxílio inesperado de seu principal concorrente hoje, o presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O recente surto logorreico do presidente colocou Doria, que já vinha tentando se afastar de Bolsonaro, em posição um pouco privilegiada.

Quando aquilo que auxiliares do tucano chamaram de linha vermelha, o questionamento sobre o papel do Estado na morte do presidente do pai da Ordem dos Advogados do Brasil na ditadura, foi ultrapassado, Bolsonaro se tornou alvo para o governador.

O tucano teve o pai, o então deputado federal João Doria, cassado e exilado de 1964 a 1974 pelos militares. Doria chamou de inaceitável a insinuação de Bolsonaro de que o pai de Felipe Santa Cruz tenha sido morto por seus companheiros da esquerda.

Doria e o irmão Raul ficaram fora do país por dois anos, retornando para morar a mãe, que morreu três meses após a volta do marido ao país.

Além disso, o recente aceno à deputada Tabata Amaral (SP), ameaçada de expulsão do PDT pelo apoio à reforma da Previdência, mostra uma abertura do direitista Doria a flancos à esquerda.

Isso dito, a tarefa do tucano é difícil. Ele associou-se ao movimentoBolsoDoria, surgindo no segundo turno de 2018, quando Geraldo Alckmin (PSDB) já estava abatido na primeira rodada de votação.

Temendo fomentar um futuro adversário, Bolsonaro ouviu auxiliares e se negou a gravar apoio a Doria. Contudo, um acerto de bastidores fez o então presidenciável registrar críticas ao adversário do tucano, o então governador Márcio França (PSB).

Com efeito, ambos saíram eleitos. De lá para cá, Doria tem feito um movimento pendular: ora reafirma seu apoio à agenda econômica de Bolsonaro e o afaga em eventos públicos, ora tenta diferenciar-se do presidente.

O ocaso do Foro de São Paulo: Editorial / O Estado de S. Paulo

A derrocada dos governos populistas de esquerda nos principais países da América Latina foi duramente sentida pelo Foro de São Paulo, entidade que reúne partidos latino-americanos alinhados a este espectro político. É o que se pôde constatar ao final do XXV Foro de São Paulo, ocorrido entre os dias 25 e 28 de julho em Caracas, na Venezuela.

Muito diferente do habitual em outras edições do Foro de São Paulo, o PT enviou apenas dois participantes neste ano, e nenhum deles do primeiro escalão do partido. Até mesmo a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, frequentadora do colóquio, preferiu ficar longe dessa vez. O PCdoB foi igualmente representado por apenas dois filiados de pouca expressão e o PSOL informou que não foi convidado pela organização.

O pouco-caso não se restringiu aos brasileiros. Das principais lideranças da esquerda latino-americana, compareceram ao Foro de São Paulo somente o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e – ¿como no? – o anfitrião dessa edição, o ditador Nicolás Maduro. Evo Morales, presidente da Bolívia, e Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, também optaram por não comparecer à reunião em Caracas.

A declaração final do XXV Foro de São Paulo explica com clareza solar a razão do ocaso de um grupo que teve a pretensão de dominar a política na América Latina não faz muito tempo. O Foro de São Paulo, que deliberadamente espancou os valores democráticos sempre que estes se interpuseram entre suas estratégias e planos de poder, vê-se cada vez mais reduzido à condição de refém dos interesses de um ditador e de um presidiário. Os temas centrais da reunião em Caracas foram a defesa do regime sanguinário de Nicolás Maduro e da soltura de Lula da Silva. O primeiro, vítima do “imperialismo dos Estados Unidos e de seus aliados”. O segundo, de “falsas acusações e armadilhas jurídicas”.

Diante dessas barbaridades, em meio a tantas mentiras e mistificações, até uma liderança proeminente da esquerda latino-americana como o uruguaio José “Pepe” Mujica se viu compelido a admitir o que só a paixão ideológica é capaz de manter em estado de ignorância deliberada. “(O governo Maduro) é uma ditadura, sim”, disse o ex-presidente uruguaio (2010-2015) em entrevista a uma rádio de seu país no fim de semana.

Desfeita presidencial: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro cria embaraço diplomático ao cancelar encontro com chanceler francês

Se a inaptidão de Jair Bolsonaro (PSL) transparece em declarações que vão da tolice à truculência, menos claras são as dimensões do dano que escolhas e atitudes desastradas do presidente poderão causar a políticas de governo e de Estado.

Por uma perspectiva mais otimista, constata-se que a medida mais urgente para a administração pública e o país —a reforma da Previdência Social— avançou em condições satisfatórias, graças ao empenho de líderes parlamentares e a despeito de uma ofensiva corporativista do chefe do Executivo em favor de policiais federais.

Outras trapalhadas, como um ensaio de intervenção no preço do diesel, não têm impedido que, em linhas gerais, a gestão da economia caminhe de forma coerente e racional —embora não o bastante, por ora, para restabelecer a confiança de empresários e consumidores.

A tentativa atabalhoada de ampliar por decreto o acesso a armas parou no Congresso; o Supremo Tribunal Federal barrou a reedição de uma medida provisória que transferia a demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura; não passará incólume, se prosperar, o esdrúxulo projeto que afrouxa as regras de trânsito.

A positiva reaproximação com os EUA: Editorial / O Globo

Mas não se deve achar que conhecimentos pessoais resolvem tudo na diplomacia

As declarações simpáticas de Trump sobre a intenção do presidente Bolsonaro de fazer seu filho Eduardo, deputado federal, embaixador brasileiro em Washington animaram opai. Ele espera construir uma ponte em direção ao centro do poder do Executivo americano. Pretende com isso executar alguns dos seus projetos, por exemplo o de atrair empresas mineradoras para explorar jazidas em reservas indígenas na Amazônia.

A viagem do presidente brasileiro aos Estados Unidos já havia demonstrado haver uma boa química entre ele e Trump, certamente reforçada por afinidades ideológicas e pessoais.

O Brasil precisa mesmo se reaproximar dos Estados Unidos, o segundo parceiro comercial do país, superado pela China. Mas com a diferença importante em favor dos negócios com os americanos: eles compram do Brasil prioritariamente produtos manufaturados, enquanto os chineses concentram as importações em alimentos. Dois parceiros, claro, a preservar.

Há uma chance de esta possível maior proximidade recuperar o tempo perdido, ou parte dele, nos 13 anos do lulo-petismo no poder, quando, por um anacrônico antiamericanismo, o Brasil deixou em segundo plano o comércio com os EUA, e fez a aposta errada de que a Organização Mundial do Comércio( O MC) conseguiria completara Rodada de Doha, para a liberalização de todo o comércio internacional.

Fed corta juros e Copom testa limite de baixa histórico: Editorial / Valor Econômico

O Federal Reserve americano fez um corte de 0,25 ponto percentual em sua taxa de juros - o primeiro em uma década -, mas os rumos do futuro da política monetária americana estão envoltos em incertezas, por falta de sinalização do futuro. Ao fim de uma entrevista confusa e evasiva, o presidente do banco, Jerome Powell, disse ao mesmo tempo que a redução dos fed funds anunciada ontem "não é o começo de uma longa série de corte de juros", que ela pode não ser "única" e que o Fed pode caminhar nas duas direções - tanto de alta como de baixa.

Powell não explicou com a segurança e os detalhes esperados os motivos pelos quais o banco central decidiu interromper o ciclo de alta dos juros e começou a fazer o caminho de volta. O comunicado do Fed, em si, não justifica a atitude tomada - nem seu contrário. Afirma que a economia americana cresce em ritmo moderado, com um mercado de trabalho forte e baixa taxa de desemprego. Há sinais de fraqueza no enfraquecimento da taxa de investimentos das empresas e das pressões inflacionárias.

A inflação e o ritmo declinante do crescimento da economia mundial são os motivos imediatos para a mudança de rumos do Fed. Pelo menos dois membros do comitê de política monetária, porém, votaram contra essa orientação, a favor da manutenção da taxa. Eles têm o apoio de analistas de alguns bancos, que veem ainda forte impulso no consumo, nos serviços e restringem os sinais de debilidade às indústrias, um dos resultados da guerra comercial de Trump contra a China.

Affonso Romano de Sant'Anna: Os desaparecidos

De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas, estranhamente.
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluíam
— mal ligavam o torno do dia.
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Desaparecia-se a olhos vistos
e não era miopia. Desaparecia-se
até à primeira vista. Bastava
que alguém visse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes evanesciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, aerefeitos, constatar no além
como os pecadores partiam.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro, e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil
ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo
— desapareciam.

Publicado no livro Política e paixão (1980).