terça-feira, 13 de agosto de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

IHU On-Line – A sua tese é a de que o governo quer operar uma política de estado-maior, intervindo no DNA da nossa sociedade. Pode explicar em que consiste esse objetivo e como isso está sendo feito a partir do método de governo do presidente Bolsonaro?

Luiz Werneck Vianna – Este governo vem com uma proposta muito radical, qual seja, desviar o país da sua trajetória tradicional não só na política interna, mas na política externa, no tema da cultura, dos valores, em tudo. Isso não é uma tarefa fácil. Então a dificuldade da tarefa está implicando em manobras diversionistas: fazer a gente olhar para um lugar, enquanto na verdade está se operando com força em outro lugar.

A meu ver, o projeto neoliberal que o ministro Paulo Guedes encarna é o cerne, o coração da proposta de governo do Bolsonaro. Mas como isso tem dificuldades porque importa mexer na questão ambiental, abrir o ambiente para a mineração, para o agronegócio - e também em todas as questões em que ele quer intervir os obstáculos não são pequenos -, ele já está desde logo visualizando a reeleição como forma de realizar essas mudanças drásticas, radicais, que quer introduzir na cena política brasileira. Mudar a história e criar uma outra história é uma operação muito difícil, mas esse objetivo vem sendo cultivado há tempos pelas grandes elites econômicas do país. Na verdade, a sustentação maior do Bolsonaro está nas grandes elites econômicas do país, das finanças, do agronegócio.

*Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio, Entrevista em IHU On-Line, 12/8/2019

Peter Siller*: Os partidos políticos e sua função normativa

-Nueva Sociedade / Política Democrática

Jamais os partidos políticos foram tão necessários como atualmente. Quem, senão os partidos, seria capaz de traduzir a formação de vontade (e opinião) social em leis e atuação política? No entanto, para que as legendas possam fazer jus a esta missão, precisam primeiro reaprender a travar debates sobre questões fundamentais. O artigo examina em detalhes a essência e a função dos partidos, lembrando que o Parlamento constitui o espaço onde ocorre a articulação entre a função de formação da vontade (e opinião) dos partidos e o processo legislativo. Daí sua importância como espaço decisivo para a reflexão crítica sobre o estado da representação.

Para lutar contra a indignação e o pessimismo em tempos de supremacia política do Poder Executivo e de uma esfera pública desgastada, o conceito de partido político é mais atual do que nunca para nossa democracia. Deveríamos redescobrir os partidos como instituições que representam diversas noções de interesse comum (bem comum) na interface com o Legislativo. Quem, senão os partidos políticos, para formular as alternativas político-filosóficas fundamentais que tornam a democracia um espaço repleto de possibilidades, em vez de deixar que fique atrofiada diante da retórica sobre condicionantes materiais? Urge enfrentar o ressentimento contra os partidos políticos que está renascendo na atualidade. Da mesma forma, os partidos políticos têm de se renovar para voltar a estar à altura da sua função-chave para a democracia.Em consequência dos desenvolvimentos sociais das últimas décadas, os partidos políticos enfrentam pressões em várias frentes. Têm enorme dificuldade de desenvolver uma gama de orientações político-programáticas diferentes para criar um espaço de tomada de decisão democrática. A perda do discurso controvertido intra e interpartidário vem frequentemente associada a essa dificuldade. Assim, há uma diminuição da força representativa dos partidos políticos e da sua capacidade de acolher convicções e interesses de diversas classes, grupos e meios sociais para concentrá-las em propostas norteadoras.

As razões da falta de distinguibilidade, discursividade e representatividade podem ser encontradas nos próprios partidos; mas pesam mais as mudanças sociais profundas que estão ocorrendo, tais como: a perda de competência das democracias nacionais no processo de europeização e globalização; a perda de ideias de uma constelação (supostamente) pós-ideológica; uma visão da política como sendo uma profissão por toda a vida; a retração à esfera privada em reação às exigências de um novo mundo do trabalho; uma sociedade midiática em aceleração extrema e, não por último, uma divisão social que reflete o fosso democrático.

Desprezo em vez de intervenção crítica
Tanto mais preocupante é o fato de não haver um debate público sobre o futuro da democracia partidária. Ao contrário, no lugar de uma crítica construtiva visando à reforma, cresce o ressentimento contra os partidos políticos, inclusive no centro da sociedade. Mesmo os intelectuais do centro não são imunes a estes sentimentos. Em vez de intervenção crítica, presenciamos desprezo, retrocesso populista, por vezes alienação agressiva, e esta atitude até rende aplausos na roda do botequim ou entre colegas de cafezinho.

Advertimos aqueles que julgam que essa frustração agressiva em relação aos partidos políticos é um fenômeno novo, que o menosprezo aos partidos e seus «negócios escusos» tem uma tradição antidemocrática longa, sobretudo na Alemanha Federal. Na verdade, já nasceu com os partidos políticos. Por um lado, temos o anseio autoritário por uma instância imparcial e objetiva que resolve os assuntos políticos sem disputa democrática e participação dos cidadãos. Por outro, estamos diante de um populismo do imediatismo político que faz oposição às instituições da representação democrática, as quais possibilitam que haja uma prática democrática não autoritária no espaço e no tempo. O desencanto com os partidos e os políticos passa novamente a ser um tema não apenas da maioria queixosa, mas também de muitos críticos que se dizem progressistas.Na mesma linha, intelectuais televisivos de destaque acham que sua missão é sensibilizar os cidadãos para a opção de não votar. Antes da eleição para o Parlamento federal em 2013, mais da metade dos 48 intelectuais e artistas entrevistados pelo semanário alemão Die Zeit não estava disposta a revelar suas preferências com relação a candidatos ou partidos, muito menos a defender alguém. Harald Welzer introduziu sua frustração pós-democrática com uma pergunta: «Por que deixei de votar?». Para Richard David Precht, «a questão de votar ou não votar ficou quase irrelevante». Segundo Peter Sloterdijk, «simplesmente ficou impossível votar em um dos partidos tradicionais». E para Ernst Wilhelm Händler, dar o voto a um partido equivale a «não apenas aceitar uma falha de caráter, mas até optar conscientemente por este defeito».

Ranier Bragon: Estraga prazer

- Folha de S. Paulo

Presidente deveria ter ido ao superlotado hospital do DF ver o Dia dos Pais daquela gente

Jair Bolsonaro tirou o domingão ensolarado para singrar de jet ski as águas do lago Paranoá, visitar feira, tomar caldo de cana e desbravar de moto as ruas de Brasília.

Aqui e ali, teve que passar pelo inconveniente de ser molestado pelosurubus a aporrinhá-lo com perguntas as mais variadas possíveis, como se ele tivesse responsabilidades de um, sei lá, presidente da República.

Ao ser questionado sobre a idosa de 78 anos que havia ficado quase três dias em um maca improvisada no corredor de um hospital público superlotado, agiu com a bravura de sempre. Xingou o repórter, não respondeu patavina e proclamou: só a Folha mesmo para ter o mau gosto de querer estragar o Dia dos Pais.

Moradora de uma favela a cerca de 40 km do palácio habitado pelo casal presidencial, a idosa em questão é avó da mulher de Bolsonaro.

Nem o presidente nem o Planalto deram um pio sobre a situação. O cordão dos puxa-sacos possivelmente fará memes dando conta de que não é por ser da família que malandro será privilegiado —isso apesar de Eduardo, Flávio e do programa emprego-zero para parentes.

Pablo Ortellado*: Identidade versus estratégia

- Folha de S. Paulo 

Imperativo existencial de afirmar identidade está se sobrepondo à necessidade política de solapar apoio ao presidente

A última pesquisa XP-Ipespe, divulgada no final da semana passada, mostrou que, no período em que o presidente disparou sua metralhadora de asneiras, a reação do eleitorado foi dupla: de um lado, houve aumento na rejeição; de outro, o seu apoio se consolidou.

Entre abril e agosto, enquanto a avaliação do seu governo como ruim ou péssimo subiu de 26% para 38%, sua avaliação como bom ou ótimo ficou bastante estável, oscilando na faixa de 33% a 35%.

Isso sugere que, se, de um lado, Bolsonaro consolida um terço do eleitorado que não liga ou até mesmo apoia suas bobagens sobre meio ambiente, ditadura militar e direitos humanos, há um contingente crescente de eleitores e apoiadores insatisfeitos, que podem vir a ser o fiel da balança, tanto num próximo ciclo eleitoral, como numa eventual crise que ameace as instituições.

O problema é que esses simpatizantes e eleitores arrependidos estão sendo muito mal recebidos pelos que fazem oposição a Bolsonaro, que não só não os acolhem como frequentemente os empurram de volta para o campo do presidente.

"Votou em Bolsonaro, agora embala!", "a culpa é de vocês!" e "vão se foder todos vocês" são algumas das boas-vindas que os arrependidos receberam da oposição.

Em vez de acolhê-los, mostrando que é possível ser crítico ao PT, à corrupção ou à esquerda e permanecer no campo da civilidade democrática, parte da oposição preferiu reafirmar o antagonismo e rejeitar a companhia de quem votou ou simpatizou com Bolsonaro.

O resultado é que esse contingente dos que apoiaram Bolsonaro, mas discordam do autoritarismo, da falta de compostura, do nepotismo ou da corrupção, simplesmente não encontra lugar no carregado ambiente da polarização e, por falta de opção, pode muito bem regressar ao lugar de onde veio.

Joel Pinheiro da Fonseca*: Divórcio inevitável

- Folha de S. Paulo

O fim do casamento de bolsonarismo e lavajatismo, imbatível em 2018, cobrará seu preço

Um dos feitos mais incríveis de Bolsonaro ao longo dos últimos anos foi a construção de sua imagem como a de um político implacável com a corrupção. Logo ele, um deputado que em 28 anos de Congresso encarnou quase o tipo ideal da velha classe política fisiológica brasileira.

Agora, o abismo entre imagem e realidade começa a aparecer. Em sete meses de governo, Bolsonaro já mostra que, quando o alvo é ele, sua família ou seus aliados, fará de tudo para abafar qualquer investigação.

Recentemente, Alexandre de Moraes suspendeu investigações da Receita Federal que incluíam ministros do Supremo Tribunal Federal. Independente do mérito da decisão, era a ocasião perfeita para o presidente da República colocar a boca no trombone e denunciar o STF em mais um de seus corriqueiros ataques às demais instituições do país.

Dessa vez, no entanto, não o fez. Sinal dos novos tempos? Ele foi, afinal, beneficiado por decisão recente de Dias Toffoli de suspender o uso de dados do Coaf sem autorização judicial, em resposta ao pedido de Flávio Bolsonaro.

Alvaro Costa e Silva: Um repórter sete vezes na cadeia

- Folha de S. Paulo

O estranho conceito de 'excesso jornalístico', formulado por Bolsonaro

A repórter Talita Fernandes comparou as entrevistas de Bolsonaro à porta do Palácio da Alvorada a um stand-up. Perfeito. Num dos últimos, ele gracejou diante dos jornalistas: "Se o excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora". A seu lado, o ministro Sergio Moro, que sempre quis ter a chave da prisão, riu amarelo.

Foi mais uma frase idiota que segue a estratégia presidencial de agradar convertidos e irritar adversários —valendo-se, até, do absurdo de considerar um torturador herói nacional. Mesmo assim, perdi três minutos pensando no esdrúxulo conceito de "excesso de jornalismo". Aí me lembrei de Joel Silveira (1918-2007).

Joel —"como repórter, não tem quem lhe leve vantagem", afirmou Manuel Bandeira— cunhou frases que podem iluminar a cabeça daqueles que hoje vivem destilando intolerância contra a imprensa nas redes sociais:

Eliane Cantanhêde: E se não?

- O Estado de S. Paulo

Macri e PIB ameaçam a crença de que há dois governos: um do Bolsonaro, outro da economia

A crença, certeza ou argumento de que a economia salva o governo Jair Bolsonarorecebeu duas pancadas doídas. Uma, de fora: a derrota do liberal Maurício Macri para o kirchnerismo nas prévias da Argentina. Outra, doméstica: o risco de nova recessão.


Macri é aliado fundamental para consolidar tanto a debacle do chavismo na América do Sul quanto o acordo do Mercosul com a União Europeia, tão festejado, mas tão ameaçado. Mas é improvável que ele consiga tirar 15 pontos de diferença para a chapa populista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner até outubro. Sem Macri na Argentina e com Mario Abdo Benitez em risco no Paraguai, o acordo evapora. Para piorar, Bolsonaro apostou todas as fichas na chapa errada do país vizinho.

E o que dizer da prévia do Banco Central para o PIB do segundo trimestre no Brasil? Desde a eleição de Bolsonaro, a previsão de crescimento vem minguando. Agora, 0,2% de queda no primeiro trimestre e 0,13% no segundo apontam para recessão técnica. É grave para a economia, é gravíssimo para o discurso político do governo.

Bolsonaro vai mal, mas as expectativas econômicas iam bem. O presidente fala uma barbaridade atrás da outra, mas os ministros, por obrigação, e os aliados, por falta de alternativa, têm a mesma resposta na ponta da língua: deixa o homem falar, o importante é Paulo Guedes salvar a economia e recuperar o crescimento. E se não?

Juros e inflação baixos, reformas caminhando, acordo com UE, negociações com os EUA e liberação do FGTS são um alívio para bolsonaristas desencantados, mas apegados às promessas e sonhos da economia. Esquecem-se de que o Estado está engessado pelo déficit crônico, o setor privado continua assustado, as famílias mantêm-se endividadas, a ociosidade do comércio e da indústria persiste, os empregos não aparecem.

Luiz Carlos Azedo: O tango argentino

- Nas entrelinhas – Correio Braziliense

A derrota do presidente liberal Maurício Macri nas eleições primárias da Argentina pôs em xeque o acordo do Mercosul com a União Europeia, do qual o presidente argentino foi o principal artífice, e estressou as relações do Brasil com a Argentina, em razão da forte reação contrária do presidente Jair Bolsonaro ao resultado. Em solenidade em Pelotas, o presidente da República disse que os gaúchos deveriam se preparar para ser uma nova Roraima, numa alusão à fuga em massa de venezuelanos em razão da crise do regime de Nicolás Maduro.

O peronista de centro-esquerda Alberto Fernández obteve ampla vantagem sobre Macri nas eleições primárias para a Presidência do país. Com 99,37% das urnas apuradas, com Cristina Kirchner como vice, teve 47,66% dos votos, e Macri, 32,08%. Roberto Lavagna aparece em 3º lugar, com 8,23% dos votos. O resultado também provocou pânico no mercado financeiro da Argentina: o peso argentino fechou em queda de 15,27%, cotado a 53,5 por dólar — no pior momento do dia, chegou a valer 65 por dólar. A bolsa de valores recuou 37,01%.

Alberto Fernández conseguiu capturar os votos da classe média insatisfeita com a recessão argentina e, com Cristina Kirchner na vice, manter o apoio dos sindicatos argentinos. Porém, sua candidatura não é comprometida com os ajustes econômicos necessários para equilibrar a economia, pelo contrário, é vista como a volta do projeto populista de esquerda.

Macri tenta fazer do limão uma limonada, usando a queda da bolsa e a desvalorização do peso para culpar o adversário: “Precisamos entender que o maior problema é que a alternativa kirchnerista não tem credibilidade no mundo, não gera confiança para que as pessoas venham investir. Eles deveriam fazer uma autocrítica”, disse, ao comentar a repercussão do resultado das prévias na economia. Criadas em 2009, as prévias de domingo foram estabelecidas para escolha dos candidatos de cada chapa, mas, como não houve disputa interna nos partidos, refletiu a atual correlação de forças entre governo e oposição, tendo em vista as eleições marcadas para 27 de outubro.

A situação da economia da Argentina é complicada. O país está em recessão e teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com uma inflação de mais de 55% depois de três anos de políticas de Macri. Mesmo assim, os investidores ainda preferem a reeleição do atual presidente à volta do peronismo. Cristina Kirchner governou entre 2007 e 2015 e adotou um modelo econômico que praticamente afundou a economia, provocando a recessão em que a Argentina ainda se encontra. Nacionalizou empresas, manipulou dados oficiais e causou repulsa aos investidores. Sua estratégia era um meio-termo entre a “nova matriz econômica” da ex-presidente Dilma Rousseff, sua amiga, e o bolivarianismo de Hugo Chávez, que resultou na crise do regime venezuelano de Nicolás Maduro.

Aliança tóxica
Após o resultado das prévias, Macri admitiu que existe uma bronca dos argentinos com sua política econômica, em razão do empobrecimento das famílias. Segundo ele, seu programa de reformas precisa de mais tempo para dar certo. O presidente argentino ainda acredita que poderá convencer os eleitores a apoiá-lo. Entretanto, o apoio do presidente Jair Bolsonaro, que foi muito desejado por Macri, virou uma aliança tóxica, em razão das declarações polêmicas do chefe do Executivo brasileiro. Como a imagem de Bolsonaro no exterior não é boa, os peronistas passaram a associar todo o noticiário negativo do Brasil à imagem de Macri.

Carlos de Angeles*: Argentinos disseram ‘não’ ao programa econômico atual

- O Estado de S. Paulo

Apesar de a primária de domingo não ter efeito legal – não mais do que eliminar as candidaturas que não superaram 1,5% dos votos –, para a Argentina e boa parte do mundo o impacto é enorme. Isso porque significa a provável volta de Cristina Kirchner à Casa Rosada, de onde é comandado o destino dos 45 milhões de argentinos. Claro que Cristina regressará como vice diante da decisão inusitada que tomou em maio. Parece que seu instinto político acertou, pois a responsabilidade na campanha foi assumida por Alberto Fernández que, para os argentinos, é hoje o presidente virtual.

Fernández teve apenas quatro meses para se transformar de analista político e professor universitário em herdeiro do movimento fundado por Juan Perón. Ele assumiu inúmeras tarefas, por momentos impossíveis para uma única pessoa: recuperar o diálogo com governadores e prefeitos; convencer dirigentes políticos distantes do kirchnerismo, e se converter em uma figura popular para o grande público, sobretudo para os eleitores mais jovens; elaborar um discurso político aceitável e possível; estabelecer um diálogo com a mídia que já não o trataria com o mesmo cuidado como quando se transformou num forte crítico de Cristina; e também poder falar com eloquência para as multidões, a prova de fogo de um líder peronista.

A última e, provavelmente mais complexa tarefa de Fernández, foi (e será) estabelecer um equilíbrio razoável com Cristina, que apostou seu apoio eleitoral numa aventura política cujo prognóstico exigia cautela.

Hoje, Macri e seu governo parecem aturdidos diante de um resultado eleitoral que praticamente os tira do poder na entrega do comando, em 10 de dezembro. As eleições primárias se transformaram num plebiscito no qual a pergunta apresentada foi: deseja continuar mais quatro anos com o programa econômico de Macri? A resposta foi contundente: não. (Tradução de Terezinha Martino )

*Professor da universidade de Buenos Aires

Merval Pereira: Contradições

- O Globo

É preferência pessoal? Empresas americanas podem explorar as terras indígenas, europeias não?

A disputa ideológica que transforma em um FlaFlu o exercício da política provoca contradições inevitáveis, já que as reações nada têm de lógicas, são emocionais e imediatistas.

De defensor incondicional da Lava-Jato, a partir da investigação envolvendo seu filho Flávio, suspeito de desviar dinheiro dos funcionários de seu gabinete em benefício próprio, Bolsonaro entrou em choque branco com o ministro Sergio Moro devido a críticas do presidente do Coaf à proibição de investigação sem autorização judicial. Pedido da defesa de Flávio que foi acolhido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.

Já o choque com o procurador Deltan Dallagnol, que usou o Twitter para elogiar as investigações sobre Queiroz, o assessor de Flávio acusado de ser seu operador, foi frontal. O perfil oficial de Bolsonaro no Facebook compartilhou um post chamando o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, de “esquerdista estilo PSOL”.

Ora, como é possível um procurador ser chamado de “esquerdista” por um lado, e acusado pelo outro de algoz do ex-presidente Lula?

Outra contradição: inimigo das ONGs internacionais que atuam na Amazônia, que acusa de estarem a serviço dos interesses de outros países, o presidente Bolsonaro tem planos de abrir a mineração em reservas indígenas a empresas dos Estados Unidos. Disse que essa será uma das principais missões de seu filho Eduardo, se assumir a embaixada em Washington, o que parece favas contadas.

Trata-se, então, de uma preferência pessoal? Empresas norte-americanas podem explorar as terras indígenas, europeias não?

Mercosul
Bolsonaro assume posição tão radicalmente favorável ao presidente argentino Mauricio Macri, e contrária a Cristina Kirchner, que vai provocar um prejuízo grande para o Brasil entrando numa disputa com nosso mais importante vizinho politicamente, e parceiro comercial fundamental.

A tendência é a eleição da chapa de Kirchner, e a imagem de Bolsonaro não ajuda, nem melhora a posição de Macri, que não é um radical de direita como o presidente brasileiro. Os eleitorados são diferentes. Bolsonaro afirmou que não quer “irmãos argentinos” fugindo para o Brasil se o resultado se confirmar em outubro.

Ricardo Rangel*: Bolsonaro e o Caliban

- O Globo

Discussão não é mais se presidente é melhor que Haddad, mas se sua conduta é aceitável numa democracia

‘A aversão do século XIX pelo Realismo é a ira de Caliban por ver seu rosto no espelho; a aversão do século XIX pelo Romantismo é a ira de Caliban por não ver seu rosto no espelho”, escreveu Oscar Wilde no prefácio a seu romance “O retrato de Dorian Gray”.

O Realismo tentava retratar a realidade tal como ela é; o Romantismo idealizava a realidade; Caliban é uma personagem bestial de “A tempestade”, de Shakespeare. Wilde quer dizer que existe uma parcela tosca da sociedade que sempre odiará a arte, a cultura, a civilização, ou porque estas revelam seus defeitos e insuficiências, ou porque, ao contrário, descortinam um mundo belo e elevado ao qual ela jamais poderia pertencer.

As armas do Caliban contra a civilização são a inveja, o rancor, o ressentimento, o ódio, o preconceito, o anti-intelectualismo, a intolerância, a mentira, a intimidação, a violência. Assim como Próspero, protagonista de “A tempestade”, mantém Caliban cativo para garantir a segurança de sua filha Miranda, a sociedade precisa manter o Caliban sob controle para garantir a segurança da civilização: quando ele se liberta, as consequências são graves.

Exemplos extremos do Caliban são a fase final da Revolução Francesa; os camisas negras na Itália; a SA e a SS na Alemanha; a Guarda Vermelha na China da Revolução Cultural; o Khmer Vermelho no Camboja; os porões das ditaduras militares sul-americanas. A mais perfeita tradução do Caliban está no brado lúgubre, e contraditório, da Falange Espanhola na guerra civil: “Abaixo a inteligência! Viva a morte!”.

Para se libertar, o Caliban precisa de um ambiente propício, como este que temos hoje no Brasil: devastação econômica; polarização política; frustração, ressentimento e ódio (constantemente alimentados pelos dois lados); a percepção de que o Legislativo é composto de corruptos e o STF é um obstáculo à luta contra a corrupção; deterioração institucional. E um representante do Caliban capaz de galvanizar tudo isso — com o beneplácito de muitos que deveriam temê-lo.

Estamos vendo agressões diárias à imprensa, à academia, à ciência, à arte, à cultura, ao meio ambiente, a países amigos, às minorias, à lei, à lógica, ao bom senso, às boas maneiras — enfim, à democracia e à civilização. Quem ousa discordar é descartado e, se isso não é possível, linchado nas redes. Seria de se esperar que a sociedade—ou, ao menos, sua parcela mais preparada, que compreende a importância da democracia e dos valores ocidentais — reagisse com vigor.

Em que pesem os muitos protestos, é assustadora a quantidade de pessoas preparadas que releva, relativiza, minimiza, justifica ou abertamente defende as infâmias de Bolsonaro. Essa complacência se explica pela revolta contra o PT e pelo raciocínio “vamos consertar a economia, o resto a gente vê depois”.

A complacência não se justifica. A revolta contra o PT perdeu o objeto: derrotado na eleição, fora do poder há três anos, com seu chefe e dono preso, o partido está fora da equação. A discussão não é mais sobre se Bolsonaro é melhor do que Haddad, mas sobre se sua conduta é aceitável em uma sociedade democrática.

O “raciocínio” também está errado: para consertar a economia, não é preciso destruir o resto e, dependendo do que for destruído, “consertar depois” pode não ser possível. E, por melhor que seja a equipe econômica, ela não basta.

Crescimento sustentável exige investimento em educação, ciência e cultura; respeito ao meio ambiente; segurança jurídica; boas relações exteriores. Exige também investimento privado, coisa difícil em clima permanente de confronto e incerteza. O Caliban não é inimigo apenas da civilização: é inimigo do crescimento econômico, também.

Por fim, vale lembrar àqueles que supõem ser possível controlar o Caliban que a história mostra que ele sempre devora quem o alimenta.

*Ricardo Rangel é empresário

José Casado: Bolsonaro amplia poder

- O Globo

Jair Bolsonaro avança na concentração de poder. Em julho fez uma escolha pessoal, decidida em família, para o comando da agência de espionagem. “O que o presidente precisa é de informação para não ser surpreendido”, disse ao entregar a Abin ao delegado federal Alexandre Ramagem. Herdeira do antigo SNI, ela mantém 26 unidades nos estados. Agora, opera sob controle direto do presidente.

Em seguida, ele aproveitou a confusão política com o “superministério” da Justiça para retirar-lhe o Coaf, banco de dados financeiros em cuja malha caíra um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Semana passada, avisou à Receita Federal que pretende “limpar” o órgão de “petistas infiltrados”. O governo não refutou o relato do repórter Raphael Di Cunto sobre queixas do presidente quanto a uma suposta “perseguição” fiscal à sua família.

Nesta semana define quem vai comandar a Procuradoria-Geral da República. Ontem, alinhou os compromissos que impôs: “Que (o escolhido) entenda a situação do homem do campo e não fique com essa ojeriza ambiental; que não atrapalhe as obras, dificultando licenças; que preserve a família brasileira; e que entenda que as leis têm que ser feitas para a maioria e não para as minorias.” Por tais critérios, Bolsonaro parece desejar a PGR como um anexo do Palácio do Planalto.

Míriam Leitão: Caso argentino é diferente de tudo

- O Globo

Kirchnerismo não é o chavismo, como quer fazer crer Bolsonaro, e o fracasso de Macri não é a derrota do liberalismo, como diz Dilma

Há sempre uma tentativa de entender a Argentina com os parâmetros de outros países. Não é possível. Eles são bem específicos. Nem kirchnerismo é o chavismo, como quer fazer crer o presidente Bolsonaro, nem o fracasso de Maurício Macri é a derrota do liberalismo, como diz a ex-presidente Dilma. Macri paga o preço de não ter entregado a mudança da economia que prometeu, e Cristina Kirchner ainda se beneficia do período de grande crescimento na chegada do seu marido ao poder. Na sua gestão a economia desandou, mas ficou a boa lembrança entre os eleitores.

O mercado ontem na Argentina teve um ataque de nervos refletido em todos os indicadores. Bolsa com queda de 37%, algumas ações caíram 50%, o dólar subiu 17%, os juros foram a 74%. Uma hecatombe. Esperava-se que a chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner fosse ter mais votos, mas não tantos assim. Nos bancos, a avaliação é a de que o quadro político ficou irreversível. O presidente Bolsonaro falou que não quer que os argentinos fujam para cá se a “esquerdalha” vencer lá, e a ex-presidente Dilma falou que a vitória do peronismo é a “luz do fim do túnel”. Nem uma coisa, nem outra.

A votação foi descrita assim pelo jornalista Martín Rodríguez Yebra, no “La Nación”: “Não se elegia nada, mas se definiu quase tudo.” Basta a chapa repetir o mesmo resultado que vencerá no primeiro turno em outubro. O peronismo mostrou força em várias províncias. Na mais importante delas, a de Buenos Aires, Axel Kicillof teve quase 50% sobre a atual governadora Maria Eugenia Vidal, ligada a Maurício Macri. Kicillof foi do movimento jovem criado por Kirchner, o La Cámpora. Depois, virou ministro da economia de Cristina.

Pode-se dizer que é cedo, já que são as primárias — um formato específico da Argentina —mas na eleição deles a chapa que tem 45% ganha no primeiro turno. A luta do presidente Macri será impedir a derrota no primeiro turno para tentar reverter no segundo. Os analistas do mercado financeiro não acreditam nesse cenário.

Bernardo Mello Franco: Diplomacia da canelada

- O Globo

Bolsonaro esnoba ajuda da Alemanha e tenta interferir na eleição da Argentina. Sua diplomacia da canelada pode ter um custo alto para o Brasil

Jair Bolsonaro entrou na fase de rasgar dinheiro. No domingo, ele disse não se importar com o corte nas doações alemães para a proteção da Amazônia. “Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”, desdenhou.

Em tempos de vacas magras, o presidente esnobou R$ 155 milhões oferecidos por um país amigo. O repasse seria destinado a ações de combate ao desmatamento. Para recebê-lo, o Brasil só precisava demonstrar empenho na proteção da floresta.

Bolsonaro já deixou claro que se lixa para a tarefa. Na semana passada, chegou a brincar com o apelido de “Capitão Motosserra”. A ministra alemã Svenja Schulze não achou graça. “Não posso simplesmente ficar dando dinheiro enquanto continuam desmatando”, disse. O 7 a 1 continua, mas agora a goleada é na arena diplomática.

Ontem o presidente deu outra canelada que pode custar caro ao país. Em visita a Pelotas, ele reclamou da derrota de Mauricio Macri nas prévias argentinas. Chegou a fazer terrorismo com a provável vitória da oposição peronista. “Se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter sim, no Rio Grande do Sul, um novo estado de Roraima.

Assis Moreira: A imagem tóxica de Bolsonaro no exterior

- Valor Econômico

Capital de simpatia que o país tem se esvai no exterior

A professora brasileira-suíça Deila Wenger costuma se deslocar de São Paulo para Berna, a capital da Suíça, durante o verão europeu (de meados de junho a começo de setembro) para dar aulas de português intensivo numa escola de línguas local. Os alunos, em sua grande maioria, normalmente têm planos de visitar o Brasil. Mas a rotina de mais de 20 anos foi interrompida neste ano por algo inédito: não apareceu um só aluno interessado em aprender português.

Em conversa com ex-alunos e amigos suíços, a conclusão da professora é de que suíços, e europeus em geral, procuram evitar o Brasil, no rastro de repetidas declarações tóxicas de Jair Bolsonaro sobre ambiente, indígenas, Amazônia, trabalho infantil, tortura etc.

O que a professora vivencia na capital da Suíça é uma pequena ilustração do que está acontecendo na cena internacional. A imagem do Brasil começou a se degradar aceleradamente com a campanha da oposição a partir do impeachment de Dilma Rousseff. E chegou, agora, a níveis baixos jamais vistos, com Bolsonaro no poder. O capital de simpatia que o país tem se esvai no exterior, misturado a declarações ou decisões toscas de Bolsonaro. A percepção internacional é alimentada por conclusões como a da revista "The Economist", de que Bolsonaro é possivelmente o chefe de Estado mais perigoso no mundo para a área ambiental, com posições que podem, direta ou indiretamente, encorajar um grande desmatamento da Amazônia.

O presidente do Brasil é hoje, na prática, o maior aliado dos grupos que militam contra acordos comerciais com o Mercosul, e isso especialmente envolvendo a questão ambiental.

A resistência de diferentes setores na União Europeia contra o acordo UE-Mercosul tende a se repetir em outras negociações comerciais do bloco do cone sul. Por exemplo, no acordo próximo entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (conhecida pela sigla inglesa Efta, formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, países pequenos, mas com poder aquisitivo entre os maiores do mundo).

A barganha para a conclusão da negociação Mercosul-Efta será entre maior proteção para medicamentos, cobrada pelos laboratórios suíços, e mais abertura para produtos agrícolas do bloco do cone sul. Mas o que deverá atrair a atenção da população suíça, quando o acordo tiver de ser aprovado no Parlamento, será a proteção da Amazônia e padrões sanitários e fitossanitários no Brasil. A UE já conseguiu com o Mercosul o que não tinha obtido em outros acordos: o principio de precaução, pelo qual pode barrar importações de alimentos mesmo sem uma séria justificação científica. Não será surpresa se os países da Efta pedirem a mesma flexibilidade.

Andrea Jubé: A roupa que não nos serve mais

- Valor Econômico

STF julgará admissão de candidatos avulsos

A votação da reforma da Previdência jogou luz sobre a crise existencial dos partidos políticos. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 33 legendas que disputam uma fatia do fundo partidário de R$ 810 milhões. Desse total, 30 deles elegeram representantes para a Câmara, mas apenas 21 alcançaram a cláusula de desempenho, e com isso, têm acesso ao Fundo Partidário e ao Fundo Eleitoral.

Num modelo aparentemente sobrecarregado, em que a ideologia vigente alterna direta, esquerda, extremos e o "Centrão", e os eleitores tendem a votar em pessoas, não em partidos, os versos de Belchior induzem à pergunta: os partidos estão para a democracia como a roupa que não nos serve mais?

"Os partidos envelheceram, precisam se oxigenar", conclui o deputado Luiz Flávio Gomes (SP), parlamentar de primeiro mandato que no primeiro turno votou a favor da reforma da Previdência, contrariando a orientação do PSB. No segundo turno, ele mudou o voto, mas não por pressão do partido, e sim por discordar da isenção sobre as exportações que rendeu R$ 84 bilhões ao agronegócio.

No segundo turno, 36 deputados contrariaram suas legendas votando favoravelmente às novas regras da aposentadoria, indiferentes ao fechamento de questão. No PSB, 11 infiéis respondem a processos no conselho de ética, que podem culminar na expulsão da sigla.

Incomodado com o que considera "radicalismo" partidário, Luiz Flávio diz que se for expulso, quer ficar independente. O deputado Alexandre Frota (SP), ameaçado de expulsão do PSL pela língua afiada contra o presidente Jair Bolsonaro, também cogita não se filiar a outra legenda se a ameaça se consumar. O senador Reguffe (DF) está há três anos e meio sem partido desde que rompeu com o PDT quando a sigla apoiou o governo Dilma Rousseff.

Maria Clara R. M. do Prado: Argentina, de crise em crise

- Valor Econômico

Forças de oposição que não conseguem romper com o "legado" do populismo. Parece ter sido o caso de Macri

Um amigo argentino, legítimo portenho, costumava dizer que os problemas econômicos e sociais do país começaram quando Juan Domingo Perón subiu ao poder pela primeira vez, em 1946. Desde então, o peronismo - caracterizado por um arraigado populismo nacionalista - criou raízes profundas no sistema político do país e mantém-se, 73 anos depois, como uma expressiva força sustentada pelo engajamento, não raro beligerante, de inúmeros sindicatos e organizações civis. Pode-se dizer que os argentinos não têm apenas boa memória, mas persistem em transformar o presente no passado.

Contudo, também pode ser dito que a perpetuação do peronismo ao longo da história tem sido muitas vezes facilitada pelo comportamento das forças de oposição que não conseguem romper com o "legado" do populismo. Parece ter sido o caso de Mauricio Macri. Nas eleições primárias realizadas no domingo ele colheu os frutos de uma administração marcada pelo comportamento dúbio. Liberal por convicção e formação, Macri recorreu às mesmas práticas populistas do peronismo e acabou por criar confusão na cabeça de seus eleitores.

O congelamento de preços e tarifas - abrangendo produtos de alimentação básica, tarifas de gás, energia elétrica e de transporte público, entre outros tipos de "benesses" populares -, instituído em abril deste ano para durar por seis meses (até as eleições) descaracterizou o governo, que não conseguiu tirar votos do peronismo e, ainda, pode ter perdido apoio de parte do eleitorado de tendência mais conservadora.

O expediente de utilizar o controle de preços para segurar a inflação é comum na Argentina. Foi usado à larga no último governo de Cristina Kirchner. Os subsídios distribuídos às classes de renda mais baixa aprofundaram o desequilíbrio dos preços relativos da economia e obrigaram Macri a recorrer à ajuda do FMI no rastro da crise cambial de março do ano passado, quando o país perdeu US$ 8 bilhões de reservas internacionais em pouco tempo.

A deterioração chegou a tal ponto, que não havia alternativa: era o FMI ou o "default" dos compromissos externos do país. No caso da Argentina, as dificuldades econômicas costumam ser mais agravadas pela preferência da população em manter suas economias em dólar, desde o mais remediado dos cidadãos até altos executivos da classe média. Qualquer movimento de desvalorização do peso acende logo o sinal de que a taxa de câmbio pode piorar e isso desencadeia uma "corrida" à compra da divisa estrangeira, facilmente adquirida em qualquer esquina das maiores cidades do país. O comportamento gera um ciclo vicioso e coloca o governo contra a parede não apenas no campo econômico, mas também na esfera política.

Ricardo Noblat: Por que não te calas, capitão!

- Blog do Noblat / Veja

A erupção dos instintos mais primitivos
Se não for pedir demais, roga-se a algum membro sensato do governo, dotado de razoável inteligência e com acesso ao capitão Bolsonaro que explique a ele o risco que corre o Brasil com suas intempestivas declarações a respeito de tudo e de qualquer coisa.

Que o faça, é claro, com cuidado, bons modos e didatismo. Se for o caso, em ambiente no qual ele se sinta seguro e acolhido – de preferência na presença da mulher ou de algum dos filhos. E sem medo de alguma explosão de cólera que venha a provocar.

Pois é admissível que o modo de ser do capitão funcione aqui dentro a seu favor, haja vista que se elegeu com folga e governa apesar da quantidade de absurdos já ditos ou justamente por dizê-los. Mas, lá fora, o estrago tem sido grande e poderá piorar.

Está bem que por ignorância e falta de assessoria à época ele tenha imaginado que ajudaria Maurício Macri a se reeleger indo à Argentina recomendar o voto nele. Lula e Dilma não se meteram em tantas eleições alheias? Por que ele não poderia copiá-los?

Mas uma vez que os argentinos votaram em eleições primárias e disseram um rotundo “não” a Macri, Bolsonaro reagir, como o fez, com a ameaça de rever o acordo do Mercosul, soará no país amigo como mais uma intromissão em assunto que não lhe compete.

E o que dizer da afirmação de Bolsonaro de que a provável eleição do candidato apoiado pela ex-presidente Cristina Kirchner resultará numa fuga em massa de argentinos para o interior do Rio Grande do Sul como aconteceu com venezuelanos em Roraima?

O capitão foi deselegante com o presidente francês e a primeira-ministra alemã Ângela Merkel ao sugerir que não tivera o menor prazer em encontrá-los no Japão durante a reunião dos chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo, em janeiro.

O francês e a alemã são figuras chaves para que a comunidade dos países europeus firme um acordo econômico com o Mercosul que se arrasta há 20 anos. O capitão parece pouco ligar para a preocupação deles com a preservação do meio ambiente.

Colheu o que plantou: a Alemanha congelou parte do dinheiro que manda para projetos de defesa da Amazônia. A Noruega, outra doadora de dinheiro com igual finalidade, deverá proceder em breve da mesma maneira. E quem perderá com isso?

Bolsonaro reagiu ao estilo bronco de um capitão, atento acima de tudo aos humores dos seus devotos broncos: querem comprar a Amazônia a prestações, mas ela é nossa. E não precisamos de dinheiro dos outros. (Alô, alô! Como não precisamos cara pálida?)

O mais grave é que como o capitão pensam os generais de pijama que o cercam, batem continência e se contentam em garantir seus empregos, além de generais fardados. O capitão melhor do que ninguém desperta os instintos mais rudes e primitivos da tropa.

Explique-se, Moro!

O que pensa a mídia: Editoriais

Entre a recessão e o quase nada: Editorial / O Estado de S. Paulo

O Brasil saberá no fim do mês se houve recessão, estagnação ou crescimento pífio nos primeiros seis meses do governo Bolsonaro, mas um ponto está fora de dúvida: foi um período muito ruim para a economia, com indústria emperrada, consumo travado e péssimas condições no mercado de emprego. 

A hipótese de recessão foi reforçada pelo Banco Central (BC), com a nova divulgação, ontem, de seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br). O indicador subiu 0,30% de maio para junho, mas fechou o segundo trimestre com queda de 0,13% em relação ao primeiro. Retração econômica em dois trimestres consecutivos caracteriza a chamada recessão técnica. O mercado usa o IBC-Br, publicado mensalmente, como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). De janeiro a março, o PIB encolheu 0,2% em relação aos três meses finais de 2018. Falta conferir se essa nova prévia com sinal negativo será confirmada.

A resposta deverá surgir no dia 29, data prevista para divulgação do PIB pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelos dados setoriais conhecidos até agora, a indústria produziu entre abril e junho 0,7% menos que nos três meses anteriores, completando três trimestres consecutivos de queda. Se o balanço geral da economia refletir principalmente o fraquíssimo desempenho da indústria, a recessão na primeira metade do ano estará confirmada oficialmente.

Nesse caso, o País terá perdido completamente, ou quase, a modesta recuperação iniciada em 2017, depois de dois anos de retração econômica. Mas a distância entre a pior hipótese e a melhor é muito pequena, segundo as indicações acumuladas: será a diferença entre um pequeno recuo e um avanço quase desprezível.

Economistas do setor financeiro e das principais consultorias apontam uma provável melhora dos negócios a partir do terceiro trimestre, mas sem exibição de entusiasmo. O PIB crescerá 0,81% neste ano, segundo a mediana das projeções captadas na pesquisa Focus, consulta realizada semanalmente pelo BC. Para 2020, a mesma projeção indica um crescimento de 2,10%.

Esse número foi mantido nas últimas quatro semanas. Não se esperam, portanto, grandes melhoras a partir da liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Nem mesmo o esperado aumento de confiança, depois da aprovação da reforma da Previdência, parece afetar as projeções. Nesta altura, o aumento da produção industrial estimado para este ano está limitado a 0,19%. Quatro semanas antes a projeção, já em declínio, estava em 0,65%.

Se os fatos confirmarem essas expectativas, as condições de emprego deverão permanecer tenebrosas por um longo tempo. Se o impulso ao consumo for tão limitado quanto esses números sugerem, a criação de vagas, se ocorrer, continuará muito lenta no comércio interno e na indústria. A escassez de contratações terá como resultado a persistência de más condições de consumo de bens e de serviços e de fraco estímulo à produção. Não se nota, nas estimativas correntes, a esperança de quebra do ciclo de realimentação da crise.

Empresários, principalmente aqueles mais engajados no apoio ao presidente Bolsonaro, continuam declarando otimismo quanto à evolução da economia, a partir da reforma da Previdência e do encaminhamento da reforma tributária. Mas a prática da formação de estoques, das contratações e do investimento produtivo continua longe dessa retórica.

Mas nem tudo foi ruim no cenário recém-divulgado pelo BC. O IBC-Br de junho, com aumento de 0,30% sobre o nível de maio, trouxe algo positivo para quem se dispõe a olhar sempre o lado menos sombrio dos fatos. A variação foi superior à mediana das estimativas coletadas pelo Broadcast (0,10%), serviço de informações online da Agência Estado. Além disso, a queda trimestral, 0,13%, foi menor que a mediana das projeções (-0,40%). Também houve crescimento de 1,08% em 12 meses. Não foi completo o desabamento.

Mas nenhum dado – digamos – positivo justifica melhores expectativas para 2019 e 2020. Nem mesmo a declaração do presidente Bolsonaro contra radares móveis.

Pêndulo argentino: Editorial / Folha de S. Paulo

Oposição vence prévias e eleva incerteza; Bolsonaro não deveria intrometer-se

Poesia / Manuel Bandeira: Quando estás vestida

Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite