sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Opinião do dia || Brasilio Sallum Jr.*

As iniciativas apontadas esboçam de modo cada vez mais nítido um novo regime político, ainda que sob a teia de disputas políticas, de polarizações desmedidas e de invasões de competência entre os Poderes. Em relação ao de 1988, o novo regime tende a ser menos dependente de interesses privados específicos, a ter um Legislativo mais autônomo, um Executivo menos poderoso e um STF com decisões menos contestáveis. Que esse esboço se materialize.

*Titular de sociologia da USP, é professor visitante da UNIFESP. ‘Em meio à crise nasce um novo regime’, O Estado de S. Paulo, 22/8/2019

Fernando Gabeira* || O desmonte em família

- O Estado de S.Paulo

Por senti-la ameaçada é que Bolsonaro decidiu intervir no Coaf, na Receita e na PF

No início do processo de redemocratização, campanha das diretas, vi num mesmo palanque em Caruaru dois candidatos que se dispunham a combater a corrupção: Collor, caçador de marajás, e Lula, que traria ética para a política. Ambos perderam a batalha.

Não posso dizer que Bolsonaro vá pelo mesmo caminho, pois cada um tem um roteiro próprio para contradizer o seu discurso. O dele tem um caráter doméstico. Ele decidiu intervir no Coaf, na Receita Federal e na Polícia Federal (PF) porque sentiu ameaças à sua família.

Ele próprio revelou que o Fisco fez uma devassa nas finanças de seu irmão, candidato a prefeito em Miracatu, no Vale do Ribeira. Sua campanha presidencial foi investigada.

Flávio, filho de Bolsonaro, estava sendo investigado a partir de dados do Coaf. Toffoli suspendeu as investigações. O presidente aprovou.

E agora quer mudar três nomes da Receita no Rio e um delegado da PF. A Receita é apenas uma das pernas do esquema de combate à corrupção que funcionou na Lava Jato. Talvez seja a mais vulnerável. Tentei explicar isso a um fiscal, que, por sua vez, descrevia os mecanismos automatizados e anônimos que indicam a necessidade de investigar o contribuinte.

Não há grande lastro popular no apoio à Receita. De modo geral, as pessoas a temem, ou talvez a rejeitem inconscientemente. A Inconfidência Mineira e as lutas contra as taxações coloniais podem ter contribuído para isso. Nem todos se distanciam para vê-la em suas funções mais amplas, importantes para toda a sociedade.

A interferência no Porto de Itaguaí, por exemplo, interrompe um trabalho que dificultava a ação da milícia que domina a área. Pelo porto saem drogas e entram armas.

Eliane Cantanhêde || O Brasil em chamas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e queimadas atraíram o mundo a favor da Amazônia e contra o Brasil

Os incêndios na Amazônia e o incendiário Jair Bolsonaro conseguiram atrair a ira do mundo para o Brasil. O desmatamento e as queimadas, que evoluem juntos e extrapolam a Amazônia, atingem vários Estados, saem da área rural, afetam cidades e se transformam numa crise internacional.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, se disse “profundamente preocupado”. O presidente da França, Emmanuel Macron, quer convocar o G-7, que reúne as maiores economias do mundo, para reagir. E astros como Gisele Bündchen e Leonardo DiCaprio potencializam a repercussão. O Brasil está isolado.

Enquanto isso... o presidente Bolsonaro, seus ministros e principais colaboradores resumem as árvores derrubadas, as labaredas nas florestas, a fumaça que intoxica e as reações pelo mundo afora como uma mera, mesquinha, questão política e ideológica.

Não se ouviu uma única frase, uma única palavra do presidente lamentando a devastação, tomando providências, agindo para resolver o aumento do desmatamento e as queimadas que assolam uma área imensa do País. Tudo o que ele fez, até agora, foi desqualificar a medição das áreas desmatadas, demitir o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, e tentar adivinhar quem são os culpados: as ONGs!

Rogério L. Furquim Werneck* || Desatino ambiental

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Mundo afora, os lobbies do protecionismo agrícola festejam a insensatez do Brasil

Constrangido e perplexo, o País vem acompanhando as agressões gratuitas do governo a autoridades ambientais da Noruega, da Alemanha e da França, agravadas por declarações sarcásticas e desairosas do presidente sobre a chanceler Angela Merkel.

O acesso de irritação adveio de uma confrontação perfeitamente evitável. Tendo desdenhado a resistência dos governos da Noruega e da Alemanha a mudanças na gestão do Fundo Amazônia, bancado pelos dois países, o ministro do Meio Ambiente forçou uma situação que redundou na suspensão de aportes ao fundo.

Em vez de um recuo conciliador, o que se viu foi uma escalada de radicalização, exacerbada por deprimente interação da insensatez do ministro Ricardo Salles com o primitivismo do presidente. Em audiência na Câmara, em 7/8, o ministro tentou desqualificar a posição da Noruega com o argumento pueril de que, por caçar baleias e explorar petróleo no Ártico, o país também teria um passivo ambiental.

Poucos dias depois, o argumento apareceu na boca de Bolsonaro: “A Noruega não é aquela que mata baleia no Polo Norte? Explora petróleo também lá? Não tem nada a dar exemplo para nós. Pega a grana e ajude a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha” (Valor, 16/8).

Quando Ricardo Salles foi nomeado ministro, não faltou quem o visse como indicado pelo agronegócio. Se, de fato, chegou a indicar o ministro, o setor tem boas razões para estar profundamente arrependido. Acumulam-se evidências de grande apreensão no agronegócio brasileiro com a rápida deterioração da sua imagem no exterior. A luz amarela já deu lugar à vermelha. Representantes importantes do setor vêm advertindo que o governo precisa entender que a agenda ambiental é parte crucial do negócio.

Gilles Lapouge* || G-7 debate desigualdade

- O Estado de S.Paulo

Essa luta contra as desigualdades é conduzida em Biarritz por sete países que representam 10% da população mundial, mas produzem 40% do PIB do globo

O encontro do G-7 será realizado entre amanhã e segunda-feira em Biarritz. Antes era o G-8 (as oito maiores nações democráticas), mas depois que Putin invadiu a Crimeia, em março de 2014, os ocidentais expulsaram a Rússia desse encontro anual.


Alguns, como o presidente francês, Emmanuel Macron, acreditam que a penitência imposta a Putin já durou muito, pois a Rússia ainda é um dos grandes atores políticos e econômicos do mundo.

Na manhã de quarta-feira, as notícias davam conta de que Trump também deseja o retorno de Putin. Mas no caso de Trump as coisas nunca são certas.

Talvez ele manifeste esse desejo só para “irritar” aquele que ainda é seu pesadelo, o ex-presidente Barack Obama, que está na origem da expulsão da Rússia do G-8.

Luiz Carlos Azedo || Amazônia em chamas

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A forma como Bolsonaro trata a questão ambiental e o problema da Amazônia é desastrosa e típica de quem não mede as consequências de suas ações”

As queimadas na Amazônia ganharam a dimensão de “crise internacional”, principalmente por causa dos vídeos de incêndios florestais que circulam nas redes sociais e das imagens de satélites distribuídas pela Nasa sobre a degradação da floresta. Ontem, o presidente da França, Emmanuel Macron, pautou o assunto na reunião do G7, os sete países mais ricos do mundo. Os líderes de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido se encontrarão no sábado, em Biarritz. “Nossa casa queima. Literalmente. A Amazônia, o pulmão de nosso planeta, que produz 20% de nosso oxigênio, arde em chamas. É uma crise internacional”, escreveu o líder francês.

As atitudes e declarações de Bolsonaro sobre o desmatamento, a cooperação internacional para preservar a Amazônia e a política desastrada do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, levaram o país a uma posição de isolamento internacional, agravada por circunstâncias específicas, como o cancelamento de uma audiência de Bolsonaro (para ir ao barbeiro) com o chanceler francês Jean-Yves Le Drian. A gravidade da crise decorre também do fato de que a maior fronteira da França é com o Brasil, por causa da Guiana, ou seja, uma parte da região amazônica é francesa.

A forma como Bolsonaro trata a questão ambiental e o problema da Amazônia é desastrosa e típica de quem não mede as consequências de suas ações. Além de uma tremenda subestimação da importância da agenda ambiental para o mundo. Essa é a explicação, por exemplo, para o fato de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao sair do Acordo do Clima, ficou completamente isolado. Macron é o principal defensor do Acordo de Paris.

É certa também uma reação dos países vizinhos, como o Peru, que ontem manifestou preocupação com os incêndios nas proximidades de sua fronteira com o Brasil. O presidente da Bolívia, Evo Morales, também está preocupado. Contratou uma aeronave-tanque do tipo Boeing 747, chamado Super Tanker, para combater focos de incêndio na região boliviana da floresta amazônica. O avião, que tem capacidade para transportar até 115 mil litros, entrou em operação ontem.

Enquanto isso, o governo brasileiro parece uma barata tonta com que está acontecendo. O desmantelamento da política ambiental e a desestruturação dos órgãos responsáveis pelo combate ao desmatamento e controle de queimadas agravaram tremendamente a situação. Ainda mais depois do corte das verbas destinadas pela Alemanha e pela Noruega ao Fundo da Amazônia, que financiava os investimentos dos estados da Amazônia em máquinas e equipamentos para esse trabalho.

Merval Pereira || Chuva negra

- O Globo

A crise ambiental em que o país está metido pode ser letal para o agronegócio, que já entendeu isso

Estamos em Los Angeles em novembro de 2019. A poluição é tão forte que a luz do sol, que quase não aparece durante o dia, é sombria. Antecipando em três meses as previsões de Ridley Scott, o dia virou noite na segunda passada em São Paulo. Tal qual a Los Angeles de “Blade Runner”, ou Tóquio de “Chuva negra”, obras primas do diretor Ridley Scott, a poluição e as queimadas na Amazônia provocaram uma chuva literalmente negra, e não metafórica como no cinema.

A atmosfera ameaçadora de “Blade Runner” anunciava um futuro dominado pela chuva ácida, causada pela presença de gases ricos em enxofre e azoto na atmosfera. A queima de combustíveis fósseis é um agravante. A chuva e a fumaça que dominam a atmosfera do filme ainda não são permanentes nas grandes cidades, mas fenômenos como o que aconteceu em São Paulo são vistos em diversos locais do mundo, como em Pequim, na China, cuja atmosfera volta e meia é dominada pela poluição.

Um hábito chinês, mais pessoas a cada dia usam máscaras nas ruas, assim como em “Chuva negra”, os habitantes de Tóquio andam permanentemente de guarda-chuvas. As queimadas da Amazônia vêm alimentando protestos pelo mundo, e ontem a situação chegou a um ponto crítico quando o presidente francês Emannuel Macron pediu uma reunião dos países mais desenvolvidos do mundo, o G7, para tratar do que chamou uma “calamidade para Humanidade”.

Bernardo Mello Franco || O risco de virar um pária ambiental

- O Globo

Marina Silva critica Bolsonaro e pede o fim da “insanidade” na área ambiental. “Em apenas oito meses, este governo destruiu décadas de trabalho”, diz a ex-ministra

O Brasil está no caminho para voltar a ser visto como um pária ambiental. O alerta é de Marina Silva, que acusa o presidente Jair Bolsonaro de incentivar as queimadas e enfraquecer a proteção da Amazônia.

“O país fez um esforço hercúleo para reduzir o desmatamento, e agora estamos vendo tudo ser desmantelado. Em apenas oito meses, este governo destruiu décadas de trabalho”, diz a ex-ministra. “O Brasil tinha deixado de ser considerado um vilão e está voltando à condição de pária. É preciso dar um basta a essa insanidade”, afirma.

Para Marina, as declarações do presidente sobre os incêndios na floresta misturam “reacionarismo” e “má-fé”. Ele tem insinuado, sem provas, que ONGs ambientalistas estariam por trás das queimadas. “É um discurso totalmente fora do eixo. Bolsonaro tenta atribuir aos outros o que é de responsabilidade dele”, acusa a ex-ministra. “Foi o presidente quem nomeou um ministro antiambientalista. Ele concorda com essas políticas e ainda faz apologia delas”, reforça.

Ontem a Rede Sustentabilidade pediu o impeachment do ministro Ricardo Salles. O partido o acusa de cometer crime de responsabilidade ao fragilizar os órgãos de fiscalização. “O Brasil não tem condições mínimas de restaurar sua credibilidade com este ministro. A permanência dele vai aumentar prejuízos que são irreparáveis”, diz Marina.

Míriam Leitão || Terra em fogo, país em transe

- O Globo

Para o bem e para o mal o Brasil é grande no meio ambiente. Essa é a plataforma que lança o país como potência ou que destrói a reputação

Se o presidente Jair Bolsonaro quiser encher o país de mentiras sobre o desmatamento ele pode atingir seu objetivo que é confundir parte da opinião pública interna, mas isso não muda dois fatos. Primeiro, o Brasil está perdendo parte do nosso precioso patrimônio natural por culpa da sua administração e a perda é irreversível. Segundo, o mundo está vendo as imagens e está ouvindo as declarações do presidente que tem uma visão obsoleta sobre o meio ambiente e a organização da sociedade.

Bolsonaro pensa que se trocar os embaixadores vai conseguir mudar sua imagem no exterior. Impossível. O mundo de hoje é interconectado, as imagens se espalham instantaneamente, as declarações insanas que ele tem feito são reproduzidas pelos principais jornais e maiores televisões do mundo, os satélites mandam suas imagens para todos os centros de pesquisa. Bolsonaro trava a guerra contra a verdade com seu exército de perfis, muitos falsos, mas tudo o que conseguirá é falar para os seus seguidores, aumentar o conflito do país, criar barreiras aos nossos produtos, tornar o Brasil um país pária.

Na Amazônia se trava uma luta há muito tempo. O crime age em rede e a lei só vence quando também age em rede. Há um padrão. Os grileiros invadem áreas públicas e protegidas e tiram as árvores mais lucrativas, passam o correntão no resto e colocam fogo para depois, sobre as cinzas, consolidar o roubo da terra coletiva. No outro lado, os casos de sucesso acontecem quando o estado une suas forças, conecta-se com entidades científicas, a sociedade organizada, e combate o crime.

O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) explicou em nota técnica as características dos incêndios este ano. Quando se compara 2019 com a média dos três anos anteriores, há menos dias secos, mas mais focos de incêndio atualmente. “A ocorrência de incêndios em maior número, neste ano de estiagem mais suave, indica que o desmatamento é um fator de impulsionamento às chamas.” Essa hipótese foi testada pelo instituto e a prova é que “os dez municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndio foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”.

Ruth de Aquino || Banana, não. Ele virou um abacaxi

- O Globo

À mesa com Jair. Busco receitas tropicais de bananas sem agrotóxico. Difícil. E as frutinhas do Planalto estão todas queimadas

Que fruta deveria ser Bolsonaro? Um bom presidente da República deveria fazer bem à saúde do Brasil. Saúde interna e externa. Claro que um presidente tem de interferir. Ora essa. Bolsonaro não é um banana. Seria uma comparação injusta com a fruta. Bananas têm polpa macia e doce. São versáteis. Baixam a pressão arterial, ajudam a combater o estresse, a depressão e a diarreia intestinal, não verbal. Não, Bolsonaro nada tem a ver com bananas verdes e amarelas. Chegou a parecer banana-nanica num passado nem tão remoto. Pensa que virou ouro.

Afinal, Bolsonaro não foi eleito para mudar tudo o que está aí? Prometia melhorar os órgãos e a imagem do Poder. Com equilíbrio emocional e mental, sem viés, o país atrairia parceiros, “noivos e noivas”, sem dar a entender que quer mandar em deus e o mundo. A qualquer rusga ou suspeita de traição, não pegaria a arma sob o travesseiro para abater o cônjuge. Ou melhor, o “conge”, no novo dicionário amoroso do Planalto, grande contribuição de Sergio Moro, hoje frutinha escondida na salada de ministros, que disfarçam ou emudecem para não apodrecer na geladeira.

Este é um artigo dedicado à nutrição, como você pode ver. À mesa com Jair. Busco receitas tropicais de bananas sem agrotóxico. Tá difícil. Pode ser um purê de banana-da-terra. Ih, terra, não, porque está queimando por crime das ONGs e dos nortistas coniventes. Banana queimada tem sabor horrível. Esse texto é sobre frutas, nada de carne vermelha. O fritador de hambúrguer quase foi cortado do “Master chef” do Planalto nesta semana. Mas Eduardo peitou a insegurança do pai. Insiste em voltar para os EUA pela porta da frente e armado, porque “não existe diplomacia sem armas”.

José de Souza Martins* || O futuro sem poesia

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Estamos vendo mudanças na concepção de economia e nas leis que definem o trabalho desencarnado: Máquinas que funcionam sozinhas para produzir o pão que não terá quem o coma

Karl Marx, que atormenta os poderosos que não o leram ou os que, simplesmente a culpa social os faz odiá-lo, foi poeta. Um vitoriano, de culta família israelita, convertida ao protestantismo, batizado na Igreja Luterana. Em face dos poemas de qualidade aquém do poético, seu pai sugeriu-lhe que desistisse dos versos.

Tornou-se, porém, um dos fundadores da ciência social, a da corrente poética da utopia. Desenvolveu um método científico. Descobriu e expôs que o movimento da sociedade contemporânea se caracteriza pela contradição de se tornar cada vez mais rica e mais pobre. É crescentemente calculista e antipoética e, ao mesmo tempo, cada vez mais carente de poesia.

Descobriu e explicou que o afã do ganho sem limite tem uma fragilidade: a mercantilização da vida não consegue subjugar a poesia na lógica perversa, irracional, alienante do mercado e do consumismo. Toda poesia vivencial é resistência e rebelião.

Um dos aspectos fascinantes dessa ciência singular é o da redescoberta da poesia nos nichos da opressão, da pobreza de espírito e da alienação que nos obrigam a mentir para nós mesmos para que a sociedade se reproduza. A poesia abrigada no campo do possível e no desafio político de libertá-la. A poesia dos pequenos poemas, como o de Giuseppe Ungaretti, que foi professor de literatura italiana na USP: "A imensidão me ilumina", traduzo livremente. Ou o primeiro poema espacial, o do russo Yuri Gagarin: "A terra é azul!".

Em seu livro "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte", fez Marx esta menção utópica à poesia: "A revolução social do século XIX não pode tomar sua poesia do passado, mas apenas do futuro". Não pode haver poesia em sociedades de carências e de degradação humana. É o ocultado possível que desafia os humanos a transformá-las.

César Felício || A grande família

- Valor Econômico

Presidente paga o preço que for em nome do clã

O tiro na cara da Polícia Federal que foi disparado pelo presidente Jair Bolsonaro torna nítida uma tendência importante. A de que parte dele a iniciativa de neutralizar o ministro Sergio Moro. O ex-magistrado pode até continuar no governo, como uma sombra do que já foi, um retrato na parede, mas este não é um cenário provável. Em São Paulo, já há pessoas ligadas ao presidente que se apresentam como prováveis sucessores do atual titular da Justiça.

O ministro enfrenta uma coalizão que envolve os Três Poderes. E que se consubstancia na retirada do Coaf de suas mãos, na paralisação de investigações por ordem judicial, no retardo e desfiguração de projetos encaminhados ao Congresso. A Lava-Jato e tudo que ela simboliza desestabilizou o sistema político, que há anos procura fórmula para dar o troco. Para quem não havia lido os sinais, o presidente veio a público dar uma ajuda, ao justificar a interferência na PF: "Se eu trocar o diretor-geral hoje, qual o problema?." O presidente ressalvou que não pretende trocar o delegado Maurício Valeixo, mas o recado está dado sobre quem manda.

Um sinal definitivo poderá ser dado na próxima semana. Bolsonaro irá decidir se veta integralmente o projeto de lei sobre abuso de autoridade, se o sanciona ou, o que é mais provável, se faz vetos pontuais. Manifestações de rua convocadas para este fim de semana podem influenciar a decisão. Ou Moro sai morto desta contenda, ou ganha uma sobrevida precária. Se morrer, estreita a base do bolsonarismo, já que há uma franja da opinião pública que está com o presidente porque ele trouxe para o seu projeto um ícone da luta contra a corrupção.

Claudia Safatle || Governo quer versão 4.0 do BNDES dos anos 90

- Valor Econômico

BNDESPar será preservado para reciclar crédito ruim

Com R$ 400 bilhões em ativos, R$ 160 bilhões em caixa e apenas R$ 25 bilhões em desembolsos no primeiro semestre, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai se adaptando aos novos tempos. "O que estamos fazendo é a versão 4.0 do que o banco era nos anos de 1990", definiu o presidente da instituição, Gustavo Montezano, ao Valor.

Ele tem uma missão que considera, porém, o seu maior desafio, que é abrir a comunicação do BNDES com a sociedade. Para Montezano, expor a "caixa-preta" é basicamente abrir as informações do banco. "Onde o BNDES mais tem que se desenvolver é na comunicação", apontou. "Por que ele não divulgou as informações [sobre os contratos feitos no governo do PT]? Por que ficou esperando que viesse um jornalista ou um político perguntar?", indagou.

O BNDES tem que ser o protagonista das informações sobre o que sucede ali, disse o novo presidente da instituição. Como um banco de serviços, ele será o banco de investimento do Estado, que requer credibilidade e boa reputação. Ele precisa estar próximo dos seus clientes e tem que circular pelos vários mercados, descreveu. "O BNDES era assim nos anos de 1990", sublinhou.

A migração de uma instituição provedora de crédito para um banco de serviços é tarefa mais simples e está em rápido curso. Dificilmente o BNDES conseguirá desembolsar neste ano os R$ 70 bilhões orçados. Os financiamentos devem ficar mais perto de R$ 60 bilhões.

Bruno Boghossian || Palanque amazônico

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro ganha combustível e aposta no nacionalismo para mascarar negligência

Depois de instalar uma política de negligência no meio ambiente, Jair Bolsonaro redobrou a aposta no discurso da soberania nacional. A denúncia de interesses estrangeiros sobre a Amazônia carrega uma dose de lógica, mas serve principalmente para mascarar o desmonte dos órgãos de fiscalização e uma retórica que estimula o desmatamento.

A pressão internacional sobre o Brasil se alastrou com velocidade proporcional às provocações de Bolsonaro. Quando o país perdeu os milhões do Fundo Amazônia, ele deu de ombros e mandou Angela Merkel pegar o dinheiro para reflorestar a Alemanha. "Lá está precisando muito mais do que aqui", disse.

O presidente gostou de bancar o valentão. Depois, criticou também a Noruega e reforçou suas acusações contra ONGs que atuam na região.

Disposto a explorar a ameaça estrangeira, Bolsonaro ganhou um presente nesta quinta-feira (22). O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que as queimadas na Amazônia eram uma "crise internacional" e convocou uma discussão de emergência sobre o assunto no G7, grupo de países desenvolvidos.

Vinicius Torres Freire || Nossa casa está queimando

- Folha de S. Paulo

Fatos já não importam no debate da Amazônia; Brasil se torna um pária mundial

Fatos já não adiantam mais. Quer-se ouvir a voz de Jair Bolsonaro, os que odeiam e os que amam. Já pouco importa saber as causas e os motivos dos incêndios e dos desmatamentos horrendos de meados deste ano na Amazônia. Antes mesmo de incendiar a floresta, o presidente já queimou o filme do Brasil, dado o comportamento demente de seu governo de extrema-direita. Ao longo desta semana, Bolsonaro se tornou um sucesso mundial de falta de estima, de desprezo ou de raiva.

Em poucos meses, em especial nas últimas semanas derrubou duas décadas de melhorias na imagem internacional do Brasil no que diz respeito ao ambiente.

Era um progresso baseado em fatos como diminuição do ritmo de desmatamento, leis de proteção, adesão de parte das empresas rurais às razões ambientais, políticas socioeconômicas e diplomacia inteligente. Há decerto promessa de devastação de todos esses avanços. O desmatamento da razão e das instituições já começava, assim como há incentivo ao espírito de destruição desde a campanha eleitoral.

Mas Bolsonaro adiantou-se à ruína que alardeia ou prega, com suas palavras de profeta do apocalipse da razão.

Líderes políticos europeus, de organizações internacionais, de ONGs com grande sucesso de público e tuítes em massa, pelo mundo inteiro espalhavam o slogan “nossa casa está queimando”. Nossa casa, o planeta, a Amazônia. Desde gente e instituições sérias até pessoas ingênuas ou desinformadas que se ocupam da floresta como uma espécie de panda vegetal atacavam o autodenominado Nero das matas.

Reinaldo Azevedo: Fim do caso hétero Bolsonaro-Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Quando Moro foi alçado ao Ministério da Justiça, a equação parecia se fechar

Duas concepções de Estado policial que viveram um enlace amoroso que se pretendia duradouro estão em choque: a da Lava Jato e a do presidente Jair Bolsonaro. O amor acabou. E há o risco de rompimento litigioso. Não é surpresa para quem vê a política além dos movimentos de superfície. Fazê-lo é uma obrigação do analista. O cronista pode se contentar com os folguedos do dia.

No Coaf, agora rebatizado de UIF, na Receita, na PF, no MPF e até na Justiça havia e há quem advogue a prerrogativa, ao arrepio de qualquer ordenamento legal, de escarafunchar a vida de qualquer um em nome do combate à corrupção.

Nesse caso, é claro que não se agride a lei sem um propósito. Como evidenciam diálogos revelados pelo The Intercept Brasil e pela Folha, o comando da Lava Jato apelava a um braço que tinha na Receita para, por exemplo, tentar encontrar ilícitos de ministros do Supremo.

Não era zelo de justiça. O que se pretendia era eliminar do tribunal dois ministros —Dias Toffoli e Gilmar Mendes— considerados adversários da força-tarefa. Ou de seus desmandos, para ser exato.

O que os diálogos demonstram à farta é que a Lava Jato selecionava alvos e até setores da economia exibindo a, deixem-me ver, soberana tranquilidade com que Deus criou o mundo. Ou decidiu destruí-lo quando lhe deu na veneta divinal, descontente com as lambanças da tigrada que havia dado à luz.

Não tardou para que os valentes da Lava Jato vissem no então candidato Bolsonaro "o homem certo no lugar certo". Análise política é um trabalho que se faz em parceria com o interlocutor —neste caso, o leitor. Por isso, permito-me reproduzir trecho de uma coluna de 8 de junho do ano passado, intitulada "Bolsonaro é o nome da Lava Jato". Prestem atenção.

Hélio Schwartsman || Festejando tragédias

- Folha de S. Paulo

Aceitar a morte do sequestrador no Rio como inevitável é diferente de celebrá-la

Quem faz reféns corre o risco de levar legitimamente uma bala na cabeça. Tanto o consequencialismo como a deontologia moderada tendem a considerar permissível ou até obrigatória a ação do policial que mata o criminoso que ameaçava a vida de inocentes. Uma coisa, porém, é aceitar a morte do sequestrador Willian Augusto da Silva como um revés inevitável e outra é celebrá-la, como fizeram policiais, Wilson Witzel e Jair Bolsonaro.

Eu até compreendo a comemoração dos policiais. É verossímil, afinal, que eles tenham festejado não exatamente a morte do sequestrador, mas o sucesso da operação, que, a crer nas informações prestadas pelas autoridades, foi mesmo exemplar, tendo seguido todos os protocolos, incluindo a avaliação, por psicólogos, de que Silva estava em surto psicótico e representava perigo real.

E por que não podemos estender essa leitura mais benigna da celebração para Witzel e Bolsonaro? Em parte, podemos, mas declarações dadas pelas duas autoridades afastam a possibilidade de que tenha sido só isso. Bolsonaro, por exemplo, soltou um “não tem que ter pena”. Já Witzel há tempos insiste na tese de que franco-atiradores devem abater suspeitos mesmo que não estejam ameaçando a vida de ninguém.

Igor Gielow|| O custo da indecisão está no horizonte

- Folha de S. Paulo

Derrota em caso Aécio anima adversários de Doria, mas sinaliza ruptura no PSDB

Filiação de Frota deve ser nova batalha, mas governador ainda tem trunfos à mão

A acachapante derrota de João Doria na votação da Executiva Nacional do PSDB que decidiu manter o deputado Aécio Neves (MG) no partido está sendo comemorada pelos adversários do governador paulista como um golpe que irá moderar seu apetite por poder dentro da sigla.

Um dos organizadores do movimento que salvou Aécio afirma, sob reserva, que a toxicidade do mineiro já cobrou todo o preço que poderia no péssimo desempenho nacional do PSDB em 2018. Segundo esse raciocínio, impor limites a um cada vez mais poderoso Doria seria imperativo.

Pode ser, mas o histórico da dinâmica interpessoal entre o governador e integrantes das alas mais antigas do tucanato parece implicar outra coisa: um caminho de rompimento. A pergunta que se deve fazer agora é outra: estará o PSDB disposto a isolar seu único ativo eleitoral nacional?

Presidenciável de primeira hora para 2022, Doria tem comandado o governo paulista de forma obsessiva, com anúncios diários de programas e divulgação de estatísticas favoráveis. Virou líder “de facto” da bancada de governadores do partido, integrada por Eduardo Leite (RS) e Reinaldo Azambuja (MS).

Ao mesmo tempo, o tucano se digladia com a difícil missão de dissociar-se do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Como se sabe, mirando eleitorados semelhantes, Doria amparou-se no voto “BolsoDoria” para bater Márcio França (PSB) no difícil segundo turno do ano passado. Aquela camiseta amarela não desbotará facilmente.

Assim, o governador alterna apoio a políticas que considera corretas do presidente a críticas pontuais cada vez mais duras no tom. A dicotomia está sendo explorada pelos adversários de Doria, a velha guarda paulista do partido à frente, aliada a líderes regionais e aecistas no caso específico da reunião da Executiva na quarta (21).

Marcos Nobre* || A quem interessa esquecer Fabrício Queiroz?

- Revista Época

Quem ainda segura Bolsonaro é a maioria da população brasileira, e não as instituições políticas

Todo mundo sabe que Bolsonarotem um enorme telhado de vidro. E todo mundo sabe que esse telhado tem nome, Fabrício Queiroz . Só o que não se sabe é o paradeiro do telhado.

A pergunta que realmente importa é, então: por que nenhuma força política de oposição a Bolsonaro chama uma manifestação para exigir que Fabrício Queiroz apareça? É uma pergunta fácil de responder: porque interessa ao sistema político a manutenção de Bolsonaro nos exatos moldes em que ele se apresenta hoje.

O que é difícil é aceitar essa resposta. É triste e paradoxal, mas o fato é que o comportamento e a maneira de operar de Bolsonaro é hoje confortável e funcional para as forças políticas que não apoiam seu governo. Mesmo que, em público, todas essas forças digam exatamente o contrário.

Muita gente já percebeu que a história de que indivíduos e instituições iriam “amansar” ou “domar” Bolsonaro é conversa fiada. Por palavras e atos, Bolsonaro atenta contra a democracia dia sim outro também. Todos os candidatos a amansador e domador que se apresentaram desde o ano passado estão hoje na coleira da fera que deveriam controlar.

Paulo Guedes não só não amansou ninguém como ele mesmo tem de ser amansado agora. Por seus colegas de mercado financeiro, inclusive. Se implementar metade de seu programa de abertura econômica liberal, arrebenta de vez um país que já se encontra em estado de calamidade.

As instituições estão sem chão, funcionando de maneira disfuncional. O STF, paladino da contenção institucional de Bolsonaro, toma atitudes manifestamente contrárias às normas vigentes. Como é o caso da investigação sobre as “fake news”, apenas para citar um exemplo. E por aí vai.

E, no entanto, continuamos a ouvir essa ladainha das amarras institucionais dia sim e outro também. Que Bolsonaro uma hora vai entender que é presidente, o que significa a cadeira que ocupa etc. E é disso que vive Bolsonaro. Vive do apagão das instituições democráticas que vivemos.

O que o impede de consumar desde já seu projeto de destruição da democracia não são pessoas nem instituições. O que ainda segura Bolsonaro é o fato de que ele não conseguiu ainda ampliar o apoio que tem, limitado até o momento a cerca de um terço do eleitorado. Ou seja, quem ainda segura Bolsonaro é a maioria da população brasileira, e não instituições políticas ou indivíduos com capacidades especiais para lidar com bestas feras.

Dora Kramer || Aonde vai, valente?

- Revista Veja

Ex-presidentes tinham freios internos inexistentes no atual

Presidentes que ocuparam até o fim os seus mandatos, falando da redemocratização para cá, tinham como traço comum uma espécie de freio interno que os impedia de ultrapassar (em público, ao menos) a risca de giz que determina até onde pode ir um mandatário. O limite de José Sarney era a transição democrática, o de Fernando Henrique, a consciência de que o poder em si limita, o de Lula, o apoio popular e/ou político.

Talvez não haja necessariamente relação de causa e efeito, mas fato é que os dois presidentes mandados de volta à planície antes de completado o tempo regulamentar, Fernando Collor e Dilma Rousseff, não tinham ou não utilizavam essa ferramenta tão essencial ao exercício da governança. Ambos de personalidade impositiva, faziam o gênero “vão ter de me aguentar”.

Má notícia para o senhor Jair, a quem tanto apraz ser do jeito que é, sem intenção de mudar. Disso sabemos, ninguém muda depois dos 60. Patente está também tratar-se de um caso de exibicionismo crônico, cujas causas aos meandros de sua mente pertencem. A dúvida, portanto, recai sobre aonde pensa chegar o presidente com essa pose de valentão old fashioned.

Ricardo Noblat || Às armas, cidadãos!

- Blog do Noblat / Veja

General sai em socorro do capitão
Sempre que o caldo entorna para o lado do capitão Jair Bolsonaro, em seu socorro costuma sair o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República onde dá expediente.

Foi assim, ontem, outra vez – desta, porque a Amazônia arde em chamas e a comunidade internacional culpa o governo brasileiro por cuidar mal dela, ou por simplesmente não ligar. O general mirou na França para atingir demais países europeus.

Emmanuel Macron, presidente francês, convocou uma reunião de emergência para este fim de semana do G7, grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Em pauta, as queimadas e a destruição da Amazônia.

Voz militar mais influente dentro do governo Bolsonaro e também nas Forças Armadas, Villas Boas, um general sem comando, disparou no Twitter uma série de mensagens belicosas e preocupantes. A primeira foi a mais alarmante, escandalosa e bizarra:

“Com uma clareza dificilmente vista, estamos assistindo a mais um país europeu, dessa vez a França, por intermédio do seu presidente Macron, realizar ataques diretos à soberania brasileira, que inclui, objetivamente, ameaças de emprego do poder militar.”

Atribui-se ao general Charles De Gaulle, presidente da França depois da 2ª Guerra Mundial, um comentário sobre o Brasil que se tornaria famoso: “Não é um país sério”. Por linhas tortas, Villas Boas deu razão ao que De Gaulle jamais disse, embora possa ter pensado.

Macron não atacou a soberania brasileira. Quando nada porque a Amazônia não é coisa exclusivamente nossa. Ela se estende por mais oito países (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guianas 1 e 2, e Suriname). Uma das Guianas é território francês.

A fala de Macron não incluiu nem objetivamente nem vagamente a ameaça “de emprego do poder militar”. Delírio de Villas Boas, fantasma cultivado pelos militares nativos sempre que a Amazônia está em discussão, maneira tosca de incitar os chamados valores nacionais.

Em outra mensagem do general também postada no Twitter só faltou o brado para que se pegue em armas:

“A questão ultrapassa os limites do aceitável na dinâmica das relações internacionais. É hora do Brasil e dos brasileiros se posicionarem firmemente diante dessas ameaças, pois é o nosso futuro, como nação, que está em jogo.”

Ao celebrar em 1º de junho passado o Dia do Guerreiro da Selva, Villas Boas já havia expressado o sentimento dos seus ex-colegas de farda a respeito da Amazônia:

“Que o mundo saiba que a Amazônia não tem preço e que cabe exclusivamente aos brasileiros definir os parâmetros pelos quais ela será protegida e desenvolvida pois é a floresta original mais preservada do mundo”.

Como signatário de tratados internacionais, o Brasil está obrigado a respeitar parâmetros pelos quais deverá proteger o meio ambiente. Quando não respeita, desperta a gritaria internacional. Foi assim em governos passados, os de Lula e de Dilma entre eles.

Está sendo assim com o de Bolsonaro, um governo que tem dado provas fartas de que não está nem aí para o que possa degradar o meio ambiente. Nunca o desmatamento da Amazônia foi tão devastador e cresceu tão velozmente como na era do capitão perverso.

Na ausência de um conflito armado desde fins do século XIX, bem que o Exército do general Vilas Boas poderia declarar guerra ao desmatamento ilegal e criminoso da Amazônia e de outras áreas do território nacional. Seria uma boa ocupação para suas tropas.

Resta a Moro sair sem ser esculachado

Presidente tem de ser um moderador, diz FHC

Por Marina Guimarães | Valor Econômico

BUENOS AIRES - O presidente de uma nação precisa ser um "moderador", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em evento ontem em Buenos Aires, numa alusão à eleição na Argentina mas também ao governo Jair Bolsonaro no Brasil.

"Um presidente simboliza, mais que um partido, uma nação. É preciso perceber que o exercício da Presidência requer por de lado a visão partidária", afirmou Cardoso. "Não é fácil equilibrar, mas enquanto está no exercício da Presidência tem que escutar o outro."

Sobre o cenário político atual, FHC alertou para o risco representando por correntes políticas no mundo que não são democráticas. "Quando um líder personalista ganha uma eleição e se acha o senhor de tudo, há um problema", declarou. "Há um momento de nacionalismo autoritário em várias partes, será que isso vai predominar?", perguntou, destacando em seguida que ninguém pode garantir que a democracia prevalecerá.

Ele ainda diferenciou a onda atual de populismo com o de figuras históricas como Juan Domingo Perón, na Argentina, e Getúlio Vargas, no Brasil. Segundo o sociólogo, o populismo de Perón e Vargas tinham um caráter mais inclusivo, enquanto o de hoje defende políticas excludentes.

Na frente econômica, FHC citou a crise da globalização e colocou o Brasil, a Argentina e a América do Sul no contexto. "A geopolítica está mudando e nossos países têm que olhar a longo prazo, como fazem os chineses", disse. "O poder não deriva apenas do lado econômico, é mais complexo. Os chineses têm estratégia, visam o longo prazo, é um país antigo. Isso temos de aprender."

FHC concluiu se declarando um "argentinófilo" e disse que não compartilha a visão pessimista que muitos têm da Argentina. "Creio que a Argentina tem as qualidades de um grande país. A Argentina tem a capacidade de renovar-se. Quando as coisas não caminham não é por uma razão cultural, é porque as coisas são difíceis. O mundo é difícil."

Lei da Anistia, 40 anos: lembrar ou esquecer a ditadura?

Por Helena Celestino | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A Anistia ainda é uma obra em construção. Após 40 anos de aprovada a lei que abriu as portas da cadeia para a maioria dos presos políticos e permitiu a volta de exilados ou banidos pela ditadura militar, duas narrativas ainda marcam o debate político sobre a herança dos anos de ditadura. Desde que o então presidente João Figueiredo (1918-1999) enviou o projeto de Lei da Anistia em 1979 para o Congresso, numa tentativa de garantir uma transição segura do regime militar para um governo civil, acirrou nas ruas e nos corredores do poder o enfrentamento entre duas visões de futuro.

Para construir uma sociedade democrática, a Anistia deveria levar ao perdão e ao esquecimento do passado ou teria de estar associada à justiça e à memória? "Esta divisão está relacionada com a maneira que a sociedade brasileira lidou e ainda lida com as feridas da ditadura", diz Carla Simone Rodeghero, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Nada mais atual. Há duas semanas, o embate estava mais uma vez estampado nos jornais. A ministra Damares Alves proibiu a finalização de um dos poucos lugares de memória desse passado, um prédio do Memorial da Anistia, em Belo Horizonte, que começou a ser construído há dez anos, já custou R$ 12 milhões, mas, por decisão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, terá outro destino. "Não temos dinheiro para isso. Com o acervo e a memória a gente vê depois o que fazer", disse, ao inspecionar a obra.

No dia seguinte, pela primeira vez, um agente da ditadura virou réu por estupro e violências contra a ex-presa política Inês Etienne Romeu: dois desembargadores consideraram que o sargento reformado do Exército Antonio Waneir Pinheiro Lima cometeu crimes contra a humanidade, não abrangidos pela Anistia. Inês morreu, aos 72 anos, em 2015.

Tão perto e tão longe. No longínquo 1975, ainda no governo de Ernesto Geisel (1907-1996), os círculos do poder começavam a discutir a Anistia, mesmo ano em que um grupo de mães e mulheres dos punidos pela ditadura, liderado por Therezinha Zerbini (1928-2015), levantou a bandeira da "conciliação nacional". Foi o primeiro movimento civil institucionalizado na época do regime militar, logo seguido pelos Comitês Brasileiros de Anistia (CBAs): mais politizados, os CBAs começaram timidamente, mas em 1979 já estavam espalhados por todos os Estados brasileiros e por cidades onde viviam exilados na Europa e nos EUA.

Ao aprovar a Anistia, após 14 anos de ditadura, o regime militar cassara o mandato ou suspendera os direitos políticos de 1.088 cidadãos, incluindo três ex-presidentes da República; afastara do serviço público 3.215 civis, entre eles três ministros do Supremo Tribunal Federal e um do Superior Tribunal Federal. Excluíra do serviço ativo 1.387 militares; condenara 11 mil pessoas - 82 com penas superiores a dez anos por assaltos com motivação política -; pusera na cadeia dezenas de milhares de cidadãos. As contas são do Palácio do Planalto e foram citadas em "A Ditadura Acabada", de Elio Gaspari.

O que pensa a mídia || Editoriais

Ou ele ou ele || Editorial / Folha de S. Paulo

Em derrota de Doria, PSDB rejeita expulsão de Aécio; rumo da sigla é obscuro

Há pouco mais de um mês, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu subir o tom ao comentar a resistência de representantes do PSDB mineiro à tentativa da ala paulista da sigla, liderada pelo governador João Doria e por ele próprio, de expulsar o deputado e ex-presidenciável Aécio Neves.

Numa espécie de ultimato ao diretório nacional tucano, Covas lançou o desafio: “Ou eu ou ele”.

Nesta quarta (21), em Brasília, ao apreciar o pedido para levar o caso de Aécio ao Conselho de Ética, o colegiado decidiu ficar com o ex-governador de Minas Gerais. O relator, deputado Celso Sabino (PA), expôs sua visão contrária à admissibilidade da representação —e se viu acompanhado por 30 dos 35 correligionários presentes.

Impôs-se, assim, derrota fragorosa a Doria e ao alcaide paulistano, que parece ter bons motivos para se arrepender do afoito repto à cúpula partidária —um sinal, se não de amadorismo, pelo menos de imaturidade política.

Por sua vez, o governador afirmou por meio de nota que o PSDB escolheu o lado errado. “O derrotado nesse caso não foi quem defendeu o afastamento de Aécio. Quem perdeu foi o Brasil.”

Em que pesem os graves sinais de envolvimento em corrupção, o candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais de 2014 conseguiu mais uma vez fazer valer seu longo histórico político e sua poderosa rede de relações.

Poesia || Carlos Drummond de Andrade - Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.