domingo, 1 de setembro de 2019

Opinião do dia – Constituição de 1988

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Fernando Henrique Cardoso*: Basta de gols contra

- O Estado de S.Paulo | O Globo

Aparentemente, o presidente e seu círculo mais íntimo, parecem não haver entendido que não estamos mais na guerra fria

Estava na Argentina quando irromperam as queimadas no Brasil. A diplomacia a que me imponho por haver sido presidente me obriga a tratar com especial cuidado questões nacionais quando estou no exterior, ainda que em país irmão.

De volta a casa, não posso deixar de constatar, com preocupação, os graves danos causados pelo governo atual à imagem do País no exterior. É difícil contestar a avalanche de críticas e afirmações, nem sempre corretas, que deságuam nas mídias internacionais mais influentes. Isso porque o desaguisado presidencial é extenso: ataque a valores universais de proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos, demonstrações de menosprezo pela ciência e pela cultura, supostas relações com as milícias que compõem o trágico quadro de violência no Rio de Janeiro, casos de nepotismo, e por aí vai. Por que e para que tanto desatino?

Aparentemente, o presidente e seu círculo mais íntimo parecem não haver entendido que não estamos mais na guerra fria. Não há mais o confronto entre dois blocos ideológicos. Mesmo Donald Trump, capitaneando uma relação comercial belicosa com a China e pensando em levantar muros na fronteira mexicana, não se pauta pela lógica bipolar de um mundo dividido entre esquerda e direita. Nem a China. Muito menos a Europa. Qual o sentido, pois, de fazer desaforos ao presidente da França e sua esposa e em ressuscitar um nacionalismo anacrônico? Os mais velhos hão de se lembrar do ardor nacionalista que aflorou (à época com maior razão) diante do projeto de um think tank americano, Hudson Institute, que nos anos 1960 aventou a ideia estapafúrdia de transformar a Amazônia num grande canal de navegação alternativo ao do Panamá.

A reação dos europeus ao aumento das queimadas na Amazônia responde a motivos distintos e não se deu de forma uniforme. Há uma preocupação genuína com questões que têm impactos globais (mudança climática e extinção da biodiversidade). Existem também razões menos universais, como a defesa de interesses protecionistas, e motivações circunstanciais, como o receio de derrotas em eleições locais a se realizarem no próximo ano. Em lugar de reagir toscamente, negando dados empíricos e insultando cientistas e chefes de Estado de outros países, deveríamos ter reagido prontamente para combater as queimadas e mostrar, na prática, o compromisso soberano do Brasil com a proteção do meio ambiente. Não há meio mais eficaz de desinflar a conjectura inaceitável sobre conferir um estatuto internacional à Amazônia.

Eliane Cantanhêde: Trump? Só Trump?

- O Estado de S.Paulo

Quem está de olho na Amazônia e oferece ajuda para ter ‘retorno’? Só a Europa? Os EUA não?

Depois de isolar o Brasil do mundo desenvolvido, com sua retórica virulenta e desprezo à preservação do meio ambiente e às comunidades indígenas, o presidente Jair Bolsonaro tenta dar a volta por cima criando um cerco à França, uma das mais sólidas democracias do Ocidente.

Já telefonou para os líderes dos EUA, Japão, Espanha e Alemanha e recebeu em Brasília o mediador do seu conflito com o mundo, o chileno Sebastián Piñera, mas, obviamente, sua maior investida e grande aposta é o ídolo da família, Donald Trump.

Sem apoio dos EUA o G-7 não decide e não faz nada. Logo, Trump é meio caminho andado para neutralizar Macron e, assim, Bolsonaro marcou um gol quando as portas da Casa Branca se abriram para encontro fora da agenda de Trump com o deputado Eduardo Bolsonaro, candidato a embaixador do Brasil em Washington, e o chanceler Ernesto Araújo.

O presidente americano é cabo eleitoral de Eduardo, depois de endossar o pedido de agrément de próprio punho. Ninguém confirma, nem desmente, mas é razoável supor que Bolsonaro aproveitou o telefonema para Trump, no pico das queimadas da Amazônia e da crise com o G-7, para pedir: “Ô, Trump, recebe o garoto aí! Ele tá precisando de uma força pra passar lá no Senado!”

A visita teve duplo objetivo. Dar uma forcinha para Eduardo, que encontra forte resistência da opinião pública e dos senadores para um salto tão absurdamente grande, e arrancar algum compromisso dos EUA em relação à Amazônia, para efeitos políticos internos e externos. Que compromisso? Dinheiro? Equipes? Equipamentos? Ou um chega pra lá público em Macron?

E a coisa não é assim tão simples, depois de Bolsonaro, o pai, ter praticamente rechaçado R$ 300 milhões da Alemanha e da Noruega no Fundo da Amazônia e feito exigências e insinuações para aceitar a “esmola” de US$ 20 milhões (mais de R$ 80 milhões) dos europeus.

Vera Magalhães: O tamanho do veto

- O Estado de S.Paulo

Lei de Abuso de Autoridade expõe Bolsonaro a dilema que ele entende, daí o nervoso

E aí, veta ou não veta? As areias da ampulheta começam a cair mais depressa, e dia 5 deste mês se encerra o prazo para que Jair Bolsonaro sancione, vete ou sancione com vetos a famosa Lei de Abuso de Autoridade, que poucos leram, mas todos odeiam.

Talvez não todos, mas principalmente os bolsonaristas. Esses odeiam com força. A ponto de não entender exatamente as nuances do momento atual, em que seu Mito se vê entre a cruz e a caldeirinha, ou seja: entre o apelo da sua tropa pelo veto integral e as circunstâncias novas da política que o levariam a desejar ser bem mais parcimonioso na tinta da caneta, seja ela Bic, Compactor ou de que marca for.

A incompreensão dessa mudança do vento levou a turma do verde e amarelo às ruas no domingo passado. Em número bem menor que em outras oportunidades e ainda não cientes da divisão paulatina entre bolsonarismo e lavajatismo, os manifestantes exalavam uma confiança completa no #VetaTudoBolsonaro.

Mesmo parlamentares do PSL estavam lá engrossando o coro, como o senador Major Olimpio e a deputada Carla Zambelli.

Lourival Sant'Anna: Entre Johnson e Salvini

- O Estado de S.Paulo

Democracia exige paciência e concessão, em um mundo de imediatismo e intolerância

Na mais antiga democracia moderna, um governante populista impediu o Parlamento de participar do passo mais importante do país desde a 2.ª Guerra. Na política mais bagunçada da Europa Ocidental, o Parlamento barrou a ascensão de um populista ao poder.

O que a suspensão do Parlamento britânico pelo primeiro-ministro Boris Johnson e a formação da coalizão entre o Partido Democrático (PD) e o Movimento 5 Estrelas (M5S) para evitar a convocação de novas eleições na Itáliadizem sobre o estado da democracia no mundo?

No sistema brasileiro, uma sessão legislativa dura um ano. No Reino Unido, dura enquanto o Parlamento sentir que tem questões importantes não resolvidas.

O primeiro-ministro pode solicitar à rainha o encerramento de uma sessão enquanto ele prepara a apresentação de novo plano de governo.

Em um dos muitos rituais pitorescos do sistema britânico, um mensageiro da rainha leva a mensagem à Câmara dos Comuns, cuja porta é batida três vezes na cara dele, simbolizando a independência do Parlamento frente ao monarca.

Mario Vargas Llosa*: O retorno à barbárie

- O Estado de S.Paulo

Vários países da América Latina correm risco de retrocesso, como visto na Venezuela

O segundo homem forte da Venezuela, Diosdado Cabello, enfurecido porque, em razão da inflação vertiginosa que assola sua terra natal, o bolívar desapareceu de circulação e os venezuelanos só compram e vendem em dólares, pediu aos seus compatriotas que recorram ao “escambo” para banir a moeda imperialista do país de uma vez por todas.

É certo que os infelizes venezuelanos não darão a menor atenção ao pedido, porque a dolarização do comércio não é um ato livre ou uma escolha livre, como o líder chavista acredita, mas sim a única maneira pela qual os venezuelanos podem conhecer o valor real das coisas em um país onde a moeda nacional é desvalorizada a todo momento pela pavorosa inflação – a mais alta do mundo –, que levou a Venezuela e seus irresponsáveis dirigentes a multiplicar os gastos públicos e imprimir moedas sem respaldo.

A alusão de Cabello ao escambo é uma clara indicação do retorno à barbárie na qual vive a Venezuela, pois, em um ato de cegueira coletiva, o povo venezuelano levou o comandante Chávez ao poder.

O escambo é a forma mais primitiva de comércio, os intercâmbios que nossos antepassados remotos fizeram e que alguns pensadores, como Hayek, consideram o primeiro passo dado pelos homens das cavernas em direção à civilização.

Naturalmente, comercializar é muito mais civilizado do que brigar com bordoadas, como as tribos fizeram até então, mas suspeito que o ato decisivo para a civilização do ser humano tenha ocorrido antes do comércio, na época em que nossos ancestrais se reuniam na caverna primitiva, ao redor de uma fogueira, para contar histórias.

Merval Pereira: Dar sentido à vida

- O Globo

Para Ricupero, não haverá paz, estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva dos marginalizados

“Os regimes atuais, quer o capitalismo ocidental, quer a versão estatizante chinesa, são incapazes de resolver os três maiores problemas humanos: o aquecimento global, o aumento da desigualdade, o desemprego estrutural agravado pelos robôs e a inteligência artificial”.

Essa pessimista constatação faz parte do diagnóstico do embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero na Academia Brasileira de Letras, que fechou um ciclo de palestras dedicado a debater o futuro do Brasil. Durante o evento, coordenado pela escritora Rosiska Darcy de Oliveira, a questão foi analisada por diversos ângulos: o das políticas públicas, pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade; o da economia, por Edmar Bacha; o dos direitos humanos, por Antonio Cicero; o do sentimento nacional, por Cacá Diegues (os três últimos membros da ABL).

O ciclo encerrou-se com a palestra do ex-ministro Ricupero, que analisou o perigo de termos um futuro pior que o presente. Não apenas no Brasil, mas no mundo. Embora o diagnóstico seja pessimista, a conclusão é esperançosa, como veremos. Ricupero lembrou que houve outras fases de abatimento no Brasil, “mas a versão mais grave data de poucos anos atrás, de 2015/16, o instante em que começou a desfazer-se a ilusão de que o país tinha dado certo”.

As fórmulas petistas se tornaram insustentáveis, ressalta. “Algumas concorreram poderosamente para desencadear, primeiro, a crise fiscal, em seguida, o gravíssimo colapso que prostrou a economia até este momento”.

Após os sucessos do Plano Real, do crescimento do governo Lula, da conquista do grau de investimento, “a debacle da economia trouxe de volta aos brasileiros o efeito psicológico desmoralizante do fracasso”.

Bernardo Mello Franco: Bolsonaro antecipa o jogo

- O Globo

Com pouco mais de três meses no cargo, o presidente admitiu que deseja a reeleição. Agora ele passou a alvejar Doria e Huck, potenciais adversários em 2022

Era de se esperar, pelo discurso de posse, que Jair Bolsonaro mantivesse o tom de campanha ao se instalar no Planalto. Mas não estava no script que ele anteciparia tanto a próxima disputa, como se o país já estivesse sintonizado em 2022.

O presidente levou pouco mais de três meses para rasgar a promessa de não concorrer a outro mandato. “A pressão está muito grande para que, se eu estiver bem, me candidate à reeleição”, disse, no início de abril.

Desde então, a autopromoção eleitoral se tornou mais frequente e mais explícita. “Pegamos um país quebrado, mas se Deus quiser conseguiremos entregá-lo melhor para quem nos suceder em 2026”, discursou, em julho.

Nas últimas semanas, Bolsonaro abriu uma nova etapa da campanha antecipada. Passou a alvejar diretamente possíveis adversários no campo antipetista. Entraram na mira o governador paulista João Doria e o apresentador Luciano Huck, que voltou a desfilar como presidenciável.

Em 2018, Doria só faltou ajoelhar diante do favorito ao Planalto. Não conseguiu uma foto com o capitão, mas lançou o slogan “Bolsodoria” para forçar a dobradinha eleitoral.

Huck ensaiou ficar no muro, mas flertou com Bolsonaro na reta final da campanha. Em vídeo divulgado a uma semana da eleição, disse que “jamais” votaria no PT e que Bolsonaro tinha uma “chance de ouro” para “amadurecer” e “ressignificar a política no Brasil” — seja lá o que isso queira dizer.

Com a popularidade em queda, o presidente farejou a concorrência e passou a tratar os dois como inimigos. “Olha a caixa-preta do BNDES aparecendo aí! Apareceu aquela galerinha da compra de aviões por 3%, 3,5% ao ano. Que teta, hein? Que isso, hein, Luciano Huck?”, provocou, na quinta-feira.

“Comprou também, Doria? Explica isso aí! Só peixe amigão do Lula, da Dilma. E depois eu vejo o Doria falando: ‘A minha bandeira jamais será vermelha’. É brincadeira, né? Quando ele tava mamando lá, a bandeira era vermelha, com a foice e o martelo!”, tripudiou.

Míriam Leitão: Sociedade reage e mostra limite

- O Globo

O que ficou claro nesta crise é que o presidente não tem a maioria ao seu lado nas ideias sobre Amazônia, órgãos de controle e conservação

A sociedade brasileira mostrou um enorme vigor nesta crise ambiental. Ex-ministros do Meio Ambiente foram juntos a Brasília pedir apoio ao Congresso. Funcionários de órgãos ambientais reagiram. Instituições científicas e organizações ambientalistas mostraram os riscos que o país estava correndo. Os empresários do agronegócio alertaram para o prejuízo que a perda de reputação poderia provocar nas exportações. A imprensa contou histórias como a do “dia do fogo”, exibiu imagens eloquentes em reportagens e nos artigos de opinião.

O governo teve que recuar e mandar as Forças Armadas para a Amazônia. Disse que houve efeito imediato de reduzir os focos de incêndio e que a fiscalização voltou a atuar. Houve prisão e suspeito foragido. A Polícia Civil apreendeu em São Félix do Xingu galões com gasolina que seriam usados num vasto plano de queima de floresta em área protegida.

O MPF do Pará, por sua vez, diz que é preciso esperar pelos dados do Inpe para se ter certeza de que houve redução dos incêndios. Está preocupado com o andamento das investigações e diz que não houve “nenhuma ação coordenada do governo federal em Novo Progresso.” Exatamente o município do Dia do Fogo.

Na democracia é assim. O governo eleito não tem carta branca para fazer o que quiser. Mesmo os seus eleitores não aprovam todas as suas propostas. Alguns votam por se identificar integralmente com o político, outros, por algumas das ideias defendidas na campanha, muitos escolhem um candidato para evitar o adversário. 

Dorrit Harazim: Acordou tarde

- O Globo

Preocupação com impactos socioambientais no universo dos fundos graúdos só cresce. Queimadas já deveriam ser proibidas antes

Nova York ainda ardia nas cinzas do ataque terrorista do 11 de setembro de 2001 quando o presidente George W. Bush decretou a sua guerra ao terror. O primeiro flanco que abriu foi no Afeganistão, de onde os Estados Unidos não conseguem sair até hoje. Em 2003, Bush propôs aos aliados que também se juntassem a ele na malfadada invasão do Iraque. Só que a França disse “não” através de um chanceler que já tinha o sobrenome para ser vilipendiado (Dominique de Villepin), o aliado historicamente bissexto voltou a ser visto como traidor. Seguiu-se um episódio do qual os americanos preferem não se lembrar, por tolo.

Dois congressistas do Partido Republicano, um deles presidente da Comissão de Assuntos Administrativos da Casa, instruíram todas as cafeterias do Capitólio a rebatizarem seus cardápios. As populares french fries (batatas fritas) passaram a ser listadas como liberty fries, e o ato de patriotismo de ocasião teve inevitável tribo de seguidores. Donald Trump certamente teria aprovado. Jair Bolsonaro também. Detalhe: trocou-se o nome do prato, ninguém deixou de devorar batatinhas.

À época, a embaixada da França emitiu resposta cortante — “... Em momento tão grave não estamos focando na nomenclatura que americanos dão a batatas...” — e informou que o mundialmente popular prato é originário da Bélgica, não da França. Fim da história: numa calada manhã do verão de 2006, com o desastre no Iraque sem fim à vista, o novo presidente da mesma comissão parlamentar devolveu às frites a sua designação em inglês. Em surdina, para não chamar a atenção.

29 de agosto de 2019, Palácio do Planalto, cerimônia de lançamento do Em Frente, Brasil, programa de combate a crimes violentos. Ao assinar o documento do projeto piloto, o presidente do Brasil gostou de anunciar a demissão oficial da esferográfica francesa Bic para atos de governo, e de exibir uma Compactor como sua sucessora oficial. Talvez não soubesse que a Cia. de Canetas Compactor, com sede na Baixada Fluminense, tem origem alemã e sociedade com parceiros globais, mas ninguém é perfeito. Para estes tempos de guerra amazônica com o mundo, é até um alívio quando o presidente apenas troca de stylo à bille.

Elio Gaspari: O inferno de Moro, uma tragédia brasileira

- O Globo | Folha de S. Paulo

Ministro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário

Quando decidiu largar a toga, trocando o altar da Lava-Jato pelo serpentário de Brasília, Sergio Moro fez uma escolha arriscada. Ele havia se tornado um símbolo da luta contra a corrupção, mandando para a cadeia gente convencida de que aquilo era lugar de preto e de pobre. Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro chamou-o de “patrimônio nacional”, mas Moro e as paredes do Planalto sabem que há poucas semanas ele o chamava de outra coisa. Quem já fritou um bife sabe que é preciso virar a carne, para não queimá-la. Moro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário.

Há dois anos ele seria um forte candidato na disputa pela Presidência da República. Essa viagem do paraíso ao inferno é uma tragédia brasileira que aponta para algo maior que ele. Mostra os vícios de soberba inerente à ideia do “faço-porque-posso”. Em 2004, antes de se tornar famoso, o juiz Sergio Moro escreveu um artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana e disse o seguinte:

“Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. (...) A investigação da ‘Mani Pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no ‘L’Expresso’, no ‘La Repubblica’ e outros jornais e revistas simpatizantes. (...) Os vazamentos serviram a um propósito útil.”

Moro e os procuradores da Lava-Jato repetiram a mágica. Agora queixam-se de vazamentos, e o ministro da Justiça lastimou que seus projetos “não têm tido a necessária exposição na imprensa”.

O doutor não percebeu a mudança climática a que se submeteu trocando Curitiba por Brasília. Era um juiz que encarnava o combate à roubalheira e, junto com os procuradores, era também a melhor fonte de notícias. Afinal, era preferível ouvir Moro ou Deltan Dallagnol a dar crédito às patranhas virginais de empreiteiros ou de comissários petistas. Moro, Dallagnol e os procuradores sempre souberam que seus serviços seriam avaliados nas cortes superiores de Brasília. Confiaram numa inimputabilidade que lhes seria concedida pela opinião pública, até que vieram as revelações do The Intercept Brasil e, acima de tudo, a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou a sentença de 11 anos de prisão imposta a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.

Os inimigos do procurador Dallagnol acusavam-no de manipular a fama com palestras bem remuneradas, mas ninguém seria capaz de supor que de 20 palestras vendidas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, cinco fossem patrocinadas pelo plano de saúde Unimed, com um tíquete médio de R$ 32 mil. Em setembro de 2018 o procurador queria ir à Bahia e perguntou a uma agenciadora: “Será que a Unimed Salvador não quer me contratar para uma palestra na semana de 24 de setembro?” (A Lava-Jato passou ao largo dos planos de saúde.)

Dallagnol fez o que achava que podia fazer. Desde o aparecimento das mensagens obtidas pelo Intercept, os procuradores da Lava-Jato e Sergio Moro encastelaram-se numa defesa suicida de silêncio e negação. Danificaram a alma da Lava-Jato com a soberba do encastelamento que levou as empreiteiras e os comissários do PT à ruína e à cadeia.

Para Moro, a conta do “faço-porque-posso” veio na semana passada, com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

Alberto Toron estava certo
No dia 19 de janeiro de 2018 o advogado Alberto Toron, defensor de Aldemir Bendine, encaminhou ao então juiz Sergio Moro um pedido para que seu cliente apresentasse seus argumentos finais depois de conhecer os memoriais de Marcelo Odebrecht e de outros colaboradores que o acusavam de receber propinas. 

Janio de Freitas: Grande queima

- Folha de S. Paulo

Para Bolsonaro, todo o fogo é bem-vindo

Jair Bolsonaro já não é aquele que assumiu. Os medos e fugas que levaram a dar Paulo Guedes como o todo-poderoso, carta branca a Sergio Moro, ao general Augusto Heleno a primeira e a última palavras, e tantas outras fraquezas, não existem mais.

O rosto, em acelerado envelhecimento, assume uma firmeza de mandante, o olhar endurecido, nada mais daquela figura de deslocado em um mundo desconhecido.

Designar o próprio filho, de capacitação improvada, para falar e agir pelo país no centro de decisão global é uma atitude que simboliza, por si só, tudo o que é o Bolsonaro agora possuído por sensações de poder, de hierarquia única e de vontades impositivas.

Entramos na zona do perigo.

Quando esse Bolsonaro diz que a imprensa, por criticá-lo, está cometendo suicídio, fala da imprensa, mas sobretudo fala de si, da sua sensação de poder incontrastável. E de uma vontade já manifestada por diferentes maneiras.

Está claro que Bolsonaro tem intenções bem definidas quanto à liberdade de imprensa, assim como antes indicou e já restringe a criação cultural. O risco causa na imprensa mais intimidação do que reação. E com a falta de contraditório contribui para maiores ímpetos da hostilidade à liberdade de expressão.

Prepara-se no Planalto um indulto de policiais presos por crimes de morte e por envolvimento em atividades ilegais. Com participação explícita ou velada, muitos desses policiais são integrantes de milícias.

Em referência ao indulto desses "presos injustamente", Bolsonaro chamou-os de "colegas". Seja qual for a via do coleguismo, o indulto extemporâneo conjuga-se com as relações pessoais, familiares e financeiras dos Bolsonaros com aquela próspera atividade e suas cercanias. No mínimo, o indulto trará a consolidação de disposições milicianas para o que der e vier.

Hélio Schwartsman: 5ª série

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro já deu todos os sinais de que não deixará de ser Bolsonaro

Vamos colocar a discussão em nível de 5ª série para que todos a compreendam. Sim, o Brasil tem soberania sobre a Amazônia. Se quiser derrubar toda a floresta e pavimentar a área, transformando-a num gigantesco estacionamento, pode perfeitamente fazê-lo. Só que o mundo também tem suas soberanias.

Se consumidores ou governos estrangeiros decidirem que vão deixar de comprar produtos brasileiros ou impor sanções ao país, podem perfeitamente fazê-lo.

Nesse cenário, o Brasil amargaria duplo prejuízo: perderia a floresta e se veria transformado em pária internacional. É um tiro no pé, portanto, a atitude do governo Bolsonaro de bater boca com líderes de nações que nos cobram os compromissos de preservação ambiental firmados pelo Estado brasileiro.

Jair Bolsonaro e seus seguidores não só não veem o óbvio como, de forma preocupantemente infantil, se põem a insultar o presidente francês Emmanuel Macron, fazer referências à aparência de sua mulher e a exigir que ele "retire o que disse". Só ficou faltando o "te pego na saída".

Bruno Boghossian: O transatlântico e o capitão

- Folha de S. Paulo

Recuperação leva tempo, mas Bolsonaro deve prestar mais atenção no desânimo das ruas

O governo não vai demorar a perceber que planilhas mexem pouco com os humores fora dos gabinetes. Jair Bolsonaro cobrou paciência e reclamou de má vontade da imprensa ao comentar os números que mostraram que o país escapou de mais uma recessão. O presidente deveria olhar pela janela do Planalto com mais frequência.

Bolsonaro tem razão ao dizer que a recuperação do PIB é um movimento que leva tempo, "igual a um transatlântico". A economia vacilante e o desemprego resistente, no entanto, cobram um preço político até de mandatários iniciantes.

A popularidade em queda do presidente reflete seus despautérios em série, mas é especialmente sensível às percepções do povo sobre o próprio bolso. Ainda que anos recentes tenham terminado em ruína absoluta, só 24% dos brasileiros acham que a economia está melhor agora do que em governos anteriores.

A pesquisa CNT/MDA de agosto marca esse aborrecimento da população. Para 45% dos entrevistados, a situação econômica é igual à dos últimos anos, e 28% dizem que é pior.

Vinicius Torres Freire: Salário é um zero à esquerda no país da extrema-direita

- Folha de S. Paulo

Rendimento do trabalho parou de crescer desde abril; política extremista está em alta

O salário médio não cresce desde abril. Para ser mais preciso: desde então o rendimento médio do trabalho não aumenta ou até cai, se comparado com valores do mesmo mês do ano passado. Não era ruim assim desde 2016, ainda na recessão.

Não causa escândalo. No país da Grande Depressão, o conflito mais expressivo ou evidente é tenebrosamente político. Por exemplo, há grande disputa pelo controle de instituições do sistema de Justiça, do Supremo ao moribundo Coaf, passando por Ministério Público e Polícia Federal.

Lavajatistas, bolsonaristas e a uberdireita (que quer fechar ou tomar STF e Procuradoria), grupos no Congresso e os diversos partidos da Justiça, todos batem-se pelo poder arbitrário de mandar gente para a cadeia, de fugir da polícia ou de decretar o esbulho de direitos civis, quem sabe políticos. Os direitos sociais já vão para o vinagre por inércia.

Sim, lamenta-se de modo vazio o desemprego, que não terá melhora notável até 2022, se der tudo certo. Há quem se anime com o aumento do número de pessoas trabalhando, mais 2,2 milhões de um ano para cá. Mais de 80% desses novos empregos são da categoria “empregado sem carteira assinada” e por “conta própria”.

A soma (“massa”) de todos os rendimentos do trabalho cresce no ritmo mais lento desde agosto de 2017, ao passo de 2,2% ao ano. No mínimo, o zero à esquerda dos salários deveria preocupar quem quer a ressuscitação do PIB, em tese desejo geral. Nem isso.

Ricardo Noblat: A próxima crise contratada pelo governo Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Agora, com a Igreja Católica
A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que se nega a ser reconhecida como o Serviço Secreto do governo, mas que é o que é, espiona padres, bispos e cardeais que preparam o Sínodo da Amazônia convocado pelo Papa Francisco e a realizar-se em Roma a partir da primeira semana de outubro próximo.

Foi Jair Bolsonaro que, ontem, confirmou a informação publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em fevereiro último e desmentida à época pelo Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. Bolsonaro não falou em “espionagem”. Preferiu usar o termo “monitorar”, que significa vigiar, acompanhar.

“Tem muita influência política lá, sim”, afirmou Bolsonaro em almoço com jornalistas no quartel-general do Exército, em Brasília. Quando lhe perguntaram sobre o monitoramento da Abin, respondeu que a agência monitora “todos os grandes grupos”. Quando lhe perguntaram se o Papa é de esquerda, esquivou-se:

– Não vou arrumar confusão com os católicos. Só posso dizer que o Papa é argentino.

O Sínodo reunirá padres, bispos, arcebispos e cardeais dos nove países por onde se estende a Amazônia e deverá ser presidido pelo próprio Papa. Em discussão, mudanças climáticas, situação dos povos indígenas e desmatamento, temas considerados de esquerda pelo governo Bolsonaro e pelas Forças Armadas brasileiras.

Escolhido pelo Papa, o relator do Sínodo será o cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes. Foi ele o único cardeal a aparecer na foto que marcou a primeira aparição pública de Francisco como Papa no balcão da Basílica de São Pedro, no Vaticano. O dois são amigos desde que o Papa era arcebispo de Buenos Aires.

Na única entrevista que concedeu depois de ter sido nomeado relator e representante pessoal do Papa no Sínodo, dom Hummes disse que Francisco quer “pressionar” os governos da região a agirem para preservar o meio ambiente na Amazônia e cuidar melhor dos povos que vivem ali.

Foi por encomenda de dom Humes que a Igreja Católica divulgou uma carta na última sexta-feira onde afirma que os bispos envolvidos na organização do Sínodo estão sendo “criminalizados” e tratados como “inimigos da Pátria”. A Igreja nega que o Sínodo represente alguma ameaça “à soberania nacional”.

Essa será a próxima encrenca que o governo Bolsonaro irá enfrentar. Em 17 de setembro próximo, Bolsonaro discursará na abertura de mais uma assembleia anual da ONU, em Nova Iorque. Ativistas ambientais de diversos países preparam uma recepção à altura do presidente que apontam como inimigo da natureza.

Sérgio Abranches: ‘Bolsonaro nasceu no extremo, sempre foi o que é hoje’

Entrevista com Sérgio Abranches, cientista político e sociólogo

Para cientista político, presidente não tem sido capaz de buscar a conciliação em um ambiente de crise política iniciada em 2014

Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo

Em um cenário de crise política, que não acabou com a eleição, o presidente Jair Bolsonaro não tem sido capaz de buscar uma “conciliação” e dialogar com demais setores da sociedade. A análise é do sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, autor de, entre outros livros, Presidencialismo de Coalizão – Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro.

“Ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Está na direita, bem lá na ponta”, disse em entrevista ao Estado. Segundo Abranches, a perda de popularidade de Bolsonaro é “preocupante”. “Qualquer fagulha pode pegar fogo.” O sociólogo afirmou ainda que a polarização minou a centro-esquerda e empurrou o PT, principal partido de oposição, para uma esquerda de “posições que já deveria ter abandonado”, enquanto PSDB e DEM foram puxados para a direita.

“Está vazia uma centro-esquerda e até um centro mais moderado, com uma visão mais social, um posicionamento contemporâneo, reformista, que tenha consciência da crise dos empregos, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita.” consciência da crise dos empregos, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita.”

 Abaixo, a entrevista completa.

• Por que, com apenas oito meses de um novo governo, já se fala em cenários para 2022?

O Brasil está em uma crise política desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff. A crise não foi superada. O impeachment agravou a crise e aguçou a polarização. Michel Temer também não conseguiu superar a crise, que, depois, virou paralisia de governo no momento em que ele precisou obter o veto para impedir que fosse processado no Supremo. A polarização que continuou no governo Temer desaguou nas eleições de 2018, que foram disruptivas, mas pouco construtivas.

• Pesquisa divulgada na segunda-feira mostrou que a desaprovação pessoal do presidente Bolsonaro subiu de 28% para 53%. Isso é motivo de preocupação?

Há razões para ficar preocupado. A crise não acabou com o fim da eleição. Continua sendo um governo no contexto de uma crise política, que se agravou porque o presidente tem uma atitude de confrontação. Ele não é capaz de um movimento de conciliação, de uma abertura para setores da sociedade e do mundo. É muito fechado. Em geral, quando o presidente perde rapidamente popularidade, temos um quadro de instabilidade da própria governança. Isso pode produzir um tipo de conflito que não seria positivo para o momento atual.

Temos a continuação da crise econômica, uma situação social que não é boa, um contexto como o Cerrado na seca. Qualquer fagulha pode pegar fogo. É um quadro preocupante.

• E o que, na sua avaliação, tem mitigado a crise?

Avança ação por centro ‘liberal e progressista’

Grupo defende conciliar propostas liberais na economia à agenda social; articulação envolve eventual candidatura do empresário Luciano Huck em 2022

Eduardo Kattah, Pedro Venceslau e Caio Sartori | O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO e RIO - Um grupo de políticos, economistas e representantes de movimentos de renovação organizou um discurso e ações para a construção de uma alternativa de centro no persistente cenário polarizado da política nacional. A defesa de uma agenda liberal na economia e, ao mesmo tempo, “progressista” na área social vem sendo reiterada por nomes como o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e líderes políticos como o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) e o presidente do Cidadania, Roberto Freire. Como na tentativa frustrada de lançar um “outsider” na disputa presidencial do ano passado, esta articulação tem como peça central o apresentador Luciano Huck.

O empresário recuou dos apelos para entrar na corrida pelo Planalto em 2018, mas mantém atividade intensa em grupos de renovação política como o RenovaBR e o Agora! – surgidos a partir de 2016 na esteira do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e do desgaste dos partidos. Estes movimentos elegeram, juntos, 17 parlamentares. Em outra ação concreta, Armínio desenvolveu um instituto para desenhar políticas públicas na área de saúde – ainda sem lançamento oficial, mas já em funcionamento no Rio.

Antigo PPS, o Cidadania incorporou nomes de três dos principais grupos de renovação política – Livres, Acredito e Agora!. Por essa proximidade, é considerado, até o momento, um provável destino para uma experiência eleitoral do “novo centro”.

No campo teórico, a defesa do “liberalismo progressista” tem sido apresentada como uma recuperação do centro político do País que, mais identificado com a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB), fracassou na eleição presidencial do ano passado. “Dos liberais reformistas aos militantes da centro-esquerda, esse eixo da política brasileira está se recompondo”, disse Hartung ao Estado.

Para Huck, “o povo está cada vez com mais dificuldade em rotular as posturas e pensamentos entre direita, esquerda ou centro”. Mas é preciso “chutar com as duas pernas”. “Enxergo a eficiência de agenda liberal e do Estado no tamanho necessário, sempre atribuída ao pensamento de direita, como o melhor caminho. Ao mesmo tempo, o olhar social, inclusivo e de redução de desigualdades, sempre atribuído à esquerda, é prioridade absoluta se quisermos colocar o Brasil em outro nível de desenvolvimento econômico e social”, afirmou ao Estado.

O que pensa a mídia – Editoriais

Usurpação do poder: Editorial | O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Michel Temer alertou, em entrevista ao jornal Valor, para a ocorrência cada vez mais habitual da quebra da ordem constitucional. “O que mais temos no Brasil é a violação de natureza institucional”, disse, referindo-se aos excessos de órgãos subordinados aos Três Poderes. A denúncia é de extrema gravidade, já que significa que, por vias ocultas, o poder estaria sendo exercido fora dos cânones institucionais. Em outras palavras, haveria um exercício não democrático do poder.

“Quando a Constituição diz que ‘todo poder emana do povo’ não é regra de palanque, é regra jurídica”, lembrou Michel Temer. Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, “em vez de haver um único poder no Estado, como no absolutismo (...), há três órgãos para exercer o poder. A partir deles é que há os órgãos inferiores. E esses órgãos inferiores não podem estar em busca de poder. Eles têm que acompanhar o que a estrutura do poder constitucional estabelece, por meio do Legislativo, Executivo e Judiciário. É neste sentido que digo que há equívocos institucionais muito acentuados”, afirmou o ex-presidente.

Eis o ponto central da questão e que tem sido motivo de muita confusão. Precisamente porque todo o poder emana do povo, no Estado Democrático de Direito, os órgãos subordinados aos Três Poderes não exercem poder e, portanto, não devem estar em busca de poder. O poder, por delegação do povo, é exercido pelas três instituições superiores – Legislativo, Executivo e Judiciário – na exata medida de suas competências constitucionais.

Poesia | Manuel Bandeira - Pensão Familiar

Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espapaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.
Os girassóis
amarelo!
resistem.
E as dálias, rechonchudas, plebeias, dominicais.

Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente a mijadinha.
Sai vibrando com elegância a patinha direita:
— É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.