domingo, 8 de setembro de 2019

Sergio Fausto* - O que nos ensina o drama argentino

- O Estado de S.Paulo

Urge conter e mudar a dinâmica política que levou Bolsonaro ao poder e ele radicaliza

Os argentinos já viram este filme antes: o amargo regresso a um colapso econômico. Por que esse enredo se repete há pelo menos quatro décadas, abortando ciclos de crescimento relativamente curtos e reiterando a trajetória de declínio econômico daquela que há cem anos era, de longe, a nação mais rica e com a melhor educação pública de toda a América Latina? A resposta está num padrão de (des)governança que se estabeleceu no país vizinho ao longo da segunda metade do século 20.

Digo isso com desgosto. E com preocupação, porque vejo aqui sinais crescentes da enfermidade política que ali se desenvolveu. A doença consiste na politização das instituições do Estado e na polarização da sociedade em campos opostos e inconciliáveis. Na Argentina, com altos e baixos, ela evoluiu ininterruptamente a partir do primeiro governo de Juan Domingo Perón, deposto e exilado por um golpe militar em 1955.

É clichê tratar Getúlio Vargas e Perón como gêmeos siameses. Apesar de semelhanças, eles foram diferentes. Ambos lideraram e simbolizaram a incorporação de massas de trabalhadores urbanos na arena política e na esfera da cidadania regulada por um Estado tutelar. Mas Perón e o peronismo se estenderam muito além de Vargas e do varguismo. Não apenas no sentido óbvio de que o presidente argentino sobreviveu a seu homólogo brasileiro em mais de 20 anos, mas, principalmente, em termos da intensidade e duração dos efeitos políticos que provocaram.

O populismo peronista foi muito mais longe na mobilização política e sindical das massas a partir do Estado, na redistribuição da renda e na intervenção no campo da cultura (seja para exemplarmente franquear aos trabalhadores acesso a bens simbólicos, como o aristocrático Teatro Colón, seja para purgar as universidades públicas de professores não alinhados). Perón pôs o Estado a serviço da consolidação e tutela do movimento que o sustentaria como líder máximo. Foi deposto a balas e tiros de canhão e proscrito da vida política de seu país por quase 20 anos.

Em Vargas, o líder populista convivia com o político tradicional e o estadista republicano de inspiração positivista, preocupado com a administração “científica” e modernizadora do Estado. O varguismo não teve vida longa depois do suicídio de seu líder. O peronismo, nas suas mais diferentes versões, vive até hoje.

O primeiro período de Perón no poder e o golpe militar de 1955 produziram um racha profundo e duradouro na política, na sociedade e na cultura da Argentina. O embate entre peronistas e antiperonistas se fez à custa da independência e impessoalidade das instituições do Estado. A politização penetrou a burocracia civil, a magistratura, as Forças Armadas, a estrutura sindical corporativa, o empresariado e mesmo a Igreja Católica.

Rolf Kuntz* - Déficits de competência, de governo e de civilidade

- O Estado de S.Paulo

Enquanto grosserias chocam o mundo, o País se arrasta e a incerteza econômica permanece

Déficit de governo, déficit de competência, déficit diplomático e déficit de civilidade na administração federal são hoje muito mais graves que o enorme buraco nas contas públicas, também conhecido como déficit fiscal. O presidente Jair Bolsonaro, seus acólitos e seus milicianos digitais acusam os meios de comunicação de só se ocuparem de assuntos menores e de intrigas, ignorando os dados positivos. Mas fogo na Amazônia, elogio à ditadura chilena, apologia da tortura e grosserias contra a mulher do presidente da França foram grandes temas postos em pauta, sem exceção, pela cúpula do governo. Não são, de fato, assuntos menores, porque resultam de palavras e ações de figuras poderosas na República. Combinam perfeitamente, pode-se acrescentar, com a persistente crise da indústria (queda de 0,3% em julho) e com a piora da economia neste governo, e também esses fatos têm sido noticiados. Mas o chefe de governo sempre consegue sobressair por suas façanhas.

Ele e seu ministro do Meio Ambiente são conhecidos dentro e fora do Brasil pelos ataques a organismos de proteção ambiental. O presidente notabilizou-se pela demissão do respeitado diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um escândalo internacional. Depois, ganhou destaque ao descrever a “cadeira de direitos humanos da ONU” como ocupada por “gente que não tem o que fazer”. Nessa ocasião, acusou a comissária de Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, de defender direitos de vagabundos e elogiou os torturadores e assassinos de seu pai.

O presidente Bolsonaro já havia chamado de herói nacional o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra e ofendido a memória de um estudante morto na década de 1970 pela ditadura brasileira, o pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Há quem acuse a imprensa de dar muita importância a essas palavras e atitudes do presidente Jair Bolsonaro, como se fossem apenas manifestações de maus modos. Ele é assim mesmo, dizem os mais tolerantes, como se descrevessem deslizes de pouca importância.

Eliane Cantanhêde - A lágrima

- O Estado de S.Paulo

O ‘lavajatismo’ derrubou o petismo, o bolsonarismo está derrubando o ‘lavajatismo’

O presidente Jair Bolsonaro criou e alimentou deliberadamente uma teia de inimigos e críticos, até atrair para ela os próprios bolsonaristas radicais e irascíveis de internet. Na reação à indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, a gritaria mais estridente não é dos adversários, mas dos aliados de Bolsonaro.

Ele acusou o golpe. A lágrima por um ano da facada revelou também estresse e as intensas pressões que presidentes já sofrem naturalmente, mas o atual atrai desafiadora e arrogantemente. Num raro rompante de humildade e de contato com a realidade, ele declarou: “Reconheço as minhas limitações, as minhas fragilidades, a minha incompetência em alguns momentos”.

E tentou dar uma ordem de comando que já deveria ter dado há muito tempo. Pediu, ou ordenou, aos artilheiros da internet que apagassem “comentários pesados” atingindo o procurador Aras. Contra presidentes de outros países, primeiras-damas, comissárias da ONU, ambientalistas, jornalistas, defensores dos direitos humanos, ONGs, professores, estudantes e qualquer um que pense diferente, pode. Mas contra indicado seu não pode.

A escolha de Aras aprofunda a guerra no Ministério Público e a percepção de um forte recuo no combate aos crimes de colarinho branco, porque ele já se manifestou contrário aos métodos de juízes, procuradores e delegados da Lava Jato. Mas isso é detalhe, o que agita os bolsonaristas é a suspeita de que o novo PGR, ora, ora, seja um baita de um esquerdista.

Aras pode ser tudo, menos esquerdista, comunista ou algo do gênero. Falante como bom baiano, ele conversa com todos os lados, mas é conservador e crítico, por exemplo, dos excessos da era Rodrigo Janot, acusado no ambiente jurídico e político de proteger o PT e perseguir Michel Temer. Se Aras cometeu um “erro”, foi o de fazer o que candidatos costumam fazer e se tornou questão de vida ou morte com Bolsonaro: falar o que o presidente queria ouvir.

Vera Magalhães - Independência ou submissão?

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro espera apoio e condescendência da imprensa, das instituições e do eleitorado

Um presidente casmurro para em frente ao Palácio da Alvorada para sua já tradicional prosa diária. Ele pensa se tratar de uma entrevista, um favor que presta a jornalistas que se amontoam no calor seco de Brasília à espera de palavras para guiar suas reportagens. Trata-se, isso sim, da tentativa cotidiana de Jair Bolsonaro de impor sua visão de mundo não só à imprensa, mas ao público.

Conta, na intermediação, com os acólitos que filmam e transmitem ao vivo nas redes sociais, e com a claque disposta a apoiar com gargalhadas e apupos encorajadores o que quer que ele diga. O presidente dita a pauta e o que pode, ou não ser perguntado. Se estiver de ovo virado, dá as costas e vai embora sem responder.

Na última semana, uma nova arma de “comunicação” foi introduzida no ritual: o mimimi choroso. Visivelmente assustado com a reação furiosa de seus apoiadores das redes sociais à indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, Bolsonaro se pôs a filosofar sobre política. Se as pessoas não apoiarem suas decisões, como a indicação de Aras, ele vai “cair” e o PT, uma espécie de bicho-papão que brande perante um eleitor infantilizado como a vovó diante da criança malcriada, vai voltar.

Isso no dia do aniversário de um ano de seu “renascimento”, outra mistificação perigosa que Bolsonaro faz de um incidente grave, hediondo, o do atentado a faca de que foi vítima em Juiz de Fora, que de fato quase o vitimou, pelo qual sofre consequências físicas até hoje – como a cirurgia a que será submetido neste domingo – e que certamente influenciou o resultado das eleições.

E na véspera de outro evento simbólico, o Sete de Setembro, no qual o presidente se cercou da família e de políticos, mas não só: estavam lá, em posição de destaque, dois dos principais homens de mídia do Brasil, Silvio Santos e Edir Macedo, concorrentes irmanados em sorrisos em jantares e palanques. Uma semana antes, Bolsonaro se ajoelhou aos pés do primeiro e foi visitar o segundo.

Luiz Carlos Azedo - O Rei e a Dama

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Uma coisa é a expectativa de Bolsonaro quanto à atuação subalterna do novo procurador, outra poderá ser o seu comportamento efetivo no exercício do cargo”

O presidente Jair Bolsonaro comparou o novo procurador-geral da República, cargo para o qual indicou o subprocurador-geral Augusto Aras, à dama no jogo de xadrez, cuja principal característica é a capacidade de se movimentar em todas as direções possíveis no tabuleiro, ou seja, na horizontal, vertical e diagonal, quantas casas estiverem disponíveis. Daí, pode-se concluir, espera que Aras seja o seu principal aliado na cena política do país. Bolsonaro, obviamente, não deixou por menos e se comparou ao Rei.

A dama (ou rainha) é a peça mais poderosa no tabuleiro, de um total de 32, 16 brancas e 16 pretas, sendo que ambas as cores possuem ainda pares de torres, cavalos, bispos, 8 peões. Originariamente, não existia no xadrez; havia o vizir. A ascensão da dama como peça de maior valor relativo do xadrez coincidiu com o reinado de Isabel de Castela, protagonista da unificação da Espanha, ao lado do marido, Fernando de Aragão (a Netflix tem uma série romanesca intitulada Isabel, a Católica, que conta essa história). Outras rainhas poderosas, com a consolidação do absolutismo, ajudaram a consagrar a configuração do jogo que existe até hoje.

Dois outros fatores popularizaram o xadrez: a invenção do tipo móvel por Guttemberg, que permitiu a impressão e as traduções do livro de regras de Luiz Ramires de Lucena (Repetición de amores e arte del axedres); e a expulsão de cerca de duas mil famílias de judeus não convertidos da Espanha, por ordem de Isabel e Fernando de Aragão (Decreto de Allambra), no fim do século XV, que disseminaram o jogo pelas demais cidades europeias.

Iniciantes no xadrez costumam movimentar a sua dama com certa sofreguidão, na esperança de saquear as peças adversárias ou conseguir o xeque-mate com uma das jogadas mais clássicas e conhecidas do xadrez, o xeque pastor. Enxadristas mais experientes costumam se aproveitar dessa “espetada”, pois é fácil repelir o ataque solidário da dama. O defensor acaba ganhando tempo e espaço ao repelir esse ataque, que põe a dama em risco. É muito comum a troca de damas, para evitar que a peça seja utilizada ao final do jogo, quando realmente passa a ter uma vantagem estratégica decisiva por causa da sua grande mobilidade.

Janio de Freitas - Férias sem viagem

- Folha de S. Paulo

O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro

As datas agendadas para a cirurgia reparadora de Jair Bolsonaro, hoje, e para seu discurso na Assembleia Geral da ONU, 24 deste mês, juntam-se em uma utilidade não originária do acaso. Ao informar da hospitalização, Bolsonaro falou em “férias de dez dias, talvez doze”. Duração bem maior, e com fim mais próximo da viagem, do que a previsão médica de “uns sete dias”. Pouco depois, fez a menção dramática à possível ida “de cadeira de rodas” e, logo, “até de maca”. Duas formulações não motivadas que contrapõem, no senso comum, a cirurgia e a viagem a Nova York.

A movimentação de Bolsonaro nas últimas semanas sugere que sua situação não tem gravidade, nem a cirurgia tem urgência. Ou poderia estar feita. O aparecimento repentino da hospitalização e sua data dão a Bolsonaro o recurso da eventual “recomendação médica” de não viajar. Seria uma “ausência forçada”, caso venha a lhe parecer, se ainda não parece, que a ida à ONU é uma imprudência. Ou provocação.

O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro. É natural que por lá não tenham esquecido sua afirmação de que, eleito, retiraria o Brasil da entidade, tratando-a como um amontoado de comunistas. E, mais recentes, seus ataques ao secretário-geral António Guterres e à dirigente do Alto Comissariado de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, de muito prestígio na diplomacia e entre políticos de nível internacional. Amazônia condenada, indígenas perseguidos, liberação de armas, ataques a Noruega, Alemanha e França integram o cardápio da recepção a Bolsonaro. Sem surpresa, se ao som de vaias.

Além de poupar o Brasil de mais vergonheiras, a permanência aqui oferece a Bolsonaro um cardápio tão interessante quanto o nova-iorquino. Assunto que o mobiliza, por exemplo, não é gratuito o reaparecimento das suspeições que atingem o filho Flávio. Por ora, requentadas.

Mas a volta promete.

Bruno Boghossian – Bolsonaro lançou Moro

- Folha de S. Paulo

Presidente lançou candidatura do ex-juiz para 2022 ao ampliar choque com Lava Jato

Sempre que pode, Sergio Moro nega ter qualquer pretensão eleitoral imediata. Em entrevista recente, disse que “é claro” que Jair Bolsonaro será candidato à reeleição. “Seria impróprio pensar diferente”, afirmou. A última semana, no entanto, deixou mais evidente que o presidente e o ministro já fazem parte de projetos políticos distintos.

A reação do eleitorado bolsonarista à escolha do novo procurador-geral da República afastou os trilhos em que correm os dois personagens. Sem calcular, o presidente lançou, na prática, a candidatura do ex-juiz.

“Tem uns 20% pelo menos no Facebook falando que acabou a última esperança deles, que não vota mais em ninguém ou que vai votar no Moro em 2022”, declarou Bolsonaro, em sua última transmissão ao vivo.

Vinicius Torres Freire – Em vez de teto solar, mais arrocho

- Folha de S. Paulo

Tiro da revisão do limite de gastos sai pela culatra; deve vir corte mais radical de despesas

A conversa sobre a revisão do teto de gastos federais deve sair pela culatra: governo e lideranças do Congresso pretendem radicalizar o arrocho da despesa. Se as medidas vão passar pelo chão do Parlamento e pelo Supremo é outra história, mas convém prestar atenção ao risco de radicalizações variadas até 2020.

Radicalizações? Sim, talhos quase imediatos na despesa com servidores, para citar um conflito fiscal dos vários que virão.

Há a radicalização de Jair Bolsonaro. Objeto de críticas de partidários a sua direita, além da borda da Terra plana, o presidente começou a jogar a carta de “depois de mim, o dilúvio” (a “volta do PT”) _isso aos oito meses de mandato. Além do mais, Bolsonaro se volta para sua base mais extremada, ameaça criar uma questão religiosa e diz que, se baixar a borduna, terá apoios.

Mesmo integrantes da elite econômica, para quem em geral Bolsonaro é preço bom a se pagar por “reformas”, começam a se queixar em público dos desvarios. Se por mais não fosse, e é, a maluquice boquirrota ameaça negócios.

Quanto ao problema fiscal, a ideia no comitê central reformista é criar uma lei simples que facilite medidas imediatas de redução de despesas ora dificilmente arrocháveis. Não cabe aqui, nestas poucas linhas, explicar a barafunda legal e constitucional que trata das providências para lidar com os diversos tipos de estouro dos limites de gastos do governo. Importa reter que, na prática, quer se dar um jeito de fazer com que tais medidas emergenciais possam ser aplicadas no ano que vem, no mais tardar em 2021.

Assim que o déficit do governo atingir um certo nível, desconsideradas as despesas de investimento em obras e similares, a guilhotina vai descer. Já existem tais previsões legais (regra de ouro, do teto), que na prática não funcionam. A nova norma seria simples, com gatilhos rápidos.

O primeiro talho viria nos salários de servidores (por meio da aumentos de contribuição previdenciária, redução de jornada acompanhada de corte em vencimentos, bloqueio de reajustes e contratações). Não se trata da “reforma administrativa”, de carreiras e salários, que ainda virá, mas de corte emergencial, mas duradouro.

Elio Gaspari* - O Ministério Público precisa saber o seu lugar

- Folha de S. Paulo | O Globo

Não cabe a procuradores contestar ato legítimo do presidente da República

Quando Ulysses Guimarães trabalhou para transformar o Ministério Público numa entidade independente, sonhava com uma instituição. Passados 30 anos, surgiu uma corporação.

Quase um soviete, ela reclama porque o presidente Jair Bolsonaro nomeou para a Procuradoria-Geral o procurador Augusto Aras, que não entrou na lista tríplice da guilda da categoria. Assim como Bolsonaro foi para a Presidência pelo voto popular, Aras vai para a cadeira porque a Constituição dá ao presidente esse poder. A Associação Nacional dos Procuradores disse que Bolsonaro interrompeu "um costume constitucional". Isso não existe, o que há é o texto da Constituição e o presidente cumpriu-o.

O que Aras fará no cargo, só ele e o tempo dirão. Logo logo, irá para a sua mesa uma representação de deputados petistas contra o corregedor do Ministério Público pela maneira como lidou com as palestras de Deltan Dallagnol. A ver o que fará. A cadeira para a qual vai Aras já foi ocupada por um engavetador-geral e por um exibidor-geral. Um dia antes da escolha de Bolsonaro, a procuradora-geral Raquel Dodge se viu diante de uma rebeldia legítima (e legal) dos seis colegas da equipe da Lava Jato de Brasília, que devolveram seu cargos, insatisfeitos com a conduta da chefe. Horas depois, o sexteto ganhou a solidariedade da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba.

Nos seus grupos de bate-papo, os procuradores diziam o que queriam e planejavam o que não deviam. Expostos pelo Intercept Brasil, blindaram-se, numa estratégia de absurda negativa, como se nenhuma mensagem fosse verdadeira. Não querem explicar o que escreveram.

Merval Pereira – Experiência adquirida

- O Globo

Se o presidente for à assembleia da ONU em Nova York, poderá enfrentar atitudes hostis devido à posição brasileira sobre a Amazônia

Se o presidente Bolsonaro cumprir sua promessa de ir “nem que seja de maca ou cadeira de rodas” à abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), se deparará com amplos movimentos ambientalistas em Nova York, cidade cujo prefeito, o democrata De Blasio, já o impediu de receber um prêmio por considerá-lo persona non grata. A semana do meio ambiente em Nova York contará com vários eventos organizados pela prefeitura, pela ONU e pelo Fórum Econômico Mundial, e a preservação do meio ambiente será o assunto dos próximos dias, até abertura da sessão anual da ONU, que tradicionalmente é feita com o discurso do presidente brasileiro.

Bolsonaro já disse que vai falar de Amazônia e soberania, e há o temor de que tenha que enfrentar atitudes hostis devido à posição brasileira. Provavelmente, porém, os médicos não deixarão Bolsonaro, que será operado hoje, viajar, e ele será poupado de críticas de corpo presente.

O desmatamento da Amazônia não é apenas alvo de protestos, mas também de pressões econômicas. Há um movimento global exigindo pressão dos bancos centrais para que passem a levar em consideração a mudança climática, colocando investimentos em empresas poluidoras como potencialmente arriscados. Brasil e Estados Unidos estão fora desse movimento, pois não se preocupam com o o tema, na visão dos ambientalistas.

Esse retrocesso na nossa imagem no exterior em relação à preservação da Amazônia traz prejuízos políticos e econômicos, embora tenhamos práticas que já deram certo entre nós, abandonadas justamente pelas mesmas razões que hoje fazem o governo brasileiro ser criticado.

Quando a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva deixou o governo Lula, em 2008, em protesto contra a revogação de diversas regras incluídas no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento, a tendência foi de seu crescimento pouco depois. Até 2012, no entanto, o desmatamento foi reduzido.

Dorrit Harazim - Diplomacia em falta

- O Globo

A última coisa de que Mauricio Macri necessita nesta reta final seria uma ejaculação verbal ideológica a seu favor por parte de Jair Bolsonaro

Faltam poucas semanas para o primeiro turno da eleição presidencial na Argentina, e no horizonte do candidato conservador à reeleição, Mauricio Macri, os obstáculos se empilham. A última coisa de que ele necessita nesta reta final seria uma ejaculação verbal ideológica a seu favor por parte de Jair Bolsonaro. A recente apologia a ditaduras passadas e elogios à barbárie da era Pinochet no Chile, feitas pelo chefe do governo brasileiro, receberam execração mundial. Melhor não mexer com isso na Argentina. A ideia de que o ministro da Fazenda brasileiro, Paulo Guedes, também possa ter uma recidiva, desta vez em relação a Cristina Kirchner, companheira de chapa do candidato esquerdista Alberto Fernández, seria outro pesadelo para Macri. Guedes, que esta semana achou espirituoso emitir vulgaridades sobre a primeira-dama da França, Brigitte Macron, faria melhor atendo-se à sua função oficial. Cristina, como se sabe, é a principal locomotiva do que resta do peronismo/kirchnerismo no país, e grosserias gratuitas contra ela em nada alavancariam a popularidade do argentino.

É pouco provável que o chanceler Ernesto Araújo considere necessário atualizar Bolsonaro sobre a “diplomacia de desclassificação” existente entre Estados Unidos e Argentina. Pena, pois desconhecê-la é atalho certo para mais erros do Brasil no futuro.

A audaciosa iniciativa diplomática fora anunciada em 2016 por Barack Obama durante sua visita oficial à Argentina de Cristina Kirchner, que à época ocupava a Casa Rosada. A pedido de Buenos Aires, os Estados Unidos se comprometiam a liberar a montanha de documentos oficiais secretos das relações bilaterais do período 1976-83. Um total de 47 mil páginas guardadas por FBI, CIA, Pentágono, Conselho de Segurança Nacional e Departamento de Estado.

Bernardo Mello Franco - Derrotados e divididos

- O Globo

Os traumas da eleição de 2018 continuam a dividir a esquerda. Em atos contra o governo Bolsonaro, Ciro e Haddad ainda evitam dividir o mesmo palanque

Na semana passada, a oposição promoveu dois atos públicos contra o governo de Jair Bolsonaro. Os protestos mostraram como os traumas da derrota em 2018 ainda dividem a esquerda. A exemplo do que aconteceu na campanha, Ciro Gomes e Fernando Haddad evitaram dividir o mesmo palanque.

Na segunda-feira, Ciro participou do ato “Direitos Já”, em São Paulo. Haddad foi convidado, mas não apareceu. Dois dias depois, o petista desembarcou em Brasília para o lançamento de uma frente parlamentar nacionalista. Desta vez, Ciro não deu as caras.

O jogo de gato e rato tem sido comum desde aposse do capitão. Os veis chegaram ase cruzar no último dia 30, na abertura de um festival de cinema em Fortaleza. O clima foi de constrangimento. Para desgosto de Ciro, a plateia saudou a chegada de Haddad com gritos de “Lula livre”. Eles se cumprimentaram rapidamente e se afastaram.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, admite que a tensão só aumenta desde fevereiro, quando o ex-governador do Ceará bateu boca com estudantes por causa de Lula. “O Ciro e o PT ficaram quase inconversáveis. Estamos tentando evitar que isso vire uma guerra sem fim”, diz o pedetista. “O Brasil está vivendo um momento grave. É hora de ter um pouco de juízo, de pensar acima dos interesses individuais”, apela.

Ascânio Seleme – Vêm aí bedéis-militares

- O Globo

Escolas para militarizar consciências

Alguém deveria explicar ao presidente da República que a época de impor coisas a pessoas ou comunidades já passou. Embora esse seja um país muitas vezes inacreditável, o tempo de empurrar decisões goela abaixo acabou há mais de 30 anos. Na quinta-feira, ao lançar programa para ampliar o número de escolas cívico-militares no Brasil, Jair Bolsonaro reclamou com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por ter consultado determinada escola sobre adotar ou não o modelo. A escola, ouvidos alunos, pais e professores, rejeitou a proposta. O presidente disse ao governador que a consulta era desnecessária. “Não tem que perguntar para pai e responsável. Tem que impor. Tem que mudar”, ele teve coragem de afirmar.

O modelo acrescenta ao currículo obrigatório das escolas princípios de moral e civismo, de patriotismo e todo aquele arsenal de conceitos que se conhece nas escolas geridas por militares. Mas, sobretudo, o que se prioriza é a disciplina. Ninguém é contra disciplina nas escolas. Ao contrário, as imagens de professores sendo agredidos por alunos em sala de aula são exemplos do que não se pode tolerar. Mas a disciplina e a segurança obtidas pela mão de ferro militar também podem ser alcançadas por boa gestão civil. O que as escolas precisam é de bons professores, bons diretores, equipamentos adequados e recursos para fazer todos esses elementos rodarem em harmonia.

Míriam Leitão - Literatura e liberdade

- O Globo

Tentativa de censura foi fortemente rechaçada pela Bienal do Rio, que está sendo espaço da resistência cultural e literária

A censura tem surgido com frequência nos eventos literários do país. Não por acaso. Os livros sempre pareceram ameaçadores a mentes autoritárias e em tempos de intolerância. Ceder a quem tenta cercear o caminho entre o leitor e o livro é aceitar que um perigoso inimigo da liberdade ganhe corpo. A prefeitura do Rio mandou agentes da “ordem pública” vasculhar a Bienal atrás de material “impróprio” e que não seguisse as “recomendações”. As palavras aspeadas podem ter qualquer sentido, a ser dado por quem se considera com autoridade de decidir o que é próprio, recomendável e ordem pública. A literatura é o terreno da liberdade. As duas palavras nasceram juntas. São irmãs.

A Bienal do Rio decidiu resistir, inclusive com um mandado de segurança preventivo e uma nota que lembra de que lado estão as leis. As editoras também reagiram. Neste momento, há vários motivos para resistência: estagnação, crise na indústria do livro, dificuldades das empresas, pressões diretas ou subliminares que outros eventos literários têm recebido para banir autores e temas. Nos dez dias que terminam hoje à noite, a grande festa do livro vem tratando das questões que são parte da vida contemporânea. Autoritarismo e democracia, escravidão, racismo, imigrantes e refugiados, LGBT, feminismo, indígenas, Amazônia, censura. “A Bienal entende que sua missão principal é a difusão da leitura no Brasil”, disse Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Decisiva missão nesta hora e lugar.

Alguém pode dizer que está havendo exagero, porque apenas uma revista em quadrinhos foi diretamente ameaçada. Ray Bradbury, autor do consagrado “Fahrenheit 451”, nos avisa, à moda de Bertolt Brecht, que depois de um veto virá outro. “Eles começaram controlando gibis, depois livros de detetives e, claro, filmes, sempre em nome de algo distinto: as paixões políticas, o preconceito religioso, os interesses profissionais; sempre houve uma minoria com medo de algo, e uma maioria com medo das trevas...”

Goethe, velho defensor da luz, disse que “nada é mais ameaçador do que a ignorância ativa”. Ela está em plena atividade no Brasil de hoje. Quem promove eventos literários, culturais, quem produz filmes, quem se dedica à arte sabe que a censura tem se infiltrado por caminhos oficiais e particulares. Existe a proibição explícita, a intimidação virtual, a ameaça física, a suspensão de patrocínios, a tentativa de banir temas.

Ricardo Noblat - Um novo e sombrio tempo se anuncia

- Blog do Noblat | Veja

“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”

Começa assim. Primeiro, apreende-se livros porque seriam nocivos à sociedade. Depois, prendem-se os que o escreveram porque poderiam reincidir no mesmo crime. Em seguida, punem-se os que os leram porque não deveriam tê-lo feito. E tudo em nome da moral, dos bons costumes e do respeito à família e a Deus.

Está na Constituição, artigos 5º, incisos IV, IX e XV:

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”

Diz o artigo 220, parágrafos 1º e 2º:

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a. informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

“Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV”.

“É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

A cidadão algum é dado desconhecer o que prescreve a Constituição em vigor. É sob a sua égide que vivemos. Ela estabelece nossos direitos e deveres. Cabe ao Supremo Tribunal Federal, como a mais alta Corte de Justiça do país, interpretar a Constituição e zelar para que ela seja cumprida.

Quando mandou que fiscais fossem à Bienal do Livro apreender os exemplares do livro “Vingadores – A Cruzada das Crianças” porque um dos super-heróis é homossexual, o prefeito Marcelo Crivella, do Rio, sabia que atentava contra a Constituição. Foi advertido sobre isso por seus assessores. E por que o fez?

Para tirar vantagem política junto aos eleitores evangélicos. Ele é bispo da Igreja Universal. É sobrinho do dono da Universal e também da Rede Record de rádio e de televisão, o bispo Edir Macedo. E candidato à reeleição no próximo ano. Enfrentará uma parada dura porque sua administração é mal avaliada.

Alon Feuerwerker - Falta o centrismo dizer o que faria diferente

- Blog do Noblat | Veja

Aí se verá se é mesmo uma alternativa
O que diferencia a centro-direita e a centro-esquerda da direita e da esquerda ditas de raiz? Um caminho é a autocaracterização, aquele autoembelezamento básico do candidato, partido ou coligação para se diferenciar de alguém que rotulou de extremista. Mas não basta se dizer de centro, ou moderado, é preciso explicar qual é a sua, e aí parece residir certa dificuldade dos candidatos a ocupar hoje o meio-termo.

Viu-se isso na eleição. O centro tentou se constituir só falando mal dos outros. Não funcionou.

Centro excludente é uma contradição em termos. Para haver centro-esquerda e/ou centro-direita reais é necessário serem esquerda e/ou direita com disposição para fazer concessões programáticas e de poder ao outro lado. Aqui, Luciano Huck está mais perto de ocupar espaço que João Doria. Este parece na dúvida sobre quanto deve ser parecido ou diferente de um Bolsonaro crescentemente belicoso contra concorrentes do mesmo campo político.

Mas a tentativa de um liberal-progressismo, a nova moda, tem limitações. Cravar que a modernidade é se dizer liberal na economia e mais arejado nos costumes pode até ser uma linha mercadológica, mas vai enfrentar a barreira conhecida: com variações, todas as pesquisas confirmam que a maioria do eleitorado pensa exatamente o contrário, defende o conservadorismo no comportamento e não abre mão de alguma proteção estatal.

Verdade que as coisas estão mudando. A incógnita é quanto. O colapso econômico na reta final dos governos petistas abriu espaço inédito para a defesa das ideias liberais no Brasil. Mas é claro que o troféu só virá se vierem também os resultados. E é cedo para prognosticar. A Argentina está aí para não deixar o analisa se acomodar em prognósticos automáticos. Inclusive agora, depois da folgada vitória do peronismo nas PASO.

Do lado esquerdo, o centrismo clássico é aceitar políticas econômicas ditas de direita e acomodar-se à democracia representativa pura. “Lulinha Paz e Amor” foi o exemplo mais recente. Mas o ambiente agora e o que vem por aí não levam jeito de acomodação, têm viés de conflagração. No cenário polarizado, se for para fazer igual por que o eleitor escolheria hoje a esquerda? Só pelo desconforto com o estilo de Bolsonaro? Não parece suficiente.

O que pensa a mídia – Editoriais

Marcha às trevas – Editorial | Folha de S. Paulo

Governantes desvirtuam o conservadorismo rumo à censura e à ignorância

A semana recém-encerrada se mostrou tristemente pródiga em episódios nos quais governantes se valeram do poder do Estado para impor preconceito e intolerância, à custa da liberdade de expressão e da difusão do conhecimento.

A investida do prefeito do Rio contra um gibi foi apenas o caso mais grotesco —e, até por isso, menos danoso. Na quinta-feira (5), Marcelo Crivella (PRB) meteu-se a anunciar o recolhimento de uma publicação em quadrinhos, exposta na Bienal do Livro, devido a uma imagem de dois rapazes se beijando. Vestidos, ressalte-se.

Apresentada como medida destinada a proteger a família e os menores de idade, a tentativa canhestra de censura deu em nada.

A organização da Bienal não atendeu à notificação extrajudicial em que o alcaide pedia que os exemplares da obra fossem lacrados. No dia seguinte, uma liminar judicial impediu a prefeitura de apreender livros no evento. Crivella, afinal, ainda se prestara ao ridículo de enviar fiscais ao local em busca de algum artigo inapropriado.

Poesia | Graziela Melo - Pardos dias

Pardos dias
que se vão
ao longo
do meu viver

O entra
e sai
da agonia,

olhando
a casa
vazia

desde
a noite
ao sol nascer!

Os sons
longínquos
da alma,

exíguos
e já
rarefeitos,

se assemelham
aos tristes
sinos

que badalam
na solidão,

quando o sol
já vai fugindo,

e o céu
se avermelha
antes da
escuridão