sábado, 14 de setembro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

A economia finalmente dá sinais positivos. Tomara que voltem os empregos. Investimentos precisam de confiança. Se os que mandam entenderem que as palavras pesam (no exterior mais ainda) e deixarem de criticar presidentes ou suas esposas melhor ainda. Compostura ajuda a governar.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. Twitter, 13/9/2019

Eros Roberto Grau* - A Lei da Anistia

- O Estado de S.Paulo

Há episódios que não podem ser esquecidos, mas os juízes não fazem justiça, são servos da lei

São Paulo, 31 de janeiro de 2010. No dia seguinte voltaríamos a Brasília, eu ao Supremo Tribunal Federal (STF). Almoçávamos num restaurante ao lado de nosso apartamento em São Paulo, minha mulher e eu, nossa conversa girando em torno da decisão que eu planejava tomar assim que lá chegasse, a decisão de me aposentar. Então, de repente, eu lhe disse que, se então me aposentasse, anos depois diria a mim mesmo que isso fizera para fugir do encargo de relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153.

Uma entrevista minha publicada aqui, no Estadão, em 28 de agosto (A14), levou-me agora a relembrar o passado. Ir de volta a ele, 2010, relembrando-o - o passado -, foi fundamental para que eu decidisse deixar o tribunal somente após o julgamento desse processo.

Antes de tudo, talvez, um episódio que suportei em 1970 - quando estive preso no DOI/Codi, de lá saindo pelas mãos de Dilson Funaro e Abreu Sodré -, episódio que há de ter levado advogados autores dessa ADPF a um desastrado equívoco. À suposição de que por conta desse episódio eu me comportaria não como magistrado fiel cumpridor do Direito Positivo, mas pretendendo a ele retornar e vingar o passado.

Tentei durante todo o tempo em que exerci a magistratura ser conduzido pela phronesis aristotélica. Reafirmando que juízes e tribunais são vinculados pelo dever de aplicar as leis. Dever de praticar prudência, produzir jurisprudência, e não arte ou ciência. Como reafirmei aqui mesmo, em artigo publicado na edição de 12 de maio de 2018, fazer e aplicar as leis (lex) e fazer justiça (jus) não se confundem.

Assim procedi como relator da ADPF 153. Como um autêntico juiz, não como ator diante de câmeras de televisão. Convicto de que os juízes não fazem justiça, são servos da lei.

Lendo O Ser e o Nada dou-me conta de que a eles se aplica o quanto Sartre diz da conduta do garçom de um café, que executa uma série de gestos solícitos para atender o cliente, traz o pedido até a mesa equilibrando a bandeja, etc. Exatamente assim são os juízes ao cumprirem o papel que a Constituição lhes atribui. Podem ser tudo, no sentido de que não são perpetuamente juízes. Mas enquanto juízes hão de exercer, representar seu papel nos termos da Constituição e da legalidade. Não o que são quando cumprem outros papéis - de professor, artesão ou jardineiro, por exemplo - e se relacionam com os outros ou consigo mesmo. Enquanto não estiverem a judicar, poderão prevalecer os seus valores. Como juízes, contudo, hão de submeter-se à Constituição e às leis, unicamente nos seus quadros tomando decisões.

Dom Odilo P. Scherer* - Sínodo da Amazônia no fogo das polêmicas

- O Estado de S.Paulo

Não se justifica a suspeita de que a ação da Igreja Católica sirva a interesses estrangeiros

As imagens das queimadas e da fumaça na Amazônia foram amplamente divulgadas nas mídias nacionais e internacionais nas últimas semanas. Além dos preciosos pedaços da floresta tropical destruídos, o fogo também esquentou a cabeça de alguns governantes, a ponto de levar ao nível das ofensas pessoais e de chamuscar relações internacionais. Não é para menos. A maior floresta tropical do mundo, da qual fazem parte nove países da América do Sul, interessa muito a cada um desses países, especialmente ao Brasil, que detém sozinho cerca de 60% desse bioma extraordinariamente pródigo em vida, água e riquezas do subsolo.

Mas os interessados não são apenas esses nove países, prontos a levantar a voz em defesa da sua soberania sobre esses territórios. Muitos outros países estão de olho na Amazônia. Talvez tenha passado pela cabeça de algum governante saudoso dos tempos coloniais a hipótese inaceitável de uma “soberania relativa” dos países amazônicos sobre seus territórios. Em geral, porém, o mundo está interessado na Amazônia pelo fato de reconhecer que se trata de um bem extraordinário e único, que tem importância para todos os habitantes do nosso planeta.

A preocupação geral diante das ameaças reais de destruição do ecossistema amazônico é compreensível e não se precisaria pôr logo em xeque a soberania nacional. Há interesse no cuidado da Amazônia e os países da área, além de fazerem o possível para cuidar bem da Amazônia, poderiam aceitar a ajuda de outros países dispostos a fazê-lo. E até tirar vantagem desse interesse geral, compartilhando, de alguma forma, o ônus do bom cuidado desse “bem para todos”, sem que se questione a soberania dos países da área.

João Domingos - Mudança de rumos

- O Estado de S.Paulo

Combate à corrupção deixa de ser bandeira n.º 1 do chefe do Ministério Público

A escolha do subprocurador Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República consolida o que há algum tempo começou a ser percebido no mundo político e entre os eleitores de Jair Bolsonaro: o presidente da República deu um cavalo de pau em sua principal bandeira de campanha, a do combate à corrupção.

Essa mudança de rumos pode explicar também os atritos do presidente com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, levado ao governo por causa de sua fama de justiceiro e de inimigo da corrupção. E, também, as interferências de Bolsonaro na Polícia Federal, na Receita e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que por intermédio da Medida Provisória 893/2019 foi transferido do Ministério da Economia para o Banco Central.

O meio político, cansado de quase todo dia ver um de seus integrantes alvo de ação do Ministério Público, gostou da escolha de Aras. Com isso, se o novo procurador não tiver o voto de todo mundo quando o Senado se reunir para deliberar sobre a indicação dele, chegará perto da unanimidade.

Já parte dos eleitores de Bolsonaro, como se sabe, repudiou a escolha. A ponto de o presidente usar sua live semanal no Facebook, há cerca de dez dias, para pedir paciência e compreensão aos eleitores. Porque, segundo Bolsonaro, não basta na chefia do Ministério Público alguém que apenas combata a corrupção. É preciso ter sensibilidade também em outros setores. E numa cena poucas vezes vista antes, a de Bolsonaro na defensiva, o presidente recorreu a uma expressão bíblica: “Atire a primeira pedra quem não teve nenhum pecado. Eu tive que escolher alguém.”

Adriana Fernandes - Bonde da reforma

- O Estado de S.Paulo

Sem CPMF, governo avalia agora como entregar a prometida desoneração

É fato que a rejeição à volta da CPMF é tamanha que deu o empurrão final para a demissão do então secretário da Receita Federal Marcos Cintra. Não foi o único motivo. Pressões externas ao trabalho da fiscalização devem levar à reestruturação do órgão, como antecipou o Estado.

Um processo, se não igual, semelhante ao que aconteceu no Coaf, o órgão de combate à lavagem de dinheiro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vai fazer essa mudança na Receita. O ritmo dela dependerá do perfil do substituto de Cintra no comando do Fisco.

A repulsa à recriação da CPMF é maior na sociedade civil do que no meio político, ao contrário do querem fazer crer os parlamentares influentes do Congresso. O relator da reforma tributária do Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), já antecipou que vai continuar a estudar a possibilidade de criação de um imposto semelhante à CMPF para substituir parte das contribuições sobre a folha de salários para gerar empregos.

É sempre bom recordar que a proposta inicial do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que é o autor do texto em tramitação no Senado, previa a criação de um tributo nos moldes da CPMF.

Fareed Zakaria - Trump busca uma vitória em política externa

- The Washington Post | O Estado de S.Paulo

Após quase três anos na Casa Branca, presidente tem poucas conquistas para apresentar aos eleitores americanos

No momento em que Donald Trump parte para seu quarto assessor de Segurança Nacional em três anos, fica claro que sua política externa está em frangalhos. Provocou muita turbulência, mas quase nada alcançou de concreto. Apesar de todas as bravatas do presidente, não há nenhum acordo com China, Irã, Coreia do Norte, Taleban ou entre israelenses e palestinos – apenas incerteza, desapontamento e muitos sentimentos feridos.

Trump disse que era um excelente negociador. Mas, além de mudanças insignificantes no caso do Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte) e de um pacto comercial com a Coreia do Sul, Trump realizou muito pouco. E existem muitas razões para isso.

O seu governo tem sido caótico e indisciplinado, trazendo o etos de uma imobiliária familiar para uma das maiores e mais complexas instituições do mundo, o governo dos EUA. A rotatividade da equipe de alto escalão foi maior em dois anos e meio do que em muitos governos anteriores.

Mas o problema é que Trump, apesar das bravatas, é um mau negociador. No caso de Kim Jong-un e do Taleban, ele cedeu um poder de influência crucial desde o início. Os norte-coreanos queriam reuniões diretas com o presidente dos EUA havia décadas e a resposta sempre foi que isso ocorreria apenas depois de eles fazerem concessões. Trump dispensou isso, esperando com charme convencer Kim a renunciar às armas nucleares. Até agora, Kim está vencendo por um a zero.

No caso do Afeganistão, Trump condenou Barack Obama por anunciar prazos para a retirada de tropas americanas, alegando que isso permitiria ao inimigo ficar à espreita. Mas acabou fazendo algo similar, anunciando repetidamente sua vontade de se retirar e sendo surpreendido pelo fato de que o Taleban procurou tirar vantagem disto.

Demétrio Magnoli* - Bolsonaro e o 'Sistema'

- Folha de S. Paulo

Nas frases claudicantes do 02, descortina-se o programa de governo que resta ao bolsonarismo

Na linguagem da ultradireita, o “Sistema” designa as barreiras postas pela democracia no caminho de candidatos a tiranos.

O que Carlos Bolsonaro pensa é irrelevante. Mas o que escreveu sobre a democracia não é, porque ele apenas verteu para seu estranho idioma, longiquamente aparentado com o português, as sentenças emanadas do cérebro ideológico da ultradireita brasileira.

A insurreição retórica antidemocrática proporciona o ganha-pão de Olavo de Carvalho, o Bruxo da Virgínia, fonte exclusiva da cultura política do clã Bolsonaro. Nas frases claudicantes do 02, descortina-se a história da ascensão de Jair Bolsonaro ao Planalto e, à frente, o programa de governo que resta ao bolsonarismo.

A campanha popular pelo impeachment, em 2015, produziu uma cisão nas falanges da direita. Num certo ponto, Olavo de Carvalho denunciou o MBL, que o tinha na conta de sábio supremo, como traidor da causa.

O Bruxo da Virgínia não se associaria ao “impeachment parlamentar”, a mudança dentro da ordem, preconizado pelos garotos “liberais”. Da sua toca no mato, protegido pela fronteira, o farsante profissional clamava por um levante do povo e dos militares contra o “Sistema”. A desavença original segue ativa, funcionando como um divisor de águas na base ideológica do governo.

O “Sistema” é como chamávamos a ditadura militar nos tempos em que era perigoso dar os nomes certos às coisas. Na linguagem da ultradireita atual, o “Sistema” designa as barreiras institucionais postas pela democracia no caminho de candidatos a tiranos: a Constituição, o Congresso, o Judiciário, a imprensa. O charlatão que pauta o 02 (e o 01, o 03 e o 00) prega a supressão dessas barreiras, a fim de limpar a trilha das “transformações que o Brasil quer”.

Julianna Sofia - Buraco negro

- Folha de S. Paulo

Brasil está quebrado, mas Congresso quer afrouxar uso de dinheiro público por políticos

A Prefeitura de Bento Fernandes faliu. Sem condições de pagar salários e com uma dívida milionária, o alcaide do município de 5.500 habitantes no Rio Grande do Norte fez um pronunciamento na praça da cidade para explicar a situação à população. Serviços foram suspensos, pagamentos sustados, funcionários exonerados, e a repartição amanheceu de portas fechadas. Metonímia do Estado brasileiro.

O Brasil está quebrado em todas as esferas (federal, estadual e municipal). O desequilíbrio entre o que se arrecada —em tempos bicudos— e o que se gasta, principalmente com funcionalismo e Previdência, levou o país à bancarrota. O investimento estatal virou piada de mau gosto.

Mesmo diante da tragicidade, há uma desfaçatez sem limites com o emprego da coisa pública. O Congresso está a um passo de afrouxar controles, flexibilizar regras de uso e até mesmo ampliar a destinação de recursos da viúva para o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Os dois fundos que hoje alimentam a máquina partidária e as disputas nas urnas consomem R$ 2,7 bilhões do cofres do Tesouro Nacional.

Hélio Schwartsman - O que a Bíblia nos ensina

- Folha de S. Paulo

Vereadores de Campina Grande aprovam 'Leitura Bíblica' nas escolas da cidade

Os vereadores de Campina Grande (PB) aprovaram, e o prefeito sancionou, a lei n° 7.280, que institui a “Leitura Bíblica” nas escolas públicas e privadas da cidade. Ainda não está muito claro o que virá pela frente, porque a norma é muito vaga. O objetivo, porém, é, como estabelece o próprio diploma, repassar aos estudantes o “conhecimento cultural, geográfico e científico” contido no livro sagrado.

E o que a Bíblia nos ensina? Comecemos pela ciência. De acordo, com Josué 10:12, Deus parou o Sol para que os israelitas pudessem massacrar os amorreus sem pressa, à luz do dia. Os astrofísicos ímpios, porém, não só dizem que é difícil interromper o movimento de rotação da Terra como ainda que, se Deus, em sua onipotência, fizesse isso, provocaria uma série de cataclismos que deixariam o grande dilúvio no chinelo.

Alvaro Costa e Silva - A história dos bares do Rio

- Folha de S. Paulo

Em seu momento, eles pareceram eternos. Mas estão morrendo, como o Bar Luiz, na rua da Carioca

Paulo Mendes Campos gostava de botecos. Tanto que, ao longo da vida, ele recolheu material para um livro na esperança de que um dia algum editor se animasse a publicá-lo. PMC, além de poeta, era redator profissional, vivendo desses bicos. O título estava escolhido: “História dos Bares do Rio”.

O projeto não vingou. Algumas informações, ao menos, valeram para uma crônica. Intitulada “Os Bares Morrem numa Quarta-Feira”, nela se afirma que o hábito de beber chope na cidade surgiu nas ruas da Assembleia e da Carioca. É justamente nesta última que fica o Bar Luiz, 132 anos, ameaçado de fechar. Adeus “eisbein” com salada de batata e mostarda preta.

Das cervejarias os cariocas passamos aos cafés, onde também e principalmente se bebia cerveja: o mais famoso deles era o Vermelhinho (não confundir com o Amarelinho, primo mais novo). Nos anos 1940, uma reportagem de Elsie Lessa revelou que no Rio havia 1.800 cafés “dotados de aparelhos telefônicos” —a maioria com cadeiras de palhinha nas calçadas.

Marcus Pestana - Assim caminha a humanidade ou para onde vamos

-
- O Tempo (MG)


Vivemos a era das incertezas plenas. Se alguém souber algo sobre para onde vamos, escreva um livro rápido, será Best seller global. As coisas andam um tanto embaralhadas. No Século XX tínhamos a Guerra Fria e sua bipolaridade clara. Esta referência naufragou, embora alguns insistam em enfrentar falsos moinhos de vento ideológicos. A globalização enfraqueceu a autonomia dos Estados Nacionais. A Internet e as redes sociais radicalizaram a integração global. As criptomoedas e a mobilidade do capital financeiro desafiam a capacidade dos Bancos Centrais. A democracia, ideia supostamente consolidada e vitoriosa, sofre ameaças em vários cantos. O desemprego estrutural e a migração dos que fogem da miséria provocam temores e instabilidade. Será que apenas mercadorias e capitais podem ter ampla circulação? As pessoas não? Que liberalismo é esse? O nacionalismo autoritário ressurge das cinzas entre vácuos e interrogações do mundo contemporâneo. O que nos reservará o futuro?

Quem diria que na terra de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt, Eisenhower, Kennedy, Clinton e Obama, iria surgir um líder disruptivo como Trump? Ele é seu desprezo pela democracia e pelas instituições. Ele é sua desestabilizadora guerra comercial. Ele é seus preconceitos, idiossincrasias e agressividade. E os democratas com dificuldades de erguer um projeto alternativo de poder. Como será o mundo se tivermos mais quatro anos de Trump à frente da nação líder do mundo ocidental?

Merval Pereira - Um país quebrado

- O Globo

A reforma da Previdência, ainda que seja a maior das despesas, é necessária, mas não suficiente

O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga traçou um quadro dramático das contas públicas brasileiras na entrevista que deu ao programa Central GloboNews, na quarta passada. Segundo ele, o problema hoje é que 80% do gasto público do Brasil vêm de duas grandes contas, a do funcionalismo público e a da Previdência. “É preciso mexer nelas, sob pena de não sobrar dinheiro para nada”. Os demais gastos estão muito comprimidos, inclusive os investimentos públicos, que estão perto de 1% do PIB, quando nas últimas décadas chegou a um pico de cerca de 5% do PIB.

Arminio destacou que o volume de investimentos do setor público no Brasil nos últimos quatro anos não foi suficiente sequer para repor a depreciação. “Não à toa estamos assistindo a episódios frequentes de quedas de viadutos, pontes etc”.

Segundo Arminio Fraga, comparações internacionais mostram que os gastos com funcionalismo e Previdência no Brasil estão muito acima dos observados em países de renda média. Ele vê como necessária a redução desses gastos de 80% para 60%, o que proporcionaria uma economia de 7 pontos do PIB, a ser buscada ao longo de dez anos.

Tanto como proporção do PIB quanto como do gasto total, o Brasil gasta bem mais com funcionalismo do que a maioria dos países do Ocidente, destaca Arminio Fraga. Parte desse excedente vem do fato de que temos 20% de participação de empregos públicos no total de empregos do país, um total relativamente alto se comparado a outros países.

Míriam Leitão – Indecisão em tempos de urgência

- O Globo

Governo apostou que a CPMF pudesse desonerar a folha e criar empregos. Perdeu tempo no assunto mais urgente da economia

O governo perdeu tempo namorando uma saída mágica. Com a nova CPMF seria possível reduzir, ou até eliminar, a contribuição previdenciária patronal, e isso, pelo menos na prancheta, criaria emprego. Era um plano com dois alvos: o novo imposto seria parte da reforma tributária e criaria uma política pró-emprego. Agora, o Ministério da Economia está olhando para outros impostos. O primeiro da fila é a taxação de dividendos. Há dois problemas: não arrecada o suficiente para desonerar a folha e teria como compensação a redução do IRPJ.

A proposta de taxar dividendos começou na esquerda, e depois passou a integrar vários programas de candidatos. A tese é de que no Brasil a empresa paga muito imposto, mas o acionista tem isenção. Por isso, os economistas dos candidatos defenderam taxar lucros e dividendos, para deslocar o peso tributário da empresa para os donos ou acionistas da empresa, e assim haveria redução do IRPJ. Se o imposto for criado para cobrir parte da contribuição patronal, o IRPJ ficará alto.

Há outras ideias, todas de baixa potência, como taxar os fundos exclusivos. Isso foi tentado pelo ex-presidente Michel Temer, era uma boa ideia, mas foi derrubada pelo Congresso. Na época se calculava uma arrecadação de R$ 6 bilhões, agora fala-se de R$ 10 bilhões. Nada significativo. Mesmo somando-se com uma estimativa R$ 24 bilhões no imposto sobre dividendos, ficaria anos-luz do necessário. O ministro Paulo Guedes falava em R$ 150 bilhões a arrecadação possível com a CPMF. A contribuição patronal para o INSS rende cerca de R$ 200 bilhões por ano ao governo.

Frei Betto - Face autoritária do neoliberalismo

- O Globo

Por paradoxal que pareça, a lei se tornou ferramenta do neoliberalismo para enfraquecer a democracia. O Estado de Direito vem sendo demolido por dentro, de modo a servir apenas aos interesses da elite. O tão esperado abalo do neoliberalismo, a partir da crise financeira de 2008, não ocorreu. Ao contrário, ele se fortalece com novas estratégias.

O neoliberalismo é mais do que imposição de políticas de austeridade, privatização do patrimônio público, ditadura dos mercados financeiros. Ele implica uma racionalidade de abrangência mundial, que vai da economia de mercado à subjetividade das pessoas. Anula a soberania dos países aos submetê-los aos ditames do FMI, do Banco Mundial e da União Europeia. Demarca a linha divisória entre a parcela da Humanidade com acesso ao consumo e a imensa multidão excluída até mesmo de direitos elementares, como alimentação, saúde e educação.

O neoliberalismo já não necessita fazer concessões ao Estado de bem-estar social, pois desapareceu a ameaça comunista. Já não precisa posar de democrata. Agora, a imposição de um único modelo econômico deve se coadunar com a imposição de um único modelo político, o autoritário, de modo a favorecer a acumulação do capital e conter a insatisfação de amplos setores da população sem direito aos bens essenciais à vida digna.

Guga Chacra - Bernie Sanders erra ao se descrever como socialista

- O Globo

Bernie Sanders chamou Nicolás Maduro de tirano no debate dos postulantes à candidatura democrata à Presidência dos EUA. Acrescentou ainda que defende um socialismo bem diferente do pregado pelo ditador venezuelano. Segundo ele, seu ideal socialista seria os modelos da Escandinávia e do Canadá.

O problema é que os países citados como exemplos pelo pré-candidato democrata não são "socialistas democratas", como ele gosta de se identificar. São social democratas. Assim como o próprio Bernie Sanders, que equivocadamente se identifica como socialista.

O que Bernie defende é um Estado de bem-estar social forte, como na Escandinávia. Quer garantia de saúde e educação universais e direitos trabalhistas, como licença-maternidade e ausências por razões médicas pagas. Não prega a estatização de empresas.

O pré-candidato democrata poderia evitar a associação errada que fazem de suas ideias com as de Maduro se passasse a se identificar como social-democrata. Mas há anos ele insiste em se descrever equivocadamente como socialista. Difícil entender.

Chama a atenção também sua crítica a Maduro e sua defesa da realização de eleições livres na Venezuela. Neste ponto, o senador por Vermont tem razão. Sabe que o líder venezuelano comanda um regime ditatorial. Para ele, o chavismo é prejudicial à esquerda.

Ricardo Noblat - As CPIs que assombram o governo Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

É no que dá querer mandar sozinho
Fora a dificuldade que enfrenta no Congresso para aprovar o que lhe interessa e derrotar o que lhe criaria problemas, um novo fantasma ali passou a assombrar o governo do presidente Jair Bolsonaro – as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

E tudo porque o capitão, cercado por auxiliares sem voto e militares sem tropas, insiste em governar sozinho e se recusa a compartilhar o poder com os partidos. Em uma democracia, em qualquer parte do mundo, é algo que ninguém jamais conseguiu.

Foi aberta a CPI das Fake News para apurar o uso de notícias e perfis falsos que possam ter influenciado o resultado das últimas eleições. Ela já se reuniu duas vezes. E seu presidente, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), já recebeu ameaças de morte.

Os Bolsonaro dizem que jamais distribuíram noticias falsas. No entanto, ninguém mais do que eles estrilaram quando o Congresso criminalizou a distribuição em períodos eleitorais. Bolsonaro, o pai, vetou o projeto. O Congresso derrubou o veto.

Foi protocolado na Câmara na última quinta-feira o pedido de instalação da CPI da Vaza Jato para apurar possíveis ilegalidades reveladas na troca de mensagens entre procuradores da Lava Jato em Curitiba e o ex-juiz federal Sergio Moro.

Sob a pressão do governo, deputados que assinaram o pedido de criação da CPI recuaram e querem retirar suas assinaturas. Só que o regime interno da Câmara diz que isso não é possível. Uma vez assinado o pedido, assinado fica.

Poderá ser criada no Senado a CPI da Lava Toga para investigar o “ativismo judicial” de autoridades de tribunais superiores, especialmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa seria a mais explosiva de todas na avaliação do governo.

Sem dispor ainda do número suficiente de assinaturas para ser criada, a CPI da Lava Toga desatou uma crise no PSL, partido de Bolsonaro, o único que apoia o governo. O senador Flávio Bolsonaro (RJ) tudo faz para impedir sua criação.

“Vocês querem me foder e foder o governo?” – ele berrou em ligação para a senadora Juíza Selma (PSL-MT) que assinou o pedido de criação da CPI. Ao Major Olímpio (PSL-SP), líder do governo no Senado, Flávio disse poucas e boas.

Flávio acha que a CPI despertaria a fúria de ministros do STF e que isso poderia lhe prejudicar diretamente. Foi uma liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli que suspendeu o processo a que Flávio responde por desvio de dinheiro público.

Bolsonaro, o pai, quer ouvir falar de tudo – menos de uma CPI que comprometa o pacto firmado por ele com Toffoli em nome da estabilidade institucional. Dito de outra maneira: o governo não mexe com juízes e os juízes não mexem com o governo.

Está difícil para o clã dos Bolsonaro explicar aos seus devotos que o compromisso de lutar contra a corrupção tem limites. E este seria um: proteger Flávio para evitar que a acusação que pesa contra ele atinja por tabela a nova família imperial do Brasil.

David Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, é contra a CPI da Lava Toga. Se depender dele, não será criada nunca. Em julho último, um processo a que Alcolumbre respondia foi arquivado pelo STF. Ele é grato ao tribunal.

Mr. Simpatia

O general que agrada, mas não resolve
É quase unânime a opinião de deputados e senadores: de longe, o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo da presidência da República desde a demissão do general Santos Cruz, é, disparado, o mais simpático e gentil auxiliar de Jair Bolsonaro.

O que pensa a mídia – Editoriais

Supremo indica o que se espera das instituições – Editorial | O Globo

Na despedida de Raquel Dodge do STF, ministro Celso de Mello demarca o poder do presidente

A sessão de quinta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) foi além do protocolar, como deveria ser. A despedida da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cujo mandato expira terça-feira, serviu para que discursos de praxe iluminassem o tenso momento político nacional. Nele, o presidente Bolsonaro e família demonstram não entender as limitações constitucionais estabelecidas para o Executivo diante dos demais poderes da República, Legislativo e Judiciário.

A todo momento têm ocorrido casos e declarações nas quais fica exposto o entendimento do presidente de que é ele “quem manda”. E não é. Ou não é só ele.

O vigoroso pronunciamento do ministro Celso de Mello, feito na sessão, em defesa da independência do Ministério Público — chefiado por Dodge, e uma das vigas de sustentação da democracia — deve ser entendido pelo presidente e seu grupo como um sumário do que estabelece a Carta.

“(O Ministério Público) é o guardião independente da integridade da Constituição e das leis, não serve a governos, ou a pessoas, ou a grupos ideológicos ( .... ), não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem (...).”

Por uma feliz e ilustrativa coincidência, também anteontem o indicado por Bolsonaro a substituir Dodge, o subprocurador-geral Augusto Aras, cumpriu agenda de contatos com senadores para pedir a aprovação do seu nome. Em uma das conversas, Aras foi gravado por cinegrafista da TV Globo quando relatava ao parlamentar que alertara o presidente: “o senhor não vai poder mandar, desmandar (...)”

Precavido, Augusto Aras. Porque entre as diversas declarações feitas por Bolsonaro, em pé, na porta de carro e na entrada de palácios, algumas indicaram que o presidente tem a expectativa de que Aras virá a ser uma extensão do seu governo no Ministério Público.

Poesia | Carlos Pena Filho - O início

No ponto onde o mar se extingue
E as areias se levantam
Cavaram seus alicerces
E levantaram seus muros
Do frio sono das pedras.
Depois armaram seus flancos:
Trinta bandeiras azuis plantadas no litoral.
Hoje, serena flutua, metade roubada ao mar,
Metade à imaginação,
Pois é do sonho dos homens
Que uma cidade se inventa.