sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Fernando Gabeira* - Soberania em Nova York

- O Estado de S.Paulo

Discursos de presidentes brasileiros são ouvidos com frieza na ONU. Bolsonaro será exceção

Os discursos de presidentes brasileiros são ouvidos com frieza na ONU. É a abertura da sessão, quase uma formalidade. O de Bolsonaro tende a ser uma exceção. Não por suas qualidades oratórias, mas pelas circunstâncias que o cercam.

Leio que o tom do discurso será conciliatório, com ênfase na defesa da soberania. Um tom conciliador é sempre bem recebido. O próprio conceito de soberania nacional, embora definido há séculos por Jean Bodin, foi ratificado no pós-guerra pela ONU ao reconhecer o direito de autodeterminação dos povos.

Em termos diplomáticos, Bolsonaro tem dito barbaridades, se consideramos que fala pelo País. Zombou da mulher de Macron, ironizou a Alemanha, criticou a Noruega e defendeu a ditadura de Augusto Pinochet. Pesa contra ele, também, sua desconfiança da ONU e de instrumentos internacionais, incluídos os que trabalham com as mudanças climáticas.

Embora outros biomas, como o Cerrado e o Pantanal, estejam igualmente em chamas, a questão da Amazônia é a mais importante. O exercício da soberania nacional sobre um governo que administra uma extensa área indispensável ao planeta coloca inúmeras questões.

Como se vê a soberania no Brasil? É um debate que existe também nos EUA. Nele, ambas as partes defendem a soberania. Mas uma delas a vê fortalecida com a cooperação internacional e a outra, com o isolacionismo. Como Bolsonaro navegará entre esses polos não sei exatamente.

Eliane Cantanhêde - Alvo é líder do governo

- O Estado de S.Paulo

Retaliação da PF? Muito improvável, mas versões são muito mais vistosas do que fatos

A Operação Turbulência, da Polícia Federal, com busca e apreensão em endereços e até no gabinete do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), vem na pior hora para o Planalto e é lenha na fogueira das teorias conspiratórias. Retaliação da PF? Improvável, mas versões são sempre mais vistosas do que fatos.

O líder foi atingido na reta final da votação da reforma da Previdência no Senado e o início da tramitação da reforma tributária, que tem tudo para ser uma pedreira e criar mais uma frente de batalha entre Executivo e Legislativo. Sem falar na aprovação de Augusto Aras para a PGR e, principalmente, de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA.

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu com o ministro Sérgio Moro, fora da agenda, e especula-se se foi, no mínimo, para saber o tamanho do estrago no líder ou, no máximo, para assuntar se houve “segundas intenções” da PF, alvo de críticas públicas do presidente.

A primeira questão é se as acusações são “só” sobre caixa 2 ou se há propina escorrendo para bolsos e contas no exterior, até porque a PF opinou a favor das buscas e a PGR, contra. É constrangedor para o Congresso e mais uma decisão difícil para Bolsonaro. Não dá para ignorar, mas também não dá para jogar o líder logo aos leões. Ele tem sido leal e bom articulador, numa hora de muita negociação.

Fernando Abrucio* - O dilema democrático de Bolsonaro

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Intervenção na PF, na Receita, escolha de procurador-geral chapa-branca e articulação contra CPI da Toga visam reduzir fiscalização de bolsonaristas no poder

Quase toda semana o presidente Jair Bolsonaro, um de seus filhos ou algum membro importante do seu séquito fala uma frase que coloca em questão o ideário democrático desse grupo político. Obviamente que há valores autoritários que alimentam a visão bolsonarista de mundo, mas é preciso admitir também que se trata de um projeto de poder que tem várias dúvidas quanto aos caminhos a seguir e com quem se aliar para atingir seus objetivos. No fundo, o bolsonarismo enfrenta um grande dilema: é possível articular a relação entre instituições políticas e mobilização social?

Embora Bolsonaro tenha desde o início de sua carreira política optado pela via eleitoral, ficando quase 30 anos no Parlamento, ele sempre teve uma relação atribulada com as instituições democráticas. Basta lembrar que ele propôs o fechamento do Congresso, o fuzilamento de um presidente (Fernando Henrique Cardoso) e se nunca se destacou no partido no qual ficou mais tempo. Era um membro do baixo clero que xingava o establishment e as práticas democráticas, mas que a cada quatro anos concorria ao posto de deputado federal.

As manifestações de junho de 2013 iniciaram um processo de enorme crítica ao sistema político estruturado desde a queda de Fernando Collor, ao que se somaram posteriormente a polarizada eleição de 2014, a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e o governo impopular de Michel Temer. Foi neste contexto que Bolsonaro radicalizou sua aposta antissistema, organizando-se durante quatro anos com setores sociais que não estavam no jogo institucional. As redes sociais foram peça-chave nesse modelo mobilizador, mas também houve ação presencial feita em todo o país.

O bolsonarismo, ademais, ganhou o apoio na eleição presidencial de outros grupos que estavam nas ruas desde 2013. Tais organizações tinham em comum o fato de se declararem de direita e de lutarem contra o PT e a corrupção. Essa aliança ficou mais clara e forte no segundo turno, mas já apareceu em alguma medida desde o início, uma vez que uma parte dessas lideranças disputou postos eletivos pelo partido do presidente, como foram os casos de Joice Hasselmann e Carla Zambelli.

Aqui começa a transmutação e o dilema democrático de Bolsonaro e dos grupos que o acompanharam. Mais especificamente no caso do presidente, ele teve de escolher um partido para concorrer ao posto máximo da nação e, para quem não lembra, namorou várias legendas, inclusive com a possibilidade de fazer alianças com partidos mais tradicionais - aqueles que são dominados pela “velha política”. No fim das contas, ficou numa agremiação partidária menor, aliada a outra nanica, com a promessa de que dominaria o partido de cabo a rabo.

José de Souza Martins* - O antes sem o depois

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Lula e Bolsonaro parecem diferentes, mas são o eterno retorno ao mesmo, à reprodução sem inovação. Sísifo no esforço inútil de subir a montanha da história

Não há grande diferença, na forma que as demarca e limita, entre a orientação ideológica de Jair Messias e a de Luiz Inácio. Há entre elas diferenças, e outras serão reveladas com o passar do tempo e a consciência social e política de suas respectivas fragilidades governativas. Aquilo que não cabe no que deveria ser um governo propriamente dito.

Luiz Inácio via mais, mas a ideologia das certezas definitivas o fazia ver “torto”. Jair Messias também vê torto, mas vê menos, na incerteza errante de sua ideologia do inacabado e inacabável. O que os aproxima é que ambos têm como referência de suas visões de mundo o passado. Mas passados de cronologias diferentes.

O calendário de Luiz Inácio é pretensioso, começa no descobrimento do Brasil. O Brasil do “nunca antes neste país” é o nunca antes de quem governa olhando para trás, comparando-se com os instantes ultrapassados de um país que se transformou profundamente ao longo dos 500 anos de sua história. Nesse longo período histórico, Lula só vê o negativo de um país que, aparentemente, estava à espera da sua chegada ao poder para transformar os pobres em classe média. De certo modo, a religiosidade do próprio povo brasileiro o transformou em profeta que veio vingar as maldades e omissões do rei, do poderoso, do Estado. Coisa de um povo que ainda espera o retorno do rei dom Sebastião para salvá-lo.

César Felício - Todos frágeis para 2022

- Valor Econômico

Se economia limita Bolsonaro, oposição está fragmentada

Pesquisas qualitativas encomendadas pelo mercado financeiro constataram, no começo de janeiro, que o presidente teria um prazo de 24 meses, aproximadamente, para começar a gerar emprego e promover crescimento, sem trazer inflação de volta.
Esta era a tolerância dada pela maioria dos grupos de discussão antes de que se começasse a debitar na conta de Bolsonaro a responsabilidade pelo cenário econômico, independentemente da culpa ser dele ou não.

São dois anos que o presidente tem para apresentar resultados, já se passou um terço deste prazo, as perspectivas são modestas e a tensão entre Bolsonaro e o seu principal ministro deve começar a se manifestar.

Para Paulo Guedes, a data para tirar as panelas do fogo termina antes. Essencialmente o ministro precisa oferecer ao presidente liquidez, dinheiro na mão, para o governo manter a máquina em funcionamento e ter alguma narrativa a oferecer para os que passam a noite em filas no Anhangabaú procurando emprego, como mostrou a coluna de Maria Cristina Fernandes, publicada ontem. Este povo, hoje, não tem motivos para apoiar o presidente. Não é razoável pensar que Bolsonaro esperará a bomba estourar no seu colo dentro de um carro estacionado.

Na área econômica, Bolsonaro vive das expectativas que desperta nos escritórios da Faria Lima, mas não tem o capital para queimar. Concorrer à reeleição em meio a uma crise econômica, como tudo sugere ser o caso de Jair Bolsonaro em 2022, por si só não é sinônimo de morte política, desde que se conte com um colchão. Em 1998, Fernando Henrique Cardoso reelegeu-se com praticamente a mesma votação obtida quatro anos antes, em um contexto de aumento significativo do desemprego e com a economia em forte desaceleração.

A âncora cambial, contudo, reduziu a inflação naquele ano para o mais baixo índice registrado na segunda metade do século 20. O governo federal será capaz de criar alguma bolha semelhante? A conferir. Em 1998 isto foi o que bastou para contrabalançar os fatores negativos e os dois movimentos do cenário político: a união da oposição esquerdista com a aliança entre Lula e Brizola e a dissidência na base governista, representada pela saída de Ciro Gomes do PSDB. Não há nada semelhante à vista para ajudar Bolsonaro agora.

A oposição em 1998 perdeu, mesmo tendo cumprido o manual básico: fez alianças e aproveitou as divisões do governismo. É alvissareiro para Bolsonaro o fato dos seus maiores adversários levarem a disputa por protagonismo a um ponto que impede qualquer união, o que deve ficar claro já nas eleições do próximo ano. Melhor ainda para o presidente a dificuldade de seus opositores de promover a renovação.

Um contraste com o caso brasileiro pode ser visto na Argentina. Como um analista político do mercado observou, não é apenas o insucesso econômico de Mauricio Macri que explicará sua mais que provável derrota. Ela se dará também pelos méritos políticos de seus adversários.

Juan Arias - A estéril e mórbida impaciência do clã Bolsonaro

- El País

Há que se respeitar o que já foi conquistado

Às vezes, o Presidente Bolsonaro e seus filhos me lembram uma síndrome que um psiquiatra descobriu em uma criança. O pequeno não suportava esperar que um botão de rosa abrisse naturalmente suas pétalas para mostrar toda a sua beleza. De raiva, destruía o botão com suas mãos antes de dar-lhe tempo para abrir. Imagino que um dia se curaria daquela loucura, pois do contrário acabaria por destruir a si mesmo como despedaçava a rosa a qual não dava tempo de nascer.

Se alguma coisa um dia diferenciará o lulismo e o dilmismo do recém-nascido “bolsonarismo”, é que esse nasceu contra a natureza, sem respeitar o tempo de gestação. O bolsonarismo, além disso, não só é constituído de um líder, como sobre ele recai a força e a fraqueza de todo um clã familiar.

Hoje o Brasil e sua forma de Governo se parecem mais com uma dinastia imperial e uma família real, do que com uma democracia representativa. Não existe somente um presidente que organiza e cuida da nação, e sim um grupo familiar aguerrido, em cujas mãos se movimenta, querendo ou não, ainda que sabemos que quer, o ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro.

Às vezes chega a parecer que os que tomam as últimas decisões são seus descendentes, seus três filhos: Carlos, o vereador, Eduardo, o deputado federal, e Flávio, o senador. E é possível que também, ainda que em silêncio, sua própria esposa, Michelle, mesmo sendo notório que Bolsonaro não acredita muito na inteligência e competência das mulheres. Já defendeu que devem ganhar menos do que os homens.

Estamos, por isso, diante de uma maneira atípica de governar que mal começou seu percurso, e já se revela atropelando, impaciente, intolerante, de disse e não disse, de volta atrás de afirmações graves. Tudo isso é duplamente perigoso porque acaba sendo paralisante. Bolsonaro e a forma de governo que seu clã tenta impor, convencidos como estão e como verbalizou em público há pouco Carlos, o filho mais arrojado do clã, é que “a transformação que o Brasil quer não acontecerá por vias democráticas”. Por quais então?

Luiz Carlos Azedo - Contra-ataque da Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Coube ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinar a retomada das ações da Polícia Federal contra políticos com mandato, numa espécie de contra-ataque à ofensiva em curso contra a Operação Lava-Jato, que envolve a cúpula dos três poderes da República e o próprio Ministério Público Federal. Essa é a leitura que se faz da decisão de Barroso que autorizou buscas e apreensões nos gabinetes do líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PER), e de seu filho, o deputado federal Fernando Bezerra Filho (DEM-PE). Segundo a Polícia Federal, há suspeitas de que ambos receberam, juntos, R$ 5,538 milhões em propinas de empreiteiras.

Barroso é o principal aliado da força-tarefa da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo seu despacho, a PF reuniu “elementos de prova que indicaram o recebimento, ao menos entre 2012 e 2014, de vantagens indevidas pelos investigados, pagas por empreiteiras, em razão das funções públicas por eles exercidas”. Ainda de acordo com o despacho, há indícios de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral por parte de pai e filho nas delações premiadas dos empresários João Lyra, Eduardo Leite e Arthur Rosal. Eles assinaram colaboração em razão da Operação Turbulência, que investigou o acidente aéreo que culminou na morte de Eduardo Campos. Os Bezerra negam as acusações.

A investigação é uma bomba na política de Pernambuco, pois há uma zona cinzenta na campanha do falecido ex-governador pernambucano e candidato a presidente da República, em 2014. Proprietário do avião, João Lyra supostamente recebia valores de Eduardo Leite, que era dono de uma factoring e de outras empresas que lavavam dinheiro de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato. Arthur Rosa usava contas bancárias de seus postos de gasolina com o mesmo objetivo. Os três disseram que o senador Fernando Bezerra e o deputado Fernando Filho recebiam repasses de propinas por determinação das empresas OAS, Barbosa Mello SA, SA Paulista e Constremac.

Barroso alegou que as buscas nos endereços se justificam para “obtenção de objetos e documentos necessários à prova das infrações penais”, porém rejeitou sequestro e bloqueio de bens de Fernando Bezerra Coelho e do filho, por considerá-los medidas “apressadas”. Sua decisão acirrou as contradições entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro. No encontro entre ambos, Bolsonaro teria questionado o ministro: “A PF tinha razão para a busca e apreensão ou está fora de controle?”

Bruno Boghossian – Conflito existencial

- Folha de S. Paulo

Símbolo da política tradicional, líder é peça importante para levar Eduardo aos EUA

A operação da Polícia Federal contra o líder do governo no Senado evidencia um conflito existencial da geringonça política de Jair Bolsonaro. O presidente jamais recuou em definitivo de seus ataques às velhas práticas do Congresso, mas recorre sem corar a alianças de conveniência para conseguir o que quer.

O veterano Fernando Bezerra Coelho (MDB), alvo da operação desta quinta (19), é uma peça-chave do governo na reforma da Previdência e, principalmente, no esforço para aprovar o nome do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) para a embaixada do Brasil em Washington.

O líder do governo foi ministro de Dilma Rousseff e aliado de Michel Temer. Foi escolhido pelo novo presidente para a missão não a despeito de sua conexão com a política tradicional, mas graças a esse vínculo. Bolsonaro reconheceu Bezerra como uma ferramenta útil para driblar a falta de habilidade de parlamentares mais alinhados a sua agenda, porém completamente inexperientes.

Reinaldo Azevedo - Financie a política em vez de odiá-la

- Folha de S. Paulo

Políticos não são classe ou casta, são apenas o menor dos males possíveis

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está certo. É uma insensatez manter em R$ 1,7 bilhão o fundo eleitoral. Talvez devesse dobrar.

Alguém escandalizado? Deve estar entre aqueles que acreditam que as eleições do ano passado realmente custaram algo em torno de R$ 3 bilhões —considerados também o fundo partidário e as doações de pessoas físicas.

Com essa bagatela, consta, elegeram-se um presidente da República, 513 deputados, 54 senadores, 1.059 deputados estaduais ou distritais e 27 governadores. Candidataram-se 28.216 pessoas.

É história da Carochinha. A estúpida proibição da doação de empresas jogou o financiamento de campanha numa clandestinidade inédita. Nenhuma imoralidade é tão destrutiva como a do moralismo, que é a moral na sua expressão doentia, fanática, missionária.

Alcolumbre lembra que, no ano que vem, serão eleitos 5.570 prefeitos e 57 mil vereadores. Disputaram o pleito de 2016 nada menos de 481.783 pessoas. Esse número deve crescer.

Se essas pessoas não tiverem o apoio necessário, diz ele, “acaba-se criando um caminho para não agirem em suas campanhas dentro da legislação”. A exemplo de 2018.

Alcolumbre, claro!, vai apanhar. A demagogia de esquerda dirá que ele quer grana para seus brioches quando falta pão. E a de direita vai berrar: “Não quero financiar ladrões”.

O ódio à política permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Parafraseio o abolicionista Joaquim Nabuco. Ele escreveu “escravidão” em lugar de “ódio à política”. Somos cativos em qualquer caso.

Vinicius Torres Freire - Mais sinais de desgoverno Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Com a desordem no Planalto, contas do governo e investimentos ficam à deriva

Depois da reforma da Previdência, o governo não apresentou nenhum projeto ou plano econômico substantivo com começo, meio, fim e calendário de implementação. Há “estudos” e promessas para “breve”.

Em breve, acaba o ano político e virão as eleições de 2020. Discutir e aprovar projetos durante campanhas é difícil mesmo para governos normais, que não se desmoralizam e explodem pontes a cada semana. Por ora, há apenas planos de vento ideológico, “grandes ideias”, que enchem balões de ensaio.

O bexigão da reforma tributária do governo acaba de explodir, por causa da mais recente morte (sic) da CPMF. Quando Jair Bolsonaro balançou o teto, seus economistas fizeram juras de fidelidade ao limite de gastos e prometeram pilares novos para sustentar essa obra em progresso e em ruínas.

Em vez disso, mais balões. Ficou no ar a ideia vaga do fim do reajuste do salário mínimo, das aposentadorias e doutros benefícios. Ainda resiste, sabe-se lá até quando, o plano de conter despesas com funcionários públicos.

O congelamento do salário mínimo, politicamente inviável, morreu em dias. Outro devaneio, o fim do gasto mínimo obrigatório em saúde e educação, pode pegar o mesmo caminho da cova. Além de impopular, não faz parte de um conjunto organizado de medidas que possam ser negociadas em um “toma lá, dá cá” legítimo de compensações sociais e acordos políticos. No vai ou racha, método bolsonarista de governo, não passa mesmo.

Merval Pereira – Uma questão de dinheiro

- O Globo

Com aumento de custo pela volta da propaganda no rádio e na TV, haverá necessidade de novo tipo de financiamento

A dificuldade de aumentar o Fundo Eleitoral para as eleições municipais do ano que vem está revivendo entre deputados e senadores a necessidade do financiamento privado das campanhas eleitorais. Com o aumento de custo pela volta da propaganda no rádio e na televisão, haverá necessidade de novo tipo de financiamento.

O argumento do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de que as próximas eleições abrangem muito mais candidatos a vereadores e prefeitos dos 5.570 municípios do que eleições gerais, e por isso é necessário mais dinheiro para financiar as campanhas, é “questão de matemática”, não resiste à questão política.

Um país que pede sacrifícios a seus cidadãos não pode dobrar o financiamento público para campanhas eleitorais. Como o valor do Fundo Eleitoral só será definido quando for aprovado o Orçamento da União, é provável que os parlamentares revejam o financiamento das campanhas. Para tanto, será preciso aprovar uma emenda constitucional.

O problema está muito mais na regulamentação dessas doações, nas suas limitações legais, do que no método em si. O que atrapalha é a legislação eleitoral aprovada pela Câmara que, embora tenha tirado muitas das distorções da proposta original, manteve algumas.

Bernardo Mello Franco - Operação da PF complica Bolsonaro

- O Globo

Eleito com a promessa de combater a corrupção, Bolsonaro passa a ter mais um aliado sob suspeita. A operação no Senado também atrapalha o seu plano de trocar o diretor da PF

A operação da Polícia Federal no Senado criou novos problemas para Jair Bolsonaro. Eleito com a promessa de combater a corrupção, o presidente passa a ter mais um aliado em apuros. Líder do governo, Fernando Bezerra Coelho é suspeito de embolsar R$ 5,5 milhões de empreiteiras.

A ação também complica os planos de Bolsonaro para a PF. O presidente queria derrubar o diretor-geral Maurício Valeixo, escolhido por Sergio Moro. Agora uma troca no curto prazo seria vista como retaliação. Há quem acredite em coincidências, mas o efeito prático das buscas é que o ministro voltou a encurralar o chefe.

O presidente do Senado liderou uma reação corporativa em defesa de Bezerra. Apesar de ter sido avisado por Moro, Davi Alcolumbre se disse “perplexo” com o que definiu como uma “drástica interferência” no Legislativo. Ele fez questão de elogiar o colega suspeito de receber propina. “O Fernando é muito bom”, afirmou.

Em evento promovido pelo GLOBO e pelo Valor Econômico, Alcolumbre buscou se apresentar como um defensor do Supremo. Ele voltou a dizer que não vai instalar a chamada CPI da Lava-Toga, proposta por senadores bolsonaristas. Em seguida, sugeriu que a decisão de Barroso seria uma injustiça “diante de tudo o que o Senado tem feito”. O ministro não pareceu se comover com o queixume.

Ricardo Noblat - Por que não se acaba logo com a Lava Jato?

- Blog do Noblat | Veja

Em xeque, o combate à corrupção

É tão ruim o clima de desconfiança dentro do governo que uma operação corriqueira da Polícia Federal só serviu para agravá-lo. Dentro do Congresso, serviu para acirrar ainda mais os ânimos contra a Lava Jato, tida como algoz da política e dos políticos.

Não é todo dia que policiais apreendem documentos e computadores em gabinete de senador. Mas ontem não foi a primeira e nem será a última vez. De resto, ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que tudo avalizou, tinha e tem poder para isso.

O alvo foi o senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), líder do governo, suspeito de ter embolsado R$ 5,5 milhões em propina quando era ministro da presidente Dilma. O senador pôs seu cargo de líder à disposição do presidente Jair Bolsonaro

Antes de Bezerra Coelho, os então senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Aécio Neves (PSDB-MG) passaram por igual constrangimento. No caso deles, pior. Amaral depois foi preso e cassado. Aécio ficou em prisão domiciliar por algum tempo.

David Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, prometeu bater às portas do Supremo contra a decisão de Barroso, e toscamente lamentou: “Diante de tudo o que o Senado tem feito” pelo Judiciário, como o Supremo foi capaz de fazer uma coisa dessas?

Dora Kramer - Afugentar eleitores é uma forma esquisita de buscar a reeleição

- Revista Veja

Agarrado ao convertido fiel, Bolsonaro perde capital para disputar em 2022

Há governantes que optam por dividir as forças políticas em seu entorno para reinar. Há os que preferem aproveitar a passagem pelo poder para somar e há o método Jair Bolsonaro de subtrair apoios no intuito de mais livremente governar e, desse modo, almejar a conquista de um novo mandato. É difícil entender essa estratégia da subtração, mas, enfim, é a propagada por ele.

Eleito em 2018 com pouco mais de 55% dos votos válidos, o presidente hoje aparece nas pesquisas com menos de 30% de avaliação positiva em viés a ser visto como de queda, dada a paulatina redução dos que se alinham na categoria dos firmemente convertidos. Segundo o instituto Datafolha, eles residem na casa dos 12%.

No caso de a ideia ser mesmo a da reeleição, a lógica aconselha o presidente a alterar o rumo da caminhada, embora ele não pareça disposto a prestar homenagem ao bom-¬senso. Jair Bolsonaro prefere seguir seus instintos referidos na vitória eleitoral alcançada, a despeito de critérios da normalidade e da evidência de que o cenário agora é outro.

Quase um ano depois dos idos de 2018, Bolsonaro não é mais o maluquete que, segundo as expectativas, se enquadraria nos ditames da Presidência. É o maluquete que tenta enquadrar a Presidência nos seus ditames. Trata-¬se de um modo de pensar e de atuar alta¬mente desagregador, que propicia movimento contrário àquele que lhe permitiu atrair eleitores.

Claudia Safatle - Um programa fiscal progressista

- Valor Econômico

“O sistema está cheio de moleza para quem não precisa”, diz Arminio Fraga

A desigualdade de renda no Brasil é extrema. Depois de cair por vários anos, ela inverteu a trajetória a partir de 2015. O Estado não consegue responder a esse desafio. O impacto da ação do Estado brasileiro na redução da desigualdade é dos menores do mundo. É preciso fazer mais e melhor!

Com base nesse diagnóstico, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga prescreve um receituário bem diferente do que o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugere para lidar com os desequilíbrios fiscais que travam o crescimento econômico. Guedes quer desindexar, desvincular e desobrigar os gastos orçamentários, no âmbito de um novo pacto federativo.

Arminio parte de uma premissa contemporânea ao condicionar a retomada do crescimento à redução da desigualdade. “Na essência, estou falando de se atacar o quanto antes as desigualdades para deslanchar um círculo virtuoso de crescimento inclusivo e sustentável”, diz.

O quadro se agrava quando parte relevante da desigualdade crônica decorre de práticas patrimonialistas, corporativistas e de corrupção. O terreno, aí, torna-se fértil para o populismo. Ele completa: “A desigualdade é um veneno que dificulta a construção de uma agenda de reformas necessária para o crescimento”.

Atacar esse veneno requer uma “megafaxina” nas iniquidades, ineficiências e aberrações que existem na política de pessoal do setor público, nos gastos tributários e na Previdência social. A reforma da Previdência que está para ser votada no Senado, ao incluir Estados e municípios, terá efeito impactante. Falta a reforma do Estado e uma limpeza geral nos regimes tributários especiais, nas desonerações, nos subsídios.

Míriam Leitão - Os sinais de risco que o BC não viu

- O Globo

Um dia depois da queda dos juros e da indicação de novos cortes pelo BC, bancos preveem juros reais perto de zero e o dólar sobe

Os sinais na economia brasileira e mundial são mistos, mas o Banco Central tomou a decisão de baixar os juros e indicar novas quedas. O BC olhou pouco para os riscos e muito para a necessidade de dar estímulos monetários à economia. Ontem o Brasil foi o país onde o dólar mais subiu. Alguns bancos previram taxas ainda menores ao fim do ciclo de baixa. Há até quem tenha passado a apostar em Selic a 4,25%. Se isso acontecer, os juros reais estarão próximos de zero e o país mais vulnerável a qualquer choque inflacionário.

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, acha que o Banco Central viu uma janela de oportunidade para cortar os juros e obter uma reação mais forte na economia e por isso estima que a Selic cairá a 4,5%. Mas ela admite que há alguns riscos nessa estratégia:

— O ambiente no mundo é de fato desinflacionário, mas o dólar está subindo, por isso tenho minhas dúvidas se é sustentável. Por causa do dólar.

Zeina diz que apesar da melhora recente na área fiscal, com a aprovação da reforma da Previdência e a atuação dos bancos públicos e do Tesouro, novos sinais negativos começaram a surgir:

— Eu pessoalmente acho que aumentou o risco fiscal. Pegue os últimos desdobramentos: houve o debate do teto de gastos, a história do Fundeb. Ano que vem tem eleições, o que deve dificultar as reformas. Digamos que o governo não consiga manter a regra de teto, o câmbio será outro, os juros também terão que ser. Pense como agência de rating: o país acaba de começar a fazer a dieta e pede para comer um chocolate — diz Zeina.

No debate do teto, o presidente Bolsonaro num dia pendeu para os ministros que querem eliminá-lo, no outro voltar a concordar com o Ministério da Economia. Ficou a dúvida no ar. Sobre o Fundeb, foi aprovado um aumento da participação do governo no financiamento da educação básica. O governo ignorou esse assunto, por mais que os especialistas em educação alertassem que era preciso decidir logo porque o Fundo acaba em 2020. Agora uma proposta na Câmara refez o Fundo aumentando o gasto federal. Aí, a equipe econômica se encheu de preocupação. O fato é que a área da educação tem sido muito mal gerida desde o começo do governo Bolsonaro.

Rogério Furquim Werneck - Reformas mais difíceis pela frente

- O Globo | O Estado de S. Paulo

No caso da reforma tributária, o governo não lidera. O protagonismo está concentrado no Congresso

Que não seria fácil, já se sabia. Embora tenha deixado a Bolsonaro uma economia incomparavelmente mais arrumada do que a que lhe caíra nas mãos em 2016, o governo Temer mal pôde começar a enfrentar o gigantesco desafio de reconstrução fiscal que o descalabro perpetrado por Dilma Rousseff impôs ao país.

Mas a equipe econômica de Temer deixou um mapa bem delineado do esforço de ajuste fiscal que se fazia necessário. Na verdade, deixou bem mais que isso. Legou ao novo governo um projeto bem concebido de reforma da Previdência, pronto para votação no plenário da Câmara. Embora a equipe de Bolsonaro tenha preferido encaminhar ao Congresso uma proposta de reforma ainda mais ambiciosa, fez bom uso não só do projeto em tramitação na Câmara como de outras propostas já bem formatadas, como a que fora concebida em paralelo por Arminio Fraga e Paulo Tafner.

Mas, no que tange à reforma da Previdência, o principal legado do governo Temer foi outro. Ao tramitar seu projeto no Congresso, o novo governo beneficiou-se em larga medida de mais de dois anos de campanha de convencimento da opinião pública e, claro, de parte substancial da elite política do país, quanto à inevitabilidade da reforma. Foi isso que permitiu que o projeto acabasse avançando com relativa facilidade no Congresso, sob a batuta do presidente da Câmara, apesar de pouco ou nenhum empenho do Planalto.

Economia: O peso da ideologia

Por Cyro Andrade | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O viés ideológico influencia ideias e julgamentos de economistas, sejam ortodoxos ou heterodoxos

SÃO PAULO - Economistas da ala de pensamento hoje dominante em seu meio profissional, dentro e fora da academia, tendem a se considerar os campeões da racionalidade. Sua concepção estritamente positivista da disciplina, de inspiração chamada neoclássica, os distinguiria de qualquer outro paradigma econômico: são objetivos, imparciais e nem um pouco ideológicos - atributos com que emolduram sua inabalável ortodoxia.

No entanto, como comprovaram em investigação empírica inédita os economistas Mohsen Javdani, professor na Universidade de British Columbia, no Canadá, e Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, não faltam evidências de que o viés ideológico, entendido como inclinação preconcebida para determinadas valorações cognitivas e normativas, influencia ideias e julgamentos dos economistas, indistintamente, sejam ortodoxos ou heterodoxos.

Convidados para participar do estudo, opinaram 2.425 economistas de 19 países (47 brasileiros), sendo 92% PhDs em economia. O artigo que Javdani e Chang escreveram a respeito “Who Said or What Said? Estimating Ideological Bias in Views Among Economists”, com detalhada exposição metodológica, pode ser lido em www.bit.ly/2klWPqQ.

Todos os participantes receberam um mesmo conjunto de 15 citações atribuídas (cada uma) a um economista “mainstream”, a um outro, menos/não “mainstream”, ou sem atribuição de fonte (ver quadro). As citações tratavam de diferentes elementos do paradigma econômico “mainstream” - incluindo metodologia, pressupostos e a sociologia da profissão - ou questões relativas a política econômica. A atribuição das fontes foi aleatoriamente alterada, sem o conhecimento dos participantes.

“Baseados em nossa experiência e visão geral da disciplina, esperávamos encontrar algum viés ideológico, mas não em grau tão elevado”, disse Chang ao Valor. Ele destaca estas revelações:

O nítido contraste entre a afirmação (constante do relato de 82% dos participantes) de que uma citação deve ser considerada apenas pelo conteúdo (seja qual for a autoria) e suas respostas na pesquisa, de sentido exatamente oposto (a mudança da atribuição de autoria de fontes “mainstream” para outras menos/não “mainstream” reduz significativamente a proporção dos que concordam com o teor das citações);

A forte influência da orientação política sobre a inclinação ideológica na profissão, crescente à medida que a identificação pessoal (declarada pelo participante) mais avança para a direita.

Outros resultados reveladores:

O viés ideológico é mais forte entre economistas “mainstream” do que entre heterodoxos;

Macroeconomistas apresentam mais forte tendência para o enviesamento;

Economistas cuja principal área de pesquisa é a macroeconomia, a economia pública, a economia internacional e a economia financeira estão entre aqueles com maior viés ideológico.

Mais supreendentes, contudo, disse Chang, foram as reações “hostis e não profissionais” à questão central da pesquisa (e, depois ao “paper” resultante), ou seja, o grau em que economistas se deixam influenciar por viés ideológico. Alguns dos economistas ouvidos, incluindo nomes preeminentes na profissão, “mostraram-se particularmente abusivos, chegando mesmo a fazer ameaças pessoais”.

A maioria dos principais “journals” a que o artigo foi submetido reagiu com “avaliações não profissionais e tendenciosas”, com a exceção de “um ou dois que nos trataram de modo adequado e até enviaram relatórios finais de avaliação”. Em um caso, a avaliação veio do próprio editor, mas os demais chegaram a recusar-se a encaminhar o artigo a revisores e o rejeitaram “por motivos que mais pareciam simples desculpas - algumas realmente bizarras”.

Em seu trabalho, Javdani e Chang não pretenderam investigar diretamente a credibilidade de diferentes argumentos sobre a influência de viés ideológico na economia. Em vez disso, optaram por uma aproximação “agnóstica” desse debate, revelador de “alarmantes sinais, que invocam importantes questões, a serem examinadas em futuras investigações”.

O que a mídia pensa - Editoriais

- Olhe os editoriais de hoje

Em pleno ajuste, militares terão mais aumentos salariais – Editorial | Valor Econômico

O governo Bolsonaro promove amplo aumento de salários dos militares enquanto seus ministros contam centavos

As maiores despesas obrigatórias da União - a previdência social e o gasto com o funcionalismo civil e militar - estão expulsando todas as outras do orçamento. O governo federal terá de pedir autorização para o Congresso para gastar R$ 358 bilhões, enquanto que o déficit primário cairá pouco, para R$ 124 bilhões, e os investimentos, de R$ 19 bilhões, caminham para a insignificância. Há várias ideias, com graus variados de radicalismo, para que o teto de gastos, que congela despesas em termos reais, não desabe. Há também um coro cada vez mais forte para que se abandone o instrumento, o que abriria de imediato dúvidas pertinentes sobre a solvência do Estado e sobre a trajetória da inflação diante da retomada da trajetória insustentável do endividamento.

Após obter vitória importante na aprovação da reforma previdenciária, que encara sua fase final no Senado, o governo voltou sua atenção para as despesas obrigatórias. O ministro Paulo Guedes quer desvincular e desindexar os gastos, com algumas ideias sensatas e outras estapafúrdias, como a do fim da correção automática do poder de compra do salário mínimo, quando seria mais lógico desindexar a folha de pagamentos da União, onde se concentram os maiores salários médios de uma República pobre.

Não há muitas dúvidas sobre a necessidade de desvinculação dos gastos, diagnóstico comum feito pelo FMI, Banco Mundial, por exemplo. A dúvida relevante é se os congressistas terão maturidade e discernimento suficientes para procurar atender por via orçamentária as enormes carências sociais do país, hoje (mal) cobertas pelas vinculações de saúde, educação, etc. A contenção da folha de pagamentos do funcionalismo é uma necessidade óbvia.

Em meio a uma penúria fiscal inédita e diagnósticos corretos sobre urgente necessidade de conter as despesas obrigatórias, o governo aceita e promove, em troca de mudanças no regime previdenciário, a reestruturação de carreiras dos militares que elevará os gastos da União em cerca de R$ 87 bilhões em 10 anos. O déficit da previdência dos militares é de R$ 43,9 bilhões e o déficit per capita o maior de todos os regimes, R$ 107,7 mil em 2018, mais que os R$ 67,8 mil dos funcionários públicos e quase 20 vezes os R$ 6,4 mil dos trabalhadores privados.

O projeto de lei orçamentária de 2020 contempla R$ 4,7 bilhões para o início dos reajustes aos militares, cuja reforma previdenciária não foi sequer votada. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quando o projeto foi apresentado, disse que ele passaria sem problemas e o silêncio do ministro Paulo Guedes sobre a questão é eloquente. O aumento dos militares sairá porque o presidente Jair Bolsonaro, ex-militar, o considera justo e assim o deseja.

Poesia | Joaquim Cardozo - Maria Bonomi, Maria Gravura

Maria Bonomi, Maria Gravura;
Os traços, pouco a pouco, deixam
de caminhar.
As cores não passam mais
pelos olhos,
Pelos ouvidos, inundam.
A noite desceu sobre a gravura —
Sombra da prensa a comprimir —
Maria Bonomi, Maria Gravura
Ouve-se agora um canto
Do papel em liberdade.

Maria Bonomi
O corte sorri. A mão fica em silêncio,
O contraste murmura
Maria Gravura.


*In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.190.