quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Opinião do dia – Fernando Pessoa*

"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena."

*(do poema "Mar Português")

Merval Pereira - Radicalismo que isola

- O Globo

Presidente reafirmou na ONU os pensamentos mais retrógrados, inclusive sobre valores morais e religiosos

O discurso do presidente Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU foi surpreendente não pelo que falou, pois não há novidade no seu discurso, nada que não seja conhecido por todos, aqui e no exterior. O que surpreendeu é que se esperava que o discurso fosse pacificador e conciliador, quando foi agressivo na sua maior parte, e defendeu posições anacrônicas na política externa.

Quem ainda tinha esperança de ver o presidente brasileiro associando-se a posições progressistas das democracias ocidentais frustrou-se, mesmo porque o presidente e seus assessores, oficiais e informais, como o guru Olavo de Carvalho, consideram que o termo “progressista” identifica socialistas e comunistas, não governos que se alinham aos conceitos e valores do mundo atual globalizado, mas não globalista, como gostam de criticar.

Nessa visão extemporânea do mundo, o governo brasileiro vê na discussão sobre os interesses globais, como o meio ambiente, uma tentativa “de apagar nacionalidades e soberanias”. Como exortou Bolsonaro no final de seu discurso, (...) “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”.

Não foi à toa que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimentou Bolsonaro pelo discurso, embora não tenha encontrado tempo na agenda para um jantar, ou ao menos um encontro privado, como era esperado pela comitiva brasileira.

Pelos assessores que fizeram o discurso, o tom não poderia ser outro: general Heleno, ministro Ernesto Araújo, Eduardo Bolsonaro e assessor internacional Filipe Martins. Foi uma defesa das posições que assume desde a campanha eleitoral, e usou a tribuna da ONU como um palanque para seu público interno.

Míriam Leitão - Perdido no tempo e tempo perdido

- O Globo

Discurso na ONU seria boa hora para construir pontes e afastar temores, mas Bolsonaro preferiu duelar com inimigos imaginários

O presidente Bolsonaro fez um discurso perdido no tempo e que foi uma perda de tempo. Um discurso na ONU é um momento precioso. Diante de uma plateia global, o que o governante deve se perguntar é como defender os interesses do país e nunca como fazer um acerto de contas individual. Mandar recados para o público interno é natural, mas não faz sentido falar apenas para um gueto ideológico. O agronegócio moderno, que cresceu com os investimentos em ciência e tecnologia, por exemplo, precisava de uma ajuda no esforço para evitar o fechamento dos mercados.

Bolsonaro falou que fechou acordos comerciais. E este é realmente um bom ponto do seu governo, ter concluído as negociações que estavam em andamento. Mas os acordos ainda não são realidade. Precisam ser confirmados pelos parlamentos dos seus países, tanto na União Europeia quanto na EFTA, que reúne Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Diante da crise provocada pelos incêndios na Amazônia, assunto que teve tanta exposição negativa, essa seria uma ótima oportunidade de mostrar empenho em lutar contra o desmatamento. Ele poderia dizer que enviou as Forças Armadas para a região, e que elas de fato encontraram grileiros e madeireiros e que, por isso, houve multa, apreensão e prisão. Foi o que o ministro da Defesa disse ontem, por exemplo, no balanço de um mês da operação na Amazônia.

Isso ajudaria mais do que chamar de “mentirosos” a imprensa, as ONGs, e atacar um velho líder indígena como Raoni. A ideia de que o governo está estimulando o desmatamento e que apoia invasões de terras indígenas poderá levar à não aprovação do acordo pelos parlamentos europeus. Volta-se à estaca zero. Mas mais do que isso, compradores de quaisquer produtos brasileiros, investidores dos grandes fundos institucionais, bancos internacionais, todos podem ter negócios com o Brasil afetados por pressão dos consumidores, dos investidores e da opinião pública. Como grande exportador de produtos agrícolas, não é do interesse do Brasil enfrentar barreiras a esse comércio. Portanto, era o momento de fazer uma inflexão pragmática no discurso.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro confundiu a ONU com o Facebook

- O Globo

Em sua estreia na ONU, Bolsonaro fez um discurso deslocado no tempo e no espaço. Diante de cerca de 150 chefes de Estado, escolheu falar para sua base eleitoral no Brasil

Em sua estreia na ONU, Jair Bolsonaro fez um discurso deslocado no tempo e no espaço. O presidente investiu na retórica anticomunista, como se o mundo ainda estivesse dividido pela Guerra Fria. Diante de cerca de 150 chefes de Estado, escolheu falar para sua base de extrema direita no Brasil.

Bolsonaro se apresentou como um típico autocrata. Atacou a imprensa, a ciência e as universidades. Adotou um tom conspiratório contra ambientalistas e líderes indígenas que se opõem à destruição da Amazônia.

O presidente pareceu confundir as Nações Unidas com sua audiência cativa no Facebook. Mentiu à vontade sobre as queimadas, a ditadura militar e o programa Mais Médicos. Depois de exaltar o regime autoritário, disse defender a liberdade e a democracia.

Em algumas passagens, Bolsonaro ecoou as falas delirantes do chanceler Ernesto Araújo. “A ideologia invadiu a própria alma humana, para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu”, disse. O olavismo, quem diria, chegou à tribuna da ONU.

Guga Chacra – Líder contra o multilateralismo

- O Globo

Bolsonaro conseguiu se tornar o grande porta-voz do movimento “soberanista” (...) Segundo Trump, os soberanistas vencerão

No palco do plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu se tornar o grande porta-voz do movimento “soberanista”, como se autodenomina esta nova vertente da direita internacional. Seriam os patriotas contra os globalistas, como disse um sonolento Donald Trump minutos após o brasileiro.

Questionam as mudanças climáticas ao adotarem uma postura anti-ciência. Pouco se preocupam com os direitos humanos e de minorias. Atacam a mídia. Condenam as ditaduras de Cuba, Venezuela e Irã, mas ignoram as atrocidades da Arábia Saudita, que tem apartheid contra as mulheres e xiitas, proíbe o judaísmo e cristianismo, esquarteja jornalistas, bombardeia o Iêmen e apoia jihadistas. Afirmam defender o Ocidente, mas se opõem às nações europeias ocidentais, como a França e a Alemanha.

Seus reais adversários não estão em Havana, Teerã e Caracas. São, na realidade, os liberais democratas ocidentais como Macron, Trudeau e Obama. Basicamente, o movimento se posiciona contra o novo Ocidente e celebra um imaginário ou ultrapassado.

Os soberanistas repudiam a agenda multilateralista destes líderes europeus e dos democratas americanos. Buscam associar este liberalismo político ao comunismo cubano e ao regime cleptocrático da Venezuela quando não há nada em comum entre o presidente francês e o ditador venezuelano. Também afirmam que a mídia e mesmo alguns empresários e banqueiros integram esta “conspiração esquerdistas”.

Vera Magalhães - Valentia não assusta

- O Estado de S.Paulo

Momento de Trump e Johnson mostra a Bolsonaro diferença entre retórica e realidade

Jair Bolsonaro e Donald Trump até pareciam ter ensaiado os discursos que fizeram na Assembleia-Geral da ONU. A expressão usada por Marina Silva foi precisa ao estabelecer a analogia com a ordem dos pratos em um banquete global: o presidente brasileiro foi o couvert arrematado depois por uma refeição pesada do ídolo norte-americano.

Bem fará Bolsonaro se, além de emular a retórica tão histriônica quanto vazia de Trump ao bradar contra o fantasma do socialismo e contra o tal globalismo, observar que nem tudo são flores na relação do presidente dos Estados Unidos com as instituições. O que mostra que, numa democracia, não adianta impostar a voz e falar grosso, porque o sistema de freios e contrapesos trata de equalizar as falas e as ações quando elas se desviam – ou mesmo dão indícios de que podem ter se desviado – dos preceitos legais e constitucionais.

Em plena campanha à reeleição, Trump se vê às voltas com os primeiros passos para a abertura de um processo de impeachment contra si. Sim, o processo foi iniciado pela democrata Nancy Pelosi, adversária de Trump. Sim, existe a possibilidade de que o processo não progrida. E também é verdade que existe um eleitorado fiel ao republicano e indiferente a essas vicissitudes.

Mas a reação da Câmara dos Representantes mostra o vigor da democracia dos Estados Unidos mesmo em tempos de radicalização política, em que o presidente se move no tabuleiro internacional com a sutileza de um elefante numa loja de cristais, declarando guerra comercial à China e estabelecendo relações suspeitas com a Rússia e a Ucrânia, para ficar apenas em alguns exemplos.

Lucas Leite* - Discurso de Bolsonaro na ONU isola ainda mais o Brasil

- O Estado de S.Paulo

Ao invés de promover diálogo, presidente manda indiretas a líderes europeus e adota tom conspiracionista

O presidente Jair Bolsonaro discursou na manhã desse 24 de setembro durante encontro de chefes de Estado e governo na Assembleia-Geral da ONU. Como praxe, o Brasil abre os discursos e, historicamente, costuma ressaltar o valor das instituições, defender o multilateralismo e o direito internacional. Não dessa vez.

Em um discurso que parecia por vezes improvisado ou mesmo afastado das grandes construções narrativas que marcaram o posicionamento brasileiro via Itamaraty, Bolsonaro mais uma vez se afastou das nossas tradições diplomáticas e reiterou nossa posição ao lado de líderes e grupos conspiracionistas.

Ao invés de promover a abertura do diálogo, o presidente brasileiro preferiu mandar indiretas aos líderes europeus e exaltar seu colega americano, Donald Trump. Esquece, contudo, Jair Bolsonaro, que o tão aclamado acordo de livre-comércio com a União Europeia (que ainda é apenas uma promessa cada vez mais distante) precisa passar pela aprovação de parlamentos europeus onde sua popularidade é cada vez menor e seu discurso cada vez mais combatido.

Luiz Carlos Azedo - O Brasil encolheu

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Diplomatas experientes e especialistas avaliam que a política externa de Bolsonaro levou o Brasil ao isolamento. Seu discurso na ONU aprofunda essa situação”

São raros os momentos na história do Brasil em que o país andou para trás. Sem dúvida, um deles foi no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, quando mergulhamos numa recessão sem precedentes, cujo ônus até hoje não foi revertido. Mais raros ainda são os momentos em que o país diminuiu de tamanho em relação às demais nações do mundo. Ontem foi um dia assim, em razão do agressivo e radical discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual reiterou posições ultraconservadoras, antiambientalistas e antiglobalistas.

Por suas dimensões continentais e mérito de nossa diplomacia, todo presidente brasileiro goza do privilégio de abrir a Assembleia-Geral da ONU. É um legado de gerações de diplomatas, que todo presidente da República, inclusive os militares, procuraram honrar. Essa tradição começou na segunda Assembleia-Geral da história, quando discursou o então ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha.

Seja para evitar as tensões entre Estados Unidos e União Soviética, que começavam a se estranhar na famosa Guerra Fria, seja pelo fato de o país ter ficado de fora do Conselho de Segurança, não se sabe ao certo, esse privilégio se manteve ao longo dos anos, sem que houvesse qualquer texto ou norma da ONU que determine a sua obrigatoriedade. Por isso mesmo, a tradição é o Brasil buscar um ponto de equilíbrio, um posicionamento que corresponda ao consenso majoritário, fugindo dos confrontos entre as nações.

O que se viu ontem, porém, foi o presidente brasileiro fazer um discurso duro, quase belicoso, que elegeu como adversários os índios, os ambientalistas, alguns líderes europeus e seus adversários de sempre: os líderes da Venezuela, de Cuba e dos partidos que integram o Foro de São Paulo. Foi um discurso para o público bolsonarista, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e outros líderes conservadores com os quais se alinha. Nossos mais experientes diplomatas, de forma pública ou velada, não escondem o desconforto com o teor do discurso de Bolsonaro. Foi um tiro no próprio pé.

Entre diplomatas experientes e especialistas em relações internacionais, é quase unânime a avaliação de que a política externa de Bolsonaro levou o Brasil ao isolamento. Seu discurso na ONU aprofundará essa situação, em especial por causa da questão ambiental e do confronto aberto com o presidente francês, Emmanuel Macron, que lidera a Cúpula da Clima. Seu alinhamento incondicional com Donald Trump na política internacional parece coisa daquele menino encrenqueiro que arruma confusão porque conta com a proteção de um primo grandalhão. Não é assim que as coisas funcionam na política externa.

Bruno Boghossian - Fundamentalismo político

- Folha de S. Paulo

Na ONU, aprofunda movimento de ruptura e aposta em tratamento de críticos como vilões

Em nove meses de mandato, Jair Bolsonaro já havia mostrado que não faria concessões e ignoraria qualquer apelo por moderação. Agora, o presidente levou à ONU as credenciais de um governo que abraça de vez uma espécie de fundamentalismo político.

O discurso do brasileiro na Assembleia Geral foi uma vitória da ala ideológica do Palácio do Planalto e da Esplanada –uma prova praticamente definitiva de que esse grupo determina não apenas a essência, mas todo o corpo do bolsonarismo.

O presidente fez questão de deixar sua marca completa, mas deu peso especial a sua conhecida contraposição às ideias da esquerda. Com isso, mostrou mais uma vez que não aceita nada além de alinhamento absoluto e que seus críticos se tornam imediatamente adversários e vilões.

O pronunciamento foi, segundo os próprios auxiliares de Bolsonaro, uma tentativa de apresentar ao mundo e reforçar dentro de casa a linha mestra de um movimento de ruptura. Sob esse argumento, o presidente busca um salvo-conduto até para as medidas mais controversas tomadas por seu governo.

Igor Gielow - Bolsonaro pode ser acusado de tudo, menos de incoerência

- Folha de S. Paulo

Presidente frustrou quem achou que ele iria se mostrar racional e conciliador no discurso da ONU

Com um discurso autocentrado e coerente com sua fase de radicalização, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deixou a pé aqueles que apostavam na oportunidade de ver o brasileiro apresentar-se como um líder mais racional e conciliador na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas).

Ao contrário, Bolsonaro novamente dobrou sua aposta contra os críticos. E o fez no melhor estilo que o consagrou nas urnas, trazendo a exótica amálgama moldada pelos discípulos do escritor Olavo de Carvalho em seu governo, o filho Eduardo Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo à frente.

Como sugeriam as postagens no Twitter de Eduardo, que age como chanceler de fato enquanto espera sua indicação formal à embaixada brasileira em Washington, o presidente resolveu falar o que considera sua versão da verdade. Neste ponto, Bolsonaro pode ser acusado de várias coisas, menos de incoerência.

Repetiu todo o discurso da ameaça de um suposto socialismo globalista, ou globalismo socialista, algo assim. Trouxe na parte final de sua longa fala, cujos 32 minutos superaram até o vago discurso de estreia de Dilma Rousseff (PT) em 2011 naquela tribuna, elementos como o combate ao politicamente correto e à ideologia de gênero.

Apanharam Cuba, Venezuela e o Foro de São Paulo, e só faltaram as famosas mamadeiras atribuídas ao PT na campanha eleitoral. Itens caros ao olavismo, como a crítica ao "materialismo ideológico", estiveram presentes. A única sugestão de inserção internacional colocada veio na forma da defesa de cristãos e outros religiosos perseguidos pelo mundo, de resto uma realidade com exposição limitada de seu escopo.

Também houve a admoestação da ONU em si, que não estaria cumprindo seu papel de fórum de iguais. Donald Trump não falaria melhor. Usualmente, discursos de presidentes brasileiros na abertura da Assembleia Geral são pontuados por defesas de políticas internas, mas num contexto maior.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro, ameaça à segurança nacional

- Folha de S. Paulo

Antidiplomacia faz com que Brasil seja transformado em espantalho do mal

O discurso de Jair Bolsonaro causou as reações de ultraje e a aclamação de costume. Na mídia maior do mundo, foi objeto do ridículo e da indignação habituais, sem maior destaque, até porque as falações da Assembleia Geral da ONU não valem mais grande coisa, a não ser em caso de países capazes de causar estrago grande, real e imediato (como guerras).

No entanto, o discurso foi importante, mais um episódio de radicalização no radicalismo, que vem desde junho.

Bolsonaro demonstrou que é uma ameaça aos interesses econômicos e um risco para a segurança nacional do Brasil. Seu programa diplomático, um desvario nacionalista e paranoico, está mesmo entranhado nas profundas das almas dos habitantes do bunker ideológico do Planalto. Assessores entusiasmados contavam que o presidente conseguiu dar seu recado: o Brasil passa por uma revolução.

O estrago estava feito antes de Bolsonaro abrir a boca. Talvez o presidente pudesse merecer o benefício da dúvida se fizesse discurso politicamente pragmático. Era uma hipótese otimista de observadores desavisados.

Bolsonaro fez o papelão de sempre, apenas lavrando em cartório internacional sua certidão de identidade política: louvação da ditadura com misticismo, ódio à ciência, ao ambiente e ao multilateralismo etc. Sem novidade, foi chamado pelo mundo de “extrema direita”, “conspiratório”, “briguento”, “fanfarrão” ou “mini-Trump”, em textos de derrisão mais ou menos explícita.

Mas as pessoas relevantes em governos que contam já sabem muito bem quem é o presidente do Brasil.

Ruy Castro* - País de mentira

- Folha de S. Paulo

Nenhum brasileiro reconheceu o Brasil que Bolsonaro descreveu na ONU

Eu gostaria de morar no país que Jair Bolsonaro descreveu em seu discurso na Assembleia Geral da ONU e que, segundo afirmou, se chama Brasil. Imagine, um país com 70% da sua mata original preservada, exceto por alguns metros em que foi preciso cortar umas árvores para os bois poderem passar. Um país sem queimadas, exceto a que os índios praticam, ainda mais agora que eles querem sair da idade da pedra cultivando soja. E um país que, se quiser destruir a Amazônia, é por nossa conta, digo, dele, e ninguém tem nada com isso.

Um país em que a vida é o maior dos direitos humanos, donde, para preservá-la, o controle de velocidade nas estradas é abolido, as armas são liberadas e quem passar na frente de uma bala é por sua conta e risco. Um país em que nenhum corrupto ficará impune, exceto nos casos de parentesco em primeiro grau, vínculo empregatício com estabilidade e cargo importante no governo. Governo este, aliás, estrelado por um antigo símbolo da luta contra a corrupção e ainda tão poderoso que, hoje, se sujeita aos papéis mais humilhantes sem prejuízo de sua aceitação popular.

Ricardo Noblat - O comandante voltou!

- Blog do Noblat | Veja

A melhor defesa é o ataque

É preciso conter a sangria no núcleo duro dos bolsonaristas de raiz agora divididos na sua devoção ao presidente da República e ao ministro Sérgio Moro, da Justiça, o herói do combate à corrupção.

E foi principalmente por isso que o ex-capitão paraquedista Jair Bolsonaro disse o que disse, e da forma como disse, na abertura de mais uma Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque.

Vazaram para o governo informações preliminares e preocupantes sobre novas pesquisas de opinião. E caso elas se confirmem, a base de apoio a Bolsonaro continua a estreitar-se.

Tudo pode ficar para depois – o agronegócio com medo da perda de novos negócios, a ajuda planetária para preservar a Amazônia, o melhor relacionamento com os demais chefes de Estados.

Dinheiro jogado fora? Sim. Respeito que poderia ser reconquistado e que foi desperdiçado mais uma vez? Sim. Crescente isolamento internacional? Evidente. Em compensação…

De que adiantaria tudo isso se as hordas dos guerreiros cegos e sem cérebro, dispostos a matar ou a morrer em troca de gordos soldos futuros passassem a desobedecer à voz de comando?

Às favas, pois, os superiores interesses da Nação. Às favas os conhecimentos acumulados, os bons costumes e as reverências cobradas pela solenidade da ocasião. A arena é outra.

Dora Kramer - Envernizado, mas Bolsonaro

- Blog | Veja

Agressivo, presidente traça na ONU cenário do que ele entende por 'novo Brasil'

Incisivo e por vezes agressivo, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU que está menos preocupado em suavizar sua imagem e mais empenhado em desenhar um cenário do que ele entende por um “novo Brasil”, inaugurado a partir de sua ascensão ao poder.

Nenhuma surpresa no fato de os discursos do brasileiro e do americano Donald Trump exibirem diversos pontos semelhantes no tocante à escolha de temas a serem abordados, vez que são aliados fortemente assumidos. Surpreendente, e até dizer imprudente para um país de força menos que relativa na cena mundial, foram os ataques de Bolsonaro a pretexto de fazer a defesa contra o que qualifica como “mentiras da mídia” em relação ao seu modo retrógrado de ação e pensamento.

O presidente saiu-se bem quando firmou profissão de fé em prol das liberdades (econômica, política, social e religiosa), mas estreitou o caráter desse compromisso ao, mais uma vez, impregnar o discurso de cunho ideológico no propósito de criticar os malefícios da ideologia no caminhar da humanidade. Atrai descrédito, por exemplo, quando abre sua fala repisando sua velha tese de que graças à sua eleição o Brasil foi salvo do socialismo a que estava prestes de aderir. O país, como sabemos e sabe o mundo, nunca esteve à “beira do socialismo”.

Ricupero: Bolsonaro isola o Brasil com aula de antidiplomacia na ONU

Ex-embaixador nos Estados Unidos disse que discurso na Assembleia Geral afastará investidores por ter consolidado a fama do presidente como 'vilão global'

Por Edoardo Ghirotto | Veja

Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e embaixador nos Estados Unidos em dois períodos (1974-1977 e 1991-1993), viu com preocupação os ataques que o presidente Jair Bolsonaro disparou em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Para Ricupero, a fala de Bolsonaro consolidou a fama do Brasil como o novo ‘vilão global’ e afugentará empresas que buscam estabilidade para fazer investimentos de longo prazo.

“Falo como um diplomata profissional. Um discurso tão belicoso quanto o de Bolsonaro é quase uma aula de antidiplomacia. Além de ter acentuado o lado negativo ao falar do meio ambiente, ele hostilizou muita gente no Brasil e no exterior. E atacou a própria ONU. Pensava que ele não conseguiria agravar o seu problema de imagem, mas confirmou o que o público externo mais temia: o fato de ser uma pessoa sem abertura nenhuma para a diplomacia”, afirmou Ricupero.

Bolsonaro falou por 31 minutos na ONU e abriu frentes de ataques severos contra governos de esquerda no Brasil, a atitude da França diante dos incêndios na Amazônia e até mesmo o cacique caiapó Raoni Metuktire, uma das principais vozes contra as políticas indigenista e ambiental da sua gestão. Também tratou de temas que marcaram sua eleição para presidente, como a oposição ao Foro de São Paulo e à vinda de médicos cubanos para trabalhar no país.

O ex-embaixador disse não ter se surpreendido com a retórica empregada por Bolsonaro. “Ele foi coerente com quem ele é”, declarou. “Eu já imaginava que ele falaria algo para os seus apoiadores mais intransigentes. Ele pensa que corre um perigo maior no Brasil do que lá fora. Existe uma postura imediatista em sua fala e que não abrange um cálculo externo.”

Imprensa internacional reage ao discurso de Bolsonaro na ONU

Defesa da soberania na Amazônia e ataque à esquerda ganham destaque na cobertura sobre a participação do presidente brasileiro

- O Globo

RIO – A imprensa internacional reagiu de forma crítica ao discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira, destacando a defesa que ele fez da soberania na Amazônia e os ataques à esquerda e ao socialismo no passado e no presente do planeta.

Em seu site, a rede britânica BBC deu uma manchete em separado para Bolsonaro e sua afirmação de que a Amazônia pertence ao Brasil. Segundo a BBC, o presidente brasileiro assumiu um tom “desafiador” ao abordar a questão, criticando o sensacionalismo da mídia. Em contraponto, a rede acrescenta no mesmo link reportagem de seu correspondente na América Latina, Will Grant, no Pará, em que o repórter relata a destruição da floresta do “epicentro da crise”.

O também britânico Guardian , por sua vez, colocou seu correspondente para a América Latina, Tom Phillips, para acompanhar e comentar a participação de Bolsonaro em sua cobertura ao vivo da Assembleia Geral. Segundo Phillips, com um discurso “aparentemente escrito por seus assessores mais radicais de extrema direita”, Bolsonaro ofereceu ao mundo um vislumbre de “um governo introvertido, obcecado por conspirações e profundamente arrogante” que agora está à frente do país.

Rosângela Bittar - De volta, o velho e bondoso S.Francisco

- Valor Econômico

A rendição explícita de Bolsonaro à “velha” política

Existe apenas uma novidade no sistema de formação da base parlamentar fiel ao presidente Jair Bolsonaro que o ministro da Secretaria de Governo e articulador político, general Luiz Eduardo Ramos, criou e começa a entregar. Finalmente, depois de alguns meses desde a sua entrada tardia na equipe, o ministro, esta semana, deu a conhecer os resultados do seu trabalho em reveladora entrevista ao repórter Felipe Frazão.

Já avançou um bom bocado e o fez com o método bastante conhecido do “toma-lá-dá-cá”, que nos anos 80 foi chamado de “é dando que se recebe”, e, mais recentemente, ganhou a expressão científica de presidencialismo de coalizão.

Junta-se uma maioria de senadores e deputados para votar os assuntos de interesse do governo, de cuja gestão participam como coadjuvantes, através do exercício dos cargos que passam a ocupar, como foi feito em todos os governos nos últimos anos, alguns com maior, outros com menor competência.

A novidade agora é que, contou o general, o governo Bolsonaro exigirá fidelidade dos agraciados com verbas e cargos. Mas uma fidelidade qualificada, apenas em assuntos sob o guarda-chuva de “pautas para o país”.

O seu contrário, pelo que fica entendido, são as pautas que não são do país. Talvez as pessoais do presidente, seus seguidores e e familiares, as questões ideológicas, as de costumes que, no governo Bolsonaro, viraram um tremendo e atrasado dramalhão.

“A gente quer que o deputado esteja conosco nas reformas estruturais, como a da Previdência, a tributária, a de liberdade econômica, o saneamento básico, o pacto federativo”, enumera didaticamente o general Ramos, esclarecendo então o que entende por pauta para o país.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Bolsonaro faz na ONU discurso para a militância – Editorial | O Globo

Da redação do pronunciamento do presidente não participou, por certo, o estafe profissional do Itamaraty

A tradição da diplomacia brasileira poderia indicar que o presidente Jair Bolsonaro utilizaria seu primeiro pronunciamento na abertura de uma Assembleia Geral das Nações Unidas para amenizar o choque com países europeus, principalmente a França, sobre a defesa da Amazônia. Mas apolítica externa deste governo rompeu coma prudência do passado.

Ao contrário, o pronunciamento de Bolsonaro foi agressivo na abordagem e carregado de ideologia em geral. O presidente, como já fez várias vezes, preferiu falar ao bolsonarismo radical. Optou por atender um público interno.

Neste sentido, Bolsonaro mais uma vez adotou o estilo de campanha política. Perdeu uma oportunidade de, por exemplo, facilitara colaboração externa na preservação da Amazônia, o que deve ter agradado aos grupos que vivem da exploração predatória da região. Por mais que o presidente tenha assumido o “compromisso solene” de defendera Amazônia.

Poesia | Manuel Bandeira - Satélite

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.
Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.
Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
– Satélite.