quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Ricardo Noblat - Por que não te calas, general?

- Blog do Noblat | Veja

Supremo outra vez sob pressão

Somente Jair Bolsonaro e o general Eduardo Villas Bôas sabem que acertos fizeram quando o primeiro era candidato à vaga de Michel Temer, e o segundo, Comandante do Exército.

Neste governo, o general da reserva é assessor do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. Ao empossa-lo, Bolsonaro emitiu todos os sinais de que lhe é grato.

Grato por quê? Talvez porque Villas Bôas respaldou sua candidatura à reboque de generais e de soldados que já apoiavam Bolsonaro. Cada quartel foi uma célula do bolsonarismo.

Talvez porque uma nota publicada pelo general no Twitter soou como advertência ao Supremo Tribunal Federal às vésperas de ele decidir se manteria ou não a prisão em segunda instância.

À época foi dito que Villas Bôas apenas refletia o ânimo dos seus companheiros de farda. Antecipava-se a possíveis manifestações raivosas de subordinados. Não queria perder o controle da tropa.

Por isso ou por aquilo, o Supremo manteve a prisão de réu condenado em segunda instância. E assim o ex-presidente Lula continuou encarcerado em Curitiba como ainda está.

Começa, hoje, no Supremo o julgamento de ações que pedem o fim da prisão em segunda instância. E, ontem, depois de ser visitado por Bolsonaro, Villas Bôas postou outra nota de advertência.

Desta vez, uma nota mais amena, embora destinada ao mesmo público – os ministros do Supremo, e a quem mais interessar possa. Os ministros não gostaram nem um pouco.

Três deles – Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, reuniram-se com Bolsonaro no Palácio do Planalto horas antes de a nota do general ter se tornada pública.

Uma coisa nada teve a ver com a outra. Mas como descartar a suspeita de que os três, ou dois deles, ou apenas um não tenha conversado com Bolsonaro sobre o julgamento de logo mais?

Ao Supremo, o que lhe cabe, nada a mais ou a menos. No seu artigo 102, a Constituição diz que compete ao Supremo, “precipuamente, a guarda da Constituição”. É ele que a aplica.

O artigo 2 diz: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Harmônico tem a ver com entendimento, não com submissão.

Por três vezes de 2016 para cá, o Supremo entendeu por um único voto de diferença que réu condenado em segunda instância poderia ser preso, não obrigatoriamente seria preso.

Com seu poder avassalador alimentado pela justa indignação dos brasileiros com a corrupção, a Lava Jato atropelou o Supremo e a prisão em segunda instância passou a ser obrigatória.

Se o Supremo quiser mudar seu entendimento poderá fazê-lo mesmo que se insinue que só mudou para beneficiar Lula. Nada de melhor foi inventado até aqui para substituir o Supremo

A única coisa que o ele não poderia fazer, não deveria fazer é votar para atender às pressões de quem quer que seja – das ruas, de um general com ou sem tropas, ou dos idiotas das redes sociais.

Visita aos porões do combate à corrupção

Merval Pereira - Azares da sorte

- O Globo

A interpretação dos textos tem proporcionado casos esdrúxulos, como o de Dilma, que escapou de ter seus direitos políticos cassados

Por esses acasos que regem a política, sobretudo a brasileira, que se transmuda tão rapidamente como as nuvens como identificou o político mineiro Magalhães Pinto, o ex-presidente Lula foi parar na cadeia devido a uma lei sancionada por seu “poste” Dilma Rousseff, e pode sair apoiado por uma lei editada por seu inimigo cordial Fernando Henrique Cardoso.

Foi durante o primeiro mandato de Dilma, em 2013, que a Lei das Organizações Criminosas instituiu a colaboração premiada, vulgarmente chamada de “delação premiada” entre nós. Instrumento que, utilizado pela força-tarefa da Lava Jato, permitiu a prisão de políticos e empresários envolvidos num esquema de corrupção organizado pelo PT para financiar suas campanhas políticas e as de partidos aliados.

Lula foi condenado por corrupção no caso do triplex do Guarujá devido a provas indiciais e testemunhais, entre elas a delação premiada do proprietário da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, que confessou ter dado o apartamento ao ex-presidente em troca de favores recebidos.

Já o artigo 283 do Código de Processo Penal que define, na opinião dos contrários à prisão em segunda instância, o trânsito em julgado como uma das maneiras de se levar alguém à prisão, é fruto de uma reforma legal proposta pelo Governo Fernando Henrique em 2001, aprovada dez anos depois.

Bernardo Mello Franco - Supremo criou o abacaxi Lula

- O Globo

O Supremo criou o abacaxi que começará a descascar hoje. Quando um partido nanico questionou a prisão em segunda instância, Lula nem havia sido denunciado pelo MP

O Supremo criou o abacaxi que começará a descascar hoje, com transmissão ao vivo na TV. Em maio de 2016, um partido nanico questionou se a Constituição permitia a prisão de réus condenados em segunda instância. Michel Temer acabara de assumir a Presidência e Lula ainda nem havia sido denunciado pela Lava-Jato.

Em dezembro de 2017, o ministro Marco Aurélio Mello informou que estava pronto para levar o caso ao plenário. Lula continuava livre e a então presidente do Supremo, Cármen Lúcia, recusou-se a marcar o julgamento. Seu sucessor, Dias Toffoli, sentou-se sobre a ação por mais um ano e um mês. Ela só começará a ser julgada hoje, 682 dias depois do pedido do relator.

“Houve uma manipulação da pauta”, critica Marco Aurélio. Ele sustenta que o tribunal deveria ter julgado logo a tese genérica, mas se curvou a “pressões indevidas”. Com o tempo, as pressões só aumentaram. Agora a opinião pública enxerga o caso como um novo julgamento do ex-presidente. Se o Supremo mudar a regra atual, Lula deverá ser libertado.

Ascânio Seleme - Uma tragicomédia brasileira

- O Globo

Jamais se desceu a ponto tão baixo, nem mesmo nas ditaduras de Vargas e de 1964

Mesmo antes de Dom João VI aportar aqui em 1808, os políticos brasileiros já enfrentavam crises e travavam ásperas discussões em torno de programas e ao redor de ideias. Mas nunca na forma exuberante que se vê hoje. Jamais se desceu a ponto tão baixo, nem mesmo nas ditaduras de Getúlio Vargas e dos generais de 1964, tampouco com Collor de Mello, e em tempo algum os desacertos provocaram tanto espanto e tantas risadas como agora. Vivemos uma das maiores tragicomédias da nossa história. O Brasil está de ponta-cabeça, de estômago embrulhado, muito mais do que apreensivo, é verdade, mas ainda assim rindo aos borbotões.

As asneiras e sandices que se leem e se ouvem quase diariamente em torno da família do presidente Bolsonaro são tão inusitadas quanto ridículas e engraçadas. Como se conseguiu queimar tantas pontes, arranjar tantos inimigos e desconstruir tantos entendimentos em apenas dez meses de governo? Trata-se de um recorde negativo que deveria ser considerado pelo “Guinness”. O primeiro governo a se desmilinguir em menos de um ano por absoluta inépcia política. E se não bastasse ter afugentado os que votaram nele para se livrar do PT, que são milhões, o presidente agora trata de afastar o maior partido da sua base. Talvez o único que lhe seja inteiramente fiel e tenha a sua cara.

Depois de semanas de bate-boca com o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar, ameaçando sair do partido, Bolsonaro vem a público para dizer que não vai se meter no assunto. “Tô calado e vou continuar calado”, disse o homem que jamais se cala, que usa as redes sociais para fazer o que ele acha ser contato direto com seus eleitores e tem um programa semanal em que fala, e fala o que lhe der na telha, sem medir qualquer consequência. E além disso, o mais opaco presidente da História do Brasil diz ser transparente. Só rindo.

Míriam Leitão – Os novos números da desigualdade

- O Globo

A má notícia completa é: o Brasil, que sempre foi desigual, ficou ainda mais desigual na crise, e o problema pode estar subestimado

Os números impressionaram até especialistas. Os dados divulgados ontem pelo IBGE sobre o aumento da concentração de renda no país em 2018 mostram que na renda houve uma estagnação profunda e dispersa pelo país, mas a desigualdade aumentou ainda mais no Sudeste do que em outras regiões. Os 30% mais pobres perderam renda. O grupo que está no 1% mais rico teve ganhos.

— Os dados mostraram que na renda todas as regiões estão parecidas, o país está agora no mesmo nível que em 2014. Na desigualdade, em boa parte das regiões, estava em 2018 pior do que em 2012. O retrocesso é maior do que na renda. Mas o que me chamou a atenção foi o padrão regional diferente. O Sudeste foi muito mal. A desigualdade teve uma piora muito pronunciada na região. A gente sempre trabalhou com o fato de que o Nordeste é mais pobre e mais desigual —disse o economista Pedro Ferreira de Souza, do Ipea, especialista neste assunto.

O Brasil sempre foi desigual, teve uma melhora tênue e breve, entre 2001 e 2012. O problema tem sido mal medido, por problemas como o da subnotificação da renda dos mais ricos, fenômeno que acontece em vários países. Numa pesquisa amostral, dificilmente quem está no topo diz quanto ganha, principalmente de renda financeira.

Luiz Carlos Azedo - Fazer a cabeça tem hora

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Julgamento sobre a execução imediata da pena após condenação em segunda instância, no Supremo Tribunal Federal (STF), só ocorrerá na próxima semana. Hoje, haverá apenas sustentação oral das partes”

Num arroubo de sinceridade, ou melhor, “sincericídio”, o jornalista e produtor cultural Nelson Motta, um carioca simpático por natureza, que nunca fez mal a ninguém, virou a bola da vez nas redes sociais porque declarou, numa entrevista ao jornal O Globo, que fumava maconha todo dia. O texto enfurecido de um leitor, acusando-o de conivência com o tráfico de drogas, viralizou, e o assunto acabou chegando ao plenário da Câmara dos Deputados, onde um parlamentar da “bancada da bala” pediu que a Polícia Federal investigasse as supostas relações de Motta com os traficantes que lhe forneceriam a famosa cannabis sativa.

Impossível o “sincericídio” de Nelson Motta não nos remeter ao refrão do samba de Bezerra da Silva, Malandragem dá um tempo, nesses tempos em que o politicamente incorreto dá as cartas com sinal trocado: “Vou apertar/Mas não vou acender agora/ Vou apertar/ Mas não vou acender agora/ Se segura malandro/ Pra fazer a cabeça tem hora/ Se segura malandro/ Pra fazer a cabeça tem hora”. O tema da descriminalização da maconha não é novo, mas vive um cenário muito adverso.

Mesmo assim, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que utiliza remédios à base de cannabidiol, recentemente, convenceu os colegas da Comissão de Direitos Humanos (CDH) a aprovar a regulamentação do uso medicinal da cannabis e do cânhamo no Brasil. Apresentada pela Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc), com o apoio de familiares e pacientes que fazem uso desses medicamentos, a proposta foi transformada em um projeto de lei no Congresso.

Gabrilli ficou tetraplégica ao quebrar o pescoço, há 25 anos. Num depoimento apaixonado, admitiu que só consegue trabalhar por que faz uso medicinal da maconha: “Eu mexo muito pouco do pescoço para baixo, mas eu mexo muito mais do que eu já mexi um dia, porque eu era uma pessoa deitada, que respirava numa máquina, que não falava, que não sentava, que não sentia e que não se mexia. […] Sabe por que eu faltei tanto tempo aqui, fiquei de licença? Porque durante todo o período que fiquei sem ter o THC, eu desenvolvi uma epilepsia refratária”, revelou a senadora.

Com esse depoimento, a causa do uso medicinal da maconha ganhou uma defensora capaz de sensibilizar o Congresso. Para fazer uso desses medicamentos, pacientes precisam pedir autorização judicial e importar os remédios a preços muito altos. A proposta de Gabrilli autoriza a pesquisa e a produção de remédios à base de cannabidiol no Brasil, barateando e difundindo o uso desses produtos a quem tiver autorização médica para usá-los. À Anvisa, caberia regular e controlar a venda desses medicamentos.

Os que se opõem à medida argumentam que a liberação da produção comercial de maconha para fins medicinais pode favorecer os traficantes de drogas no Brasil. Na Colômbia, porém, com a legalização, foram criados 1,7 mil empregos nesse tipo de atividade. O mercado legal de cannabis cresce 22% ao ano no mundo. No Brasil, a estimativa de valor desse mercado é de R$ 1,1 bilhão.

Julgamento
A propósito do samba de Bezerra, o julgamento sobre a execução imediata da pena após condenação em segunda instância, no Supremo Tribunal Federal (STF), só vai ocorrer mesmo na próxima semana. O presidente da Corte, Dias Toffoli, anunciou que hoje haverá apenas sustentação oral das partes, e os votos serão colhidos apenas na próxima semana, o que manterá o suspense sobre a decisão da Corte.

William Waack - Inspiração da Espanha

- O Estado de S.Paulo

Ao contrário do que acontece no Brasil, partidos e Judiciário enfrentaram a grave crise

Poderosas, as memórias de olfato nas noites desta semana na esplêndida capital da Catalunha jogam a gente de volta para junho de 2013 em São Paulo. É o cheiro de lixo queimando nas ruas, plástico se derretendo no calor das chamas, sirenes das tropas de choque correndo de um canto para o outro das ruas atrás de bandos de mascarados que improvisam barricadas, provocam a polícia, mandam selfies e stories nas redes sociais enquanto “lutam”, dispersam, correm e se juntam no próximo quarteirão.

Um bocado de gente está ali nas ruas do centro só para olhar. Há alguma simpatia com a causa geral, ainda que o público se mantenha a prudente distância do fogaréu e dos jovens encapuzados brigando com a polícia. No caso de Barcelona, as manifestações foram convocadas para protestar contra as penas de prisão impostas segunda-feira última pela Justiça espanhola a nove líderes e articuladores da tentativa de separar a Catalunha do resto do país, há uns dois anos. A independência da região, afirmam os juízes na condenação, nunca passou de uma “quimera”, criada e explorada por políticos.

Talvez seja uma boa descrição do que aconteceu, mas o ponto relevante é o fato de que o “independismo”, como é chamado aqui o separatismo catalão, já tinha sido derrotado politicamente antes da sentença condenatória. O principal fator que circunscreveu a aventura política articulada na Catalunha foi o funcionamento do sistema político partidário espanhol, a grande participação popular em várias eleições subsequentes apesar da crise fiscal e de representatividade que esfacelou forças políticas tradicionais e seus grandes nomes.

Roberto Macedo* - O preocupante marasmo econômico

- O Estado de S.Paulo

Ainda no buraco, a economia brasileira apenas rasteja rumo à superfície

Continuo insistindo em que a situação da economia é altamente preocupante e que a percepção disso não está bem disseminada na sociedade, e tampouco no âmbito da classe política, que está por demonstrar capacidade de enfrentar o problema eficaz e rapidamente.

A situação é pior do que muitos imaginam. Como, por exemplo, neste trecho de reportagem deste jornal na terça-feira (15/10): “Desde o fim da recessão, a partir de janeiro de 2017 (...), era de esperar uma redução na incerteza, mas as turbulências políticas vêm impedindo essa acomodação (...)”. Ora, a economia pode não estar em recessão, conforme definida por convenção entre economistas, mas está muito pior, numa depressão que já dura cinco anos! Como esperar uma sensível redução das incertezas que pairam no cenário econômico?

Depressão é mais grave e duradoura que recessão. Deixando de lado o economês, em 2015 a economia caiu num buraco do qual ainda não saiu. Em números redondos, no biênio 2015-2016, seu PIB caiu 6,0%. No biênio 2017-2018 cresceu 2,0% e, supondo mais 1% este ano, no triênio 2017-2019 terá crescido 3%. Ou seja, recuperou só metade do que perdeu no biênio 2015-2016. E, ainda no buraco, apenas rasteja rumo à superfície.

Os últimos dados do PIB foram os do 2.º trimestre deste ano e mostraram que ele voltou ao seu valor do 2.º trimestre de 2012, retrocedendo sete anos! Estamos noutra das décadas perdidas que se tornaram comuns desde 1980. O pior é que a década atual, com desempenho decenal medido pela taxa média anual de crescimento do PIB, é a pior da série de dados disponíveis desde 1901!

Passando ao desempenho setorial, verifiquei que no mês passado: 1) o produto do setor de serviços estava 12% abaixo do seu nível mais alto, em novembro de 2014; 2) o da indústria geral estava 19,3% inferior ao mesmo ponto, em março de 2011; e 3) o do comércio varejista ampliado estava 9,1% abaixo do recorde da série, em julho de 2012.

Malu Delgado - Um outro enredo para a HQ do Supremo

- Valor Econômico

Se agisse como um colegiado, SupremoTribunal Federal mitigaria vaidades

As onze capas heroicas da Gotham City brasileira entram novamente em cena nesta quinta-feira com farto holofote, mas escasso glamour. A fama que os ministros do Supremo Tribunal Federal adquiriram em 2012 a partir do julgamento da Ação Penal (AP) 470, do mensalão, foi carcomida ao longo dos anos e, em tempos do bolsonarismo/versão 2019, as metáforas de Batman deram lugar às ameaças de instalação de uma CPI da Lava-Toga. O plenário da Suprema Corte volta a analisar, enfim, três ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) - 43 e 44, 54 - para definir a legalidade do cumprimento de pena de prisão após uma condenação em segunda instância.

Como a futurologia na atual conjuntura é cada vez mais arriscada, torna-se inútil, aqui, prever o placar e suas implicações políticas, uma vez que foi claramente por razões políticas que o STF se esquivou de analisar o tema até agora. Chegamos a um ponto em que, se o vento soprar muito forte, qualquer coisa pode acontecer.

O que se espera de um Supremo Tribunal Federal é o básico, que fundamente suas decisões, e não que encontre soluções híbridas para esconder, sob jurisprudências de ocasião, a decisão política que provoca menos desgaste. E é justamente a ocasião que faz o ladrão, como diz o ditado tão repetido pelas nossas avós.

As evidentes ocasiões gestadas pelo Supremo se tornaram terreno fértil para reflexões sérias sobre esses onze personagens que, aqui, decidem rumos políticos da nação. Lançado no início deste mês, o livro “Decisões controversas do STF: direito constitucional em casos” é um exemplo de literatura que ganha fôlego diante de atitudes controvertidas de nossos juízes.

Reunindo análises e pesquisas de juristas brasileiros, o livro aponta “possíveis equívocos” do Supremo nos últimos 30 anos, desde a Constituição de 1988, mas faz críticas, como destaca o professor André Rufino do Vale, com base em parâmetros técnicos e científicos sobre determinadas decisões, “sejam elas colegiadas ou monocráticas”.

Ribamar Oliveira - A euforia do governo com os juros baixos

- Valor Econômico

Custo da dívida pública será fortemente reduzido

Os integrantes da equipe econômica do governo estão eufóricos com o atual ciclo de queda de juros no Brasil. “Se, há três anos, alguém tivesse me dito que hoje o Tesouro estaria vendendo títulos com juros reais de 2,5% ao ano, eu teria falado que ele estava delirando”, observou um graduado assessor do ministro da Economia, Paulo Guedes, em conversa com o Valor. “Em dois ou três anos, com esse cenário benigno de juros, o perfil da dívida pública vai mudar muito”, disse.

Em outubro de 2016, a taxa básica de juros (Selic) estava em 14% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com todo o mercado acreditando que ela cairá para 4,5% até o fim deste ano e podendo chegar a 4% em 2020. Na mesma data, o Tesouro emitia títulos corrigidos pelo IPCA (NTNB principal) com prazo de quatro anos e taxa de juro real de 5,95% ao ano. Em janeiro daquele ano, os juros reais do mesmo papel chegaram a 7,27% ao ano. Ontem, a NTNB com prazo de cinco anos estava pagando juros reais de 2,41%.

Os últimos dados do Tesouro mostram que 53,2% da dívida pública mobiliária federal vence nos próximos três anos. São aqueles papéis emitidos, em grande medida, durante o auge da crise econômica brasileira (2015/2016), com taxas de juros elevadíssimas. Eles serão substituídos por papéis que terão taxas de juros reais bem mais baixas e, possivelmente, com prazo médio de vencimento maior.

O atual movimento de queda dos juros deve alterar consideravelmente a dinâmica do endividamento público, permitindo que o esforço fiscal necessário para estabilizar a relação da dívida bruta com o Produto Interno Bruto (PIB) seja menor. Claro que, para isso, é preciso que o governo continue reduzindo as suas despesas para obter um resultado primário positivo.

Pedro Cavalcanti Ferreira* / Renato Fragelli Cardoso** - Crescimento é (quase) tudo

- Valor Econômico

É preciso conciliar a redução da desigualdade com a aceleração do crescimento

Neste momento em que a distribuição de renda se tornou o principal tema do debate político na maioria dos países, é preciso uma reflexão racional sobre as alternativas para se enfrentar o problema, sob risco de se prejudicar justamente os mais pobres.

A qualidade de vida no mundo hoje é muito superior do que há 40 anos, bem como em qualquer período da história. Indicadores de pobreza, saúde e educação estão muito acima dos observados no passado. Isso se deve ao crescimento econômico experimentado há décadas por vários países, sobretudo alguns muito populosos e antes muito pobres, como China e Índia. Quando se almeja reduzir sustentavelmente a pobreza, não há substituto melhor para o crescimento.

Em 1990 havia 1,9 bilhão de pessoas no mundo vivendo na extrema pobreza - 34% da população mundial. Hoje esse número caiu para 650 milhões - 10% da população. Em 1820, mais de 90% da humanidade vivia na pobreza, hoje o número está em 15%. No começo dos anos 1980, 80% dos chineses eram pobres; hoje 10%, e menos de 1% vivem na extrema pobreza. Em países como Indonésia, Índia, Gana e Etiópia, a pobreza extrema caiu à metade no mesmo período. A expectativa de vida ao nascer mundial é hoje de 72 anos, contra 46 anos em 1950. Isto se deve sobretudo à queda da mortalidade infantil, ao acesso a melhores tratamentos de saúde e à redução da taxa de natalidade.

Em quatro décadas, o produto per capita chinês aumentou dez vezes, o indiano três, e nos demais países citados, entre duas e três vezes. Madagascar e Guiné-Bissau, que em 1990 tinham PIB per capita próximo do chinês, não cresceram nos últimos 30 anos, sendo seu produto per capita hoje de um décimo do chinês. Não surpreende que a proporção de pobres nesses países não tenha variado no período. Exemplos semelhantes mostram ser o crescimento o principal redutor da pobreza.

Maria Hermínia Tavares de Almeida*- Política de desmanche

- Folha de S. Paulo

Fusão da Capes com o CNPq tem tudo para virar desmanche

Há mais ou menos dez anos, dirigente de uma importante agência de apoio à pesquisa científica reuniu os responsáveis pelos maiores projetos por ela financiados. Para surpresa geral, incentivou os presentes a ousar, apresentando projetos mais ambiciosos --nos temas, no porte das equipes envolvidas e nos resultados esperados.

A exortação fazia sentido. A primeira década do século havia sido muito favorável ao desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, com notável expansão das múltiplas atividades que o definem, a consolidação das respectivas instituições, assim como dos recursos investidos. Segundo relatório de julho último, produzido por uma comissão de cientistas reunidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entre 2002 e 2010 o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia quase triplicou, enquanto o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico foi multiplicado por seis, e o orçamento da Capes, por oito. Cresceram igualmente as publicações científicas de referência e o total de mestres e doutores formados.

Depois de mais de meio século de existência, enfim, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia se consolidava. Trata-se de uma densa e diversificada rede de organizações públicas e privadas, que inclui universidades, centros de pesquisa, agências de fomento, órgãos dos três níveis de governo e ainda organizações sociais. Juntas, formam uma sopa de siglas indigeríveis para o grande público. Mas, graças à sua atuação, foi possível incorporar ao setor agrícola do país terras até então estéreis do Centro-Oeste; explorar petróleo em alto-mar, viabilizando o pré-sal; aumentar a utilização de fontes renováveis de energia; enfrentar a epidemia do vírus da zika; organizar o SUS --o qual, convém lembrar, é o maior sistema de saúde pública do mundo; entre outras conquistas.

Fernando Schüler* - Nosso velho Estado e a ilusão do controle

- Folha de S. Paulo

O Brasil falhou na prestação de serviços e a conta é paga pelos mais pobres

Semana passada escrevi defendendo a ideia de que o Brasil deveria avançar na direção de uma reforma do Estado, e não apenas em um ajuste nas carreiras do setor público (que é obviamente importante).

Na visão que apresentei, o governo precisa assumir sua função de inteligência e garantias de direitos, delegando a gestão da prestação dos serviços, sob contratos, para quem sabe fazer melhor, seja na sociedade ou no mercado.

O tema incomoda e muita gente me perguntou se havia evidências na direção do meu argumento. Elas existem, mesmo considerando o óbvio: evidências não podem provar, em definitivo, uma tese em um terreno complexo como a gestão pública. Mas elas podem sinalizar um caminho.

Talvez o mais consistente experimento de contratualização feito no Brasil seja o dos hospitais geridos por organizações sociais no estado de São Paulo.

Estudos feitos pelo Banco Mundial mostram uma clara superioridade do modelo, tanto nos indicadores de qualidade como de custo. É o mesmo que aponta a Secretaria de Estado da Saúde: hospitais sob gestão das OSs conseguem ser até 52% mais produtivos e custam 32% menos do que os da administração direta.

Na área prisional, chama a atenção a experiência de gestão público-privada de prisões no Paraná, no início dos anos 2000. Estudo publicado pelos professores Sandro Cabral e Sérgio Lazzarini demonstrou a superioridade do modelo não apenas no tocante à racionalidade de custos, mas também aos aspectos de segurança, saúde e ressocialização dos apenados.

Bruno Boghossian – O Supremo e o porrete

- Folha de S. Paulo

Supremo precisa deixar dados enganosos de lado e interpretar a Constituição

Ao recorrerem da decisão de Marco Aurélio Mello que mandou soltar presos condenados em segunda instância, em 2018, procuradores alertaram que aquela medida provocaria "a soltura de 169 mil presos". O número impressionou, mas era falso. O Conselho Nacional de Justiça mostrou, agora, que 4.895 pessoas se encaixam nessa situação.

Dados enganosos desvirtuaram o debate sobre a execução de penas no país, que o STF retoma nesta quinta (17). Em vez de discutir a interpretação da lei, alguns atores optaram pelo terrorismo argumentativo.

Quando Dias Toffoli anunciou o julgamento da ação que pode rever o entendimento do Supremo sobre a prisão após condenação em segundo grau, o presidente da Associação Nacional do Ministério Público disse que o tribunal mandaria assassinos e estupradores para as ruas.

"A decisão vai alcançar todo mundo. Vamos ter que estender esse entendimento para todos os crimes", disse Victor Hugo Azevedo.

Como o promotor conhece a lei, é melhor acreditar que ele tenha adulterado os fatos para impressionar. O ministro Luís Roberto Barroso tentou trazer a discussão para o mundo real: "Os que são criminosos violentos, em muitos casos se justificará a manutenção da prisão preventiva".

Uirá Machado - O bom que era mau

- Folha de S. Paulo

Para o presidente, é tudo ou nada, amigo ou inimigo, bom ou mau

Bolsonaro parece viciado em criticar a imprensa. Ontem, por exemplo, atacou o jornal O Globo porque o diário carioca não trouxe em sua primeira página notícia sobre a medida provisória que garante pagamento de 13º aos beneficiários do Bolsa Família.

"Será que é papel do jornal só publicar notícia ruim ou fofoca?", questionou o presidente durante conversa com jornalistas. Mais tarde, ele fez questão de usar suas redes sociais para divulgar a declaração.

Que fique claro: não há problema nisso. Bolsonaro não é o primeiro e não será o último governante a reclamar da cobertura jornalística.

O curioso, nesse caso, é que a manchete do jornal exibido pelo presidente nada tinha de ruim ou de fofoca: "Senado aprova distribuição de dinheiro do leilão do pré-sal".

Para Bolsonaro, contudo, a ausência de uma informação que ele gostaria de ter visto em primeiro plano equivale à ausência de qualquer informação que possa ser lida em chave neutra ou positiva. Na lógica maniqueísta do presidente, é tudo ou nada, amigo ou inimigo, bom ou mau, sem espaço para sutilezas.

Esse tipo de enquadramento do mundo funciona bem no universo virtual e até gera frutos para políticos populistas, mas de nada serve para quem quer levar adiante um debate sério sobre o mundo real.

Tome-se o caso do Bolsa Família. No passado, ainda como deputado, Bolsonaro afirmou que o programa era um sistema de compra de votos. Desse ponto de vista, a concessão do 13º pagamento seria boa notícia?

Vinicius Torres Freire - As medidas 'pop' e o prestígio de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Atos do governo neste fim de ano devem ajudar a conter a sangria do prestígio presidencial

Pesquisadores de opinião dizem que medidas preliminares e recentes indicam o fim da sangria da popularidade de Jair Bolsonaro, que vinha desde o início do ano. Alguns deles acreditam até em pequena melhora, um pouco além de um terço de “ótimo ou bom”.

Bolsonaro continua com a pior avaliação de um início de mandato desde a redemocratização. Mas alguns atos de seu governo, goste-se deles ou não, podem ajudar a conter a degradação da imagem presidencial; alguns fatos da vida também.

O governo vai dar um 13º para os beneficiários de Bolsa Família. Como oficialmente o pagamento extra vale apenas para este ano, trata-se de uma espécie de bônus de Natal. É um dinheirinho muito pequeno, mas que faz diferença para a gente mais miserável desta terra pobre, muita gente, 13,5 milhões de famílias. No total, são R$ 2,58 bilhões que vão rodar na economia de periferias e cidadezinhas neste final de ano.

Outra medida provisória desta semana prevê que o governo pode renegociar dívidas e disputas tributárias de cidadãos e empresas com a Receita Federal. Vale para pessoas físicas, micro e pequenas empresas e também para grandes. No mundo das dores de cabeça com o fisco e fichas sujas de crédito, a dura e pragmática vida real, pode fazer diferença para centenas de milhares de devedores.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Chega de guinadas – Editorial | Folha de S. Paulo

No julgamento da prisão após a 2ª instância, STF deveria favorecer estabilidade

Há dois valores que o Supremo Tribunal Federal deveria observar no julgamento, marcado para esta quinta-feira (17), sobre a possibilidade de condenados em segunda instância iniciarem o cumprimento da pena de prisão.

Em primeiro lugar figura o próprio mérito da causa. Por vários ângulos que se olhe, o encarceramento nessas circunstâncias se harmoniza com a Constituição de 1988 e com os compromissos internacionais de proteção aos direitos humanos a que o Brasil se vincula.

O fato de a Carta expressar, no rol das prerrogativas fundamentais, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” não obriga o Estado a prender, para executar a punição criminal, apenas quando estiverem esgotadas as possibilidades de recurso.

Uma coisa é a faculdade de apelar até a última instância de decisões desfavoráveis. Isso está gravado em pedra e nenhum juiz ou legislador poderá arrancar do patrimônio imaterial do indivíduo.

Poesia | Ferreira Gullar - Praia do caju

Escuta:
o que passou passou
e não há força
capaz de mudar isto.

Nesta tarde de férias, disponível, podes,
se quiseres, relembrar.
Mas nada acenderá de novo
o lume
que na carne das horas se perdeu.

Ah, se perdeu!
Nas águas da piscina se perdeu
sob as folhas da tarde
nas vozes conversando na varanda
no riso de Marília no vermelho
guarda-sol esquecido na calçada.

O que passou passou e, muito embora,
voltas às velhas ruas à procura.
Aqui estão as casas, a amarela,
a branca, a de azulejo, e o sol
que nelas bate é o mesmo sol
que o Universo não mudou nestes vinte anos.

Caminhas no passado e no presente.
Aquela porta, o batente de pedra,
o cimento da calçada, até a falha do cimento.
Não sabes já
se lembras, se descobres.
E com surpresa vês o poste, o muro,
a esquina, o gato na janela,
em soluços quase te perguntas
onde está o menino
igual àquele que cruza a rua agora,
franzino assim, moreno assim.
Se tudo continua, a porta
a calçada a platibanda,
onde está o menino que também
aqui esteve? aqui nesta calçada
se sentou?

E chegas à amurada. O sol é quente
como era, a esta hora. Lá embaixo
a lama fede igual, a poça de água negra
a mesma água o mesmo
urubu pousado ao lado a mesma
lata velha que enferruja.
Entre dois braços d’água
esplende, a croa do Anil. E na intensa
claridade, como sombra,
surge o menino
correndo sobre a areia. É ele, sim,
gritas teu nome:
“Zeca, Zeca!”
Mas a distância é vasta
tão vasta que nenhuma voz alcança.

O que passou passou.
Jamais acenderás de novo
o lume
do tempo que apagou.