sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Ricardo Noblat - Bolsonaro coleciona derrotas humilhantes

- Blog do Noblat / Veja

Dia inesquecível
O Supremo Tribunal Federal comprou o silêncio do presidente Jair Bolsonaro quando o ministro Dias Toffoli, em decisão solitária, suspendeu a investigação dos negócios suspeitos da dupla Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz.

Por isso Bolsonaro nada se arrisca a dizer sobre o julgamento das ações que pedem o fim da prisão em segunda instância. Está em dívida com o tribunal. E à espera de que ele confirme por maioria de votos a decisão de Toffoli, seu novo amigo de infância.

Mas como Bolsonaro é Bolsonaro e, a exemplo do escorpião, não renega sua natureza nem mesmo quando se vê em perigo, deixou que seu filho Carlos postasse em seu nome uma mensagem no Twitter favorável à prisão em segunda instância.

Foi por coerência que o fez, mas também por esperteza. Não foi um ato acidental. Tanto a postagem como o que aconteceu depois foi uma ação combinada por pai e filho. Carlos assumiu a autoria da mensagem para livrar o pai de culpa, apagou-a e pediu desculpas.

No futuro, se for conveniente para Bolsonaro, ele lembrará que se manifestou contra a decisão tomada pelo tribunal. Dirá que à época não fez maior barulho sobre ela em respeito à independência dos Poderes da República. Ficará bem com Deus e o Diabo.

A manobra do pai e do filho acabou como um episódio menor no dia em que o PSL, partido dos dois, ao que tudo indica implodiu de vez. Foi um dia inesquecível, mas que logo poderá deixar de ser dada à vocação de Bolsonaro para promover grossas trapalhadas.

Por culpa dele, por culpa exclusivamente dele, Bolsonaro colheu mais uma penca de derrotas. A primeira quando tentou, sem sucesso, emplacar Eduardo, o outro filho, no cargo de líder do PSL na Câmara dos Deputados. Um vexame.

A segunda derrota quando soube que fora traído por um deputado da sua confiança que o gravou conspirando para afastar o atual líder do PSL na Câmara, o Delegado Waldir (GO). A terceira quando foi obrigado a ouvir calado o líder chamá-lo de vagabundo.

Bolsonaro retaliou despejando a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) do cargo de líder do governo no Congresso. A retaliação, porém, pode ter sido a quarta derrota dele em um único dia. Hasselmann comportou-se bem como líder. Fará falta ao governo.

O deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, guarda farta munição para disparar contra Bolsonaro. Ameaça destituir Flávio e Eduardo do comando do partido no Rio e em São Paulo. Poderá levar o PSL a fundir-se com o DEM e outros partidos.

A Bolsonaro, as saídas que restam são humilhantes: recompor-se com Bivar na condição de derrotado. Ou transferir-se para um partido menor e com menos dinheiro que o PSL.

Lula faz as malas

Dora Kramer - Patota de caciques

- Revista Veja

Para dirigentes partidários, o controle do feudo está acima de tudo

De fato, a briga entre Jair Bolsonaro e Luciano Bivar é por causa da dinheirama a que terá direito o PSL a partir do ano que vem. Da parte do presidente e família, porém, não é só isso. Trata-se do controle do mais vantajoso dos cartórios em que se transformaram os partidos políticos no Brasil, com raras e pontuais exceções.

Bivar alugou, mas não transferiu a propriedade da legenda para Bolsonaro & Filhos, e aí reside o x de uma velha questão na qual, no entanto, ainda não tínhamos visto um presidente da República se envolver tão aberta e displicentemente. Essa é a única novidade nesse caso, que reúne os ingredientes da lamentável história recente dos partidos: domínio de caciques, inchaço artificial proporcionado pela conquista do poder, trato obscuro do dinheiro público, serventia como cabides de empregos, zero debate político-doutrinário.

Merval Pereira - Atraso secular

- O Globo

Profusão de instâncias recursais é herança da colonização portuguesa, quando chegou a haver 4 ou 5

A discussão que começou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância repete o que ocorreu em 1827, quando Bernardo Pereira de Vasconcelos, jornalista e deputado do Império, subiu à tribuna para criticar o que considerava um excesso de recursos no sistema judicial brasileiro. Passaram-se 192 anos, e ainda não chegamos a uma conclusão.

A mudança da jurisprudência em pouco tempo é outro obstáculo para uma decisão sensata. A prisão em segunda instância foi proibida apenas em 2009, quando passou a vigorar o entendimento de que somente depois do trânsito em julgado poderia ser decretada a prisão de um condenado. Em 2016, formou-se uma nova maioria a favor da volta da jurisprudência que permitia a prisão em segunda instância, que prevalecera muitos anos antes da mudança.

Agora, querem mudar novamente, pois o ministro Gilmar Mendes fez a maioria de um voto pender para o trânsito em julgado. Tudo indica que no próximo ano, quando o ministro Celso de Mello, favorável ao trânsito em julgado, se aposentar, a maioria poderá mudar novamente, dependendo de quem o presidente Bolsonaro indicar para o STF. E pode mudar novamente no ano seguinte, quando o ministro Marco Aurélio Mello, também favorável ao trânsito em julgado, for substituído.

Essa profusão de instâncias recursais é herança de nossa colonização portuguesa, quando chegou a haver quatro ou cinco instâncias: a primeira, uma segunda, que era o Tribunal da Relação, uma terceira, a Casa da Suplicação, uma quarta, o Supremo Tribunal de Justiça, que originou o STF, e a graça real, o último recurso ao Rei.

Míriam Leitão - Crise põe em risco a governabilidade

- O Globo

Partido com o qual Bolsonaro poderia construir a governabilidade está implodindo. Presidente segue à risca o manual do isolamento

A crise de vários megatons que explodiu no PSL é a prova mais clara da incapacidade política do presidente Jair Bolsonaro. A sucessão de conflitos foi detonada pelo próprio presidente de forma intempestiva e estabanada. E foi ele que a agravou. Todos os ingredientes seguem seu padrão de comportamento: palavras impensadas, falta de diálogo, privilégio para os filhos. O partido com o qual ele poderia começar a construir a governabilidade está implodindo.

O que alguns analistas disseram logo após a eleição era que Bolsonaro conseguira, com a força da onda em seu favor, eleger a segunda maior bancada.

A primeira é a do PT, com um deputado a mais. A partir daí, seria razoável supor que ele conduziria negociações para uma fusão com um ou vários partidos da direita e aumentaria a sua bancada. Que ele, por ter passado 27 anos no parlamento, saberia construir um diálogo com o Congresso, necessário para o seu projeto de governo.

Contudo, seu partido não cresceu, não recebeu adesões, entrou em várias guerras de falanges que ele jamais soube arbitrar. Ontem, no áudio vazado da reunião do PSL, o que fica claro, em meio aos inúmeros palavrões, é que muitos têm a mesma queixa: o presidente não os ouve, não dialoga, não demonstra que eles fazem parte da estrutura de poder.

Se Bolsonaro escanteia seus correligionários, o que dirá dos outros partidos que poderia ter atraído para uma coalizão. Desde o início da administração, ele fez críticas indiretas e genéricas ao Congresso ao afirmar que não faria a “velha política”. Ontem, nomeou um senador do MDB para líder do governo.

Nelson Motta - Segunda temporada

- O Globo

Assim como o antipetismo elegeu Bolsonaro, agora é o antibolsonarismo que cresce e poderá eleger um candidato de oposição em 2022. Acontece em qualquer democracia. Bolsonaro continua caindo nas pesquisas e, desde o início de seu governo, só perdeu eleitores, sem conquistar novos entre os que votaram na oposição. O aumento da truculência, da intolerância e da grossura do “Bolsonaro raiz” só agrada aos devotos do mito, é só para eles que fala, um terço do eleitorado. Mas esse estilo também incomoda e afasta parte de um terço dos independentes e moderados. Uma estratégia arriscada, em que a radicalização pode levar ao isolamento e a unir adversários: os antibolsonaristas são hoje um terço da população.

E se a economia melhorar, o emprego e o salário crescerem, a criminalidade cair? E se forem feitas as reformas da Previdência, a tributária, a administrativa, a eleitoral? Bolsonaro seria imbatível?

Bernardo Mello Franco - Neste ritmo, só vão sobrar os filhos

- O Globo

Os bolsonaristas arrependidos já conheciam todos os defeitos do capitão. Só não esperavam ser rifados tão cedo, em nome de um projeto que ninguém sabe dizer qual é

Não está fácil acompanhar a série de barracos do bolsonarismo. No capítulo de ontem, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, chamou o presidente de “vagabundo” e prometeu “implodir” o governo. Antes disso, impôs mais uma derrota humilhante ao Planalto.

Com a caneta Bic no bolso e o telefone na mão, Jair Bolsonaro tentou derrubar o deputado do cargo. Queria trocá-lo pelo filho Eduardo, cuja indicação a embaixador está mais fritada que um hambúrguer. Recém-alçado do baixo clero, Waldir organizou o contragolpe parlamentar. Mobilizou a tropa de insatisfeitos e destronou o príncipe herdeiro.

Irritado, o presidente destituiu a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann. A deputada preferiu apoiar o delegado a bater continência para o capitão. Sentindo-se traída, ela acusou o governo de comandar uma “milícia digital”, reclamou de “ingratidão” e prometeu revanche.

Flávia Oliveira - Um Brasil desigual, violento e triste

- O Globo

Um Brasil (ainda) mais desigual emergiu da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios que se debruçou sobre os rendimentos da população. Régua que mede a concentração de renda, o Índice de Gini subiu no triênio 2016-2018 o suficiente para devolver a desigualdade de renda ao nível de 2012, 0,545. Expresso em resultado que varia de zero a um, o indicador piora quando cresce; é o avesso do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Tornou-se público na mesma semana em que o Nobel de Economia foi concedido a um trio de pesquisadores dedicados a modelos de redução da pobreza, que por aqui também cresceu na recessão e não arrefeceu com os soluços de 1% ao ano do Produto Interno Bruto de 2017 para cá.

Além de mais desigual, o Brasil está mais violento. O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referente ao mesmo 2018, trouxe aumento nos registros de injúria racial (7.616, contra 6.195 um ano antes); agressão (713, contra 704) e homicídio (109, contra 99) na população LGBTI, apenas nas seis delegacias especializadas existentes; violência doméstica (263.067, contra 252.895); feminicídio (1.206, contra 1.151 em 2017). São termômetros da deterioração do convívio social, do ódio galopante.

Além de desigual e violento, o país entristeceu-se. Na pesquisa em que o Instituto Ipsos investigou o nível de felicidade em 28 nações, a proporção de brasileiros que se declaram muito felizes ou felizes despencou 12 pontos percentuais em um ano. Eram 73% em 2018, passaram a 61% este ano. “Existe uma correlação bem forte entre a confiança na economia e a percepção de felicidade. A demora na retomada impacta muito a vida e o dia a dia das pessoas”, justificou a diretora do Ipsos Sandra Pessini, em declaração à BBC Brasil no mês passado.

Luiz Carlos Azedo - Cria corvos

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A crise de Bolsonaro com o PSL não tem nada a ver com os temas em discussão no Congresso, nem com a polarização política direita versus esquerda. É o varejo do varejo que a move”

“Cria cuervos que te sacarán los ojos” (crie corvos e eles te arrancarão os olhos) é um velho provérbio espanhol. A citação inspirou a obra-prima do cineasta Carlos Saura, que se passa em pleno franquismo. Aqui, porém, tem mais a ver com a crise entre o presidente Jair Bolsonaro e seu partido, o PSL, que ameaça implodir a legenda, quiçá o próprio governo, se o líder da bancada na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), nesse caso, fosse levado a sério. A sua ameaça vazou em gravação divulgada à imprensa, como vazara antes uma declaração do presidente da República articulando a substituição do líder por seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro (SP) — aquele mesmo que o pai pretendia nomear embaixador do Brasil nos Estados Unidos — numa reunião no Palácio do Planalto com 20 deputados da legenda.

A crise começou com uma declaração de Bolsonaro de que o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), estaria queimado, evoluiu para um questionamento sobre a transparência da gestão e uma ação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa e no escritório do cacique da legenda. Fechou a semana com uma mudança na liderança do governo no Congresso, a destituição da deputada Joice Hasselmann (SP), que foi substituída pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), e a fracassada tentativa de destituição do líder da bancada na Câmara, por meio de duas listas cujas assinaturas não atingiram o número de deputados necessários para o reconhecimento da Mesa.

Nesse bafafá, além dos vazamentos de conversas gravadas sem autorização, houve muito disse-me-disse e articulações de bastidor para destituir os filhos do presidente Bolsonaro do comando da legenda no Rio de Janeiro, no caso, o senador Flávio Bolsonaro, e em São Paulo, o deputado Eduardo Bolsonaro. No fim da tarde, Delegado Waldir tentava minimizar as próprias ameaças: “É uma fala num momento de emoção, né? É uma fala quando você percebe a ingratidão. Tenho que buscar as palavras”, disse. Ao encontrá-las, a emenda foi pior do que o soneto: “Nós somos Bolsonaro. Nós somos que nem mulher traída. Apanha, não é? Mas, mesmo assim, ela volta ao aconchego”.

A crise de Bolsonaro com seu partido parece reprise de outros momentos da história, em que presidentes eleitos numa onda antissistêmica, por pequenos partidos, sem uma base sólida no Congresso, acabaram interrompendo o mandato: Jânio Quadros, eleito pelo PTN, que renunciou em 1961, sonhando com a volta nos braços do povo, e Fernando Collor de Mello, eleito pelo PRN, que também renunciou, mas para evitar um impeachment. Ambos tiveram comportamentos histriônicos na Presidência, foram eleitos com uma narrativa de combate à corrupção, numa onda populista de direita. Os contextos, porém, eram diferentes. A eleição de Jânio foi pautada pela Guerra Fria; a de Collor, pela modernização do país após a redemocratização.

José de Souza Martins* - A peleja religiosa

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

É um erro analisar o crescimento numérico dos evangélicos em comparação com o decréscimo dos católicos como uma disputa futebolística entre igrejas e motivação do Sínodo

As prováveis implicações sociais e religiosas do Sínodo Pan-Amazônico, inaugurado pelo papa Francisco neste mês, em Roma, pedem análises sociológicas apropriadas para compreender o que está acontecendo. Não só e nem principalmente na Igreja Católica, mas na sociedade subdesenvolvida que somos.

Há um conflito no âmago do Sínodo que se situa no cenário relativamente novo das conflitividades sociais que já não são, essencialmente, as das classes sociais, mas dos valores sociais.

O mundo conhecido se desmantela. Lucrar sem contrapartida social e sem respeito pelo outro está no cerne das pobrezas do mundo. O capitalismo deixou de existir na sua matriz clássica, a da ética do lucro no marco da responsabilidade social de quem lucra. É hoje uma economia de jogatina, que reúne executivos e ricaços na voracidade do ganho pelo ganho, com a cumplicidade dos que usurparam a democracia de seus legítimos protagonistas.

O mundo que o Sínodo se propõe a decifrar e vencer é o mundo da alienação contemporânea, a do homem desfigurado por essa economia coisificadora de todos. O mundo em que, cada vez mais, a idolatria da coisificação toma o lugar da fé. A Amazônia é o lugar do mundo em que o homem criado à imagem e à semelhança de Deus, na concepção judaico-cristã, está mais ameaçado. É onde o bem comum da natureza mediadora da revitalização da vida virou propriedade e mercadoria para o bem de alguns e danação de todos.

Fernando Abrucio* - Nova fase do governo Bolsonaro

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A luta fratricida no PSL e a aprovação da reforma da Previdência marcam o fim da primeira fase do governo Bolsonaro

A briga fratricida no PSL e a provável aprovação da reforma da Previdência marcam o fim da primeira fase do governo Bolsonaro. O que virá daqui para diante será uma tentativa de reorganização dos grupos políticos e uma desaceleração da maior parte da agenda de políticas públicas dependente do Congresso, ao menos até o fim das eleições municipais. O presidente vai procurar construir uma base política e social que permita, no mínimo, uma segunda parte de mandato sem sobressaltos e, no máximo, a reeleição. Os demais vão querer se fortalecer para reduzir ainda mais a força do Executivo federal e, quem sabe, assumir o poder em 2022.

A primeira fase do governo não foi uma lua de mel tranquila, tal qual tiveram outros governantes, como FHC e Lula. Houve muitos conflitos com a classe política, com líderes estrangeiros e com setores da sociedade civil. A governabilidade também foi complicada, com o Congresso ganhando um inédito protagonismo e derrotando por algumas vezes o Executivo, inclusive em questões estratégicas. Ademais, a popularidade presidencial caiu bastante - Bolsonaro tem o pior nível entre os presidentes de primeiro mandato desde a redemocratização. Mas, mesmo com todos esses furacões, foram aprovadas medidas difíceis e cerca de um terço da população ainda o apoia.

Só que os atores políticos se preparam agora para uma nova fase, embalada pelas possíveis mudanças de posições e de poder que podem advir das eleições municipais. O primeiro a entrar nessa nova etapa do jogo foi o próprio presidente da República. A disputa no PSL sinaliza que Bolsonaro quer montar uma estrutura mais confiável e totalmente dominada por ele para o pleito de 2020, bem como para a segunda parte do mandato. Cabe lembrar que, para chegar ao poder, o bolsonarismo esteve umbilicalmente ligado a políticos tradicionais, como o laranjal da campanha está revelando.

Agora, Bolsonaro quer fazer três mudanças: livrar-se do lado “sujo” do PSL, marcar mais claramente o viés conservador de seu grupo e ter uma máquina política capaz de enfraquecer seus principais adversários.

Seguindo essa linha de raciocínio, o primeiro passo envolve afastar-se de boa parte dos aliados pesselistas, tentando criar a imagem de um “bolsonarismo purificado” em outro partido ou na recuperação do domínio do PSL. Além disso, o presidente e seus principais aliados pretendem dar uma feição ideológica mais nítida ao seu grupo, intitulado por eles de posição conservadora. Para além das crenças, está aqui em jogo um projeto que busca conquistar eleitores no campo dos valores, algo que será ainda mais estratégico caso as políticas públicas federais tenham um resultado fraco.

E a última tentativa de “aggiornamento” do bolsonarismo está em construir uma máquina política, e não só de redes sociais, para dar suporte à luta contra seus adversários atuais e os prováveis. Neste sentido, as eleições municipais são muito importantes para Bolsonaro, que quer ter soldados fiéis no comando de várias cidades brasileiras. Sem essa guarida, o presidente terá dificuldades políticas em lugares estratégicos, como o Nordeste, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e mesmo o Sul do país, o que poderá, num primeiro momento, afetar o humor dos parlamentares e, num segundo momento, o dos eleitores em 2022.

Cristian Klein - Grito vagabundo

- Valor Econômico

Grupo de Bolsonaro sai desmoralizado em disputa pelo PSL

O PSL era uma casa que não tinha teto, não tinha nada. Na Rua dos Bobos, cresceu com a chegada do número zero. Bolsonaro converteu o casebre num palácio partidário. Realizou benfeitorias, mas o inquilino, por mais poderoso que seja, não porta o título de proprietário. É aluguel. E o locador - o fundador da legenda, Luciano Bivar, ele mesmo eleito deputado na esteira da campanha presidencial - exige a devolução do imóvel. O confronto que implode o PSL não pode ser entendido sem se considerar o poder que os caciques partidários têm no Brasil, bem como a liderança que Bolsonaro perdeu entre os próprios pares, em apenas dez meses de mandato.

Não é todo dia que um presidente da República é abandonado por mais da metade da bancada de seu partido na Câmara, cujo líder o xinga e diz que vai implodir o chefe do Executivo. Não é todo dia que um presidente está na mira para ser enxotado do partido junto com os filhos 01, o senador Flávio, e 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, prestes a serem apeados do comando dos diretórios estaduais do Rio e de São Paulo.

É esse o resultado do dia de temperatura mais elevada na guerra de facções entre bivaristas e bolsonaristas, que levou ainda à destituição da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, e o vazamento de gravações depois de um duelo de listas de assinaturas pelo controle da liderança da bancada do PSL na Câmara.

Bancado pelo pai, Eduardo viu, ao fim e ao cabo, seu brinquedo negado. Não precisou nem chegar ao escrutínio do Senado. Para quem perdeu a queda de braço numa disputa partidária interna, o sonho do “capo” das relações externas brasileiras de ser embaixador nos Estados Unidos ficou para trás. Bolsonaro desistiu de indicar o filho para o posto, pois é assim que costuma agir. Vitorioso em todas as eleições de que já participou, preferiu recuar a se ver exposto a derrota que envolva votos. A suposta influência sobre Donald Trump já havia sido desmascarada com a decisão dos Estados Unidos de não indicar o Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A pataquada virou até meme em que o presidente americano faz troça com Bolsonaro: “Fiz OCDE bobo”. A crise no PSL tornou o plano ainda mais inviável.

Claudia Safatle - Persistência é a palavra-chave

- Valor Econômico

Buscar atalhos no aumento do investimento público só vai alongar e piorar o caminho que leva ao crescimento

O Banco Central vive um momento singular da sua história. Por razões internas e externas, a espinha dorsal da inflação está quebrada e a taxa básica de juros (Selic) cai para patamares antes nunca vistos. Se forem confirmadas as expectativas de vários bancos privados, a Selic, hoje em 5,5% ao ano, estará em 4% ao ano em 2020, e a inflação, medida pelo IPCA, estará na casa dos 3,7%. Os juros reais, portanto, encontrar-se-ão em um piso jamais tocado, de 0,3% ao ano.

O BC foi criado em 1964 e desde então teve que administrar crises e mais crises, sobretudo por causa de persistentes colapsos cambiais. Geriu a mais absoluta escassez de dólares no início dos anos de 1980, quando da crise da dívida externa que marcou aquela como a década perdida. E quase sempre usou a taxa de juros para atrair dólares e financiar as contas do balanço de pagamentos do país.

Do ponto de vista histórico, é muito recente a acumulação de reservas cambiais, de US$ 386 bilhões, que dá à autoridade monetária tranquilidade para dispensar capitais internacionais de curto prazo, interessados tão somente nos ganhos de arbitragem (decorrentes do diferencial de juros internos e externos).

O BC conseguiu acumular reservas internacionais a partir do fim do primeiro mandato de Lula. Até então o país enfrentou crises cambiais nos anos de 1980, 1990 e no início dos anos 2000. Foram diversos acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional (FMI), emprestador de última instância para países com dificuldades de pagar as contas externas.

Fernando Gabeira* - Choro sobre o óleo derramado

- O Estado de S.Paulo

Inútil culpar a esquerda, que levou anos para ver o verde e deve levar séculos para ver o azul

Há três semanas ando pelas praias do Nordeste e não consigo chegar a uma conclusão sobre esse desastre. Foi relativamente fácil seguir os efeitos da mancha, no sentido norte-sul, observar seus efeitos na areia e nos seres marinhos. No entanto, é muito complicado seguir a mancha para trás, em busca de suas origens. Satélites americanos foram usados para isso e não encontraram rastros. Parece que a mancha engana satélites.

Baseado em fotos postas à disposição pelos europeus, pesquisadores da Universidade da Bahia chegaram a ver o que poderia ser uma nova mancha de 22 quilômetros quadrados a caminho da costa baiana. Essa possibilidade foi desmentida. O Ibama sobrevoou a região e não a viu. Chegou a supor que os pesquisadores se tivessem enganado, pois havia nuvens dificultando a visibilidade. A técnica usada para calcular a mancha baseia-se na rugosidade da água. A região apontada como problemática era lisa, chata. A suposição era de que o óleo dominasse a superfície.

Os americanos, ao afirmarem não ter conseguido rastrear a mancha, confirmam indiretamente a ideia de que o óleo, mais pesado, afunda e navega numa camada inferior.

Minha experiência induz a uma comparação com o desastre na Galícia, que cobri em 2003. Um petroleiro chamado Prestige derramou 770 mil toneladas de óleo na costa da Espanha. A Galícia, região cruzada por petroleiros mal equipados e semiclandestinos, já conhecera outros vazamentos.

Pode ser que isso esteja acontecendo com navios que saem da Venezuela, de onde veio o petróleo vazado. Pressionados pelas sanções americanas, fazem de tudo para escoar a produção, que, de modo geral, vai para a Índia e a China.

Barris de rejeitos foram encontrados nas praias com inscrições da Shell. Pesquisadores dizem que rejeitos e óleo derramado na praia são a mesma substância. A Marinha discorda. A Shell também desmente.

Tudo isso se passa com relativo desinteresse nacional. Deputados e senadores foram ao Vaticano e deram as costas para as praias manchadas. O próprio Bolsonaro acusou esquerda, ONU e ONGs de ocultarem o desastre por a origem do óleo ser a Venezuela.

Além de denunciar a esquerda, Bolsonaro pouco fez. Em Sergipe foi preciso uma determinação judicial para que protegessem a foz dos Rios São Francisco, Sergipe, Vaza Barris e Real, entre outros.

Rogério L. Furquim Werneck* - Quanto tempo desperdiçado

- O Estado de S.Paulo | O Globo

Reformas pendentes em meio à mobilização do Congresso com as eleições municipais do ano que vem

Margaret Atwood – a consagrada romancista canadense, recém-agraciada com o Booker Prize e popularizada como autora do livro em que se baseia a série The Handmaid’s Tale – tem uma frase inspirada sobre o tempo que dá o que pensar sobre o avanço do programa de reformas do governo Bolsonaro: “As areias do tempo são movediças... quanto nelas pode desaparecer sem deixar vestígio”. (The sands of time are quicksands... so much can sink into them without a trace.)

Tendo se recusado a montar uma base parlamentar sólida, o Planalto descobre aos poucos quão problemática tem se mostrado essa impensada decisão. Além de ter de enfrentar dificuldades óbvias, relativas à aprovação de projetos de seu interesse e ao bloqueio de iniciativas parlamentares a que se opõe, o governo vem sendo obrigado a se conformar com prazos de tramitação excessivamente dilatados, ao sabor das prioridades e dos caprichos do Congresso.

A reforma da Previdência, que parecia praticamente aprovada em meados do ano, continua a se arrastar no Senado. Com sorte, será aprovada, afinal, na semana que vem, já a dois meses do recesso parlamentar de final de ano. E não houve só morosidade. Houve desfiguração. Mudanças perfeitamente defensáveis no abono salarial, já aprovadas na Câmara, foram alteradas no Senado. 

Num momento em que o Planalto parecia menos preocupado com a tramitação da reforma previdenciária que com que a aprovação do nome do novo embaixador do Brasil em Washington, a articulação política do governo nem zelou para que todos os senadores contrários às alterações participassem da votação em que a questão foi decidida. A incúria decepou nada menos que 1/10 do valor da melhora fiscal que a reforma poderá propiciar, em dez anos.

Hélio Schwartsman - 'Cave iabuticabam'

- Folha de S. Paulo

Constituição não diz expressamente que prisão em segunda instância está descartada

"Cave iabuticabam" (cuidado com a jabuticaba), já ensinavam os sábios latinos. A maioria das democracias consolidadas dá início à execução da pena após a condenação em segunda instância. Duas das mais respeitáveis, os EUA e a França, fazem-no a partir da primeira.

No Brasil, há um forte movimento para que volte a vigorar a regra segundo a qual réus condenados só podem ir para a cadeia depois que todas as possibilidades de recurso estejam esgotadas --isso num país em que o Supremo Tribunal Federal (STF) funciona na prática como quarta instância em que não é incomum ver ministros julgando os embargos dos embargos. É a jabuticaba no jabuticabal.

Em termos puramente lógicos, não é impossível que a receita brasileira, que vigeu entre 2009 e 2016, seja melhor que a do resto do mundo. Seria a vingança das jabuticabas. Mas uma comparação dos indicadores de eficiência judiciária e respeito a direitos humanos dos vários países sugere que não é o caso.

Bruno Boghossian – Diploma de baixo clero

- Folha de S. Paulo

Disputa mostra que operação política desvairada do presidente virou fumaça

A guerra no PSL é um retrato acabado da operação política desvairada de Jair Bolsonaro. O presidente usou o Planalto para tentar derrubar o líder do próprio partido --e fracassou; recebeu retaliação de aliados e foi gravado por um correligionário; depois, demitiu a líder do governo, a quem acusa de traição. Tudo isso em apenas 24 horas.

Ao mergulhar na disputa pelo comando da legenda, Bolsonaro lançou uma espécie de voto de desconfiança dentro de sua própria sigla. O presidente pediu um sinal de apoio a si mesmo quando apelou aos deputados para que destituíssem o líder do PSL. Para piorar, ofereceu o filho Eduardo como substituto e foi obrigado a ver parte da sigla reagir contra alguém com seu sobrenome.

A retirada de Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso é um sintoma claro de que a expressão política do bolsonarismo virou fumaça (se é que um dia existiu).

O presidente se livrou imediatamente da deputada, porque ela se recusou a assinar a lista que daria o comando do PSL na Câmara à facção alinhada ao Planalto, mas manteve no posto o líder do governo no Senado mesmo depois que ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal.

Vinicius Torres Freire - 'Velha política' engole bolsonarismo

- Folha de S. Paulo

Liderança política e do programa do governo no Congresso fica com DEM e MDB

A primeira consequência do arranca-rabo no PSL é uma nova rendição de bolsonaristas ao que chamavam e gente da velha política. O DEM e dois grandes derrotados na eleição de 2018, o MDB e o PSDB, recolhem armas e despojos do governo e de seu partido saco-de-gatos, o PSL.

A segunda consequência do pega para capar é a exposição ainda mais pública de podres, o que pode degringolar em apresentação de recibos de crimes eleitorais e partidários, pois o objeto menos demente da disputa do PSL é dinheiro. A turumbamba vulgaríssima no partido do presidente parece tanto mais louca quando se observa que o governo talvez estivesse à beira de se aproveitar de um alívio, mesmo que temporário, na depressão econômica.

A sobrevivência econômica do governo já dependia da política de parlamentarismo branco de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, do DEM, e lideranças do centrão. Dependia também da experiência “velha política” de Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, do MDB, mantido por Bolsonaro mesmo depois de avariado por batidas da Polícia Federal.

Agora, o novo líder do governo no Congresso é também do MDB, o senador Eduardo Gomes, de Tocantins. Foi do Solidariedade de Paulinho da Força, tem boas relações com Renan Calheiros, com o centrão e é tido como habilidoso por gente esperta no Congresso.

Reinaldo Azevedo: O STF escolherá entre a Constituição e a desordem

- Folha de S. Paulo

O Brasil padece de muitos males, mas nada é mais nefasto que o populismo judicial

O Supremo deu início nesta quinta (17), dada a conjuntura, a um dos julgamentos mais importantes da sua história. Decidir se o país vai ou não aplicar um dispositivo constitucional, que integra o conjunto dos direitos fundamentais e é cláusula pétrea, não deixa de ser exótico. Mas a tanto fomos levados.

Nas democracias, o direito é o sumo e o vértice do pacto civilizatório. Ninguém lerá ou ouvirá este colunista a sustentar: “Lula é inocente”. Não sei. Não sou Deus nem tenho acesso à sua consciência. Mas afirmo sem receio: “Lula foi condenado sem provas num processo viciado”.

Chega, pois, a hora da escolha a um só tempo moral e ética: prefiro correr o risco de absolver um culpado a condenar um inocente. Desdobro o pensamento: o inocente acusado só tem a seu favor a ausência de provas. Se esta passa a ser irrelevante, culpados e inocentes se igualam sob a sanha de justiceiros.

Na quarta (16), o ministro Roberto Barroso, do STF, evidenciou a que descaminhos pode se deixar conduzir um juiz. Na sua intimidade com Deltan Dallagnol, em vez de o maduro instruir o jovem destrambelhado, foi o destrambelhado que desencaminhou o maduro. Já sentenciou Antero de Quental: “A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança.” Escreveu isso aos 23.

Ao comentar o julgamento das ações que tratam da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que define a pena de prisão só depois do trânsito em julgado —em consonância com o inciso LVII do artigo 5º da Carta —, o doutor trocou a toga por uma touca ninja.

Disse a seguinte maravilha, depois de evidenciada a mentira de que o cumprimento da Constituição libertaria 190 mil presos, incluindo homicidas: “Os que são criminosos violentos, em muitos casos, se justificará a manutenção da prisão preventiva. Portanto, no fundo, no fundo, o que você vai favorecer são os criminosos de colarinho branco e os corruptos”.

Eis a demagogia barata a serviço do populismo rasteiro da extrema direita. Explico. O criminoso violento continuará na cadeia com base no artigo 312 do Código de Processo Penal: risco à ordem pública ou de não cumprimento da lei penal.

Entrevista/ O Globo - FHC: ‘Ainda não temos uma cultura realmente democrática’

‘Brasil está vivendo sob o signo do ódio’, diz Fernando Henrique Cardoso

Tucano diz que Bolsonaro é guiado por ‘fantasmas’ e incentiva manifestações contra o governo, mas pede ‘paciência histórica’: ‘Não acho positivo propor impeachments’

Bernardo Mello Franco | O Globo

RIO — Está sobrando até para Fernando Henrique Cardoso. Aos 88 anos, o ex-presidente entrou na mira do bolsonarismo radical. Na semana passada, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, resolveu compará-lo à Aids. O tucano não quis revidar a agressão. Em entrevista, ele diz que o Brasil está vivendo “sob o signo do ódio” e precisa voltar a cultivar a tolerância. “Ainda não conseguimos entender que o outro é adversário, não inimigo”, afirma.

FH lança nesta sexta-feira o último volume dos “Diários da Presidência”. O livro relata a eleição de 2002 e a transição para a posse de Lula, seu rival histórico. Foi um processo civilizado, bem diferente do tom da política atual. O ex-presidente considera que a Lava-Jato “exagerou”, mas evita criticar a prisão do petista. Numa passagem do novo livro, ele afirma que é impossível governar o país sem “botar a mão na lama”.

• Os novos diários mostram como o sr. via o Brasil de 2002. Como vê o Brasil de 2019?

Hoje nós vivemos sob o signo do ódio. Isso é ruim para o Brasil. Ainda não conseguimos entender que o outro é adversário, não inimigo. Não posso tratar o Bolsonaro como inimigo. Ele foi eleito, é o presidente da República. Eu discordo dele. Nunca o vi, nem estou pretendendo vê-lo.

Na campanha, os ânimos se acirram. Mas tem que haver um momento seguinte, em que você reduz o acirramento e busca uma convergência possível. É do jogo ganhar ou perder. O que tem que haver é lealdade com as regras. Isso não é uma coisa que tenha sido ganha no Brasil. Ainda não temos uma cultura realmente democrática.

• O sr. tem sido muito atacado pelos bolsonaristas. Na semana passada, o ministro da Educação chegou a compará-lo à Aids...

A declaração dele foi tão importante que eu nem li... (Risos). Nós estamos vivendo um momento de polarização que é muito ruim. Um ministro tem que prestar mais atenção ao que diz. Temos que baixar a bola, aceitar que existem pessoas com pensamentos diferentes.

• Como avalia o governo?

É cedo para um julgamento taxativo. O governo tem muitas partes. Há setores que são francamente ideológicos, veem fantasmas em todo lado. É possível que o presidente às vezes seja levado por fantasmas. Outros setores são sensatos. Não acho que os militares sejam insensatos.

É ruim o Executivo não ter uma agenda clara para mostrar ao país. O presidente tem que explicar qual é o rumo. Hoje, quando há rumo, é o rumo ideológico.

Na ditadura, você enfia a espada e faz. Na democracia, é diferente. Minha atitude era oposta à do governo atual. Eles buscam adversários até onde os adversários não existem.

Entrevista/ O Estado de S. Paulo - FHC: ‘Huck quer ser celebridade ou líder?’

FHC: ‘Huck vai deixar de ser celebridade e ser líder?’

Tucano afirma que apresentador da Globo precisa começar a exercer liderança política se quiser ser candidato

Pedro Venceslau, Marcelo Godoy e Paula Reverbel | O Estado de S.Paulo

No momento que lança o quarto e último volume de seus Diários da Presidência, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assiste com ceticismo as articulações de Luciano Huck para as eleições de 2022. Em entrevista ao Estado, FHC diz que o apresentador precisa ser líder, e não uma celebridade. “É preciso ver se Huck vai deixar de ser celebridade para ser líder”, afirmou. Em 2018, FHC mostrou simpatia pela ideia de que Huck saísse como candidato e quebrasse a polarização entre Bolsonaro e PT, mas o apresentador desistiu de disputar. Geraldo Alckmin, que contou com uma coalizão de centro, teve só 4,76% dos votos.

• O sr. fala no livro sobre excessos dos procuradores. Vê semelhanças entre abusos da época com supostos abusos da Lava Jato?

Não sei se há paralelo. O que estão tomando como abuso da Lava Jato: a interceptação telefônica. No telefone você fala com naturalidade. E as pessoas trabalham juntas, o procurador e o juiz. É provável que na Lava Jato haja também, como houve no passado, uma visão política. No passado, no meu tempo, era uma visão contra o governo e pró-PT, basicamente. Na Lava Jato pode ter havido uma visão política. Mas o juiz quando julga tem fatos. Não dá para dizer que contaminou todo o processo.

• Compartilha da mesma opinião do senador Aloysio Nunes?

Tem que separar bem. Houve alguma coisa específica que incidiu sobre a decisão? Aí tem que rever. Mas se a decisão está embasada em fatos, então não tem sentido. São fatos. Posso não me conformar, por exemplo, com o caso do Eduardo Azeredo. Acho um absurdo. Foi condenado a mais de 20 anos por uma coisa que me parece que ele não tinha responsabilidade direta.

• Vê abuso na Lava Jato?

Não sei dizer. Na média a Lava Jato foi positiva. Colocou na cadeia ricos e poderosos que nunca iam presos. Não gosto de ver gente na cadeia, não tenho satisfação. Mas não posso deixar de reconhecer que a Lava Jato foi uma reação à corrupção do sistema democrático.

• No livro, o sr. fala que o Brasil poderia pagar um alto preço pela eleição do Lula. O preço seria o governo Bolsonaro?

Para o meu gosto, os dois são um preço alto. Mas que eu saiba, não teve nada no governo Bolsonaro até agora que tivesse sido contra a lei. Não votei no Bolsonaro e não apoio o governo, mas é preciso ter equilíbrio nessas coisas. Há liberdade, imprensa livre, Justiça e Congresso funcionando. Outra coisa é discordar das medidas que são tomadas. Não vejo que o governo Bolsonaro tenha incorrido em alguma coisa que fosse crime, contra a lei.

Entrevista / Valor Econômico -Para FHC, Bolsonaro se destaca pelo anacronismo

Ex-presidente relata em livro crise do fim de seu governo

Por César Felício | Valor Econômico

SÃO PAULO - Às vésperas de lançar o quarto e último volume de seus “Diários da Presidência”, com a síntese das gravações que realizou nos anos de 2001 e 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que o governo do presidente Jair Bolsonaro se destaca sobretudo pelo anacronismo. “ O Brasil está em uma guerra contra o marxismo cultural quando se sabe que hoje em dia não existe mais comunismo”, disse. Ele disse não existir “nova política”, mas apenas a política tradicional, da qual Bolsonaro não é exceção, de distribuir posições para exercitar o poder.

O ex-presidente aponta sua artilharia contra as gestões de seus dois sucessores diretos, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Para FHC, o PT no poder promoveu a corrupção da própria democracia, o que foi “devastador”.

“Criaram um sistema com a bênção do governo para extorquir empresas em troca de pagamentos para o partido. Isso aí foi uma corrupção da democracia. Não me lembro disso em outros governos”, afirmou em entrevista ao Valor.

Fernando Henrique reconheceu no livro e na conversa com a reportagem o fenômeno da politização da Justiça, mas indicou ser contra a revisão da punição a seu sucessor, que cumpre pena por corrupção em Curitiba. “Não tenho prazer em ver líder político preso, mas não tenho prazer em deslegitimar a Justiça. A Justiça condena porque tem fatos, mesmo que seja movida ideologicamente. Não posso negar que em certas circunstâncias é isso.”

No biênio final de seu governo, FHC foi um presidente permanentemente acuado, o que fica nítido na leitura do livro. Ele lidou o tempo todo com denúncias de corrupção, alimentadas por um desafeto, Antonio Carlos Magalhães (1927-2007), que foi presidente do Senado, e pelo que chama de “aliança tácita” entre o Ministério Público e a oposição.

O livro mostra que FHC cogitou em diversos momentos impor limites ao MP. Em dezembro de 2001, conversou com Gilmar Mendes (então advogado-geral da União) e Pedro Parente (então ministro da Casa Civil) sobre fazer um decreto para que a Polícia Federal só colaborasse com o Ministério Público em investigações sobre o Executivo com a concordância expressa do Ministério da Justiça. A ideia não foi concretizada.

O ex-presidente arcou, ainda, com o desgaste do que reconhece ter sido um erro grave: a falta de medidas preventivas contra a escassez de energia elétrica, o que provocou um racionamento entre maio e junho de 2001. “Como um presidente pode ter sido surpreendido? Falha minha, claro. Deveriam ter me informado, mas quem deveria me informar e não me informou estava ali porque eu escolhi. Houve imprevidência”.

Enfraquecido, FHC pouco pôde influir em favor de seu candidato à sucessão, o hoje senador José Serra (PSDB-SP). FHC diz também ter menosprezado a capacidade de Lula de forjar uma aliança para ter maioria na eleição de 2002.

A seguir, trechos da entrevista com o ex-presidente:

Valor: O quarto volume de suas memórias indica que a corrupção é o preço que a sociedade brasileira teve que pagar para viver em uma democracia de massas. É isso?

Fernando Henrique Cardoso: Não acho que eu tenha me referido em minhas gravações à corrupção, mas sim ao atraso. Não se pode ceder à corrupção. Mas o que é que o atraso? É o sistema patrimonialista, de nomeações, de cargos. É complicado enfrentar os desafios do Brasil tendo em vista que esta cabeça atrasada é parte do Brasil. Qualquer sistema de poder implica em partilhar o poder. Quando se tem sistemas autoritários, sem a imprensa em cima, acontece e nós que não ficamos sabendo. É preciso distinguir a negociação que a democracia requer da corrupção. Aqui se trata do toma-lá-dá-cá.

Valor: O toma-lá-dá-cá é realidade presente na política atual?

FHC: Tem graus maiores ou menores. O que aconteceu no Brasil foi um processo diferente. A partir de um certo momento houve a corrupção da democracia, ou seja, o apoio ao governo dependia de uma mesada, o mensalão. É um processo devastador para a democracia, além do que pode ter acontecido desde sempre, que são casos individuais de corrupção. O que não se pode evitar no poder é distribuir posições. Isto é inevitável. Ou tem isso dentro de uma tirania, ou tem isso com o controle da opinião pública. A repartição do poder faz parte do jogo da democracia. Repartir o poder, não o roubo.

Entrevista / Folha de S. Paulo - Governo Bolsonaro é reacionário e antiquado, diz FHC

Ao lembrar sua transição com Lula, tucano diz que presidente tem de atuar para baixar tensão

Fábio Zanini | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chama, em entrevista à Folha, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) de atrasado, reacionário, antiquado e anacrônico.

Ao mesmo tempo, afirma que é cedo para julgar seu desempenho e diz que as instituições brasileiras não sofreram abalo desde sua eleição, há um ano.

Ao comparar a transição de poder com Lula em 2002, considerada exemplo de civilidade, ao clima atual de polarização no país, afirma que o presidente deveria agir para baixar a tensão, o oposto do que vem fazendo.

FHC está lançando o quarto volume de seu "Diários da Presidência" (Companhia das Letras), em que aborda o biênio final do seu segundo governo (2001-02).

POLARIZAÇÃO
[Em 2002] Houve um esforço consciente para organizar regras democráticas de transição. Eles [PT] na campanha tinham me arrebentado, mas chegaram no poder e viram que as coisas são diferentes. Na campanha eleitoral são forças antagônicas se chocando, mas quem assume o poder tem a obrigação de contribuir para baixar a tensão. O presidente no Brasil tem um pouco de Poder Moderador na mão. Ou ele usa para baixar a tensão, ou cria uma divisão na sociedade que se torna muito difícil para ele próprio depois. Eu sempre procurei não ter atitude partidária. Nunca fui de flá-flu.

Entrevista/Veja: FHC sobre Bolsonaro: ‘É uma pessoa tosca’

Tucano critica presidente, acha que Lula perdeu o encanto e diz que Luciano Huck precisa decidir se vai deixar de ser celebridade para entrar na política

Por Mauricio Lima e Sérgio Ruiz Luz | Revista Veja

• O senhor não cita em nenhum momento de seu último livro Jair Bolsonaro, que era deputado federal nos anos da Presidência FHC. Ele estava fora do seu radar?

Eu nunca o vi na vida, nem desejo. De longe, tenho a impressão de que ele é uma pessoa… tosca. Na minha época de Presidência, Bolsonaro não tinha importância. Tinha presença apenas na política corporativista, agitando os quartéis. Os militares o viam com preocupação, pois era um capitão rebelde, mas nunca imaginavam que chegaria à Presidência.

• O que explica a ascensão dele?

Ele ganhou a eleição por ter repetido uma agenda negativa: não ao PT, não à corrupção, não ao crime organizado. Quem votou em Bolsonaro votou com um pouco de medo. Alguns setores do Brasil, como os ruralistas, estavam muito inquietos com a situação anterior, que era um caos. Cadê hoje o MST? Sumiu. Essa turma está com mais medo, com menos apoio. No meu tempo de presidente, o MST fazia marcha do Sul para Brasília porque as prefeituras davam dinheiro. Tinha um bom apoio do PT. O Brasil foi para a direita, em seu conjunto, tanto que Bolsonaro venceu. Esse movimento para a direita não foi só aqui, ocorreu no mundo inteiro.

• Com avalia até aqui o governo Bolsonaro?

Ainda que seja cedo para fazer uma avaliação objetiva, me parece um governo que não tem rumo. Ou melhor: é um governo que não transmite ao país para qual rumo está levando o Brasil. Então você fica meio sem saber para qual lado vamos.

• Em menos de um ano de governo, ele já se lançou candidato à reeleição. O que acha disso?

Acho que está errado, né? É uma bobagem. Quem está no governo precisa postergar ao máximo o momento da eleição. Você não ganha nada antecipando essa discussão. Só perde força, diminui de tamanho.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Desigualdade no Brasil tem causas múltiplas – Editorial | O Globo

Pesquisa do IBGE indica que renda ficou mais concentrada, problema que requer uma abordagem ampla

A nova Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), do IBGE, referente a 2018, reflete o quadro indigente da má distribuição de renda no Brasil. Abrangente, por considerar todas as fontes de rendimento, a sondagem confirma a posição nada honrosa do Brasil como um dos 15 países mais desiguais.

Em um ano, de 2017 a 2018, o rendimento médio dos mais ricos subiu de R$ 25.593 para R$ 27.744, um crescimento de 8,4% — nada mau em um período de virtual estagnação econômica e de desemprego alto. É um mundo paralelo o dessa faixa da população.

Já no universo da renda mais baixa, os 5% mais pobres, a remuneração encolheu de R$ 158 para R$ 153, ou 3,2%. Quando a conjuntura econômica é auspiciosa, todos ganham, porém, o chamado topo da pirâmide costuma ganhar mais.

Só mesmo a conjugação de vários mecanismos perversos para gerar tanta iniquidade, considerando que, desde o início da redemocratização, em 1985, a palavra-chave dos governos é “social”. Inúmeros programas e planos foram lançados para resolver ou equacionar a questão “social” brasileira. Em vão, como demonstram as pesquisas.

Poesia | Manuel Bandeira - Meninos carvoeiros

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.

- Eh, carvoero!

E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
dobrando-se com um gemido.)

- Eh, carvoero!

Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

- Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarrapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados!

Petrópolis, 1921