domingo, 20 de outubro de 2019

Opinião do dia – Montesquieu*

O amor pela república, numa democracia, é o amor pela democracia; o amor pela democracia é o amor pela igualdade.

O amor pela democracia é também o amor pela frugalidade.

Nesse regime, devendo todos gozar da mesma felicidade e das mesmas regalias, devem fruir dos mesmos prazeres e acalentar as mesmas esperanças, coisa que só se pode esperar da frugalidade geral.

O amor pela igualdade, numa democracia, limita a ambição unicamente ao desejo, à felicidade prestar à sua pátria serviços maiores que os outros cidadãos. Todos não podem prestar-lhe serviços iguais; mas todos devem igualmente prestar-lhos. Ao nascer contraímos para com ela uma imensa divida da qual nunca podemos desobrigar-nos.

Assim, nas democracias, as distinções nascem do princípio da igualdade, mesmo quando essa parece destruída por serviços excepcionais ou por talentos superiores.

*Montesquieu (1689-1755), foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua teoria da separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais; ‘Do Espírito das Leis’ p. 84. Editora Nova Cultura,,2005 ( tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Marins Rodrigues

Luiz Sérgio Henriques* - Fado tropical

- O Estado de S.Paulo

Nada mau se nós pudéssemos recriá-lo, o Brasil se tornando um imenso Portugal...

Na vida cotidiana, geringonça é um mecanismo mal-ajambrado, de escassa utilidade para quem o concebe ou quer usar para fins práticos. As artes da política, por contraste, têm tal natureza que são capazes de transformar um mecanismo fadado a ter curta duração numa solução razoável e até bem-sucedida, unindo parceiros improváveis – daí o aspecto de “geringonça” – para dirigir um país moderno e arejado, que já registra expressivos ganhos civilizatórios desde que deu partida à “terceira onda” redemocratizadora nos anos 70 do século passado. A mesma onda, por sinal, em que, alguns anos depois, nosso próprio país ingressaria, tanto assim que não poucos especialistas associam as Cartas que, em ambos os países, assinalaram a ruptura com o antigo regime.

Referimo-nos, evidentemente, a Portugal, cujas recentes eleições devolveram alguma esperança aos que avaliamos, com preocupação difícil de disfarçar, a atual “estrutura do mundo”, trincada por ataques frontais à ideia de democracia que nos pareceriam inimagináveis ainda há alguns anos. Uma esperança, aliás, que rebrota aqui e ali – tal como a flor no asfalto do poeta – com os freios e contrapesos que ultimamente começaram a ser acionados contra as transgressões de Donald Trump ou de Boris Johnson, bem como contra as pretensões autoritárias de Matteo Salvini e outros arautos menores do antiliberalismo político.

Celso Lafer* - Estratégia

- O Estado de S.Paulo

A de Bolsonaro não leva em conta o provérbio ‘quem semeia ventos colhe tempestades’

A palavra estratégia vem do grego strategós, chefe de um exército, donde o verbo strateguein, comandar um exército. Sua origem é, portanto, de natureza militar. Mas o seu uso se alargou para outros campos do conhecimento e aplicação, como a política e a economia, na medida em que o fim, o caminho e a vontade são elementos não estritamente militares da estratégia.

Assim, estratégia, estrategista, estratagema tornaram-se termos de uso geral, que têm em comum conferir uma dimensão calculada, e não improvisada, às decisões que almejam fazer prevalecer uma política, na acepção de “policy”. É assim que a qualifica o general André Beaufre (1902-1973), importante estudioso da matéria. A estratégia é uma praxeologia voltada para ação, que associa a pluridisciplinaridade e a experiência. A estratégia, para ser bem-sucedida, além de ser bem concebida, requer sucesso tático. Tática, como também diz Beaufre, em formulação que tem alcance não exclusivamente militar, “é a arte de utilizar as armas em combate, tirando delas o maior rendimento possível”.

A superação ou a redução dos múltiplos obstáculos que a realidade opõe aos objetivos almejados pela praxeologia da ação estão no cerne da estratégia, como realça Thierry de Montbrial, grande estudioso do tema. Daí a construção, mais ou menos elaborada, de cenários que exploram alternativas viabilizadoras da ação estratégica.

Vera Magalhães - Moinhos de vento

- O Estado de S.Paulo

Presidente transforma inimigos imaginários em reais e ignora urgências do País

Uma mancha de óleo turva as águas do mar do Nordeste há mais de 40 dias (na verdade, cientistas estimam que o acidente que levou ao desastre pode ter ocorrido em junho!), sem que o presidente da República se envolva diretamente na adoção de um plano de contingência eficaz para contê-la. A reforma da Previdência, maior feito do governo até aqui e, provavelmente, nos seus quatro anos, está a uma votação de ser concluída, e o mandatário não esboça sequer um comentário a seu respeito, a não ser para lamentar a necessidade de fazê-la. Há quanto tempo não há uma reunião ministerial para coordenar todas as ações do Executivo? A última foi em agosto, e era emergencial para a questão da Amazônia.

Enquanto esses assuntos centrais para o sucesso do governo vão transcorrendo, o presidente duela contra moinhos de vento. Transforma inimigos imaginários em reais e, num prazo de duas semanas, levou à implosão de seu partido, o já fragmentado PSL, sem que se saiba ao certo o porquê da investida inicial e a utilidade de comprar esta briga neste momento, tanto tempo antes da eleição presidencial.

Uma das máximas mais surradas de Brasília é a de que bons presidentes têm a habilidade de tourear crises e fazer com que elas saiam menores do Palácio do Planalto do que entraram. Fernando Henrique Cardoso e Lula eram reconhecidos por esta habilidade, ainda que com diferentes estilos. Fernando Collor e Dilma Rousseff fracassaram na missão.

José Roberto Mendonça de Barros - Tempo para consolidar

- O Estado de S.Paulo

Não temos paciência para ver as coisas avançarem, porque crise pede resultados rápidos

Mudanças mais profundas exigem tempo para se consolidar. Isso é particularmente importante num país como o Brasil, onde as leis mais relevantes só “pegam” após alguns anos de muita discussão, especialmente, nas Cortes superiores.

Por exemplo, consideremos o caso da concessão de rodovias no Estado de São Paulo, cujo programa vai fazer 20 anos. Lançado por Mário Covas, a gestão privada de estradas foi arduamente questionada nos tribunais por vários anos, período no qual os contratos foram sendo aprimorados. Hoje, 19 das 20 melhores estradas do Brasil estão em São Paulo e sob gestão privada.

Temos aqui uma rede de rodovias duplicadas que têm uma densidade (km de rodovias/km2 de território) comparável a de países europeus, como a Espanha e a Alemanha. É o único Estado do País a dispor de uma rede rodoviária de qualidade.

Entretanto, não temos paciência para ver as coisas avançando, o que é compreensível dado que a crise que vivemos pede resultados muito rápidos.

É o que está ocorrendo em pelo menos dois casos: a reforma trabalhista e os avanços na área de crédito.

Paulo Paiva* - Crescer é preciso

- O Estado de S. Paulo

Emprego formal não virá sem crescimento econômico, que, por seu lado, não brotará espontaneamente

Estes tempos de incertezas e de excesso de informações virtuais, criando um senso de urgência e um estado de ansiedade, estão levando as pessoas à busca de soluções mágicas. Espera-se, por exemplo, que uma bala de prata faça a economia voltar a crescer rapidamente, restabelecendo o nível pré-crise de emprego formal. No entanto, crescimento econômico não é um processo natural, espontâneo; resulta de decisões corretas e coerentes dos agentes públicos e privados ao longo dos anos.

A história recente – nada animadora – do crescimento brasileiro expõe, sem retoques, o pífio desempenho da economia nas últimas quatro décadas. Depois de crescer 7% ao ano entre 1950 e 1979, a economia perdeu fôlego. A média anual de crescimento de 1980 a 2019 ficará em 2,2%, e da renda per capita, em 1,5%. A produtividade média da economia permanece estagnada. Mas não é só. Outro fator perturbador do crescimento brasileiro é sua alta volatilidade. Nas últimas quatro décadas, a economia cresceu acima de 5% em sete anos e ficou abaixo de zero em oito anos. Nos demais 25 anos, a expansão variou no intervalo entre zero e 5%. Além de pífio, o crescimento é espasmódico.

Consequências desse padrão errático de crescimento, entre outras, são a queda da produção industrial e o aumento do emprego informal. Conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), os impactos da recessão recente no mercado de trabalho formal não foram proporcionais à distribuição dos empregos pelos setores da economia. Dos 2,330 milhões líquidos de vagas fechadas, 955 mil foram na indústria de transformação e 866 mil, na construção civil, responsáveis juntas por 78% dos empregos perdidos, embora representem 24% do emprego formal. Ao contrário, os setores de comércio e serviços, que representam 68% do emprego formal, perderam 20% de todas as vagas fechadas.

Luiz Carlos Azedo - A Rota da Seda

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro mira não apenas a balança comercial com os países asiáticos, abalada pela mudança de nossa política externa, mas atrair investidores para o seu programa de privatizações”

O presidente Jair Bolsonaro embarcou ontem para a Ásia. Sua viagem deve durar duas semanas e inclui Japão, China, Emirados Árabes, Catar e Arábia Saudita, países com os quais o Brasil pretende intensificar relações comerciais. As más-línguas dirão que a crise viajou no mesmo avião, como costumava falar o então senador Fernando Henrique Cardoso numa de suas maiores maledicências em relação ao ex-presidente José Sarney (o que lhe custou sua inimizade), mas isso é uma tremenda bobagem: Bolsonaro tenta reposicionar geopoliticamente o Brasil, para melhorar o relacionamento com esses países, abalado por causa do seu alinhamento automático com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O retorno a Brasília está previsto para o dia 31.

Além disso, com os mercados conectados on-line e a comunicação instantânea nas redes sociais, o que pode acontecer é o Brasil amanhecer com o mercado reagindo às declarações e tuitadas do presidente da República da mesma forma como a Bovespa reage às bolsas de valores de Xangai, Tóquio e Hong Kong. Crises já não viajam com o presidente da República, elas se instalam e se propagam a partir de qualquer ponto, pelas redes sociais. A viagem é muito importante porque a lógica ideológica que levou Bolsonaro ao alinhamento com Trump e outros líderes de direita no mundo, como o húngaro Viktor Orban, não é mais forte do que os fundamentos da geopolítica. O fato objetivo é que o principal parceiro comercial do Brasil hoje é a China; e os demais países a serem visitados, são grandes compradores de nossas commodities. Todos fazemos parte do que os chineses chamam de a nova Rota da Seda.

A Rota da Seda era uma série de rotas interconectadas pelo sul da Ásia pelas quais se fazia o comércio da seda entre o Oriente e a Europa, mas não somente: toda sorte de produtos e especiarias circulavam por ali, por meio de caravanas de camelos e embarcações oceânicas. Surgiu a partir do comércio entre as regiões de Chang’an, na China, e a Antióquia, na Ásia Menor, região disputada por mongóis, turcos e bizantinos na Idade Média, chegando à Coreia e ao Japão. Era o eixo de comércio que fomentou a formação de impérios: Egito antigo, Mesopotâmia, China, Pérsia, Índia e Roma.

De certa forma, teve um papel fundamental para expansão portuguesa e o Descobrimento. Na Idade Média, o comércio entre Oriente e Ocidente passava pela Rota de Champagne, que foi interrompida pela Guerra dos 100 anos (1337-1453), entre a Inglaterra e a França. Isso fomentou o comércio por via marítima entre o Atlântico Norte e o Mediterrâneo, o que possibilitou o desenvolvimento da indústria naval e do comércio em Portugal. O resto da história todos conhecem: a expansão marítima portuguesa, após a Revolução de Avis, com ascensão de sua burguesia mercantil, levou os portugueses ao Brasil; por meio do périplo africano, à Ásia: China, Pérsia, Japão e Índia. Veneza e outras cidades italianas perderam o monopólio do comércio entre nações mercantilistas europeias e o Oriente.

Ricardo Noblat - Bolsonaro quer distância dos pobres

- Blog do Noblat | Veja

Nordeste está fora do radar do governo
Sabem quantas vezes o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a Amazônia em chamas desde que a destruição da floresta virou um escândalo internacional e foi parar no plenário da ONU, em Nova Iorque, e nos salões pontifícios no Vaticano?

Nenhuma. Com toda a frota de aviões da Força Aérea Brasileira à sua disposição, e mais de um Boeing presidencial, Bolsonaro não se deu ao trabalho, nem tão pesado assim, de sobrevoar a Amazônia, quando nada para tirar umas fotos ou fazer uma live.

A pergunta seguinte é mais fácil de responder. Sabem quantas vezes Bolsonaro molhou os pés para ver de perto a tragédia da derrama de petróleo nas praias nordestinas que não tem data para acabar – como, de resto, a da Amazônia tampouco?

Nenhuma até agora. Bolsonaro embarcou ontem à noite para uma visita à China e a outros países asiáticos sem deixar sequer uma mensagem de solidariedade aos que por sua conta e risco recolhem com as mãos as poças de petróleo nas praias.

Às primeiras denúncias sobre incêndios na Amazônia, Bolsonaro respondeu culpando ONGs internacionais interessadas em conspurcar a imagem do governo e contribuir para a ocupação daquela área por países que cobiçam suas riquezas.

Quando o petróleo começou a chegar às praias, matando parte da fauna marinha, ameaçando a pesca, a vida dos pescadores e a indústria do turismo, Bolsonaro correu a assegurar que a origem dele estava na Venezuela. Insinuou poder tratar-se de um crime.

Merval Pereira - Mudança de ventos

- O Globo

É provável que haja retrocesso, mas o resultado das pesquisas mostra que a opinião pública continua com sede de justiça

Embora o que não esteja nos autos do processo não exista tecnicamente, advogados, juízes e promotores são influenciados pelo que vêem, pelo que lêem, pelo que conversam com amigos ou mesmo na família.

A faísca que desencadeou um processo de reversão de expectativas no mundo jurídico e político contra a Operação Lava Jato foi provocada pelas conversas roubadas do celular do procurador-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol publicadas pelo site The Intercept Brasil.

As mensagens entre Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro não revelam nenhuma ilegalidade, mas a proximidade entre partes do processo, que comum no cotidiano da Justiça, dá margem aos que já tinham a tendência de criticar os procuradores de Curitiba, por razões de poder ou política, pretexto para darem a suas críticas ares de verdade.

Vimos na semana passada três ministros do Supremo em contato fora da agenda com o presidente Bolsonaro, às vésperas do julgamento mais importante do ano, sobre o fim da prisão em segunda instância. Dois deles, ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, tomaram decisões recentes que beneficiaram diretamente o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, reduizindo a possibilidade de investigações criminais financeiras.

Bernardo Mello Franco - Omissão frente à tragédia

- O Globo

Senador acusa o governo de cruzar os braços diante do vazamento de óleo no Nordeste. Para Fabiano Contarato, o Congresso também é ‘omisso e conivente’

É o maior desastre ambiental registrado na costa brasileira. As manchas de óleo que começaram a aparecer em setembro já se espalham por nove estados e 2.200 quilômetros de litoral. Devastam a vida marinha, ameaçam o sustento de pescadores e atingem paraísos ecológicos como a Praia dos Carneiros, em Pernambuco, e a Praia do Forte, na Bahia.

Depois de quase dois meses, o poder público ainda parece imóvel diante da tragédia. “O governo não sabe absolutamente nada. Não conhece a origem do óleo, não tem ideia de como recolhê-lo e não apresenta medidas para mitigar os danos”, afirma o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Fabiano Contarato (Rede-ES).

Na quinta-feira, ele comandou uma audiência pública com representantes da Marinha e dos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. Ficou frustrado com a falta de informações e de planos de ação. “Saímos com mais perguntas do que respostas”, resume.
Para o senador, o presidente tem se omitido diante do caso. “Ele já deveria ter decretado estado de emergência ambiental há muito tempo. Até hoje, ele nem sequer se dignou a visitar ou sobrevoar a região”, critica.

Míriam Leitão - Tudo por acaso e na hora certa

- O Globo

Fernanda Montenegro chega aos 90 anos quando a potência da sua voz é mais necessária e seu relato nos ajuda a refletir sobre a história do Brasil

O que as decisões tomadas em duas aldeias da Sardenha — Bonarcado e Teulada — no final do século XIX têm a ver com o Brasil de hoje? Isso sabe quem seguiu a trilha dos imigrantes que foram parar num centro de triagem em Juiz de Fora. Deles descende Fernanda Montenegro, cujo aniversário foi comemorado como uma data nacional. Têm sido dias de refletir sobre sua inquestionável excelência profissional. Mas há mais além do ofício. Ela chega aos 90 anos quando a potência da sua voz é mais necessária, e seu relato nos ajuda a pensar na história do Brasil.

Oitocentos italianos contratados para trabalhar em fazendas de café em Minas embarcaram para o Brasil, pensando que ficariam pouco tempo e voltariam para a Itália. No mesmo navio estavam, ainda adolescentes, a avó e o avô maternos de Fernanda. O reencontro dos dois e o casamento vieram anos depois.

A saga vivida por esses imigrantes no Brasil, as incríveis histórias de alguns dos personagens deixam a ficção invejosa. A realidade a superou. E, assim, desde o começo do seu livro de memórias, a história do Brasil e a dela vão se confundindo. Os italianos dos quais descende por parte de mãe desembarcaram num país que tinha encerrado a escravidão havia apenas 10 anos. “Foram acomodados em senzalas parcamente adaptadas”, descreveu. Os portugueses do lado do pai também enfrentaram durezas. Mas, Fernanda narra tudo com a leveza de quem está ao seu lado na sala. Criar esse aconchego é um dos méritos da obra que ela escreveu com a colaboração da escritora Marta Góes.

Dorrit Harazim - De guerras e paz

- O Globo

Jimmy Carter continua sendo, até hoje, o único presidente dos Estados Unidos que cumpriu o mandato sem ter de recorrer às armas

Jimmy Carter é o mais longevo ex-presidente dos Estados Unidos. Acaba de completar 95 anos e está há quase quatro décadas fora da Casa Branca. Eleito em 1978, exerceu com teimosia, fé no gênero humano e temor a Deus o mandato de 39º comandante em chefe do país. Foi um presidente azarão que incomodou meio mundo — inclusive a ditadura militar brasileira da época — com sua mania de falar e agir em defesa dos direitos humanos, sem arrefecer. Mudou pouco, de lá para cá.

Durante recente evento beneficente na cidade de Nashville, Tennessee, Carter subiu à tribuna com 16 pontos cirúrgicos à vista numa sobrancelha e um imenso hematoma no olho esquerdo. Tinha sofrido uma queda em sua casa de Plains, na Geórgia, mas, como não queria faltar ao encontro do Habitat for Humanity, programa de construção de moradias sociais que dirige há 36 anos, passou num hospital, fez curativo e seguiu para Nashville.

No fim de semana passado, Carter recebeu um telefonema de Donald Trump. Notícia insólita, visto que o atual ocupante da Casa Branca vive entrincheirado, às turras não só com o mundo, como em estado de animosidade pública com seus antecessores ainda vivos — Barack Obama, Bill Clinton, George W. Bush, além de Carter. Tem sido norma desde George Washington que todo presidente americano inicie uma aproximação com os que o precederam no Salão Oval, em boa parte para recorrer ao variado baú de conhecimento e expertise de quem já ocupou o cargo.

Ascânio Seleme - Notre Dame do Brasil

- O Globo

Em torno da recuperação da catedral, há três círculos de poder cujos integrantes batem cabeça e se atrapalham na condução dos trabalhos

As obras de restauração da Catedral de Notre-Dame estão atrasadas. Em torno da sua recuperação, após o incêndio de abril, há três círculos de poder cujos integrantes batem cabeça e se atrapalham na condução dos trabalhos. Por vezes, parece que a catedral é brasileira e foi erguida no Centro do Rio de Janeiro. Há um desentendimento permanente e constrangedor entre a Igreja, o governo francês e a prefeitura de Paris, que têm tipos diferentes de autoridade sobre o templo. E, mais grave, acima destes três elementos foi instaurado um poder maior na figura, vejam só, de um general. Desde Charles de Gaulle, nenhum general assumiu qualquer posto na França de tamanha visibilidade.

Há uma tensão forte entre a Diocese de Paris, o Ministério da Cultura da França e a Subprefeitura da região da Île de la Cité, onde a catedral está efetivamente localizada. A diocese reclama precedência porque, afinal, o prédio é uma igreja católica, um local de culto. O Estado entende ser problema seu uma vez que se trata de um bem cultural da humanidade e, pela lei de 1905 que separou religião e Estado, todos os prédios religiosos pertencem ao poder público, que concede seu uso. Já a prefeitura julga ter sua parcela de responsabilidade porque é sobre seu território e sob suas regras de ocupação que a catedral está assentada. Diante disso, vem ocorrendo uma guerra de egos, que segundo o jornal “Le Monde” muitas vezes atrapalha o bom andamento das obras.

Janio de Freitas - Casos de suspense

- Folha de S. Paulo

O cinismo do vossa excelência e do senhor presidente cede à sinceridade explosiva

Um presidente chamado de vagabundo não é coisa para qualquer país. E assim tratado por duas vezes, pelo próprio deputado-líder do seu partido, ah, agora sim: Jair Bolsonaro e os bolsonaristas se põem a acabar com a velha política. O caquético cinismo do “vossa excelência” e do “senhor presidente” cede à sinceridade explosiva.

É natural um certo pasmo com o novo, agravado porque a má vontade identificada por Bolsonaro na imprensa negou à novidade o destaque merecido. Nem por isso a situação geral, incluída a tal estabilidade, está em menor suspense.

Bolsonaro ficou sem reação por 24 horas e depois agiu apenas com a formalidade óbvia. Se estiver angustiado por seu amor americano, é compreensível. Por algum motivo inexplicitável ao menos por ora, o noticiário aqui não sabe do cerco a Trump, o procedimento para impeachment avançando a cada dia. Seja como for, é a segunda obstrução a que Bolsonaro se impõe, sem ter superado a primeira.

Bolsonaro não pôde demitir o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, quando apontado em uso ilegal de verbas e de candidatas laranjas. Agora, a descumprida promessa de afastar todo suspeito já encara uma denúncia judicial. Com envolvimento também do candidato Bolsonaro. No episódio em curso, silêncio e mero pedido de processo contra o deputado inovador, Delegado Waldir, equivalem a uma fuga, tratando-se do valentão de mãos imitando armas. Duas omissões próprias de quem está pendente do que o outro sabe e é bem capaz de dizer.

Hélio Schwartsman - A charada do Coringa

- Folha de S. Paulo

Uma ou duas ideias sobre a relação entre condições sociais e crime que gostaria de discutir

Não assisti a "Coringa", mas tenho uma ou duas ideias sobre a relação entre condições sociais e crime que gostaria de discutir.

Para a esquerda, são determinações sociais, como a desigualdade ou o abandono, em especial na infância, que forjam o bandido, que seria mais uma vítima do que um perpetrador, enquanto, para a direita, o que importa são disposições individuais, que podem até ter base hereditária.

A realidade, como sempre, fica no meio do caminho entre as explicações mais caricaturais.

Para além dos estudos que ligam os maus-tratos na infância a comportamentos antissociais (ainda que não necessariamente criminosos), há toda uma família de experimentos psicológicos (Milgram, Zimbardo) que mostram que mesmo pessoas mentalmente saudáveis podem, diante de um pouquinho só de pressão dos pares ou de autoridades, ser levadas a cometer atos reprováveis e até ilegais.

Bruno Boghossian – O incrível exército de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

A crise desarticula tropa de choque brancaleônica e aumenta custo político no Congresso

Nos primeiros meses do ano, a turma do PSL se esqueceu de aparecer numa sessão da Câmara e deixou a oposição à vontade para atacar Paulo Guedes.

Semanas depois, um líder da sigla se confundiu e quase orientou a bancada a votar contra a nova Previdência. Se o partido já era um peso morto, por que a crise na legenda faria qualquer diferença para o governo agora?

O cisma no partido do presidente desarticula sua tropa de choque no Congresso. Os 53 deputados da sigla estão longe de formar maioria e, como se viu, não são lá muito eficientes. Ainda assim, numa inspiração brancaleônica, atrapalhados e mal equipados, cumpriam uma função.

A legenda que comanda o Planalto costuma exercer papéis práticos e simbólicos. Manobra as regras para blindar o Executivo, mas também tem a missão de dar o exemplo nas discussões de interesse do governo.

Mesmo desnorteado, o PSL se expôs ao apoiar, de saída, a reforma da Previdência. É verdade que o restante dos votos para aprovar a proposta dependeu de Rodrigo Maia e das legendas do centrão, mas o tema poderia ter ficado no solo se nem a sigla do presidente tivesse ficado unida.

Vinicius Torres Freire – A economia pode respirar em 2020

- Folha de S. Paulo

Recursos do FGTS, Pis, Bolsa Família, estados e cidades também devem causar alívio

Até a eleição de 2020, um bom dinheiro extra vai irrigar a economia. Deve ser mais de 1% do PIB, uns R$ 70 bilhões ou mais que vão cair na mão de estados, municípios e famílias. Se não houver desastres novos, o estímulo deve aliviar um pouco da depressão.

Como o país observa bestificado um governo dar tiros até na própria cabecinha, caso da turumbamba vulgaríssima do PSL e dos Bolsonaro, sempre pode haver tumulto político sério, com implicações econômicas. Suponha-se, por ora, que não seja assim.

Esse dinheiro extra não será a salvação da lavoura nem o começo do “milagre do crescimento”, nem mesmo de algum crescimento duradouro, necessariamente. Mas deve ajudar a colher umas couves até a escolha dos prefeitos. Que dinheiro é esse?

Entre o final deste 2019 e do ano que vem, devem cair na mão das famílias cerca de R$ 40 bilhões dos saques do FGTS. Outros R$ 2 bilhões de saques do Pis/Pasep. Mais R$ 2,5 bilhões do “13°” do Bolsa Família.

Ruy Castro* - As mulheres de Patricio

- Folha de S. Paulo

Ele era absurdamente talentoso e levava a plateia à histeria de tanto rir

O ator, cantor, cartunista, figurinista e transformista Patricio Bisso morreu em Buenos Aires nesta segunda (14), aos 62 anos. Em novembro de 1985, subi ao 8º andar do Edifício Copan, no centro de São Paulo, para entrevistá-lo. Era uma reportagem de capa para a revista Veja em São Paulo. Patricio, 28, tornara-se uma celebridade da cidade, atraindo 400 pessoas todas as noites ao Sesc Pompeia para seu show “Louca pelo Saxofone” e as levando quase à histeria de tanto rir.

Em uma hora e meia no palco, trocava 25 vezes de roupa, numa maratona de tailleurs, tomara-que-caias, rabos-de- peixe, saias plissadas, perucas, colares e anáguas, tudo de sua criação e tudo enquanto cantava —em português, espanhol, inglês, francês e italiano— e dançava. Uma troca de roupa a cada três minutos. Quase no fim, surgia vestido de nada menos que árvore de Natal. Era absurdamente talentoso.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O significado da República – Editorial | O Estado de S. Paulo

No próximo dia 15 de novembro, comemoram-se os 130 anos da Proclamação da República. Em homenagem à data, o Estado lançou na terça-feira passada no Twitter o projeto EstadãoRepública130. O objetivo é apresentar, por meio de tuítes de 14 personagens históricos – republicanos, monarquistas e militares –, o período que antecedeu à mudança de regime. Para reproduzir os comentários dos personagens históricos, foi feita uma ampla pesquisa na Biblioteca Nacional, no acervo do jornal e na bibliografia relativa ao período. O projeto está ancorado no perfil @_vivarepublica_ e as publicações podem ser acompanhadas também pela hashtag #ER130.

A história do jornal O Estado de S. Paulo está intimamente ligada à República. Inspirado nos valores do liberalismo clássico, este jornal foi fundado em 1875 – então se chamava A Província de São Paulo – com o objetivo de propugnar pela abolição da escravidão e pela instauração da República. Faz, portanto, todo o sentido o Estado reviver esse período tão especial da história do País, da qual tem sido personagem atuante, valendo-se de atuais ferramentas tecnológicas.

Acompanhar esse período histórico pode ajudar a dar uma dimensão mais precisa do que significou – e do que deve significar – a República. A luta pelo novo regime não consistiu apenas em destituir o Imperador d. Pedro II ou em instaurar um novo sistema decisório no poder público. Proclamar a República representava a inauguração de um marco jurídico completamente novo.

Poesia | Vinicius de Moraes - Onde anda você

E por falar em saudade
Onde anda você
Onde andam os seus olhos
Que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto
De tanto prazer

E por falar em beleza
Onde anda a canção
Que se ouvia na noite
Dos bares de então
Onde a gente ficava
Onde a gente se amava
Em total solidão

Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares
Que apesar dos pesares
Me trazem você

E por falar em paixão
Em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares
Na noite, nos bares
Onde anda você