quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Eros Grau, ex-ministro do Supremo, lança livro sobre o militante Armênio Guedes

Em defesa da democracia

Entrevista - Para ex-ministro do STF Eros Grau, que organiza livro sobre o militante Armênio Guedes, há risco de retorno aos tempos da ditadura

Por Roldão Arruda – Eu & Fim de Semana

Desde que deixou o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, o jurista Eros Grau divide o tempo entre seus escritórios em São Paulo e Paris e sua residência em Tiradentes, interior de Minas. Aos 79 anos, dedica-se sobretudo a produzir pareceres jurídicos. Também escreve para jornais - mantém uma coluna quinzenal no “Diário de Santa Maria”, a cidade gaúcha onde nasceu - e produz obras de ficção. É um duplo, como gosta de se definir: “Um cara que faz literatura e também faz direito”. Entre um escrito e outro, ele acaba de organizar o livro de artigos “Nosso Armênio” (Globo), sobre o jornalista e militante político Armênio Guedes (1918-2015).

O volume reúne 33 artigos escritos por amigos e admiradores de Armênio. Entre eles estão os jornalistas Elio Gaspari, Juca Kfouri e Ricardo Lessa, o cientista político Marco Aurélio Nogueira, os políticos Aloysio Nunes, Almino Afonso e Milton Temer e o cineasta Zelito Viana. Trata-se sobretudo de uma homenagem a Armênio, que militou no Partido Comunista Brasileira, o “Partidão”, durante 48 anos e que mesmo antes de se desligar da legenda, em 1983, já se destacava de seus pares no debate político e empolgava militantes mais jovens por sua defesa intransigente da liberdade e da democracia.

Armênio tinha quase a mesma idade do pai de Eros Grau, mas era visto pelo jurista como uma espécie de irmão mais velho. Na entrevista a seguir, concedida em seu escritório em São Paulo, onde mantém à direita de sua mesa uma foto do pai e da mãe e, à esquerda, uma foto de um jovem e elegante Karl Marx (1818-1883), o ex-ministro fala dessa amizade e também da conjuntura política.

Valor: Como o senhor conheceu Armênio Guedes? Foi no tempo em que o senhor também militava no “Partidão”, nos anos 60 e 70?

Eros Grau: Não. Na época em que eu tinha ligação com o partido, ouvi falar do Armênio, sabia quem era, mas nunca tive contato com ele. Nosso primeiro encontro aconteceu em 1980, após a Lei da Anistia, quando ele retornou do exílio em Paris e o Roberto Miller, então diretor da “Gazeta Mercantil”, chamou-o para trabalhar com ele. Na época eu era colaborador daquele jornal, e foi lá que nos aproximamos, o que foi uma grande vantagem para mim.

Valor: Por quê?

Grau: O Armênio me orientava, dava dicas de como escrever, que assuntos abordar, que formas de abordar. Posso dizer que fui iluminado por ele. Na biblioteca da minha casa em Tiradentes, tenho na parede uma bela foto dele, que tirei num de nossos vários encontros naquela casa. Eu a mantenho lá porque me faz pensar que, embora não esteja mais por aqui, ele ainda me ilumina. Isso faz bem para a alma.

Valor: Foi por causa de sua ligação com o “Partidão” que o senhor foi preso em 1972?

Grau: Sim. Na época eu trabalhava no gabinete do Dilson Funaro [1933-1989], que era secretário do Planejamento do Estado de São Paulo. Certo dia, precisando de alguma coisa minha, ele perguntou: “Cadê o Eros? Por que ele não está aparecendo por aqui? Mande chamá-lo”. Nessa hora, um de seus assessores mais próximos criou coragem e contou que eu havia sido preso uma semana antes e estava detido no Doi-Codi de São Paulo. Depois de ouvir aquilo, o Dilson foi até o gabinete do governador, que era o Roberto Abreu Sodré [1917-1999], e disse: “Olha aqui, eu tenho um assessor, meu amigo, que foi preso. Se ele não for solto hoje, até a meia-noite, amanhã cedo eu me demito e chamo a imprensa para dizer que não posso seguir em frente com uma situação dessas”. Não sei o que o governador fez, mas sei que fui liberado naquele dia. Se eu não tivesse saído, poderia ter morrido ou ido para o exílio.

Valor: Sua prisão foi relembrada quando, em 2008, o Conselho Federal da OAB ingressou com uma ação no Supremo solicitando a revisão da aplicação da Lei da Anistia, com a anulação do perdão dado aos agentes do Estado que torturaram presos políticos. Sua indicação como relator do caso levou muita gente a pensar que, como havia sido torturado, seria favorável à revisão. Mas o senhor negou o pedido, e a ação foi rejeitada. O que o levou a essa atitude?

Grau: Desde quando cheguei ao STF em 2004, conduzido pelas mãos do Márcio Thomaz Bastos [1935-2014], todo mundo imaginou que um comunista estava chegando àquela corte e que eu seria capaz de descumprir a Constituição. Mas depois todo mundo se surpreendeu porque fui, graças a Deus, um fiel cumpridor da Constituição. Fiz o que um juiz deve fazer: aplicar a Constituição e as leis, mesmo quando não gosta. O que diz a Lei da Anistia? Diz que foi ampla, geral e irrestrita, o que significa que atingiu os dois lados. Perdi amigos e ganhei uma coleção de inimigos por causa daquele voto, mas não me importo com isso. O que importa e me dá orgulho até hoje é ter sido fiel à Constituição e às leis. Eu cumpri a lei.

Valor: Armênio Guedes, que sofreu na ditadura e teve um irmão morto sob tortura, foi ouvido pelo senhor? Ele o ajudou a tomar a decisão?

Grau: Muito. O pensamento dele está retratado no meu voto. Ele era um homem muito culto, sereno e prudente, e nós dois sempre nos colocamos um diante do outro como irmãos. Acho isso engraçado porque, embora fosse apenas um ano mais novo que meu pai, nós dois conversávamos sempre como se tivéssemos a mesma idade. Ele era meu irmão.

Valor: O que o senhor acha que Armênio diria da atual conjuntura política do país?

Grau: Eu acho que diria: raciocine com prudência, cada coisa a seu tempo. O tempo que estamos vivendo exige certa serenidade. Tenho conversado muito sobre isso com meus amigos nos encontros em minha casa em Tiradentes.

Valor: Como viu o debate sobre prisão em segunda instância? Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que réus condenados só poderão ser presos após o trânsito em julgado, isto é, depois de esgotados todos os recursos.

Grau: A questão está definida na Constituição, no artigo 5º, inciso 57, que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”. O STF decidiu com prudência, nos limites do quanto estabelece o artigo 2º da nossa Constituição, nos termos do qual o Legislativo faz as leis e a Constituição, o Executivo governa dentro da lei e da Constituição e o Judiciário examina se tudo está de acordo com a Constituição e as leis. Um poder não pode usurpar atividades do outro. Pode ser até que, pessoalmente, eu acredite que a prisão deveria ocorrer após a decisão de primeira instância, mas como juiz tenho que cumprir a lei e a Constituição. Sempre me orientei por isso em tudo que decidi. Fico imensamente feliz pelo fato de o STF ter confirmado o quanto afirmei em 2009, como relator do habeas corpus 84.078-7.

(Neste ponto da entrevista, Eros Grau pede ao repórter para pegar um livro na estante e ler o título. Trata-se de “Por Que Tenho Medo dos Juízes”, obra em que fala de magistrados que, alegando questões de princípios, acabam julgando de acordo com leis próprias. Conta que o assunto o interessa há muito tempo e que o livro já foi traduzido para o francês e o alemão e que brevemente será publicado em inglês.)

Valor: O senhor deu esse título para o livro em 2009. Acha que ele continua atual?

Grau: Mais do que atual.

Valor: Uma das características de Armênio Guedes mais destacadas nos artigos do livro é o apreço pela democracia. Neste momento da vida política, no qual se fala até em retomada do AI-5, o senhor acha que a democracia corre algum risco?

Grau: Sim. Observo uma tensão muito grande, com o risco de retorno aos tempos da ditadura.

Valor: Um livro sobre o Armênio pode ser útil nesta conjuntura?

Grau: Ele foi sempre um exemplo de prudência e serenidade. Foi um homem que, embora nunca tenha deixado de lado essas duas virtudes, jamais aceitou as injustiças. É um exemplo.

Valor: Quais seriam suas sugestões para se atravessar este período de tensões ao qual se referiu?

Grau: Há um grande poeta gaúcho, já um pouco esquecido, chamado Alvaro Moreyra [1888-1964], que tem um poema de dois versos que é uma maravilha. Ele diz: “A vida está toda errada/ vamos passá-la a limpo?”. É isso. Tem que passar a limpo tudo isso, o Poder Executivo tem que ser um fiel cumpridor das leis e da Constituição, o Judiciário tem que ser o controlador dos atos que se praticam e o Legislativo pode eventualmente pensar em reformular as leis.

Sérgio Abranches* - Sem coalizão e sem partido

- O Globo

Ao deixar PSL para criar legenda, Bolsonaro fica mais dependente de base informal no Congresso

Desde a posse do governo, ficou claro que o modo de governar de Bolsonaro seria sempre tenso. O presidente busca o conflito. Ao deixar o PSL e criar seu próprio partido, de extrema-direita, opta pela posição inédita de ficar uma parte do mandato sem partido. Assume o risco de se apoiar em uma minoria ainda mais diminuta, se a nova legenda não atrair mais do que os 30 do PSL que espera que o acompanhem. Trocaria a posição de segunda bancada para ficar com a nona.

Com esta decisão, que abre mais algumas linhas de confronto, agrava-se a posição do presidente sem coalizão. Ele fica ainda mais dependente de articuladores independentes, cujas agendas têm cada vez menos interseções com a pauta presidencial. Até agora, conseguiu aprovar projetos, principalmente na economia, sobre os quais há maior consenso entre os partidos que se situam do centro à direita do espectro político.

Merval Pereira - Sinal trocado

- O Globo

Governo no mínimo foi complacente com a ação de militantes antichavistas que tomaram conta da embaixada

A patacoada que aconteceu ontem na invasão da embaixada da Venezuela em Brasília é ação típica de quem usa a política externa para fazer política interna. Já vivemos essa situação, de sinal trocado. A chancelaria brasileira deu explicações extra-oficiais, não atribuíveis ao informante, que mostram como o governo brasileiro no mínimo foi complacente com a ação de militantes anti-chavistas que tomaram conta da sede da embaixada por algumas horas.

A embaixadora nomeada pelo governo de Juan Guaidó, que o Brasil reconhece como o verdadeiro presidente da Venezuela, Maria Teresa Belandra é a única representante do governo venezuelano aceita pelo Estado brasileiro. O fato de ela ter assumido o controle da sede da embaixada em Brasília era visto pela chancelaria como normal, condizente com a situação atual das relações diplomáticas entre os dois países.

O deputado Eduardo Bolsonaro explicitou essa situação em seu twitter: “Embaixada da Venezuela mudou porque funcionários reconheceram Guaidó como presidente legítimo. Invasão é o que ocorre agora com os brasileiros esquerdistas querendo se intrometer na questão.”

Alguém deve ter avisado ao presidente Bolsonaro que a situação não era tão simples assim, e ele, também pelo twitter, desmentiu o filho e recuou do apoio tácito que o governo brasileiro vinha dando aos anti-chavistas: “Estamos tomando as medidas necessárias para resguardar a ordem pública e evitar atos de violência, em conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.”.

Resultado, a embaixadora de Guaidó, deixada sem apoio oficial, retirou-se com seu grupo pelas portas dos fundos da embaixada, e os chavistas a reocuparam, com o apoio de manifestantes petistas e do MST, que dizem estar fazendo a segurança do local.

Bernardo Mello Franco - Em busca do vice perfeito

- O Globo

Bolsonaro voltou a cutucar Mourão. Em 2022, seus aliados querem substitui-lo por Sergio Moro. Ao contrário do vice, ele nunca contestou as trapalhadas à sua volta

Além de trocar de partido, o presidente quer trocar de vice. Em reunião com dissidentes do PSL, Jair Bolsonaro deu uma nova cutucada em Hamilton
Mourão. Disse que preferia ter dividido chapa com o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, descendente da família real que é chamado de “príncipe”.

“Você deveria ter sido meu vice, e não esse Mourão aí”, afirmou o presidente, segundo relato da colunista Mônica Bergamo. “Eu casei errado, agora não tem como voltar atrás”, prosseguiu.

O “príncipe” confirmou o diálogo e disse ter perdido a vaga por causa de um dossiê entregue a Bolsonaro. “Sei que circulam informações falsas. O dossiê era de fotos que eu fazia uma suruba gay e que eu batia em mendigo”, contou à revista “Época”.

O episódio deve marcar o fim do armistício entre o presidente e o vice. Em abril, os dois chegaram perto de romper relações. Bolsonaro se exaltou com o novo tom de Mourão, que despontou como uma voz moderada num governo de radicais.

O general deu declarações a favor da democracia, defendeu a liberdade de imprensa e ironizou os delírios do guru Olavo de Carvalho. Foi o suficiente para entrar na mira das milícias virtuais e de Carlos Bolsonaro, que costuma atirar em nome do pai.

Luiz Carlos Azedo - Negócios com a China

- Nas entrelinhas – Correio Braziliense

“Frente à concorrência chinesa, os avanços do Brasil permanecem limitados. Precisamos aumentar as exportações de manufaturados de maior complexidade”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou ontem que o governo brasileiro tem intenção de formar uma área de livre-comércio também com a China. A notícia arrepiou os cabelos dos setores industriais brasileiros, que sofrem com as consequências da falta de competitividade de nossos produtos e a concorrência dos importados made in China. A ideia, segundo o ministro, é criar uma “free trade area” (área de livre-comércio), com alto nível de integração. “Queremos nos integrar às cadeias globais. Perdemos tempo demais, temos pressa”, disse Guedes, em Brasília. Há 20 anos, o Brasil negociava com a China um volume de comércio de cerca de US$ 2 bilhões ao ano; agora, saltou para mais de US$ 100 bilhões nos dias atuais. Para efeito de comparação, com a Índia, outro parceiro do Brics, o comércio ainda está ao redor de US$ 4 bilhões por ano.

As declarações ocorrem num momento de muita confusão na América do Sul, onde a China desbancou os Estados Unidos como parceiro comercial da maioria dos países. Ao mesmo tempo, sinalizam um deriva do alinhamento automático com o presidente Donald Trump, que está em guerra comercial com a China. O Brasil aposta na relação com os chineses por razões que não necessariamente coincidem com aspectos políticos e ideológicos que levaram à formação do Brics. Não chega a ser uma esquizofrenia, é um dado da realidade objetiva, determinado pela mudança de eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e pela emergência da China, a segunda potência econômica mundial, como principal comprador de nossas commodities de minério e agropecuárias.

Guedes sente as consequências da guerra comercial entre Estados Unidos e China na economia mundial, assim como sabe que as tensões na América Latina estão afugentando investidores em toda a região, inclusive do Brasil. Entretanto, tem uma visão ultraliberal que assusta principalmente os setores industriais brasileiros, tradicionalmente protecionistas: “Os chineses, indianos, malaios, filipinos, está todo mundo subindo o padrão de vida. A metade de lá. Enquanto isso, do lado de cá, particularmente a América Latina, o Mercosul, fez o contrário: cabeça de avestruz, enfiamos a cabeça no chão. Ficamos fechados. Nosso padrão de vida está piorando.”

O problema é que o Brasil está se desindustrializando. Não tem uma política industrial. Economistas liberais são contra isso por princípio, mas governos não podem ser indiferentes à realidade do setor produtivo. No caso brasileiro, a situação é mais grave, porque não existe capital acumulado para a criação de uma nova indústria, mais competitiva, na velocidade em que as mudanças ocorrem no mundo. A tentativa de criar empresas globalmente competitivas dos governos Lula e Dilma, a política dos “campeões nacionais”, resultou em escândalos de corrupção e colapso da “nova matriz econômica”, que lançou o Brasil na recessão.

Míriam Leitão - Os jabutis e os números inflados

- O Globo

O programa de emprego para os jovens foi usado pelo governo para pendurar várias outras medidas e depende de um imposto inaceitável

O Congresso tem a tradição de pendurar jabutis nos projetos do governo. Ou seja, assuntos estranhos à matéria tratada. Na proposta para estimular o emprego de jovens, o governo mesmo incluiu os jabutis. O programa não criará quatro milhões de empregos. Isso é ficção publicitária. Mandar a conta para o desempregado é uma ideia tão estranha que o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), já avisou que o Congresso vai encontrar outra receita. Fica assim o parlamento com o ônus de consertar o defeito.

Quando a notícia foi dada pelos repórteres nas redações, os chefes duvidaram. É isso mesmo? Será cobrada uma contribuição de quem recebe seguro-desemprego para financiar um programa de emprego? Exatamente. Agora o Congresso terá que se virar para encontrar outra fonte de receita, do contrário ficará com a fama de ter derrubado um programa de estímulo ao emprego de jovens. A Lei de Responsabilidade Fiscal diz que uma despesa só pode ser criada com indicação dos recursos. Então o governo indicou uma receita inaceitável e jogou a bola quadrada para o Congresso arredondar.

Está certo mirar os jovens porque eles são os mais fragilizados. Entre 18 e 24 anos, a taxa de desemprego é de 25%. O governo formatou o programa para ser até 29 anos, mas com a mesma ideia do Primeiro Emprego lançado pelo PT, em 2003. Desonerar para incentivar a contratação. Os estudos mostraram que o programa não atingiu os objetivos, poderia ser refeito, aprendendo-se com a experiência. Mas o governo quis fazer propaganda política. Chamar de “Programa Verde Amarelo”, uma política que pode ajudar, sim, mas é temporária. Além disso, inflou os números todos e ainda transformou a proposta num jabutizal com a inclusão de medidas para diminuir o percentual de correção de indenização trabalhista, acabar com registros de determinadas profissões, permitir trabalho aos domingos e feriados, alterar jornada dos bancários, mudar regras para multas trabalhistas. Tanto assunto que este jornal chamou apropriadamente de minirreforma trabalhista.

Ascânio Seleme - Os discursos do Lula

- O Globo

Ao sair da cadeia, na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pronunciou dois discursos. Um no acampamento petista em frente à sede da PF, em Curitiba, e outro no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Separei alguns trechos que mostram como funciona o raciocínio de Lula quando a verdade não é a questão mais importante. Acrescentei breves comentários.

Um. “Preciso resistir à canalhice que o lado podre do Estado brasileiro fez comigo e com a sociedade brasileira” — Frase repetida nos dois discursos, pouco antes ou pouco depois de dizer, nos dois momentos, que “aos 74 anos não tenho o direito de ter ódio no meu coração”. Lula também quis confundir a sua figura com a da sociedade brasileira.

Dois. “Quero cumprimentar nosso quase presidente, se não fosse roubado, Fernando Haddad” —Difícil dizer de onde ele tirou isso. Ele falou a frase em Curitiba. No discurso de São Bernardo disse o seguinte: “Esse cidadão (Bolsonaro) foi eleito. Democraticamente nós aceitamos o resultado da eleição”.

Três. “Quero cumprimentar os advogados e também os tesoureiros do PT, Emílio de Souza, futuro prefeito de Osasco. Quero cumprimentar o companheiro Lindbergh, nosso exsenador e, quem sabe, nosso futuro não sei o quê” — Ao mencionar os tesoureiros, citou apenas um e esqueceu os três ou quatro que foram presos. Sobre o futuro de Lindbergh, é difícil entender o que Lula quis dizer.

Ricardo Noblat - Outro vexame do governo Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Política com viés

De duas, uma. Ou escapou à atenção do mais gigantesco sistema de segurança jamais montado em Brasília a ação de um grupo de venezuelanos que tomaram de assalto a embaixada do seu país a poucos quilômetros de distância do Palácio do Planalto, ou então eles contaram para isso com o apoio velado do governo brasileiro.

A segunda hipótese é a mais provável. A região central de Brasília está sob ocupação militar desde que desembarcaram na cidade os presidentes da China, Rússia, Índia e África do Sul, países que juntamente com o Brasil fazem parte do BRICS, o bloco das economias emergentes. Até o espaço aéreo foi interditado.

Para o governo de Jair Bolsonaro, quem preside a Venezuela é Juan Guaidó, o deputado venezuelano autoproclamado presidente do seu país, e não Nicolás Maduro que sucedeu a Hugo Chávez. E foram apoiadores de Guaidó que invadiram a embaixada criando um fato político de larga repercussão internacional.

Por algumas horas, o governo Bolsonaro silenciou diante do que acontecia. Foi tempo suficiente para que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o Zero Três do pai, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, escrevesse no Twitter que a invasão se justificava plenamente.

Maluquice! Ou ignorância de quem se achava credenciado até outro dia para ser embaixador em Washington. O Brasil assinou todos os tratados onde consta que o espaço de uma embaixada é território estrangeiro. Uma extensão do país que aloja, ali, seus funcionários. A polícia só pode pôr os pés por lá se for chamada.

A ONU alertou o governo brasileiro para a gravidade do episódio. O chanceler do governo Maduro manifestou-se no mesmo sentido. Apesar do cerco policial à embaixada, militantes do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e deputados do PT conseguiram entrar para aumentar o salseiro.

Bolsonaro queria pôr Guaidó frente a frente com os chefes de Estado em visita ao Brasil – mas eles se recusaram. A Rússia e a China têm boas relações com Maduro. A Índia e a África do Sul não querem se meter em assuntos alheios. Depois de 13 horas, os invasores abandonaram a embaixada pelas portas do fundo.

Política externa com viés ideológico dá nisso. Nada muito diferente do que já deu na época em que o país foi governado pelo PT.

O grande mudo quebra o silêncio

José de Souza Martins* – Preso do lado de fora

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

No mundo comunitário de Lula, as pessoas têm face e nome. Nenhum outro político brasileiro logra essa façanha. Bolsonaro conhece o Brasil oficial e superficial, do Facebook e do Twitter

A interrupção do cumprimento da pena do ex-presidente Luiz Inácio por decisão de juiz do Paraná, em decorrência da mudança da respectiva jurisprudência pelo STF, muda muita coisa no cenário político brasileiro. O Lula que saiu da cadeia não deveria ser o mesmo Lula que nela entrara em abril de 2018. Muita coisa mudou de lá para cá. A questão é saber o que mudou no processo político que também o tenha mudado.

Seu futuro e do PT e das próprias esquerdas dependem muito da compreensão do assunto que desenvolveram nesse período. Se continuarem com as mesmas polarizações ideológicas e programáticas, não irão a lugar nenhum.

Na cadeia, ele permaneceu como protagonista da política brasileira enquanto fantasma que assombra Bolsonaro e quantos chegaram ao poder no Executivo e no Legislativo em consequência de sua queda e a do petismo. É, também, o fantasma do Judiciário.

Lula do lado de fora da prisão continua preso à trama política da qual a prisão faz parte, que dele não depende, mas que dele exige e a ele impõe um diferente discurso e uma diferente atuação política. De certo modo, ele coloca nessa prisão o próprio Bolsonaro, que não terá como não levar em conta o rumo do imaginário político brasileiro no comportamento do povo. A cadeia de Lula é agora a mediação que dá sentido à política no Brasil. Nela, era um condenado a mais, fora dela é vítima que, aqui, encarna o povo.

Fernando Abrucio* - O reino dos caolhos

Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

O sectarismo tem prevalecido no Brasil, com resultados nefastos para a grande maioria da população

As democracias contemporâneas enfrentam uma situação paradoxal. De um lado, para garantir o bem-estar da sociedade, elas precisam lidar com vários direitos legítimos e tentar compatibilizá-los. É uma tarefa muito difícil, sem um fim ou uma conciliação completa, mas que é inescapável, se se quer construir uma sociedade justa e equilibrada. Só que, por outro lado, há cada vez mais cidadãos e atores políticos que procuram um caminho único para resolver os dilemas coletivos. Centra-se o foco apenas num aspecto em detrimentos dos demais. Assim, em vez de se basear em múltiplos olhares, esse modelo mental opta pelo modo caolho de se fazer política.

O modo caolho constrói diagnósticos e prognósticos unilaterais, apostando que um aspecto é mais importante e determina os demais. É um jogo da economia versus a política, ou dos políticos contra os tecnocratas, da vitória do mercado sobre o Estado, ou de um governo que prescinde da lógica mercadológica. A essa lista, o bolsonarismo incluiu mais uma dicotomia estéril: a dos direitos em contraposição aos deveres. Neste caso, num país tão desigual como o nosso, temo que apenas mais “deveres” aos que têm menos vai significar mais “direitos” aos que têm mais.

A complexidade das sociedades atuais deveria afastar políticos e gestores governamentais de soluções de tipo caolho. Embora não haja uma causa única para os levantes e crises que têm assolado vários países, pode-se perceber que a população quer desfrutar de múltiplos objetivos. Ela deseja estabilidade econômica, melhor saúde e educação, uma velhice digna, mais segurança, mobilidade urbana, redução de burocracias que atrapalham a vida pessoal ou dos negócios, proteção ao meio ambiente etc.

Responder a tantas demandas, não cansarei de repetir aqui, não é simples; contudo, se políticos e gestores públicos procurarem ver o mundo por mais de uma lente e não forem caolhos, pelo menos haverá maior capacidade de evitar ou reduzir os efeitos de crises sociais. Os governos fracassam quando concentram sua visão em somente um aspecto ou lógica de organizar a vida social

O Brasil apresenta exemplos recentes do modo caolho de se pensar a política. As três PECs enviadas recentemente pelo ministro Paulo Guedes está recheada de excessos de economicismos. Pegue-se o caso da proposta de colocar no texto constitucional um adendo à definição dos direitos sociais dos brasileiros. Junto com os direitos à saúde, educação, alimentação, moradia, transporte, entre os principais, quer se acrescentar que tais temas devam se sujeitar “ao direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”.

Maria Cristina Fernandes - Ódio a aliança já tem, só falta o trabalhador

- Valor Econômico

É grande o risco de se ignorar a chance de o programa de geração de emprego ter êxito

Os assuntos mais buscados no Google sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última semana são “Lula expulso de restaurante”, “Lula preso novamente”, “Lula ovada”. Nenhum dos três fatos é verídico apesar de vídeo falso sobre a suposta expulsão ter 2 milhões de visualizações. O perfil das postagens sugere que os vídeos chegam aos usuários de celular por mensagem de WhatsApp e, a partir daí, geram as buscas na internet. O mapeamento da Bites não deixa dúvidas de que a volta do ex-presidente à arena política, além de afetar a estratégia política do presidente Jair Bolsonaro e sua ação de governo, já repagina sua comunicação.

No mesmo período em que a falsa hostilidade ao ex-presidente pontificou, o assunto mais buscado em associação com o presidente Jair Bolsonaro foi “jornada de trabalho”. Entre os cinco Estados em que esta busca mais cresceu quatro são do Nordeste, sugerindo que notícias relativas ao presidente da República e o emprego começaram a circular em grupos de WhatsApp do Nordeste e lá geraram mais buscas. As pegadas deixadas pela movimentação das redes sociais dos últimos sete dias reconstituem o roteiro bolsonarista desde a soltura do ex-presidente: um programa de estímulo à geração de emprego, uma viagem ao Nordeste e uma comunicação miliciana.

Bolsonaro continua imbatível nas redes sociais. Tem 32 milhões de seguidores em quatro plataformas (Twitter, Facebook, Instagram e YouTube), mais de quatro vezes o número de seguidores de Lula. Desde o fim de sua hibernação, porém, o ex-presidente ganhou quatro vezes mais seguidores do que o atual ocupante do cargo, o que explica a acelerada reação governista. Em suas postagens, Lula conseguiu mais compartilhamentos do que o presidente Donald Trump, que enfrenta nas redes a guerra de opinião pública contra o impeachment.

Ribamar Oliveira - O estranho Conselho Fiscal da República

- Valor Econômico

Atribuições parecem ferir a autonomia dos Estados

Uma das grandes novidades da Proposta de Emenda Constitucional 188/2019, também conhecida como PEC do Pacto Federativo, é a criação do Conselho Fiscal da República, que será integrado pelos presidentes dos três Poderes, do presidente do Tribunal de Contas da União, de três governadores e três prefeitos. As atribuições dadas ao conselho, no entanto, parecem ferir a autonomia de Estados, municípios e dos Poderes da República.

A PEC diz que o conselho será “o órgão superior de coordenação da política fiscal” e terá por objetivo “a preservação da sustentabilidade financeira da federação”. Em seguida, diz que compete ao conselho, entre outras atribuições, “monitorar regularmente os orçamentos federais, estaduais e distrital, inclusive quanto à respectiva execução”.

Para monitorar a execução orçamentária de 26 Estados, do Distrito Federal e da própria União, será necessário, evidentemente, criar uma formidável estrutura técnica destinada a fornecer informações e análises aos membros do conselho, cada um deles já ocupado com as atribuições próprias de seus respectivos cargos. A primeira disputa ocorreria na definição da composição do quadro técnico.

O cerne da questão, no entanto, está relacionado à autonomia que a Constituição concede aos Estados e ao Distrito Federal. Com a aprovação da PEC, os governadores passarão a ser “monitorados” regularmente por um conselho, que estará acima das respectivas Assembleias Legislativas e dos tribunais de contas, a quem compete atualmente a responsabilidade de acompanhar e fiscalizar a execução orçamentária das administrações estaduais e distrital.

Os três Poderes da República também têm autonomia para elaborar e executar os seus respectivos orçamentos. Com a aprovação da PEC, eles passarão a ser “monitorados” regularmente pelo conselho, inclusive quanto à respectiva execução orçamentária anual.

Fernando Schüler* - A desigualdade para além da retórica

- Folha de S. Paulo

O problema está nas decisões erradas e na captura do Estado por grupos organizados

Tempos atrás uma jornalista me disse que se preocupar com os mais pobres e não com a desigualdade era uma posição “conservadora”. Eu havia escrito um artigo baseado na visão de James Heckman de que era preciso capacitar e integrar as pessoas à dinâmica do mercado e me perguntava em que sentido isso poderia ser uma posição conservadora.

Na verdade, não é. Trata-se apenas de uma posição pouco sexy, em nossas democracias polarizadas. Falar mal dos mais ricos ou enfileirar gráficos com a diferença de renda entre as pessoas tem muito mais efeito, no mundo retórico, do que pensar com seriedade sobre como melhorar a vida dos mais pobres.

Imaginem a seguinte situação. João Pedro está para nascer e a loteria da vida decidiu que ele irá viver em algum lugar do Piauí. Sua chance de crescer em uma casa com acesso à rede sanitária é de 7%. Se a sorte o tivesse feito descer em algum lugar de São Paulo, seria o inverso: teria mais de 90% de chances de crescer em uma casa com esgoto tratado.

A pergunta a fazer: seu problema é a desigualdade de condições em relação ao seu alter ego paulista ou o fato de não dispor de acesso sanitário?

O Congresso está para votar o novo marco regulatório do saneamento básico. Ele parte de uma constatação básica: o Estado é responsável por 94% da coleta de esgoto do país e perto de metade dos brasileiros está até hoje sem o serviço. A ideia é atrair investimento privado para o setor, via competição e segurança jurídica para contratos de longo prazo.

Maria Hermínia Tavares* - Antes de Evo

- Folha de S. Paulo

Boliviano é o 17º presidente sul-americano a não terminar mandato desde a redemocratização

Ao renunciar, forçado pelos militares, o boliviano Evo Morales tornou-se o 17º presidente sul-americano a deixar o cargo antes do término do mandato, a contar do restabelecimento da democracia na região, no bojo do que viria a se chamar terceira onda democratizadora.

A partir de meados da década de 1980, eleições livres e competitivas tornaram-se a regra de escolha dos governantes numa parte do mundo onde, de há muito, o presidencialismo era a norma. Por essa métrica, a América do Sul deixava para trás um passado de instabilidade política combinada com períodos menos ou mais longos de autoritarismo civil ou militar. E se juntava ao crescente grupo de nações politicamente livres, nas quais Legislativo e Executivo se formavam segundo as preferências do eleitorado, sob a regência das leis.

Entretanto, não foram poucos os presidentes que, eleitos segundo bons preceitos democráticos, tiveram seu mandato encerrado antes do tempo em virtude de renúncia, impeachment ou algum tipo de artimanha golpista: a partir de 1985, foram dois no Paraguai, três na Bolívia e no Equador, dois no Peru, um na Venezuela, dois na Argentina e dois no Brasil. Não se computa aqui Hugo Chávez, que morreu quando ainda estava no governo. As exceções ficam por conta do Uruguai, do Chile e da Colômbia, onde todos os governantes eleitos cumpriram seu mandato constitucional.

Roberto Dias – De Evo a Jeanine

- Folha de S. Paulo

Mesmo nas raras vezes em que vizinho entra no radar, sua tragédia parece pouco importar

A fronteira da Bolívia com o Brasil guarda um povoado que, de tão pequeno, passa anônimo pelo mapa. Surgiu após um incêndio devastar um vilarejo chamado Montevideo. A população reconstruiu as casas num lugar próximo, ao lado de um igarapé. Às margens das ruas de terra, vive-se do comércio de produtos de zona franca.

Quem sai do Acre e chega ali há de ter dificuldade em perceber que atravessou a fronteira. Dificuldade que acaba quando se observa o nome do lugar: Puerto Evo Morales.

Trata-se de homenagem, feita em 2007, ao presidente que assumira no ano anterior. Informado do batismo, ele afirmou: “Companheiros, quero parabenizar-lhes pela decisão”.

A absoluta falta de cerimônia do personalismo político lembra quanto se evoluiu institucionalmente do lado de cá da fronteira, ainda que não pareça —no Brasil, é proibido desde 1977 atribuir nome de pessoa viva a bem público da União.

Bruno Boghossian - O novo recado ao Congresso

- Folha de S. Paulo

Insatisfação pode levar bloco majoritário da Câmara a apoiar Bivar contra Bolsonaro

Os partidos que encabeçam o bloco majoritário do Congresso querem derrubar a medida do governo que acaba com o seguro obrigatório de veículos. Num só movimento, os deputados pretendem dar ao Planalto um sinal claro de insatisfação e estabelecer uma barreira ao uso da caneta presidencial como instrumento de retaliação.

O mundo político impôs alguns limites a Jair Bolsonaro desde que ele assumiu o poder, mas a articulação para vetar o fim do DPVAT carrega um simbolismo particular no momento em que o presidente finaliza seu divórcio com o partido que o elegeu.

A medida provisória que extingue o seguro, editada na segunda (11), atinge em cheio uma empresa do deputado Luciano Bivar, grande rival de Bolsonaro na disputa interna do PSL. A canetada do governo pode tirar da Companhia Excelsior de Seguros uma receita estimada em cerca de R$ 5 milhões por ano.

Mariliz Pereira Jorge - Lula, o incriticável

- Folha de S. Paulo

Pressão para não criticar o petista teve escalada violenta no debate público

Lula, o incriticável. É isso mesmo. Desde o dia em que o ex-presidente ganhou a liberdade, a pressão para que não se critique o petista e seu partido teve uma escalada violenta no debate público, com o intuito de obviamente calar o debate. Não é a hora de apontar erros, contradições, idiossincrasias, porque a democracia corre perigo, pregam seus partidários.

Bolsonaro e companhia já deram motivos de sobra para acreditarmos que seu caráter é despótico. Mas olha que maravilha. Para resguardar a democracia, defende-se que as pessoas se autocensurem porque não é conveniente bater no partido que os "democratas" acham ser a única alternativa ao autoritarismo do governo atual. Deixa ver se eu entendi, a opção a um governo autocrata é uma oposição que não gosta de quem se manifesta livremente se for contra ela?

Não basta ser crítico ao governo, seus desmandos, seus ministros borra-botas, defender que o STF julgue procedente a suspeição de Sergio Moro. É preciso demonstrar apoio irrestrito ao PT e a Lula para não ganhar o selo de "fascista". Apoiadores ficam indignados quando comparações são feitas às duas principais figuras na política do país. Falsa simetria, gritam. Mas o que não faltam são atitudes que colocam Bolsonaro e Lula dentro do mesmo espectro em que habitam líderes populistas.

Vinicius Torres Freire - O novo expurgo do bolsonarismo

- Folha de S. Paulo

Em vez de firmar alianças, presidente faz opção por partido de poucos, bons e fieis

O partido que os Bolsonaro pretendem criar, a “Aliança pelo Brasil”, parece mais um dos movimentos de expurgo e purificação do bolsonarismo, em curso desde a vitória de 2018. Em vez de firmar alianças, criar coalizão mais ampla e expandir um partido, os Bolsonaro e seu comitê central se dedicam a criar uma agremiação de “poucos e bons”, sujeita ao estrito controle político, financeiro e ideológico da família.

Tal plano de depuração não parece compatível com a preocupação de formar coalizão ampla e estável no Congresso ou de criar partido grande o bastante para se tornar âncora no Parlamento, apesar de os Bolsonaro alardearem que terão mais de 100 deputados.

Não é novidade que os Bolsonaro não deem bola para tal assunto. O exclusivismo, porém, tende pelo menos de início a diminuir ainda mais o peso relativo do partido do presidente. Será menor em números, terá menos lugares em comissões e lideranças, que já eram fracas e caóticas. A inconstância deve criar incertezas e desconfianças em potenciais aliados.

Jair Bolsonaro deixou para trás aliados de campanha, ainda na transição. No poder, abateu amigos e aliados com posição de ministros. Mostrou que não haveria “ala militar” capaz de subjuga-lo, de modo decisivo e até surpreendente (inclusive para os militares, dentro e fora do governo). Não se abalou de romper violentamente com dois companheiros de viagem eleitoral, João Doria (São Paulo) e Wilson Witzel (Rio), assim que esses governadores deram indícios de que poderiam ser concorrentes em 2022.

William Waack - No canto da foto

- O Estado de S.Paulo

Potências dos Brics estão no pesado jogo mundial de poder, e o Brasil?

Quando apareceu a sigla Brics, em 2006, pensava-se na redistribuição do poder global para além das potências como Estados Unidos e o bloco europeu. Avaliava-se o novo peso e importância dos “mercados emergentes” ali representados, mas dentro da ordem vigente. De fato, a redistribuição de poder ocorreu e está avançando, mas não pelo que os Brics fizeram como “bloco” de atuação, e não da forma benigna como se imaginava.

É interessante notar que a ênfase recente nos encontros dos líderes do Brics tem sido na cooperação tecnológica e comercial entre eles mesmos, e menos nas fascinantes questões geopolíticas. Nem poderia ser diferente: no retrato dos cinco reunidos em Brasília estão três países (China, Índia e Rússia) centrais na luta atual pela redistribuição de poder global, cada vez mais conflituosa, e dois (África do Sul e Brasil) que jogam na periferia.

Cada um por si, China e Rússia são as grandes forças revisionistas que contribuíram decisivamente para liquidar a “paz profunda” internacional do período de 25 anos que começou em 1989 com a queda do Muro de Berlin e terminou em 2014 com a anexação da Crimeia por Moscou. As posturas agressivas dos “revisionistas”, com forte conteúdo nacionalista, sugerem uma continuidade entre o mundo da Guerra Fria (de 1946 a 1989) e o mundo que ressurge depois desses 25 anos de “paz profunda”, período já batizado de “pós-Guerra Fria”.

José Serra* - Leilões na mudança

- O Estado de S.Paulo

É essencial alterar a legislação para que o petróleo beneficie as futuras gerações

A o olhar as grandes mudanças no setor de petróleo e gás brasileiro é importante rememorar o primeiro ano do governo FHC, quando se retirou o monopólio da Petrobrás da Constituição. Isso possibilitou a sanção da Lei do Petróleo, em 1997, e autorizou a realização dos leilões de blocos para exploração e produção.

A partir daí o mercado de petróleo brasileiro entrou em nova fase. Adotou-se o regime jurídico de concessão, em que as empresas disputam os blocos oferecendo o maior bônus e comprometimento com o conteúdo local. Com o início da produção, as empresas passariam a pagar royalties e participações especiais. O sucesso dos leilões foi total, com a entrada de grandes empresas petrolíferas internacionais e a criação de empresas nacionais voltadas para esse mercado.

O modelo de concessão foi o único utilizado no Brasil de 1999 ao anúncio do pré-sal, em 2008. Nesse período foram realizados nove leilões, com arrecadação de R$ 100,3 bilhões com royalties e participações especiais. Consequentemente, a produção de petróleo nacional mais que dobrou, saindo de 838 mil barris/dia em 1997 para 1,8 milhão de barris/dia em 2008. As reservas comprovadas saltaram de 7 bilhões para 12,8 bilhões.

Zeina Latif - Não há atalhos

- O Estado de S.Paulo

A taxa de desemprego está em 26% para indivíduos entre 18 e 24 anos

A economia ganha tração, aumentando as chances de o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano acelerar (estimamos 2,1%). No entanto, a redução da taxa de desemprego será provavelmente lenta, pois há fatores preocupantes que limitam o aumento do emprego.

Primeiro, aparentemente, as empresas ainda têm um contingente relevante de empregados que são subutilizados. A razão entre a produção de bens e serviços e o pessoal ocupado está em patamares muito abaixo daqueles do pré-crise, sugerindo haver espaço para aumento do PIB sem abrir muitas vagas de trabalho.

Segundo, o baixo crescimento do PIB favorece particularmente as grandes empresas, que são mais produtivas e utilizam crescentemente tecnologias poupadoras de mão de obra para se manterem competitivas.

Terceiro, a taxa de desemprego estrutural (reflete fatores como a qualidade da mão de obra e a rigidez e as fricções no mercado de trabalho) provavelmente elevou-se nos últimos anos, por conta da crise prolongada. Indivíduos que estão desocupados há muito tempo (40% há mais de um ano) e jovens que não conseguem emprego na idade esperada têm sua empregabilidade reduzida pela falta de treinamento. Como se não bastasse, muitos talentos emigram do País. Não são incomuns relatos de empresários sobre as dificuldades para contratar mão de obra qualificada, mesmo com o elevado desemprego.

O economista-sênior da XP Investimentos, Marcos Ross, estima que a taxa de desemprego estrutural está em torno de 10,5%, ante 7% registrada em 2012, não tão abaixo da taxa de desemprego corrente de 12%. Vale registrar que, se assim for, a ociosidade do fator trabalho não estaria tão elevada quanto se imagina, o que significa que o Banco Central teria de reavaliar os níveis inéditos de taxa de juros mais cedo do que se imagina.

Populismo político não pode derrubar presunção de inocência, dizem advogados

Juristas, constitucionalistas e penalistas rechaçam avanço de PECs no Congresso pela prisão após condenação criminal em segunda instância e para driblar decisão do Supremo que enterrou medida

Pepita Ortega e Pedro Prata | O Estado de S. Paulo

A Câmara deu início nesta terça, 12, à discussão das PECs (Propostas de Emenda Constitucional) que, se aprovadas, permitirão a prisão após condenação criminal em segunda instância. Mas especialistas do Direito contestam a criação de uma PEC neste caso. Como o advogado Daniel Gerber, mestre em Direito Penal e Processual Penal. “Uma PEC é algo absolutamente equivocado na medida em que emenda constitucional não pode alterar cláusula pétrea.”

“Se fôssemos mexer no conceito da presunção de inocência teríamos que alterá-lo através de uma nova Constituinte”, sustenta Gerber.

Para o advogado, também não é possível mexer no artigo 283 do Código de Processo Penal, que vincula a prisão ao trânsito em julgado da sentença condenatória, ‘já que este artigo acabou de ser declarado constitucional pelo STF’.

“A saída adequada, portanto, é uma lei ordinária, que antecipe o trânsito em julgado de uma causa para a segunda instância”, sugere. “Ou seja, na segunda instância o processo estará terminado. Nessa ótica, os recursos constitucionais passarão a ser ações autônomas de impugnação. A pessoa poderá recorrer aos tribunais superiores, mas por meio de ações autônomas de impugnação.”

Para o advogado, porém, toda essa análise sobre a antecipação do trânsito julgado só é válida se fizer parte de um projeto muito maior de despenalização e descriminalização de inúmeras condutas do Código Penal.

“A verdade é que no Brasil se pune muito com pena de prisão delitos que jamais deveriam levar alguém ao cárcere”, considera Daniel Gerber.

Segundo ele, ‘dentro de uma política despenalizadora ficaria de bom tom adiantarmos o trânsito em julgado para a segunda instância, mas apenas dentro desse contexto’.

O advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni considera ‘razoável a indignação do público leigo acerca da recente decisão do STF, que proíbe a prisão após condenação criminal em segunda instância’.

Mas ele argumenta. “O fato jurídico indiscutível é que o legislador constituinte originário optou por adotar regra garantista inabalável, no campo dos direitos e garantias fundamentais, segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

Adib Abdouni avalia que ‘as propostas de congressistas para alterar o texto constitucional por meio de Emenda à Constituição, de modo a autorizar a prisão após condenação em segunda instância, não merecem reflexão maior a respeito de sua correção ou não do ponto de vista jurídico’.

“São iniciativas impróprias, e, sobretudo, inconstitucionais, por vício insanável que as acomete já em seu nascedouro”, afirma.
Para Abdouni, ‘tal alteração só pode ser feita por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte’.

POPULISMO POLÍTICO
Para o constitucionalista, o entendimento favorável à execução provisória da pena ganha ‘contornos de populismo político em nítida subversão da ordem jurídica, tornando tábula rasa um dos mais fundamentais mandamentos constitucionais de proteção do indivíduo, em combate ao arbítrio e ao abuso do Estado punitivo: a presunção de não culpabilidade’.

O que a mídia pensa – Editoriais

Desempregado paga a conta – Editorial | O Estado de S. Paulo

Meter a mão no bolso do desempregado foi a solução encontrada pelo governo para bancar os incentivos à criação de empregos para jovens de 18 a 29 anos. Ninguém pode prever com segurança quantos empregos serão criados, mas o governo sairá no lucro, certamente, se prevalecerem as condições anunciadas. Se der tudo certo e os contratos chegarem a 1,8 milhão em cinco anos, o custo dos incentivos será de R$ 10 bilhões, segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. No mesmo período, a arrecadação de 7,5% sobre o seguro-desemprego poderá ficar entre R$ 11 bilhões e R$ 12 bilhões. Bom negócio, de toda forma, com ou sem abertura das vagas previstas nos cálculos oficiais.

Fracassaram todos os programas anteriores de expansão do emprego com base em redução de encargos empresariais. O último fracasso, o maior e mais custoso de todos, foi o do programa de desonerações implantado na gestão da presidente Dilma Rousseff. O fracasso, naturalmente, ocorreu somente do lado das contratações. Para as empresas foi obviamente lucrativo.

O plano agora proposto poderá produzir ganhos menos concentrados. Os benefícios valerão para as empresas somente se houver de fato contratações segundo o figurino previsto. Os custos oficiais serão cobertos pelos 7,5% de contribuição previdenciária cobrados sobre o seguro-desemprego. Não haverá perda nas contas oficiais e algum ganho poderá sobrar. E, a propósito, como ficarão os trabalhadores?

Os jovens de 18 a 29 anos contratados pela primeira vez poderão receber no máximo 1,5 salário mínimo, se forem seguidas as condições do programa. O contrato terá prazo máximo de dois anos. As empresas poderão ter até 20% de seus funcionários nessa modalidade e serão proibidas de usar esses contratos para substituir pessoal já empregado. Nada de voracidade excessiva, portanto. Os empregadores já poderão ganhar com os incentivos previstos. Ficarão livres da contribuição patronal para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), das alíquotas do Sistema S e do salário-educação. Se demitirem sem justa causa os novos contratados, terão de pagar multa de 20% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em vez dos habituais 40%, mas para isso terá de haver acordo na contratação.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - A excitante fila do feijão

Larga, poeta, a mesa de escritório,
esquece a poesia burocrática
e vai cedinho à fila do feijão.

Cedinho, eu disse? Vai, mas é de véspera,
seja noite de estrela ou chuva grossa,
e sem certeza de trazer dois quilos.

Certeza não terás, mas esperança
(que substitui, em qualquer caso, tudo),
uma espera-esperança de dez horas.

Dez, doze ou mais: o tempo não importa
quando aperta o desejo brasileiro
de ter no prato a preta, amiga vagem.

Camburões, patrulhinhas te protegem
e gás lacrimogêneo facilita
o ato de comprar a tua cota.

Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
não o leves a mal: é por teu bem.

O feijão é de todos, em princípio,
tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.

Bocas oitenta mil vão disputando
cada manhã o que somente chega
para de vinte mil matar a gula.

Insiste, não desistas: amanhã
outros vinte mil quilos em pacotes
serão distribuídos dessa forma.

A conta-gotas vai-se escoando o estoque
armazenado nos porões do Estado.
Assim não falta nunca feijão-preto

(embora falte sempre nas panelas).
Método esconde-pinga: não percebes
que ele torna excitante a tua busca?

Supermercados erguem barricadas
contra esse teu projeto de comer.
Há gritos, há desmaios, há prisões.