terça-feira, 19 de novembro de 2019

Opinião do dia – Carlos Melo*

Em 2018, o centro foi visto como fisiológico e acabou pulverizado em candidaturas pequenas. Em um momento como o atual, este centro não pode simplesmente ser um meio-termo entre direita e esquerda. É preciso firmar uma tese original e, mais do que isso, ter expressão política.

Diante de dois atores com personalidade tão forte como Bolsonaro e Lula, o centro também precisa de alguém que seja contundente, o que não significa sair xingando todo mundo. É preciso um rosto que deixe muito claro a que veio. Apenas abraçar uma agenda reformista não transformará um candidato em um nome de centro.

Além do lado programático, é uma questão de forma também: se apresentar como alguém que não é populista, que respeita a Constituição, que não opera com maniqueísmos do tipo “nós contra eles”. Se o tal do centro não assumir o que ele é, nem disser o que não aceita de jeito nenhum, não vai se colocar como alternativa.

O antibolsonarismo e o antipetismo são maiores, hoje, do que o PT e o Bolsonaro. Quem disse que não é possível, para um candidato que se apresenta como centro, que consiga votos nos terços do eleitorado mais fiéis a Lula e a Bolsonaro? No entanto, sem uma crítica muito clara a ambos e sem um rosto que sirva de referência, o centro ficará esmagado entre os dois lados.

Uma estratégia para atrair segmento dos eleitores moderados é evitar radicalização do discurso

*Carlos Melo, cientista político, O Globo, 17/11/2019

Luiz Carlos Azedo - Supremo no pelourinho

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“No confronto inédito entre o Supremo e o Ministério Público, Toffoli era o homem mau e Aras, o mocinho. Todo apoio à Lava-Jato é uma ideia-força na sociedade, com viés jacobino”

O choque entre o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, incendiou a conjuntura política, às vésperas do julgamento da polêmica liminar a favor do senador Fávio Bolsonaro (RJ), que sustou também cerca de 935 investigações policiais com base em dados do Coaf, obtidos sem autorização jundicial, entre as quais a do famoso caso Queiroz, que investiga ligações do filho do presidente Jair Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. Toffoli foi para o pelourinho das redes sociais, sendo duramente questionado por uma decisão que muitos consideram um “abuso de poder” e que será examinada amanhã pelo plenário do Supremo. Na noite de ontem , Toffoli recuou e suspendeu a decisão que lhe dava acesso a informações financeiras de 600 mil pessoas.

Em 25 de outubro, ele pediu a Receita Federal cópia de todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) elaborados nos últimos três anos pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). No entanto, no dia 15 deste mês ele recebeu uma chave de acesso para consultar 19 mil RIFs. O magistrado entendeu que os dados repassados são suficientes e não exigem análise do montante global de relatórios. Antes de anunciar a nova decisão, Toffoli se reuniu no STF com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça.

Ao confrontar Dias Toffoli, num movimento que consolida sua liderança interna no Ministério Público Federal (MPF), Aras ofusca a força-tarefa da Lava-Jato, mas gera mais tensão política no país. Escolhido por um “dedazo” do presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral não fazia parte da lista tríplice indicada pela corporação, após eleiçao interna. Sua nomeação foi muito contestada internamente, porém, teve amplo respaldo político no Congresso. Agora, o novo procurador-geral atua como quem quer demonstrar que não está à sombra de ninguém. De certa forma, ao se insurgir contra Toffoli, defende a revogação da decisão que blindou o filho do presidente da República. É um jogo pesado, que mobiliza a opinião pública, formadores de opinião e movimentos cívicos contra o presidente do Supremo, mas expõe também o flanco do clã Bolsonaro.

Merval Pereira – Faro político

O Globo

O fantasma do Chile e das manifestações de 2013 no Brasil faz com que Bolsonaro mande Guedes tirar o pé do acelerador

O tempo da política não é o mesmo do da economia, às vezes pode acelerar as medidas econômicas, outras retardá-las, como está acontecendo agora.

O presidente Bolsonaro deu a deixa ao dizer que a reforma administrativa vai demorar “um pouquinho mais”, e perguntar: “Pra que tanta pressa?”. A pergunta não é uma simples ironia do presidente, mas a revelação de um estado de espírito.

Foi o mesmo recado que passou ao ministro da Economia, Paulo Guedes, mandando que não vá com tanta sede ao pote. O faro de Bolsonaro indica que o momento político na América do Sul não está para reformas que provoquem a percepção de risco aos direitos, especialmente os dos servidores públicos.

O fantasma do Chile e das manifestações de 2013 no Brasil faz com que Bolsonaro mande Guedes tirar o pé do acelerador. Lá como cá, a motivação foi o aumento da tarifa dos transportes públicos, que levou os estudantes às ruas.

Como em Santiago agora, porém, a repressão policial considerada pela opinião pública como excessiva foi a faísca que desencadeou a adesão maciça das populações de diversas cidades e estados, ampliando a pauta dos protestos em reivindicações latentes, como o combate à corrupção e a melhoria dos serviços públicos em geral.

Carlos Andreazza – O Partido da Família

- O Globo

Às pressas, no improviso, Jair Bolsonaro anunciou a criação de um partido. Essa celeridade tocada nas coxas me mobilizou o ceticismo. Talvez aquele movimento repentino tivesse por impulso antecipador alguma informação privilegiada — quem sabe algum novo (ou velho) escândalo laranja ainda desconhecido na planície? O presidente sempre se mostrou muito hábil, frio, na arte de se desvincular. É um mestre da instrumentalização e do descarte.

Aí está, pois, a Aliança pelo Brasil, por ora modesta carta de intenções (para lavar imagens), a ser um teto para abrigar o bolsonarismo raiz — segundo se divulgou, uma legenda forte, orgânica, programática. Será? Que Bolsonaro monte um partido, vá lá. Precisará mesmo de um para si e sua corte. Que seja um com vida, com dinâmica, duvido. Minha desconfiança tem lastro nos fatos, na história.

Ele já esteve em quase dezena de partidos. Em cerca de 30 anos de vida pública, nunca se envolveu com qualquer deles. Nunca. Ao contrário: sempre cultivou o distanciamento do sistema partidário como, em consonância com o espírito do tempo, chancela de pureza e ativo eleitoral —argumento antipolítico influente que compôs um dos pilares de seu sucesso em 2018. Afinal, o homem não se misturava. Não era essa a propaganda constitutiva do mito? Assim, no curso dessas três décadas, sem exceção, o atual presidente, tapando o nariz, tratou (e trocou de) partido — não importa qual — como mero mecanismo formal, uma exigência burocrática para se disputar eleição.

Não foi diferente na relação com o PSL. Lembremos. Bolsonaro, por meio de Gustavo Bebianno, alugou o partido de Luciano Bivar. Teria, sob seu absoluto controle durante o processo eleitoral, a base de que precisava para competir; pela qual, porém, jamais empreenderia o mais mínimo esforço de qualificação. E devolveria um partido com bancada parruda e, portanto, dinheiro na conta. Business. Em termos de caráter, o PSL sai do acordo como entrou: sem.

Bernardo Mello Franco - O atestado do desastre

- O Globo

Desde a campanha, Bolsonaro promete facilitar a vida dos desmatadores. No poder, ele se aliou aos madeireiros e passou a hostilizar líderes indígenas e ambientalistas

Não cabia mais ninguém no auditório da Fiesp. Numa noite fria de junho, o presidente cantou o Hino Nacional, posou para fotos e ganhou uma medalha dos capitães da indústria. Depois caminhou até a tribuna e passou a elogiar o ministro do Meio Ambiente.

“O Ricardo Salles é um homem que está no lugar certo”, exaltou. “Os produtores rurais, cada vez mais, têm menos medo do Ibama. Eu paguei uma missão para ele: ‘Mete a foice em todo mundo’. Não quero xiita ocupando esses cargos”, prosseguiu.

A plateia interrompeu o discurso com aplausos. Animado, Jair Bolsonaro continuou a enaltecer o ministro. “Não podemos ter uma política ambiental como tínhamos há pouco tempo”, disse. Em seguida, esbravejou contra a demarcação de terras indígenas e prometeu acabar com a “indústria de estações ecológicas”.

Ontem o Inpe divulgou os dados do Prodes, que mede a taxa anual de desmatamento da Amazônia. A devastação chegou a 9.762 quilômetros quadrados, o pior resultado desde 2008. Em 12 meses, o Brasil perdeu o equivalente a um Líbano de florestas.

Míriam Leitão - O erro é deles a conta é nossa

- O Globo

Dados do Prodes confirmam o retrocesso no meio ambiente. Governo fez um ataque frontal à proteção e deu sinais de que o Estado estimula o desmatamento

O governo Bolsonaro foi alertado, mas desprezou os alertas. Mais do que isso, ameaçou e constrangeu os cientistas e os servidores dos órgãos de controle que avisaram sobre o aumento do desmatamento. Ontem, o dado anual do Prodes saiu e mostrou um enorme retrocesso: o Brasil desmatou quase 10 mil quilômetros quadrados em um ano. O erro é do presidente e do seu ministro do Meio Ambiente, mas o preço é pago por todos nós, porque é nosso o patrimônio que foi destruído.

As florestas das áreas de conservação, das terras públicas sem destinação, dos territórios indígenas pertencem aos brasileiros. O governo é apenas o síndico. E ele foi irresponsável quando estimulou por atos e palavras as invasões, atacou a credibilidade do Inpe, exonerou o diretor, foi se solidarizar com desmatadores e invasores, constrangeu funcionários do Ibama e ICMBio e paralisou o Fundo Amazônia. Esses sinais foram dados pelo presidente Bolsonaro ainda candidato e ficaram mais explícitos depois da eleição. O ministro escolhido por ele, Ricardo Salles, tem sido insistente no trabalho de desmonte dos órgãos do Ministério do Meio Ambiente.

O Brasil já teve anos de desmatamento maior. Mas o que funcionou foi unir os esforços de pessoas, órgãos e instituições que lutam pela proteção do patrimônio coletivo do bioma amazônico. Foi fundamental, tanto no surto de desmatamento de 1996, no governo Fernando Henrique, quanto no de 2004, no governo Lula, a qualidade da resposta da autoridade pública. FH elevou a área da reserva legal e fez a lei de crimes ambientais. 

José Casado - Um general de US$ 20 bilhões

- O Globo

Ele passou os últimos cinco anos numa vida discreta, encoberto como diplomata, mantendo quatro mil quilômetros de distância da tragédia humanitária que ajudou a construir no seu país, a Venezuela.

Em Brasília poucos sabem, mas Manuel Antonio Barroso Alberto, 51 anos, adido militar no Brasil da cleptocracia comandada por Nicolás Maduro, é protagonista de um dos maiores escândalos financeiros da década: o sumiço de US$ 20 bilhões (ou R$ 84 bilhões) das reservas cambiais venezuelanas.

A fraude aconteceu no governo Hugo Chávez, entre 2006 e 2013, durante a euforia das exportações de petróleo a preços recorde — o barril chegou a US$ 120. Barroso era coronel e presidia a Comissão de Administração de Divisas (Cadivi), órgão que autorizava empresas a remeter dólares ao exterior.

Em 2012 o Banco Central venezuelano estimou em US$ 20 bilhões o valor das licenças cambiais “sem justificativa” dadas por Barroso. As “importações fictícias”, via empresas-fantasmas, foram confirmadas pelos ministros Jorge Giordani (Planejamento) e Edmée Betancourt (Indústria e Comércio). Anunciou-se um “rigoroso inquérito”, o ditador Maduro extinguiu o Cadivi, demitiu Barroso, depois o promoveu a general e mandou-o a Brasília como adido militar.

Ricardo Noblat - Na Amazônia devastada o pior ainda está por vir

- Blog do Noblat | Veja 

Cresce a destruição
Em junho último, quando o fogo tomou conta de uma parte da Amazônia e incendiou os ânimos dos que mundo a fora se preocupam com o futuro da maior floresta natural do planeta, qual foi a reação do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo?

Culpar organizações governamentais de origem estrangeira pelo desastre mais do que anunciado. Denunciar governos de países interessados em tomar a Amazônia dos brasileiros. Demitir o presidente do Instituto de Pesquisas Espaciais.

Como Emmanuel Macron, presidente da França, foi o primeiro chefe de Estado a dizer que a Amazônia estava sendo devastada, Bolsonaro bateu boca com ele e acabou por reforçar uma ofensa feita à sua mulher nas redes sociais. Um vexame sem precedente.

E agora? Bolsonaro jogará em quem a culpa pelo aumento de 29,5% em relação aos 12 meses anteriores da área devastada da Amazônia entre agosto do ano passado e 31 de julho último? Desastre maior só ocorreu em 1998 quando o aumento foi de 31%.

O problema está nas alianças preferenciais dos Bolsonaros, pai e filhos. No Rio, pelo menos, a aliança deles é com os milicianos, donos de parte da cidade. Na Amazônia, com garimpeiros, madeireiros e grileiros de terras a quem protegem.

São mais 9.762 quilômetros quadrados de área desmatada, o equivalente a 1 milhão e 300 mil campos de futebol, 20% a mais que a região metropolitana de São Paulo. O resultado está em linha com um governo que só tem dado as costas ao meio ambiente.

O pior ainda está por vir quando forem divulgados os dados sobre a destruição da Amazônia nos últimos três meses. É o período onde a floresta costuma arder mais. Tudo o que o governo prometa para reparar o mal deve ser encarado com justa desconfiança.

Andrea Jubé - “Quem corre contra o relógio é o partido”

- Valor Econômico

APB poderá repetir o roteiro da criação do PSD

A criação do Partido Social Democrático (PSD) em 2011 foi uma corrida de três mil metros com barreiras completada em tempo recorde. No meio do percurso teve greve de três meses da Justiça Eleitoral, impugnações dos partidos adversários no plano nacional e estadual e até bate-boca de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a 15 dias do prazo para que a legenda disputasse o pleito municipal de 2012.

Para repetir a proeza na criação do Aliança pelo Brasil (APB) em quatro meses, o presidente Jair Bolsonaro terá de incorporar o “Cavalão”, apelido que o consagrou na Academia das Agulhas Negras (AMAN), inclusive pela velocidade nas provas de atletismo. Ele só não quebrou o recorde do então contemporâneo de academia, o ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz que ostenta a marca de 3,6 quilômetros em 12 minutos.

Em 2011, a corrida contra o tempo irritou o ministro Marco Aurélio Mello, autor do único voto contrário ao registro do PSD ao fim do julgamento no TSE. Com a influência política do então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, na linha de frente do novo partido, o processo correu a toque de caixa nos escaninhos da Corte: 35 dias.

“Quem corre contra o relógio é o partido, não o tribunal”, protestou Marco Aurélio durante os debates. “Não podemos conceber que se deva aprovar, e de cambulhada, um partido político em seis meses”!

Os ministros discutiam se as certidões expedidas pelos cartórios eleitorais equivaleriam às emitidas pelos tribunais regionais eleitorais (TREs), como exigia a lei. Então presidente da Corte, o ministro Ricardo Lewandowski observou que a paralisação da Justiça Eleitoral dificultou a obtenção dos documentos pelo partido. “Existem formalidades. Se flexibilizarmos o que está em nossa resolução ficará aberta a porta para adotar-se o mesmo procedimento quanto a outros pedidos”, protestou Marco Aurélio.

Robinson Borges - O quarto poder e a democracia

- Valor Econômico

Para ser democracia, temos de ser plurais, o que só se dá, de fato, com liberdade de expressão e uma imprensa independente, que, mesmo imperfeita, não disputa poder, defende o presidente do Supremo

Depois de dar o seu voto decisivo e promover uma reviravolta no entendimento que permitia a execução da pena de prisão para condenados em segunda instância, Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi passar o fim de semana na calma Ilhabela, no litoral de São Paulo. Descontraído, vestindo calça de abrigo e camiseta, ele reuniu-se com um grupo de intelectuais na casa de Sonia e Tércio Sampaio Ferraz, um dos grandes mestres do Largo São Francisco, para discutir o quarto poder e a democracia.

Apesar do horizonte idílico, o tom às vezes era grave. “Não existe democracia sem imprensa livre. Não existe democracia sem liberdade de expressão”, disse Toffoli. “Para ser democracia, nós temos de ser plurais. Para sermos plurais, nós temos três funções de poder, mas é necessário que a sociedade tenha uma voz. A sociedade tem sua voz via imprensa.”

Os encontros promovidos pelos Sampaio Ferraz são conhecidos como seminários da Feiticeira, em homenagem à praia onde o casal tem casa. Entre os convidados, a preocupação era sobre a extensão dos efeitos colaterais das novas mídias sobre a democracia.

O ambiente se transforma radicalmente com as plataformas digitais, as milícias virtuais e a proliferação de notícias falsas, concluíram. Toffoli, que abriu inquérito para apurar notícias fraudulentas que atingem o STF e seus familiares, afirmou que as “fake news” têm um propósito: “Fazer com que ninguém acredite em mais nada, porque alguém vai substituir esse nada”.

Eliane Cantanhêde - Morde e modula

- O Estado de S.Paulo

Sob pressão, STF discute com demais Poderes 'modulação' de decisões incômodas

A sensação em Brasília é de que todos estão, ou estamos, paralisados e com a respiração suspensa à espera de quarta-feira, quando o Supremo começa a discutir e pode até concluir o julgamento sobre o que o Ministério Público e a Polícia Federal podem ou não fazer com dados de milhares ou milhões de cidadãos na Unidade de Inteligência Financeira (UIF, ex-Coaf).


Essa decisão diz respeito não só aos milhares de alvos de processos que fizeram festa com a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, mas também à força-tarefa da combalida Lava Jato, aos órgãos de investigação em geral e à própria sociedade brasileira, exausta com a impunidade.

Quatro meses depois de parar quase mil investigações, Toffoli repete uma prática que vai se tornando corriqueira em julgamentos de grande impacto: a busca de uma tal de “modulação” – que no fim não dá certo. Fala-se muito em modular, mas na hora “H” não se modula nada. Melhor exemplo: o drástico recuo, por um voto, na prisão após segunda instância. Sem meio-termo, a decisão foi pura, direta. E tirou Lula da prisão.

O que é “modulação”? É a tentativa de votar a favor dos investigados e contra a vontade da sociedade, mas tentando maneirar e reduzir a avalanche de críticas. Ou seja: o STF se prepara para decidir contra o compartilhamento de dados, tão importante para o trabalho do MP e da PF, mas já pedindo desculpas e amenizando a decisão. Além de dividir responsabilidades.

José Goldemberg* - As universidades e um projeto para a Nação

- O Estado de S.Paulo

Há que estimulá-las a fazer estudos e debates sobre os grandes problemas nacionais

O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, fez no evento O que é o Poder?, realizado em outubro por este jornal, uma declaração contundente sobre o papel que as corporações e a burocracia ocupam hoje no cenário político do País. “Nós não temos uma elite nacional. A burocracia ocupou este espaço. Infelizmente, os partidos políticos não fazem projetos de nação. Infelizmente, as universidades não fazem projetos de nação”, disse ele.

Há tempos não se ouve no Brasil um chamado tão importante como este para que as universidades ocupem um papel mais importante no cenário nacional. O que temos visto, ao contrário, são, por um lado, declarações desarrazoadas e até truculentas de ministros da Educação desqualificando as universidades públicas e, por outro, grupos parassindicais dentro delas concentrados na defesa de seus interesses corporativos.

Sucede que universidades não são apenas locais em que se aprende uma profissão, mas um espaço em que se tenta entender o mundo que nos cerca, tanto do ponto de vista físico como humano e social.

Foi assim que elas surgiram, há mais de 800 anos Começando com a Universidade de Bolonha, em 1088, onde grupos de estudantes de várias regiões da Europa se agruparam em torno de grandes professores estudando humanidades e Direito Civil.

Pedro Fernando Nery* - Esmagados pelo presente

- O Estado de S.Paulo

Para o papa Francisco, o elevado desemprego jovem é problemático não apenas pela falta de trabalho em si, mas pela falta de esperança

No 1.º ano de seu papado, Francisco apontou como o problema mais urgente que a Igreja enfrentava um tema surpreendente. Era o desemprego dos jovens, também apresentado como um dos mais sérios males do mundo atual. Em mais de uma ocasião o pontífice ecoou a preocupação, apontando o risco de uma “geração perdida” e criticando uma sociedade que descartava os jovens.

Para o papa, o elevado desemprego jovem é problemático não apenas pela falta de trabalho em si, mas pela falta de esperança. Os jovens foram “esmagados pelo presente”. Ao contrário das pessoas mais velhas, não têm lembranças para recordar. Mas tampouco teriam um amanhã para ansiar, como deveria ser na juventude. “Você me diz: é possível viver esmagado sob o peso do presente? Sem uma memória do passado e sem o desejo de olhar adiante para o futuro para construir algo, um futuro? Você conseguiria ir adiante assim?”

Se a crise do desemprego jovem na Europa chamou atenção até do Vaticano, os esmagados seguem largamente menosprezados por aqui. Nas eleições de 2018, tiveram protagonismo, excepcionalmente, apenas na ideia da “carteira de trabalho verde e amarela”. O plano foi apresentado na semana passada e, apesar de desidratado, foi recebido com antipatia pela opinião pública.

A taxa de desemprego ainda é de 27% entre os jovens de 18 a 24 anos. Apesar de alguma melhora desde o pior da crise, ela ainda supera 30% em vários Estados do Nordeste e do Norte. Mesmo no período áureo do mercado de trabalho, sempre foi o dobro da taxa geral, e nunca cedeu abaixo de 14%. Os jovens são, de longe, os mais afetados pelo desemprego. Sem experiência, qualificação ou contatos, são também embarreirados pelas mesmas regras trabalhistas dos demais – ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos.

Hélio Schwartsman - Cadeia para os corruptos?

- Folha de S. Paulo

A sociedade não ganha nada encarcerando pessoas que não representem perigo físico a outros cidadãos

Nunca achei que a cadeia fosse lugar para Lula e fico feliz que ele tenha sido solto. Daí não decorre que o considere inocente. Não dá para aceitar como ético o comportamento do líder político que, com forte influência sobre o governo, aceita de empreiteiros presentes no valor de várias centenas de milhares de reais. Se a lei não inibe esse tipo de atitude, é a lei que está errada.

Meu ponto é que o sistema de Justiça precisa ser capaz de identificar situações como essa e dar-lhes uma resposta jurídica, na forma de condenações. Não creio, porém, que a restrição da liberdade seja a pena adequada para casos de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência ou qualquer outro crime cuja execução não envolva o uso ou a ameaça de violência.

A sociedade não ganha nada encarcerando pessoas que não representem perigo físico a outros cidadãos. Mas, se a minha tese é verdadeira, como acho que é, por que tanta gente fica indignada à simples menção da ideia de que corruptos (e traficantes, estelionatários etc.) não devem ir para a cadeia?

Ranier Bragon - A revolução liberal no lombo dos trabalhadores

- Folha de S. Paulo

Taxar desempregados é a última dos que só querem botar mais pão na sua mesa

“Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo.” A lapidar frase do ministro Paulo Guedes, dada em entrevista à Folha, certamente merece estampar a fachada do memorial que ainda há de ser erguido em homenagem a esses bravos homens que paulatinamente desentulham a legislação trabalhista brasileira com o único intuito de colocar mais pão na mesa do trabalhador.

Há três anos e meio, desde que o centro-esquerdista —segundo Guedes— Michel Temer (MDB) assumiu, empresários têm obtido seguidas vitórias, todas embaladas pelo discurso de que, livres das amarras da caquética CLT, ampliarão investimentos e contratarão a torto e a direito.

A reforma trabalhista de Temer foi anunciada como o bilhete de entrada no éden. Curiosamente —fenômeno semelhante se deu com a atual reforma da Previdência—, algum tempo depois os bravos lembraram-se de dizer que a coisa, por si só, não faria milagre. Se nada ocorreu como o anunciado é que não se fez tudo aquilo que deveria ter sido feito.

Pablo Ortellado* - Sem autocrítica

- Folha de S. Paulo

Postura de Lula reivindicando protagonismo e se negando à autocrítica é má notícia para a esquerda e para o país

Em seu primeiro discurso à militância do partido em Salvador, Lula disse que o PT vai polarizar e que o partido não vai fazer autocrítica —que se alguém quiser criticar, que o faça da oposição a ele.

O discurso é péssima notícia para a esquerda e para o país.
A dupla mensagem tem algo de redundante. Ao dizer que o PT vai polarizar, Lula sugere que o partido vai jogar todo o seu peso contra qualquer contestação substantiva da sua hegemonia sobre a esquerda. Quem vai estabelecer a linha de antagonismo com o bolsonarismo é ele e o partido que controla.

A segunda parte apenas esclarece que, na sua dimensão propositiva, esse antagonismo não vai admitir uma revisão de trajetória —vai defender o legado do projeto implementado entre 2002 e 2015 e vai empurrar quem criticá-lo para o outro campo.

Essa postura dogmática é ruim, mas fica pior se lembrarmos que não existe mais a conjuntura internacional que permitiu o sucesso daquelas políticas, o que significa que, caso a esquerda lulista triunfe, corremos o risco de reviver os erros, sem garantia de resgatar os acertos.

Alvaro Costa e Silva - Guerra do emprego

- Folha de S. Paulo

Para dar aos jovens, governo nega aos velhos

Em suas memórias, Adolfo Bioy Casares conta que, ao ver num restaurante um velho de cabelo pintado, pensou em escrever um ensaio sobre a decrepitude. Movida pelas artimanhas da imaginação, a ideia acabou se transformando num relato fantástico, em que jovens atléticos e cruéis perseguem, durante uma semana de insanidade, velhos flácidos e mansos, os quais são chamados por seus algozes de "porcos".

Lançado em 1969, a novela "Diário da Guerra do Porco" é uma espécie de manual do extermínio --jovens pobres matando velhos pobres em uma cidade havida como civilizada: Buenos Aires. Se a ação se desenrolasse no Rio de hoje ou em São Paulo, alguém se espantaria?

Como notou Antonio Callado num artigo publicado na Folha em 1995, Bioy Casares poupa o leitor ao não descrever os linchamentos. Mas sugere causas possíveis para o horror: "Calcule o número de velhos que se acumularão e o peso morto de sua opinião no manejo da coisa pública. Acabou a ditadura do proletariado para dar lugar à ditadura dos velhos. O que me irrita nessa guerra do porco é o endeusamento da juventude".

O que a mídia pensa – Editoriais

Hora de decidir – Editorial | Folha de S. Paulo

Cabe ao STF pôr fim à indefinição criada por Toffoli sobre dados sigilosos

Não é de hoje que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, se mostra empenhado em restringir o acesso de procuradores e policiais a informações sigilosas detidas pelo governo.

Em julho, o magistrado mandou suspender todas as investigações em andamento no país baseadas em dados transmitidos automaticamente por órgãos de controle, sem autorização judicial prévia.

Em outubro, Toffoli determinou que o Banco Central e a Receita Federal lhe mandassem cópias de todos os relatórios enviados a investigadores nos últimos três anos, argumentando que a providência era necessária para verificar a legalidade do acesso aos dados sigilosos.

No fim de semana, após um apelo da Procuradoria-Geral da República para reconsiderar a drástica medida, o presidente do STF cobrou informações detalhadas sobre os procuradores que receberam os relatórios. Nesta segunda-feira (18), acabou por recuar.

Todas essas decisões foram tomadas em caráter provisório e de forma monocrática —ou seja, Toffoli decidiu sozinho, sem que os demais integrantes da corte tivessem a chance de opinar sobre o tema.