segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Opinião do dia – Giambattista Vico*

O arbítrio humano, incertíssimo por sua própria natureza, consolida-se e se determina pelo senso comum dos homens no que tange às necessidades e utilidades humana, que são as duas fontes do direito natural das gentes.

O senso comum é um juízo despido de qualquer reflexão, comumente experimentado por toda uma ordem, por todo um povo, por toda uma nação ou por todo o gênero humano.


*Giambattista Vico (1668-1744), foi um filósofo político, retórico, historiador e jurista italiano, reconhecido como um dos grandes pensadores do período iluminista, apesar de ter sido, em certa medida, um crítico do projeto iluminista. "Principio de uma Ciência Nova, p.140. Nova Cultura 1988 - Os Pensadores,

Marcus André Melo* - O efeito halo

- Folha de S. Paulo

Saber da filiação política de um neurocirurgião afeta a percepção sobre sua competência

A polarização política tem efeitos sobre as decisões das pessoas em esferas da vida que não tem nenhuma relação com a política? Cass Sunstein e co-autores discutem a questão em "Would you go to a republican doctor"? (Você iria a um médico afiliado ao Partido Republicano?), em que reportam os achados de um experimento publicado na conceituada revista da área de neurociência Cognition.

O objetivo do estudo é testar a hipótese que as pessoas são mais influenciáveis por pessoas com quem compartilham preferências políticas, mesmo quando se deparam com evidências que pessoas com opinião política diversa têm mais competência em tarefas sem relação com a política, como, por exemplo, resolução de problemas de geometria.

A conclusão é que sim. Tomar conhecimento da filiação política, digamos, de um neurocirurgião ou matemático, afeta a percepção sobre sua competência. E mais: "Nossos achados sugerem que as fake news irão se espalhar entre indivíduos que pensam de forma semelhante na política mesmo quando elas não têm nada a ver com a política". Assim, a polarização ultrapassa a esfera política e se manifesta em outras esferas da vida. É o chamado efeito halo, ou de "derramamento afetivo ou epistêmico" (na expressão de Sunstein et al).

Celso Rocha de Barros - Luciano Huck também quer eleitores da centro-esquerda

- Folha de S. Paulo

PT precisa entender que, se não falar à centro-esquerda, vai ter quem fale

Tanto Luciano Huck quanto Joaquim Barbosa teriam vencido a eleição presidencial de 2018 se tivesse concorrido sem o outro na disputa.

Se tem algo que foi provado pela eleição de Bolsonaro é que o eleitorado queria um outsider, e, se valeu Bolsonaro, teria valido qualquer um. Barbosa e Huck eram incomparavelmente superiores a Bolsonaro.

Todo mundo é.

Aqui é bom contar uma parte da história de 2018 que é pelo menos tão importante quanto o antipetismo.

A rejeição ao PT foi importante no segundo turno, mas lembrem-se: Bolsonaro quase venceu no primeiro, quando havia uma ampla gama de candidatos disponíveis. Os analistas próximos ao PSDB precisam explicar por que Bolsonaro, e não Alckmin, Meirelles, Amoêdo ou Dias, se beneficiou do antipetismo.

O governo Temer foi uma tentativa de recomposição do sistema político diante dos ataques da Lava Jato. Toda a direita moderada apoiou isso. Para barrar os outsiders, os grandes partidos mudaram a regra de financiamento eleitoral, dificultando as pequenas candidaturas.

A centro-direita apostou tudo na hipótese de que 2018 seria uma eleição normal, em que estrutura partidária, dinheiro de campanha e tempo de TV seriam decisivos. Quando essa aposta se consolidou, a candidatura de Huck perdeu espaço.

Leandro Colon – Sem Ilusão

- Folha de S. Paulo

Há dificuldades para garantir as medidas provisórias, que exigem apenas maioria simples para sua aprovação

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro brinca de inventar seu próprio partido político —o da bala e da Bíblia— o Congresso caminha a partir desta segunda (25) para o último mês de trabalho em 2019.

Ao fazer um balanço legislativo do primeiro ano de gestão, o governo Bolsonaro pode incluir na conta a bem-sucedida reforma da Previdência, que deixa positivo o saldo de qualquer análise que atrele a performance parlamentar aos interesses do Palácio do Planalto.

As mudanças na aposentadoria podem ser avaliadas como uma vitória palaciana, afinal esse governo conseguiu o que outros tentaram e fracassaram, atendendo a um ponto crucial da agenda de Paulo Guedes.

Até aí, haveria razões para otimismo e euforia política em 2020, se não fossem os sinais de fragilidade governista no Congresso. A Previdência, por exemplo, só passou porque os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), compraram a ideia. A ausência de uma base aliada não comprometeu a votação.

Gaudêncio Torquato* - A torre de Babel

- Folha de S. Paulo

Experimentalismo de 2018 abriu longa temporada

Fato um: a era petista desfraldou no país a bandeira do apartheid social, cuja cor vermelha, com o lema “nós e eles”, composto por Lula ainda nos tempos do estádio da Vila Euclides, no ABC paulista, pode ser lido como “os bons e os maus”, “oprimidos e opressores”, “elite e massas trabalhadoras”.

Fato dois: o bolsonarismo, mesmo em seu início, luta para aprofundar a divisão social, batendo na mesma tecla, agora com o sinal invertido. Em um lado do muro estão “comunistas, esquerdistas, simpatizantes de Cuba e Venezuela” —e, no outro, radicais de extrema direita, militaristas, saudosistas dos tempos de chumbo.

Fato três: a polarização a que o país assiste, ao contrário da tendência de arrefecimento, previsível após a virulência eleitoral, se acirra a ponto de se ouvir do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, a pregação de “um novo AI-5” se a esquerda “radicalizar”. Esse ato institucional, recorde-se, abriu o período mais sombrio da ditadura, com perseguição e repressão, fechamento do Congresso Nacional, cassação de mandatos, confisco de bens privados, censura aos meios de comunicação, tortura, mortes.

Pode a temperatura social tornar-se amena nos próximos tempos? Não se aposta na hipótese. A índole do capitão governante e os sinais emitidos pelo seu entorno sinalizam endurecimento de posições. De um lado, se um posicionamento mais radical dá munição aos dois “exércitos”, expandindo os tiroteios recíprocos, de outro afastará segmentos até então simpatizantes das alas conflitantes. Assim, é possível divisar o adensamento dos espaços centrais. Núcleos que ainda atuam como puxadores do “cabo de guerra” tendem a arrefecer sua participação.

Dimas Ramalho* - O limite do Estado no uso de dados pessoais

- Folha de S. Paulo

É imediato capacitar servidores e promover estudos

Preocupado com a intimidade e a privacidade dos brasileiros, o Congresso Nacional aprovou em 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cujas regras submeterão pessoas físicas e jurídicas de direito privado e público a partir de agosto de 2020.

Para o mercado, a norma impõe balizas no uso de técnicas de processamento de dados, que não podem atropelar garantias individuais. Já os entes estatais, tradicionais repositórios de informação pessoal do cidadão, terão de justificar seu eventual uso e adequar ferramentas de governo eletrônico, como sites e aplicativos, sob pena de responsabilização civil e/ou administrativa.

Um dos pilares da lei é o princípio da finalidade, pelo qual se autoriza o tratamento de dados pessoais somente para propósitos legítimos, explícitos e informados ao titular, que deverá dar consentimento para tanto. Em suma, se uma loja cadastrar um telefone para realizar futuras ações promocionais, hipoteticamente, precisa informar o cliente sobre sua intenção —e só poderá utilizar o número nos limites do que foi por ele consentido por escrito ou outro meio que demonstre manifestação de vontade.

Ricardo Noblat - PT flerta com o impeachment de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Na contramão de Lula
Reeleita com quase 72% dos votos para presidir o PT por mais quatro anos (uma temeridade), a deputada Gleisi Hoffmann (PR) deixou entreaberta a porta que o ex-presidente Lula fechara nos discursos que fez desde que foi solto depois de 580 dias preso.

No documento final do 7º Congresso do PT realizado no fim de semana em São Paulo, foi acrescentada uma emenda que diz assim:

“A partir da evolução das condições sociais e percepção pública sobre o caráter do governo e da correlação de forças, a direção nacional do partido, atualizando a tática para enfrentar o projeto do governo Bolsonaro, poderá exigir a sua saída”.

Gleisi parece ter mudado de opinião a respeito do impeachment de Bolsonaro. Porque em março último, quando ouviu rumores de que se cogitava derrubar Bolsonaro para pôr em seu lugar o vice-presidente Hamilton Mourão, ela foi contra. E atacou:

– A cultura golpista é intrínseca à classe dominante brasileira. Impressionante!

Em 1992, o PT pediu e levou o impeachment do então presidente Fernando Collor. No segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, pediu, mas não levou o impeachment dele. Adversários do PT conseguiram em 2016 o impeachment de Dilma.

Haddad, o candidato de Lula a prefeito de São Paulo

Denis Lerrer Rosenfield* - Democracia e golpe

- O Estado de S.Paulo

Ao renunciar, Evo Morales quis produzir o caos, almejando voltar ao poder

O agora ex-governo de Evo Morales, assim como o de seu irmão bolivariano Nicolás Maduro, mostra, em ato, como se comportam os “socialistas” quando capturam o Estado, tudo fazendo para destruir as suas instituições. Nada é ao acaso, salvo a participação popular que teima em dizer não à tirania.

Os “socialistas do século 21” são uma mera prolongação dos “comunistas do século 20”, em suas várias vertentes leninistas, stalinistas, maoistas, castristas e outras, todas tendo se traduzido por vários tipos de devastação em seus respectivos países, em alguns deles com milhões de mortos. Sua cartilha de tomada do poder estava ancorada num partido hierarquizado, que se colocava política e militarmente como a vanguarda da dita “classe proletária”, embora esta, quando aparecia, nada mais fosse que simples coadjuvante.

A democracia era sumariamente descartada enquanto instrumento de dominação da “burguesia”, não devendo sequer ser seguida, salvo nos casos em que servisse aos desígnios do partido, em sua estratégia de conquista do Estado. Não tinha nenhum tipo de valor universal. Até eleições eram desconsideradas, sendo, então, privilegiada a violência como meio de captura do poder. A violência veio a ser então considerada como “moralmente” válida, pois seria capaz de fazer nascer um bem maior, uma “sociedade sem classes”.

Cida Damasco - Da minha janela

- O Estado de S.Paulo

Virada na economia para valer depende do investimento. E da política

Inflação bem acima da meta, juros nas alturas, atividade econômica no chão, desemprego explosivo, situação fiscal à beira do descontrole.

Tudo isso dentro de um quadro político de turbulências, que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff e na entrada em cena de Michel Temer. Esse era o panorama da economia brasileira que se avistava da “janela”, três anos e quatro meses atrás, quando esta coluna fez sua estreia no Estadão. Havia, porém, em vários setores, especialmente entre empresários e investidores, uma esperança de que essa ruptura eliminasse as incertezas e abrisse caminho para uma rápida volta do País à normalidade – com o enfrentamento das grandes questões que inviabilizariam o crescimento sustentado da economia brasileira e, em consequência, com a superação das inúmeras e profundas mazelas sociais.

Em pouco tempo, ficou claro que essas expectativas estavam contaminadas por um excesso de otimismo. Nem o quadro político se acomodou nem a economia ganhou musculatura nos prazos esperados.

A aposta repetiu-se nas eleições presidenciais de 2018, depois de uma campanha marcada por aguda polarização, e de novo deu lugar a uma certa frustração. Exatas 167 colunas depois, o cenário político não dá o menor sinal de calmaria e já se discute abertamente o que será do País nas eleições presidenciais de 2022 – com esquerda (s) e direita (s) se atacando e o centro em busca de um líder da ocasião. Não dá para dizer, porém, que na economia tudo continua do mesmo jeito.

Andrea Jubé - Agenda social aproxima Maia do ‘centro progressista’

- Valor Econômico

Presidente da Câmara encampa pacote elaborado por parlamentares ligados a movimentos

Fiador da agenda de reformas e do ajuste fiscal, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), investe agora em uma pauta frequentemente associada à esquerda - o combate à pobreza e à desigualdade social. O recente lançamento da agenda social de desenvolvimento, na prática, o aproxima do centro, ao mesmo tempo em que faz aceno relevante aos parlamentares estreantes, egressos dos movimentos de renovação política.

O pacote de propostas para a área social também afina o diálogo de Maia com o apresentador Luciano Huck, com quem o integrante do DEM se encontrou algumas vezes, e que tem sustentado em palestras pelo país que o ajuste fiscal, necessário ao desenvolvimento econômico, não pode vir dissociado do combate à desigualdade social.

“Cresceu entre congressistas a compreensão muito evidente de que só fazer reformas de cunho fiscal não resolve o problema do Brasil”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) ao Valor. Ele reconhece que o pacote é a primeira iniciativa legislativa de expressão, com efetivo potencial de aprovação no plenário, do grupo de parlamentares eleitos a partir dos movimentos de renovação política, apoiados por Luciano Huck.

O movimento de Maia rumo a um “centro progressista” ocorre a um ano das eleições e na metade do segundo mandato de presidente da Casa, com chances remotas de reeleição. A agenda social tem apelo eleitoral maior que a agenda econômica, baseada principalmente nas reformas da Previdência e do sistema tributário.

Bruno Carazza* - Mudou, mas continuou quase igual

- Valor Econômico

Corporações têm peso na atuação parlamentar, apesar da proibição de doações de campanha de empresas

Em 2010, numa decisão apertada (5 a 4), a Suprema Corte norte-americana decidiu que doações de campanha são uma forma de expressão das preferências eleitorais dos indivíduos e, por isso, não deveriam ser objeto de qualquer forma de restrição ou proibição estatal. Amparando-se no princípio da liberdade de discurso inscrito na Primeira Emenda à Constituição, o órgão máximo do Judiciário nos EUA derrubou uma série de dispositivos de uma lei de 2002 que impunha limites a doações de empresas, sindicatos e organizações para candidatos e partidos nas eleições americanas.

Para quem acredita que idiossincrasias e mudanças bruscas de entendimento são uma exclusividade do STF brasileiro, a mesma Suprema Corte americana havia decidido na direção oposta apenas sete anos antes. No caso McConnell v. FEC, também pelo placar de 5 a 4, os juízes haviam entendido que, no confronto entre as ameaças à liberdade de expressão e os riscos de corrupção, deveria prevalecer o esforço de limitar a influência econômica sobre o Estado. Numa frase que ficou famosa, o juiz John Paul Stevens afirmou que “o dinheiro, como a água, sempre tentará encontrar uma saída”; logo, seriam válidas as iniciativas legais para diminuir a possibilidade de contaminação da política pelos interesses corporativos.

Essa reviravolta no entendimento mostra como o assunto é controverso. Numa perspectiva internacional, não há um modelo dominante. Existem países extremamente permissivos, que não impõem qualquer limite às doações empresariais (como os EUA desde 2010, Inglaterra, Austrália e Alemanha), outros que permitem contribuições de empresas, mas sujeitas a um teto de valor (Japão, Itália, Finlândia e boa parte da América Latina) e ainda nações que recentemente proibiram qualquer transferência de recursos de corporações para partidos ou candidatos, como França, Espanha, Portugal e Canadá.

Sergio Lamucci - O longo caminho para a melhora do emprego

- Valor Econômico

Aumento da ocupação em ritmo lento limita a recuperação do consumo

O mercado de trabalho dá sinais de melhora, com o avanço um pouco mais forte da criação de vagas com carteira assinada. No mês passado, foram gerados quase 71 mil postos de trabalho formais, num movimento mais disseminado pelos diversos setores da economia, com destaque para o comércio, a construção civil e os serviços. De janeiro a outubro, as contratações com carteira assinada superaram as demissões em quase 842 mil vagas, o melhor resultado para o período em cinco anos, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

São boas notícias, mas a situação no mercado de trabalho ainda é delicada. O desemprego é muito alto, a taxa de subutilização da força de trabalho continua nas alturas e há muitos trabalhadores na informalidade, sem contar o expressivo número de pessoas desocupadas há mais de 24 meses.

Mercado formal reage, mas quadro geral segue difícil
No terceiro trimestre, por exemplo, havia ainda 3,15 milhões de pessoas procurando emprego há dois anos ou mais, o equivalente a 25,2% do total de 12,5 milhões de desempregados no período, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua trimestral. É um número apenas 1,2% menor do que os 3,187 milhões do mesmo trimestre de 2018, indicando uma queda lenta do desemprego de longo prazo. Além da gravidade do resultado em si, trabalhadores que ficam tanto tempo desocupados têm mais dificuldades para voltar ao mercado de trabalho. Há o risco de estarem desatualizados, num cenário em que a tecnologia muda muito rápido.

Outro número preocupante é o da taxa de subutilização da força de trabalho, que ficou em 24% no período de julho a setembro. Isso equivale a 27,5 milhões de pessoas, incluindo, além dos desempregados, quem está empregado mas trabalha menos horas do que gostaria, quem gostaria de trabalhar mas não procurou emprego e quem buscou ocupação, mas não estava disponível para trabalhar (por doença, por exemplo). O número é mais baixo que os 28,4 milhões do segundo trimestre deste ano, mas ainda superior aos 27,2 milhões do terceiro trimestre do ano passado.

Fernando Gabeira - Um esforço para entender javanês

- O Globo

Forma que Tofolli usou para recuar é complicar ao máximo, para que não se entenda perfeitamente sua trajetória

Um artigo difícil de escrever. No barco para Galinhos, constatei que deixei os óculos de leitura no carro, que ficou para trás, no estacionamento.

Minha tarefa era ler o voto de quatro horas de Toffoli, diante de péssimas referências. Um ministro disse que o voto tinha sido redigido em javanês. Ler mais de 300 páginas em javanês, sem óculos, depois de um duro dia de trabalho, é superior às minhas forças. Se os ministros não estavam entendendo, o melhor seria esperar o resultado final.

Pelos fragmentos dos votos e pela tendência geral, suponho que cairá a proibição ao Coaf — atual Unidade de Inteligência Financeira — de trocar informações com os órgãos de investigação e que voltará a correr inquérito sobre Flávio Bolsonaro.

Numa visão mais ampla, posso intuir que houve um recuo. Toffoli disse que havia lendas urbanas em torno do caso. Uma delas era a de que 935 processos foram paralisados. Mas a informação partiu do Ministério Público. Da mesma forma, ele não se deteve no caso Flávio Bolsonaro. Mas foi a partir dele que proibiu as investigações sem autorização judicial.

O principal é que haja um recuo. Há muitas formas de recuar, nem muito depressa para parecer que está com medo, nem muito devagar para parecer provocação. A forma que Tofolli usou é a de complicar ao máximo, para que não se entenda perfeitamente sua trajetória.

Fragmentos da sessão de quinta já indicavam que eram muitas as perguntas dos próprios ministros e que dificilmente passará a ideia de restringir a troca de informações à prévia autorização judicial.

Esse período ainda inacabado foi aberto pela grande ofensiva da Lava-Jato contra a corrupção, provocando um terremoto político em escala continental. Um dos personagens, a Odebrecht, é até citada no filme americano “A lavanderia”.

Depois das eleições, veio a contraofensiva cujos marcos foram as revelações do site The Intercept e,em seguida, a derrubada da prisão em segunda instância. O Supremo atua como modulador dessa contraofensiva mas parece que, desta vez, Toffoli avançou demais, por contra própria. De um lado, é indefensável paralisar ou inibir investigações baseadas em atividades financeiras.

Ana Maria Machado - O espetáculo continua

- O Globo

Ninguém segura essas mulheres

A agenda de Jane Fonda tem as sextas-feiras bloqueadas até o fim do ano. É dia de de ser presa por protestar diante da Casa Branca. Para facilitar as coisas, até se mudou para Washington. Não pretende deixar de se manifestar contra a política ambiental de Trump. Então, toda semana é presa, paga fiança, é solta e recomeça. Carne de pescoço, ela. Há décadas. Desde que, mal saída da adolescência, protestava contra a Guerra do Vietnã.

Não é a única atriz teimosa. Tivemos Leila, Odete, Evas, Tônia, Norma, Ruth, Ítala, Glauce, com Clarice na linha de frente das passeatas em 1968. Em Londres, os protestos do Climate Strike, iniciados pela adolescente Greta Thunberg, tinham Emma Thompson em destaque. Seguia o exemplo de suas conterrâneas Glenda Jackson (até eleita para o Parlamento) e Vanessa Redgrave, ícones da contracultura, sempre atuantes nas causas justas. Nossa diva máxima, Fernanda Montenegro, não está sozinha ao se manifestar contra o cerceamento da liberdade e o descaso com a cultura. E, se Marieta Severo vai prestigiar a neta Clara na montagem de “Roda viva” (peça em que há meio século a avó fez parte do elenco agredido por um comando terrorista), sublinha uma tradição que honra as mulheres de sua geração.

Cacá Diegues - A fome efêmera

- O Globo

Trabalhadores vão, cada vez mais, a pé para seu trabalho, mesmo quando é distante, ou passam o dia todo sem comer

Nenhum regime ou governo, hoje instalado no mundo, tem, de modo explícito, por base, princípio ou programa, o combate à desigualdade. Em nosso mundo, a desigualdade é cada vez maior, em todas as sociedades do planeta. Nos países ricos ou pobres, em desenvolvimento ou em decadência, pseudo-socialistas ou protocapitalistas. Ninguém parece se importar com essa questão, que pode mudar o rumo da humanidade, determinar para onde acabaremos indo, no meio dessa desgraceira toda e do caos que ela provoca, de Hong Kong a Santa Cruz de La Sierra, passando por todas as bombas que explodem por aí.

No Brasil, hoje, a renda média do 1% mais rico do país é cerca de 35 vezes maior que os ganhos de metade dos mais pobres, como nos diz o IBGE. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nosso desemprego dramático provocou o empobrecimento dos que já eram pobres, recuando de 5,7% para 3,5% sua participação na renda nacional. Trabalhadores vão, cada vez mais, a pé para seu trabalho, mesmo quando é distante, ou passam o dia todo sem comer. Tudo para economizar o dinheiro destinado à educação dos filhos, que não têm nenhuma perspectiva de entrar para uma faculdade.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos alguém se mata em algum lugar do mundo. E, em grande parte das vezes, o motivo é a depressão social. Mesmo em nações consideradas abastadas, onde a imensa desigualdade é agravada pela visibilidade comparativa do luxo alheio. Nações são comunidades imaginárias, como diz David Christian, parceiro de Bill Gates, o homem mais rico do mundo, em seu livro “Origens”. O que existe, de fato, são os seres humanos que as formam. São eles que sofrem o desgaste de uma ética de alteridade que, mesmo cínica, a humanidade se sentia obrigada a proclamar. Hoje, o desprezo pela dor do outro e a ideia de fatalidade do sofrimento alheio estão consagrados, já viraram programa de governo em muitos regimes. Alguns, até, considerados exemplos de democracia.

Grupos políticos liberais se afastam do bolsonarismo

Livres e MBL apoiam agenda econômica do governo, mas se opõem ao conservadorismo na pauta de costumes adotado pelo presidente Jair Bolsonaro

Matheus Lara | O Estado de S.Paulo

“Sou liberal e não sabia.” É a essa conclusão que grupos que se definem como liberais no Brasil querem que seus interlocutores cheguem quando o assunto é política. A nova onda de liberalismo no País, formada por grupos como Livres, Movimento Brasil Livre (MBL) e Students for Liberty Brasil (SFLB), surge junto com o desgaste das esquerdas e busca marcar espaço na direita brasileira, tendo como estratégia principal se diferenciar do governo de Jair Bolsonaro.

A razão para isso é se afastar de qualquer associação a um radicalismo à direita, que é como esses grupos entendem o pensamento conservador nos costumes. Essa agenda é encampada pelo governo, seus aliados e apoiadores, que, depois da crise no PSL, agora apostam na criação do partido Aliança pelo Brasil, com a defesa de Deus e de armas, para sedimentar o bolsonarismo no País. A ressalva fica na área econômica, já que, em geral, os grupos concordam com pautas como as reformas da Previdência e a tributária.

“Tem gente que é pró-mercado, a favor de um Estado que interfere menos na vida das pessoas, a favor do casamento gay e da descriminalização de drogas e que não sabia que isso tinha um nome. Defender a liberdade por completo é possível”, afirmou o presidente do Livres, Paulo Gontijo.

Diretor executivo do Students for Liberty Brasil, André Freo vai na mesma linha. “Muitos associam o liberalismo exclusivamente à economia, mas vamos além. Defendemos a liberdade econômica com a liberdade individual.”

Um exemplo de como esses liberais vêm tentando marcar posição para além das questões econômicas ocorreu no município de Juara, em Mato Grosso. Com o apoio do Livres, que faz campanha contra a obrigatoriedade do alistamento militar, o jovem Emerqui Aguiar, de 20 anos, foi dispensado em outubro após alegar “imperativo de consciência”. A medida é prevista na Constituição e atribui “prestação de serviço alternativo” a alistados que alegarem política, crença religiosa ou que são filosoficamente contrários à atividade. Segundo Aguiar, no caso dele, foi necessário apresentar uma carta do Livres – inclusive para o serviço alternativo – e a liberação do alistamento saiu após cinco meses de trâmite. “Ninguém na Junta sabia desse direito constitucional”, afirmou o jovem.

Já o MBL e o Students for Liberty Brasil apostaram recentemente em debates com a presença de liberais, de conservadores e até de pessoas da esquerda. Em seu 5.º Congresso Nacional, o MBL, que tem líderes como o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM), fez duras críticas ao governo Jair Bolsonaro e falou da importância do debate para fortalecer o pensamento liberal.

O grupo também agrega conservadores e fez campanha contra o adversário de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial do ano passado, Fernando Haddad, para “não deixar o PT voltar”.

O Students for Liberty Brasil promoveu a LibertyCon, que discutiu em painéis temas como os impasses do liberalismo no momento atual. Apesar de não se posicionar a respeito de governos, o grupo não se identifica com pautas conservadoras ligadas a costumes.

Gontijo, presidente do Livres, vê o atual momento como um desafio. “As diferenças no movimento liberal e na centro-direita estão aparecendo com mais clareza. A esquerda estava sempre dividida, mas, na hora da eleição, via qual era a melhor opção. Esse é um dos desafios dos diferentes movimentos liberais hoje”, afirmou.

Líderes resistem a excludente de ilicitude a militar

Para parlamentares ouvidos pelo GLOBO, texto enviado por Bolsonaro pode criar ‘licença para matar’ durante operações

Bruno Góes e Isabella Macedo | O Globo

BRASÍLIA - Líderes de partidos do centrão e de outras legendas tendem a barrar o projeto de lei enviado pelo presidente Bolso na roque prevê excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), comandadas por militares. Eles receiam que texto crie “licença para matar” até na repressão a manifestações.

Líderes de partidos do centrão e de outras legendas já começaram a discutir a possibilidade de derrubar o mais recente projeto de lei enviado pelo governo Jair Bolsonaro. O texto prevê a criação de um “excludente de ilicitude” para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Parlamentares ouvidos pelo GLOBO avaliam que a proposta pode criar “uma licença para matar”, inclusive na repressão de manifestações.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não quis falar sobre o projeto e também não se pronunciou publicamente sobre o assunto.

Interlocutores, entretanto, afirmam que Maia está preocupado com o cunho autoritário da medida. Caso seja aprovada, a lei definirá as situações em que militares e agentes de segurança podem ser isentados de punição ao adotarem conduta tipificada como crime, enquanto atuam na execução da GLO, como matar ou lesionar alguém.

O que a mídia pensa – Editoriais

Inaptidão para a democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro reiteradas vezes ao longo de sua trajetória política demonstrou escassa disposição de aceitar os ritos e costumes próprios da vida democrática

Não se pode confundir democracia com liberdade para afrontar os princípios básicos da convivência política e social. E isso tem acontecido com frequência preocupante desde que chegou ao poder um grupo político que, a título de recuperar os “valores e tradições” mais caros à sociedade brasileira, como prometeu o presidente Jair Bolsonaro em sua posse, vem intoxicando a atmosfera do País com truculência e intolerância.

Esses não são os valores mais caros à sociedade brasileira. Não era isso o que clamavam os que se enojaram da corrupção e da leviandade dos políticos na era lulopetista. Era o exato oposto: que fossem resgatados os valores frontalmente aviltados por mais de uma década de desfaçatez e autoritarismo protagonizada pelo PT de Lula da Silva, que dificultou o diálogo democrático mesmo na esquerda e fez da arrogância e da violência retórica – quando não física, como atesta o longo histórico de vandalismo do MST e seus congêneres a serviço do partido – um método para chegar ao poder e lá ficar para sempre.

Poesia | Manuel Bandeira - Evocação do Recife

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.