segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Luiz Sérgio Henriques* – “Uma defesa do liberalismo”

A verdade é que não sabemos bem como enfrentar a mistura explosiva entre fundamentalismo de mercado e de valores. Por contraditórios – o primeiro, individualista; o segundo, não –, esses dois fundamentalismos nos pareciam inconciliáveis até há bem pouco tempo. Mas, evidentemente, enquanto estiverem mesclados, orientarem governos e arrebatarem parte da opinião pública, eles projetarão formas de convivência avessas à sociedade aberta de que se diz adepto o ministro Guedes.

Se ainda não descobrimos como conter este revolucionarismo de novo tipo, temos, porém, uma boa pista – contra o despotismo iliberal, cabe retomar, reviver e aprofundar todos os valores do liberalismo político, que são, afinal, momentos altos de liberdade corporificados em instituições notavelmente resistentes. Abandoná-las nunca deu bons frutos para ninguém, em momento algum, e previsivelmente continuará sem dá-los. A defesa de tais instituições, bem como da Constituição que as afirma, é a via real e obrigatória para todos os democratas.

* Tradutor e ensaísta, um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil, é autor de ‘Reformismo de esquerda e democracia política’ (Fundação Astrojildo Pereira). “Uma defesa do liberalismo”, O Estado de S. Paulo, 15/12/2019.

Marcus André Melo – Populismo britânico?

- Folha de S. Paulo

Continuidade e ruptura nas eleições britânicas

A recepção das eleições britânicas tem sido marcada por alguns equívocos: não se trata de ascensão de um populista iliberal, mas de um bufão. Há menos ruptura e descontinuidade do que se afirma. É certo, contudo, que o futuro do Reino Unido está em jogo, e não podemos trivializar fato dessa envergadura.

A teatralidade de Johnson não faz o populista: é consistente com certa tradição de excentricidade da elite política britânica. Seu discurso é distinto daquele de Trump ou Farage. Por sua vez, a radicalidade de seu rival, Jeremy Corbyn, não destoa da de outros líderes trabalhistas das décadas de 80 e 90, como Tony Benn ou Michael Foot (cuja cabeleira era ainda mais exótica do que a do líder conservador), que sofreram derrotas acachapantes para Thatcher.

A eleição reafirmou o bipartidarismo --e o fim da era dos governos de coalizão--, levando o país de volta ao padrão iniciado em 1922, quando os trabalhistas substituem os liberais como segunda maior força política. Em 1997 e 2001, os conservadores foram massacrados por Blair (165 cadeiras ante 418 e 412 dos trabalhistas), o que levou a previsão de que nunca se recuperariam. Vitórias esmagadoras de ambos os lados são a regra mais que a exceção. O que é novo é que o eixo da disputa mudou e produziu realinhamento territorial do voto. Resta saber se de forma temporária ou definitiva.

Celso Rocha de Barros* - A queda de Corbyn

- Folha de S. Paulo

Brexit pode ser terrível para o Reino Unido, mas é espetacular como forma de vencer os trabalhistas

O Partido Trabalhista britânico teve na semana passada sua maior derrota eleitoral desde 1935. O conservador Boris Johnson passou a ter maioria na Câmara dos Comuns para tocar o brexit como achar melhor, dentro dos termos impostos pela Europa.

Os tories venceram em distritos que eram trabalhistas desde a Segunda Guerra Mundial, como as áreas industriais do norte da Inglaterra. Poucas décadas atrás, essas regiões estavam conflagradas contra Margaret Thatcher.

Nos meios de esquerda, a discussão passou a ser quanto do desastre pode ser atribuído à virada à esquerda liderada pelo líder trabalhista Jeremy Corbyn nos últimos anos.

Essa seria uma hora para o centro-esquerdista aqui marcar pontos, mas sugiro cautela.

Corbyn tinha propostas radicais de nacionalização e elevação do gasto público; várias dessas propostas, inclusive algumas com as quais não concordo, são populares. Mas o líder trabalhista também tem uma bagagem pessoal pesada, que inclui gestos a favor de membros do IRA e de um clérigo muçulmano acusado de antissemitismo (Raed Salah). Em uma eleição sobre identidade britânica, nada disso ajudou.

Vinicius Mota - Brexit não era teoria da conspiração

- Folha de S. Paulo

Vitória de Boris Johnson desfaz impasse; é cedo para dizer que nasceu um Trump britânico

O sistema representativo entra em desconforto quando das eleições não brota um mecanismo estável de tomada de decisões políticas. Na Espanha e em Israel, os eleitores são amiúde chamados a opinar, mas o impasse na governança persiste.

O Reino Unido parece ter escapado de um xeque demoníaco nesta quinta (12). A vitória de Boris Johnson não deixa dúvidas sobre o desejo preponderante da população de desencalhar o brexit. Enterrou-se numa pilha de votos e cadeiras no Parlamento a teoria conspiratória de que tudo não passava de manipulação da Cambridge Analytica.

Foram necessárias três eleições, contando a do plebiscito de 2016, para que a liderança política e a maioria parlamentar se refizessem no molde da maioria popular.

É melhor ter um premiê empoderado e em sintonia com o desejo do eleitorado do que a paralisia anterior. Ela ameaçava o imperativo de democracias maduras de que o veredicto de uma consulta popular precisa ser respeitado. Além disso, flertava com resultados piores para o país, como a saída desordenada do bloco europeu.

Leandro Colon – Falastrão e desconhecido

- Folha de S. Paulo

Apenas 32% dos brasileiros sabem quem é o chefe da pasta da Educação do governo Bolsonaro

Tudo indica que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, é peça a ser em breve descartada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Weintraub foi chamado para estancar uma crise interna com o primeiro escolhido para a pasta, o até então desconhecido Ricardo Vélez.

O que era para ser uma solução virou um problema. Weintraub revelou-se um caos administrativo, com um comportamento fora dos padrões adequados para um ministro de Estado e da liturgia que o cargo exige. É constrangedora sua presença no primeiro escalão da Esplanada.

Ele acredita que a postura agressiva e errática na bolha das redes sociais é uma fórmula de sucesso com a população. A mais recente pesquisa do Datafolha mostra que o ministro precisa repensar seus conceitos.

Oito meses depois de assumir o comando do MEC, Weintraub é ignorado por dois terços das pessoas.

Bruno Carazza* - Happy New Years and Years

- Valor Econômico

A onda é de direita, mas a maré pode virar

A vitória acachapante de Boris Johnson nas eleições britânicas reforçou as referências a “Years and Years”, a distópica coprodução da BBC com a HBO que retrata uma família britânica, os Lyons, em meio às reviravoltas políticas, econômicas e tecnológicas do mundo num futuro próximo - a primeira temporada se passa entre 2024 e 2029.

A conexão com nossa realidade atual se deve principalmente a Vivienne Rook (Emma Thompson), uma mulher de negócios sem papas na língua que, com um discurso radical nacionalista e contrário à política tradicional ascende de forma meteórica de deputada a primeira-ministra. Impossível não associar a carreira meteórica de Rook à onda que levou ao poder de Trump a Bolsonaro, passando pela vitória conservadora no Reino Unido na semana passada. Mas a força de “Years and Years” não está em captar essa mudança política e especular sobre seus efeitos futuros. O que mais me impressionou na série foi a mudança ocorrida nas pessoas.

Os Lyons podem ser vistos como a idealização da família inglesa contemporânea: bem-sucedidos profissionalmente, progressistas nos costumes (com seus relacionamentos homoafetivos e interraciais) e engajados politicamente com causas como a preservação ambiental, a inclusão de deficientes físicos e o acolhimento de refugiados políticos. Não por acaso, os Lyons eram eleitores tradicionais do partido trabalhista inglês. Mas à medida em que as circunstâncias políticas e econômicas vão mudando suas condições financeiras e as crises delas decorrentes vão chegando cada vez mais perto, suas convicções vão sendo revistas, uma a uma.

Luiz Carlos Mendonça de Barros*- Uma marcha insensata chega ao fim

- Valor Econômico

O Brasil, diante de uma situação grave como a que passamos, se une e apoia os governantes que lutam para superá-la

Foi uma longa, difícil, injusta para com os mais pobres, e, até agora, pouco compreendida marcha para escapar do buraco negro na economia, criado pela incompetência do PT e seus governantes. Os números deste período infame estão hoje à vista de todos e tornam uma missão difícil para o analista escolher o mais dramático deles para a sociedade.

Depois de uma difícil reflexão, fico com a explosão da dívida interna do governo entre 2015 e 2016 por ser ela a mais representativa da marcha da insensatez que tomou conta do governo Dilma desde o primeiro dia de seu mandato. E é também o indicador mais deletério para as expectativas de consumidores, empresários e investidores em relação ao futuro. Medida como percentagem do PIB, a dívida bruta do governo federal entre 2013 e 2019 pulou de pouco mais de 50% para 81% neste final de ano. Este aumento de mais de 30% representou a soma dos efeitos do aumento do volume de gastos do Tesouro Nacional e a queda de quase 7% do PIB entre 2015 e 2016.

Situações como esta, quando ocorreram na história recente das economias de mercado, antecederam colapsos econômicos de grandes proporções. Mas a sociedade brasileira - hoje podemos afirmar - não vai pagar este preço e pode, finalmente, olhar de forma construtiva para o futuro. E antes que receba críticas de estar sendo otimista demais - ou ingênuo como já fui chamado no passado -, pois precisamos ainda de um longo período de reformas para perenizar o crescimento econômico, afirmo que concordo com esta observação.

Ricardo Noblat - Em votação, o primeiro Orçamento da União 100% impositivo

- Blog do Noblat | Veja

Congresso ocupa espaço deixado pelo governo Bolsonaro

É no que dá um governo que não liga para articulação política, não liga para a falta que lhe faz uma base de apoio no Congresso, não liga para a sorte dos projetos que despacha para lá, e tampouco para o fato inédito na história do país de o presidente da República ter abandonado em tempo recorde o partido pelo qual se elegeu.

Embora se apresente como o presidente que mais reverencia e respeita o Congresso, Jair Bolsonaro, de fato, demonstra um enorme desprezo por seus antigos colegas. Faz questão de manter distância deles, só aparecendo por lá para fazer pirotecnia e tirar selfies. Prefere a companhia dos seus ex-colegas de farda.

Não existe espaço vazio na política. E se o presidente da República não ocupa o que por tradição seria seu, o Congresso o faz. Esta semana, segundo o TAG REPORTER, relatório semanal das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros, o Congresso votará o primeiro Orçamento da União 100% impositivo, o de 2020.

Foi no governo da presidente Dilma Rousseff que as emendas individuais de deputados federais e de senadores se tornaram impositivas. No vazio político do governo Bolsonaro, o processo ganhou velocidade e irá se completar. Ele será obrigado doravante a cumprir todas as prioridades estabelecidas pelo Congresso.

Carlos Pereira - Candidatura avulsa: ter ou não ter?

- O Estado de S.Paulo

Potencial ganho de representatividade pode gerar perdas expressivas de governabilidade

A convite do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso participei no último dia 09/12 de audiência pública para debater a constitucionalidade da candidatura avulsa no sistema político brasileiro.

Ficou evidente uma grande polarização de preferências entre os convidados. Os partidos políticos e colegas cientistas políticos presentes se posicionaram enfaticamente contrários a adoção de candidaturas avulsas. Acreditam que os partidos políticos seriam os verdadeiros veículos da representação em uma democracia e, portanto, deveriam ter o monopólio do acesso ao sistema político. Candidatos avulsos colocariam em risco a própria democracia, já que seriam representantes deles mesmos.

Por outro lado, os movimentos sociais se manifestaram com veemência a favor de candidaturas independentes. A despeito do expressivo número de partidos (30 deles têm pelo menos um representante na Câmara dos Deputados), os movimentos sociais ali presentes se disseram não representados por nenhum dos partidos. Argumentaram que as estruturas partidárias são excessivamente hierarquizadas, viciadas e, muitas delas, corrompidas. A presença de candidatos independentes, portanto, iria oxigenar e gerar maior competitividade ao jogo partidário.

Em estudo que investiga os efeitos de candidaturas avulsas na Índia (Independent Candidates and Political Representation in India), publicado em 2018 na revista APSR, os pesquisadores Sasha Kapoor e Arvind Magesan mostram que a presença de candidatos independentes aumenta consideravelmente o número de eleitores participando do processo eleitoral. Por outro lado, diminuem substancialmente a probabilidade de eleição de legisladores que faziam parte da coalizão de governo.

José Goldemberg * - Meritocracia e desigualdades sociais

- O Estado de S.Paulo

Origem dos problemas que enfrentamos está nas características do capitalismo do século 21

As causas das grandes manifestações populares, recentemente, no Equador, no Chile, no Líbano, no Iraque, na Checoslováquia e em Hong Kong, que abalaram governos e instituições, são complexas, mas não há dúvida de que boa parte dos protestos se origina no aumento da desigualdade de renda que está ocorrendo no mundo todo.

Esse é também um dos temas centrais das eleições presidenciais dos Estados Unidos no próximo ano. Apenas 0,1% dos americanos – cerca de 300 mil pessoas, numa população de mais de 300 milhões – controlam 20% da riqueza nacional. A renda dessas pessoas nos últimos 40 anos cresceu muito mais rapidamente que a renda do restante da população.

O fosso entre ricos e pobres está aumentando não apenas nos Estados Unidos, como também no Chile, na Argentina, entre outros países, como o Brasil, conforme mostram dados recentes do IBGE. A desigualdade econômica, porém, é apenas parte do problema: desde os primórdios da civilização, 10 mil anos atrás, existem aristocracias que governam e se beneficiam do trabalho da população: as famílias imperiais da Antiguidade, os senhores feudais da Idade Média e o sistema colonial vigente até o século 20. Em todos esses sistemas, o mérito foi uma consideração secundária diante das relações de sangue, favoritismo e corrupção.

A Revolução Francesa, de 1789, extinguiu a monarquia e implantou o regime republicano, que abriu caminho para a emergência dos mais capazes, escolhidos pelo mérito. As vantagens da meritocracia foram compreendidas pelo rei Luís XV, da França, antes da revolução. Ele criou, em 1760, uma escola militar para treinar oficiais oriundos de famílias que não pertenciam à nobreza. Foi nela que Napoleão Bonaparte, vindo de uma província secundária como a Córsega, se distinguiu e iniciou sua meteórica carreira militar, o que então era raro.

Fernando Gabeira - Uma guerra particular

- O Globo

Simpatizantes de Bolsonaro frequentaram boas escolas e não fecharam suas cabeças para sempre. Podem mudar no futuro

Me segura que vou ter um troço. Esta é uma frase cômica, talvez muito vulgar para um tema clássico como a política externa de um país. No entanto, ela me parece adequada para definir os passos de Bolsonaro neste primeiro ano de governo.

Ele começou questionando a relação com a China, o nosso maior parceiro comercial. Os chineses não podem comprar o Brasil, dizia. Com o tempo, a turma do deixa-disso o convenceu de que as relações com a China são necessárias. Os próprios chineses, do alto de muitos séculos de experiência, estavam tranquilos. Hoje, Bolsonaro já fala de um futuro comum com a China.

Bolsonaro resolveu transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. De novo, a turma do deixa-disso o convenceu de que não era oportuno. O filho Eduardo insiste na tese. Isto indica, pelo menos, que na próxima geração de Bolsonaros no poder a transferência pode ocorrer. Isso leva tempo e depende das urnas.

Bolsonaro disse a Trump que o ama. Sua ideia era se alinhar totalmente com os Estados Unidos. De novo, a turma do deixa-disso alertou: calma, é preciso se aproximar sim, mas com cautela.

Ele achou que os Estados Unidos indicariam o Brasil para a OCDE. Pensava que isto viria de uma hora para outra. Os americanos indicaram a Argentina, pois já tinham compromisso anterior com o vizinho. Trump vai cumprir a promessa. Mas no seu tempo. Por enquanto, fala em taxar aço e alumínio do Brasil sem, ao menos, telefonar para Bolsonaro.

Por falar em Argentina, Bolsonaro criticou a escolha popular e disse que aquilo iria se tornar uma nova Venezuela. Resolveu que não iria à posse de Alberto Fernández. Em seguida, designou um ministro. Voltou atrás e disse que não iria mais ninguém. De novo, a turma do deixa-disso entrou em campo. Bolsonaro atenuou seu discurso e resolveu enviar o vice, general Mourão.

Demétrio Magnoli - Morte encefálica?

- O Globo

Há uma nuvem maior no horizonte da Otan, geralmente ausente da tela dos analistas

Hastings Lionel Ismay, principal conselheiro militar de Winston Churchill, assumiu o posto de primeiro secretário-geral da Otan em 1952. É dele a mais concisa definição dos objetivos da Aliança Atlântica: “manter a URSS fora, os EUA dentro e os alemães por baixo”. Missão cumprida, disseram os líderes ocidentais no aniversário de 40 anos da maior aliança militar da história, que coincidiu com o encerramento da Guerra Fria. Hoje, porém, o aniversário de 70 anos ficou marcado pelo diagnóstico do francês Emmanuel Macron, que advertiu para a “morte encefálica” da Otan.

O “encefálica” é a chave. A estrutura militar da Otan segue bem viva — e rejuvenescida. A dissolução da URSS, em 1991, borrou os contornos do inimigo, e a aliança engajou-se em operações inesperadas, na antiga Iugoslávia e no Afeganistão, enquanto seus integrantes europeus reduziam os gastos com a defesa. A intervenção russa na Ucrânia, em 2014, reacendeu a chama extinta, restaurando a missão original de proteção da Europa.

A Otan deslocou brigadas multinacionais para os Estados Bálticos e a Polônia e está erguendo uma força de reação rápida constituída por 30 batalhões mecanizados, 30 esquadrões aéreos e 30 navios de guerra. Ao mesmo tempo, com as notórias exceções da Alemanha, da Itália e da Espanha, os países europeus aproximam-se da meta de 2% do PIB em gastos com a defesa. O mal que aflige a Otan é político.

As análises convencionais apontam as tensões inscritas no triângulo EUA/Turquia/França, que emergiram como estilhaços de bombas de fragmentação nas celebrações dos 70 anos. A festa estranha, no Palácio de Buckingham, foi pontuada por recriminações de Donald Trump contra Macron e do autocrata turco Recep Erdogan contra todos os demais.

Cacá Diegues - O risco da democracia

- O Globo

Presidente podia se dispor a ouvir mais pirralhas consagradas ou não em capas de importantes revistas cosmopolitas

E os juros foram para um patamar histórico mínimo, o Banco Central acaba de determinar que eles baixem para 4,5%. Isso não vai resolver a questão da miséria no Brasil ou a de nossa vergonhosa desigualdade, mas deve ajudar o país de algum modo. Pelo menos é o que percebo com a excitação dos ricos e a dos que querem ficar ricos. As agências que nos avaliam para investimentos potenciais estão elevando, aos poucos, nossa nota de oportunidades. Como a Standard & Poor’s, que acaba de melhorar nossa avaliação de risco.

A introdução na listagem da Nasdaq da brasileira XP Inc. (aquela que fez propaganda na TV com Luciano Huck), depois de um mais do que bem-sucedido IPO (o IPO é uma emissão primária de ações) em Wall Street, nos envia dois sinais importantes. Primeiro, ficamos sabendo que o capitalismo brasileiro tem agentes novos e criativos, como os jovens liderados pelo empresário Guilherme Benchimol. E, depois, que é possível fortalecer uma empresa nacional, lançá-la no mundo, sem apelar para robôs, fake news e propinas. Sem o Estado.

Com esse sucesso da XP, comemoramos também a confirmação de que estava mesmo equivocada a política econômica de apoio concentrado e irrestrito aos “campões” do capitalismo brasileiro. Para serem atendidos, quase todos aqueles campeões precisaram praticar acordos e manobras de corrupção, comprovados pela devolução da volumosa grana que, com a Lava-Jato, voltou aos cofres públicos. Não podíamos ter prova mais contundente da corrupção instalada no país.

Não sei que outros grupos financeiros, formados por jovens empresários ou não, navegam nesse mesmo mar contemporâneo de economia capitalista. A eles, o governo deveria estar prestando mais atenção. De minha parte, tento desvendar, por exemplo, com alguma pouca e precária leitura, o que vem a ser esse anarco-capitalismo, proclamado por alguns economistas. Como Hélio Beltrão, um de seus mais assíduos defensores em diferentes tribunas.

Como a liberdade mudou ao longo dos séculos, segundo dois filósofos

Livros recém-lançados no Brasil de Henri-Benjamin Constant e Domenico Losurdo dão um amplo panorama do que é ser livre

Flávio Ricardo Vassoler* | Aliás / O Estado de S. Paulo

O discurso pronunciado no Ateneu Real de Paris, em 1819, pelo pensador, escritor e político francês de origem suíça Henri-Benjamin Constant (1767-1830), A Liberdade dos Antigos Comparada à dos Modernos (Edipro, tradução de Leandro Cardoso Marques da Silva), apresenta-nos a possibilidade de refletirmos sobre as transformações históricas do liberalismo político em diálogo com a obra Hegel e a Liberdade dos Modernos (Boitempo, tradução de Ana Maria Chiarini e Diego Silveira Coelho Ferreira), do filósofo Domenico Losurdo (1941-2018).

Para Constant, a liberdade dos antigos (o autor tem em mente, sobretudo, os gregos) “consistia em exercer coletiva, mas diretamente, diversas partes da soberania como um todo, em deliberar, na praça pública, sobre a guerra e sobre a paz, em votar as leis, em examinar as contas, os atos e a gestão dos magistrados. Mas, ao mesmo tempo que era isso o que os antigos chamavam de liberdade, eles admitiam, como compatível com essa liberdade coletiva, a sujeição completa do indivíduo à autoridade do todo. Todas as ações privadas são submetidas a uma supervisão severa. Nada é concedido à independência individual, nem o que é tocante às opiniões, nem o que o é às ocupações, nem, sobretudo, o que concerne à religião”.

A liberdade dos modernos, historicamente vinculada à independência dos Estados Unidos e à Revolução Francesa, em fins do século 18, consistia, por sua vez, no direito, para o indivíduo, de não estar submetido senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado à morte, nem ser maltratado de alguma maneira pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de diversos indivíduos. Com eloquência, Constant prossegue dizendo que a liberdade dos modernos “é para cada um o direito de expressar sua opinião, de escolher sua ocupação e exercê-la, de dispor de sua propriedade e até mesmo de dela abusar, de ir e vir sem para isso ter que obter permissão, dar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se com outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados prefiram, seja, simplesmente, para preencher seus dias e horas de uma maneira mais conforme as suas inclinações e fantasias. Enfim, é o direito, para cada um, de ter influência na administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos funcionários, seja por meio de representações, de petições e de demandas que a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em consideração”.

Chilenos são a favor de nova Constituição

Consulta cidadã aponta saúde, educação e pensões como temas prioritários

- O Globo

SANTIAGO - Os resultados preliminares de uma consulta cidadã municipal realizada no Chile ao longo da última semana indicam que a grande maioria daqueles que compareceram às urnas são a favor de uma nova Constituição, do voto obrigatório e de impostos mais baixos para produtos básicos.

Segundo os dados iniciais, divulgados na noite de ontem, as três demandas prioritárias escolhidas pelos participantes são melhorar a qualidade da saúde e da educação pública e o aumento das pensões.

Promovida pela Associação dos Municípios Chilenos, a consulta ocorreu em 226 dos 346 municípios chilenos. A participação foi voluntária e o resultado, não vinculante.

Segundo os organizadores, os resultados da pesquisa serão entregues ao Parlamento e ao Gabinete do presidente Sebastián Piñera.

De acordo com resultados prévios que consideram pouco mais de 1 milhão de votos, 846.110 pessoas (91%) se mostraram favoráveis a uma nova Constituição para substituir a atual, herdada da ditadura de Augusto Pinochet. Em comparação, 80.378 pessoas (8,6%) discordaram de uma nova Carta.

No que diz respeito a quem deveria elaborar o documento, 345.393 pessoas optaram por uma Assembleia Constituinte, enquanto 138.647 votaram por um grupo misto, composto por parlamentares em exercício e representantes eleitos exclusivamente para a tarefa.

Os dados preliminares também indicam que 687.681 pessoas são a favor do voto obrigatório, contra 106.395 que defendem o voto facultativo.

A consulta é uma resposta às demandas dos manifestantes que tomam as ruas do país desde 18 de outubro, em um movimento inicialmente motivado pelo aumento das tarifas do metrô.

Rapidamente, os protestos ampliaram seu escopo, defendendo mudanças no modelo econômico, melhorias em serviços públicos, como escolas e hospitais, e a reforma constitucional.

Em meio à isso, aumentou também a violência e às denúncias de violações de direitos humanos por parte das forças de segurança.

O que a mídia pensa – Editoriais

Diplomacia fóssil – Editorial | Folha de S. Paulo

Sem credibilidade nem novos recursos, Brasil sai menor de conferência ambiental

Não foi sem um prêmio na mão que o Brasil deixou a COP-25, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas realizada em Madrid —o de Fóssil do Ano.

A tradicional e nada gloriosa honraria, pela primeira vez concedida ao Brasil por uma rede que congrega mais de mil ONGs ambientalistas no mundo, consolida a imagem passada pela diplomacia brasileira em duas semanas de conferência.

Sem fechar um acordo sobre o mercado de emissão de carbono, a COP-25, acabou de modo pouco alentador. Contribuiu para tanto a obstrução do Brasil à carta final, após idas e vindas nas tratativas.

Madri viu um Itamaraty isolado. Representou o único país a defender que metas de redução de emissões não deveriam ser ajustadas descontando-se do cálculo os créditos de carbono vendidos a outros países. Ignora-se assim a matemática básica, permitindo a quem vende e a quem compra emitir carbono pelo mesmo crédito.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Três presentes de fim de ano

I
Querida, mando-te
uma tartaruguinha de presente
e principalmente de futuro
pois viverá uma riqueza de anos
e quando eu haja tomado a estígia barca
rumo ao país obscuro
ela te me lembrará no chão do quarto
e te dirá em sua muda língua
que o tempo, o tempo é simples ruga
na carapaça, não no fundo amor.

II
Nem corbeilles nem
letras de câmbio
nem rondós nem
carrão 69
nem festivais
na ilha d’amores
não esperes de mim
terrestres primores.
Dou-te a senha para
o dom imperceptível
que não vem do próximo
não se guarda em cofre
não pesa, não passa
nem sequer tem nome.
Inventa-o se puderes
com fervor e graça.

III
Sempre foi difícil
ah como era difícil escolher
um par de sapatos, um perfume.
Agora então, amor, é impossível.
O mau gosto
e o bom se acasalaram, catrapuz!
Você acha mesmo bacana esse verniz abóbora
ou tem medo de dizer que é medonho?
E aquele quadro (objeto)? aquela pantalona?
Aquela poesia? Hem? O quê? não ouço
a sua voz entre alto-falantes, não distingo
nenhuma voz nos sons vociferantes...
Desculpe, amor, se meu presente
é meio louco e bobo
e superado:
uns lábios em silêncio
(a música mental)
e uns olhos em recesso
(a infinita paisagem).