terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso - Está nos faltando a mensagem que aponte caminhos de esperança para passos à frente

Em resumo, há algo de novo no ar e não apenas nas plagas brasileiras. Uma nova sociedade está se formando e não se vê claramente que instituições políticas poderão corresponder a ela. Dito à moda gramsciana: o velho já morreu e o novo ainda não se vislumbra; ou, se vislumbrando, não é reconhecido, acrescento.

Que força motora provoca tão generalizadas modificações? Relembrando o assessor de Clinton que dizia sobre o fator-chave nas eleições “é a economia, seu bobo”, poder-se-ia dizer agora: é a globalização (como digo há décadas). Esta surgiu com as novas tecnologias (nanotecnologia, internet, robotização, contêineres etc.) que revolucionaram as relações produtivas, permitiram a deslocalização das empresas, a substituição de mão de obra por máquinas, a interconexão da ´produção e dos mercados etc. Tudo visando ‘maximizar os fatores os fatores de produção’, ou seja, concentrar os centros de criatividade, dispersar a produção em massa para locais de mão de obra abundante e barata e unificar os mercados, sobretudo financeiros. Criaram-se assim condições para a emergência de sociedade novas.

Novas não quer dizer ‘boas sociedades’, depende de para quem. Sem dúvida, o crescimento exponencial da produtividade e de produção aumentou a massa de capitais no mundo. Sua distribuição, entretanto, não sofreu grande desconcentração. Mais ainda, o ‘progresso’ trouxe, ao lado da diminuição da pobreza no mundo, o aumento do desemprego formal e dificuldade para a empregabilidade, posto que o trabalho humano conta mais, nos dias de hoje, se com ele vier critividade. Globalmente houve um amortecimento do controle nacional de decisões (pela concentração de poder nos polos criativo-produtivos e bancários) sem haver regras de controle financeiro global. Com isso a ameaça de crises, ou ao menos a percepção da possibilidade delas, aumentou as incertezas.

Merval Pereira - Nadando pelado

- O Globo

Melhora na situação econômica é evidente, mas precisa chegar ao dia a dia do cidadão

Um dos símbolos do capitalismo, o investidor Warren Buffett tem uma frase definidora dos momentos de crise: “Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa”. Quando a crise econômica de 2008 explodiu, começou a aparecer muita gente pelada, e empresas e países até hoje vivem às voltas com esqueletos daquele momento.

As reformas econômicas necessárias para superar a crise, especialmente nos países em desenvolvimento, trazem consigo conflitos. Em diversos pontos do planeta surgiram, e ainda surgem, manifestações populares contra a alta dos preços, a falta de serviços públicos adequados, a globalização excludente, o capitalismo selvagem que aumenta a desigualdade, a pressão por produtividade num mundo cada vez mais tecnológico.

Na França vee-se protestos diários contra a reforma da Previdência, depois de quase um ano de manifestações dos "gilets jaunes" que refletem as dificuldades da classes médias rural e urbana em enfrentar reformas que aumentam impostos. As redes sociais ajudam a espalhar o descontentamento, desencadeando tanto a Primavera Árabe, um anseio de liberdade, como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, ou a aprovação do Brexit na Inglaterra, manifestações de protesto dos que se sentem excluídos, ou temem sê-lo.

Carlos Andreazza - Weintraub é uma ideia

- O Globo

Bolsonaro é hábil gestor de zumbis

Especula-se sobre uma reforma ministerial e a queda de Abraham Weintraub. Não sei se este é o intento do presidente. Sei que a campanha contra o ministro da Educação tem por fonte — por cérebro e motor — a ala ideológica do governo, a que dá formulação e discurso ao bolsonarismo, e que ocupa território privilegiado, falando ao ouvido de Jair Bolsonaro, no Planalto. Sei também que este grupo não age — jamais agiu em quase um ano — sem o aval do presidente; e que nunca rachou. Terá sido a primeira vez?

Não faltam elementos a expor a fervura do óleo na panela amiga em que se quer empanar o ministro. Isso não significa, porém, que Weintraub cumpra mal a missão que lhe foi designada.

Bolsonaro estimula os conflitos internos. Há método na forma como multiplica inseguranças entre auxiliares. Ninguém estaria tão firme. O vaivém de sua palavra — o modo como provoca confrontos inclusive entre colaboradores os mais graduados — tem como meta também desautorizá-los. Ele o faz em público. Distribui derrotas. O mais forte no núcleo duro governista é o menos fraco.

Já escrevi, nesta coluna, sobre “a lógica do fusível” com a qual o presidente gere ministros. O fusível é um dispositivo cuja existência consiste em ser um anteparo condenado a queimar para que queimado não seja o sistema; para que protegidos restem governo e governante. Bolsonaro não hesita em atropelar acordos — firmados por delegados seus, sob sua chancela — se puderem ser entendidos como triunfos em excesso da agenda de um assessor.

Terá sido assim — sob o espírito do “não se pode ganhar sempre” — que dinamitou o envio ao Parlamento da reforma administrativa costurada por Paulo Guedes. Foi assim que não mobilizou nem sequer minuto contra a diluição — a perda de identidade — do pacote anticrime de Sergio Moro; isto enquanto articulava para secar a independência lavajatista do ministro da Justiça, o popular ex-Moro, e transformá-lo no que ora é: espécie de advogado do bolsonarismo.

José Casado - A Rio-2016 não acabou

- O Globo

Ninguém sabe quanto exatamente custou ou vai custar a Olimpíada

Faltam seis meses para os Jogos Olímpicos de Tóquio e, até hoje, o Brasil ainda não conseguiu encerrar a Rio-2016. Pior: ninguém sabe quanto exatamente custou ou vai custar. Estimam-se gastos de R$ 44 bilhões. A conta final, porém, talvez ainda leve anos para aparecer.

Ela depende da conclusão de uma série de ações judiciais, das obras de infraestrutura inacabadas e de pelo menos mil e um reparos considerados essenciais para que as estruturas na Barra da Tijuca não desabem, não sejam alagadas ou incendiadas.

Nesse legado carioca tem-se a síntese de uma antiga história de amor urbano por grandes obras que unem políticos, empreiteiros e especuladores imobiliários. No epílogo, predomina o caos no Rio pós-olímpico.

Entre responsáveis destacam-se o PT, o PMDB, o PCdoB e o PRB (atual Republicanos). Juntaram-se para injetar 80% dos recursos públicos num bairro, a Barra da Tijuca, onde vivem apenas 5% da população.

Bernardo Mello Franco - Energúmeno

- O Globo

Bolsonaro chamou Paulo Freire de “energúmeno”. O educador recebeu 34 títulos de doutor honoris causa. Quando morreu, seu detrator ainda vagava no baixo clero

Depois de atacar uma garota de 16 anos, o presidente resolveu difamar um educador morto. Na semana passada, Jair Bolsonaro chamou a estudante Greta Thunberg de “pirralha”. Ontem ele se referiu a Paulo Freire como “energúmeno”.

A jovem sueca não teve tempo para se abalar. No dia seguinte ao insulto, foi escolhida a Pessoa do Ano pela “Time”. A revista americana reconheceu sua militância em defesa do meio ambiente. Enquanto ela inspirava estudantes de todo o mundo, Bolsonaro despontava como vilão ambiental.

A comparação com Freire também é desfavorável ao presidente. O professor foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz e recebeu 34 títulos de doutor honoris causa no Brasil e no exterior. Morreu em 1997, quando seu detrator ainda vagava no baixo clero da Câmara.

Autor de “O Educador: Um Perfil de Paulo Freire” (Todavia, 256 págs.), Sérgio Haddad explica que seu biografado tinha pouco a ver com a caricatura feita pelo bolsonarismo. “Freire nunca foi comunista. Era um cristão humanista, preocupado com a igualdade e com a justiça social”, afirma.

Míriam Leitão - Nos fundos, o segredo do ES

- O Globo

Espírito Santo fez transição de governo com a manutenção da cultura fiscal. Estado agora quer investir e poupar para o longo prazo

O Espírito Santo prepara o futuro dos capixabas com investimentos, fundos e reformas. A da Previdência já está aprovada. O Fundo Soberano foi criado com parte dos recursos do petróleo, que ficará com 15% da participação especial e 45% dos royalties. Isso dá em torno de R$ 400 milhões por ano. Foi feito também um fundo garantidor de PPP de R$ 20 milhões. E tem ainda o fundo de infraestrutura que receberá uma bolada de R$ 1,5 bilhão de um acordo com a Petrobras.

— Lógico que para mim R$ 1,5 bilhão em 4 anos seria muito bom usar, em obra, em programa. Mas é um sinal de longo prazo. Os recursos sairão da receita corrente líquida para o Fundo Soberano (Funses). Ele tem o papel de uma poupança intergeracional. Poupança para sempre. Daqui a 40 ou 50 anos os gestores que estiverem no Espírito Santo decidirão o que fazer com esse dinheiro. Isso dá também estabilidade aos capixabas — diz o governador Renato Casagrande.

Essa visão de longo prazo e do ajuste fiscal como parte de um projeto de investimentos é raro no país, mas tem sido presente no Espírito Santo, o único estado a receber nota A do Tesouro Nacional. Um dos segredos, segundo Casagrande, é a continuidade administrativa:

Ricardo Noblat - Ofensa pessoal a seus desafetos, a arma predileta de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Ataque ao mais premiado educador brasileiro

No entorno do presidente Jair Bolsonaro, ministros e assessores celebravam o fato de ele estar dando mostras de certa contenção nos últimos meses. Parecia ser assim desde que fora aconselhado, logo após a libertação de Lula, a não responder a eventuais ataques dele. Preferível que o deixasse falando sozinho.

Bolsonaro conformou-se, fechou a boca e resistiu o quanto pôde. Até que não deu mais. Seria contrariar a própria natureza. Na semana passada, agrediu a ativista ambiental sueca Greta Thunberg chamando-a de “pirralha”. Greta havia lamentado o assassinato na Amazônia de três índios no período de um mês.

Sem mais nem menos, uma vez que Lula anda calado, Bolsonaro aproveitou uma entrevista coletiva na porta do Palácio da Alvorada para referir-se a ele como “o dos noves dedos”. Quando era torneiro mecânico em São Bernardo do Campo, em São Paulo, Lula perdeu um dos dedos em acidente de trabalho.

Pablo Ortellado* - O que aconteceu no Reino Unido?

- Folha de S. Paulo

Diagnóstico sobre derrota dos trabalhistas vai moldar estratégia da esquerda contra o populismo de direita

Nos últimos anos, correntes de esquerda têm defendido que a estratégia apropriada para responder ao populismo de direita seria recuperar a confiança da classe trabalhadora com uma ambiciosa ampliação das políticas sociais financiada com impostos sobre os ricos.

As eleições no Reino Unido, na semana passada, podem ter sido o primeiro teste da ideia.

Depois de conduzir uma luta intestina contra os moderados, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, conseguiu elaborar um programa segundo essas linhas para as eleições de 2019. Sua derrota, com o pior resultado eleitoral para os trabalhistas desde 1935, está levando a esquerda a se perguntar sobre as causas do fracasso.

De um lado, moderados acusam o radicalismo do programa trabalhista –que ampliava demais os gastos sociais, propunha reestatizações e trazia grandes aumentos nos impostos– de ter não conquistado, mas, sim, assustado a classe trabalhadora.

Outros, porém, chamam a atenção para a postura confusa e ambivalente do programa trabalhista para a questão mais importante do país desde 2016, o brexit.

Joel Pinheiro da Fonseca – Aprendendo com a Inglaterra

- Folha de S. Paulo

Um candidato de esquerda divisivo e com propostas radicais não é o caminho

Imagine o alívio do cidadão britânico neste momento. Foram três anos de discussões intermináveis, idas e voltas, tentativas frustradas e acordos que não vingaram; três anos sem nem sequer saber se a decisão tomada em plebiscito seria respeitada ou se uma nova chamada às urnas estava a caminho. Agora, com a vitória de uma sólida maioria conservadora, a angústia finalmente acabou: o brexit será feito.

Pode não ter sido a melhor escolha. Sim, o povo erra. Aliás, é um exemplo paradigmático do que um plebiscito não deveria ser: uma pergunta com implicações profundas para o país, que envolve uma série de áreas distintas, exige conhecimento técnico detalhado e, pior, não define como se realizará aquilo que o povo escolheu. Dado o resultado das urnas, no entanto, seria impossível voltar atrás sem desmoralizar por completo a democracia do país.

A disposição de Johnson de seguir adiante com o brexit mesmo que nenhum acordo seja selado com a União Europeia dá a segurança de que o prometido finalmente acontecerá. E, se tem algum efeito junto à UE, é de aumentar a chance de um acordo, algo que interessa a ambos os lados.

Ranier Bragon – Democracia tem preço

- Folha de S. Paulo

Financiar campanhas com dinheiro público não é imoral; modelo é que tem que ser revisto

Congresso e governo definem nos próximos dias quanto será sacado dos cofres públicos para financiar candidatos a prefeito e vereador em outubro do ano que vem.

Trama-se o escândalo nacional de tirar mais de R$ 2 bilhões da merenda das criancinhas para colocar na mão de uma súcia de vigaristas. Esse é o enredo contado e repetido, o que indica que bilionário também é o palavrório fiado em torno do tema.

A não ser que concordemos que a "transformação que o Brasil quer" não se dará pelas vias democráticas, é preciso saber que a democracia tem um custo, e ele não é pequeno.

Sinto desapontar o patriota da camisa verde e amarela, mas, mesmo que não houvesse fundão, esses R$ 2 bilhões possivelmente não iriam para a merenda das criancinhas. Poderiam ir pra qualquer coisa –incluindo o custeio da logística para Jair Bolsonaro acompanhar in loco as rodadas do Brasileirão– ou apenas para a redução do déficit fiscal.

Hélio Schwartsman - Entropia ambiental

- Folha de S. Paulo

Na COP-25, Brasil se comportou como verdadeiro vilão do meio ambiente

O problema, no fundo, é a entropia. Ela está inscrita na natureza do universo. Existem muito mais maneiras de destruir coisas do que de criá-las ou mesmo de mantê-las. Um bom exemplo de dissipação entrópica é a nova política ambiental do governo brasileiro.

Até alguns anos atrás, o Brasil pertencia ao seleto clube das nações campeãs da preservação ambiental. Não apenas vinha obtendo relativo êxito no controle de emissões de gases-estufa como contribuía ativamente para que os acordos internacionais sobre ambiente avançassem.

O primeiro arranhão no selo ambiental brasileiro veio no segundo mandato de Lula, quando a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, depois de perder vários embates para a ala desenvolvimentista do governo, liderada por Dilma Rousseff, pediu demissão. Mas foi só uma esfoladela, que afetou mais o marketing do que o produto. O Brasil permaneceria ainda por muitos anos no grupo dos países bonzinhos, mesmo que, de vez em quando, precisando explicar alguma derrapada.

Andrea Jubé - A Justiça tarda, o Legislativo retarda

- Valor Econômico

PEC da segunda instância no Senado acabou no arquivo

O histórico de tramitação da PEC dos Recursos no Senado, que após sete anos foi arquivada sem votação no plenário, é um mau prenúncio para a proposta de emenda constitucional de conteúdo idêntico que tramita há um mês na Câmara dos Deputados - mais conhecida como PEC da Prisão em Segunda Instância.

Sem alterar o artigo 5º da Constituição, considerado “cláusula pétrea” - que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” - ambos os textos modificam o sistema recursal para fixar o trânsito em julgado das sentenças após a decisão em segundo grau de jurisdição.

Em 2011, o então senador Ricardo Ferraço (ES), na época filiado ao MDB, apresentou a PEC 15 propondo alterações para abreviar a tramitação dos recursos nos tribunais superiores e acelerar a entrega da prestação jurisdicional.

Na era pré-Lava-Jato, a motivação política naquele ano eram as críticas recorrentes do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, à sobrecarga de recursos nos tribunais e à demora da execução das sentenças judiciais.

“O sistema não é apenas custoso e ineficiente, ele é danoso e eu diria perverso”, disse Peluso durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em junho de 2011 para debater a PEC de Ferraço.

Com o convite já aprovado, Peluso será o primeiro a participar da série de audiências públicas programadas para fevereiro na comissão especial da PEC da Prisão em Segunda Instância na Câmara, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP).

Ricardo Barboza* - O canal do crédito

- Valor Econômico

Os otimistas deveriam ficar alertas com possíveis novos banhos de água fria

Há um clima de otimismo no ar respirado pelos meus colegas economistas. Muitos acreditam que o PIB do Brasil agora vai deslanchar. As causas do otimismo são diversas. Pelo lado estrutural, a tal “agenda de reformas”. Pelo lado conjuntural, principalmente o canal do crédito. Vejamos este último.
Para quem não sabe, o canal do crédito é um dos mecanismos de transmissão da política monetária. Quando o Banco Central reduz a taxa Selic, esse movimento barateia o custo do capital, o que aumenta as concessões de empréstimo e a demanda agregada. No curto prazo, quando há capacidade ociosa, o aumento da demanda agregada eleva o PIB do país.

Há estudos que sugerem que o canal do crédito é o principal mecanismo de transmissão da política monetária para a atividade econômica no Brasil. Isso quer dizer que quando o Banco Central reduz a taxa básica de juros, é do mercado de crédito que vem o maior empurrão para o PIB.

Muitos colegas imaginam que o empurrão dessa vez será forte. Além da taxa Selic estar hoje na mínima histórica, há perspectiva de que ela possa diminuir ainda mais nos próximos meses (até 4,25%, segundo o Focus), permanecendo em patamares reduzidos por um período relativamente longo.

Além disso, o mercado de crédito brasileiro passou recentemente por algumas mudanças, que, em tese, tornariam o crédito direcionado mais sensível às alterações na Selic. Por exemplo, a mudança da TJLP para a TLP teria aumentado a potência da política monetária, fortalecendo o canal do crédito.

Eliane Cantanhêde - Educadores, tremei!

- O Estado de S.Paulo

A TV Escola vai acabar ou virar veículo de propaganda da extrema direita?

O ano vai terminando, mas o presidente Jair Bolsonaro parecer disposto a atrair chuvas e trovoadas e causar marola até o último dia, o último minuto. Xingar o patrono da Educação brasileira de “energúmeno”? Acusar a TV Escola de ser esquerdista e “deseducar”? É, no mínimo, chocante.

Energúmeno significa endemoniado, possuído, mas costuma ser usado para denegrir a imagem de alguém como idiota, louco, bobo, às vezes fanático e exaltado. Quem, em sã consciência, pode achar que Paulo Freire é merecedor de algum desses adjetivos? Um homem que dedicou a vida à educação, sonhou e trabalhou pela igualdade, pelos direitos dos mais desvalidos, pela consciência coletiva de que, sem condições iguais na largada, ou na infância, o Brasil jamais será um país igual para todos.

Fica ainda mais trágico quando quem chama Paulo Freire de endemoniado enaltece demônios como Pinochet, Stroessner, Brilhante Ustra. Freire lutou pela vida, pelo bem. Os ídolos do presidente geraram morte, tortura, desaparecimentos, destroçando vidas e famílias cruelmente.

Nada anda na educação, que acaba de perder mais um ano e acumula déficits há décadas (inclusive porque jogaram fora os princípios e métodos de Paulo Freire). Veio o patético Vélez Rodriguez, que demorou, mas caiu. Veio o performático Abraham Weintraub, que está demorando e, segundo Bolsonaro, não vai cair. E a política para o ensino básico, o ensino médio, o ensino superior? Ninguém sabe, ninguém viu. No MEC, o foco está em ideologia.

Só se ouve um ministro mandar professores e alunos decorarem e entoarem o slogan de campanha do presidente da República e o outro acusar as universidades de só servirem para “balbúrdia” e plantação de maconha, enquanto imita Gene Kelly num vídeo, faz palhaçadas em outro, ataca todo mundo e não perdoa nem Paulo Guedes.

Fernão Lara Mesquita - Por que o centro não existe

- O Estado de S.Paulo

O Brasil é refém de um ‘Sistema’ fechado em si mesmo, ancorado num passado que está morto

Esse nada do bolsonarismo x lulismo em que andamos vagando é o resultado da vitória da censura. A razão de ser do bolsonarismo é o lulismo e a razão de ser do lulismo é o bolsonarismo. Um existe como a negação do outro e os dois se equivalem e se anulam.

O diabo é que o centro não existe porque não sabe o que querer. Os social-democratas, portadores da síndrome do “renegado Kautsky”, nunca se livraram do “pecado original” que lhes permitiria existir por si mesmos. São a eterna sombra da esquerda antidemocrática dona do corpo que a produzia e que agora está morta. E os liberais made in Brazil simplesmente não têm no mapa a vasta planície que existe entre os dois abismos que assombram seus sonhos, o da presente iniquidade institucionalizada e o da anomia em que temem que o País caia se sair disso para o que lhes parece território incerto e não sabido. Faltam escola e jornalismo que dê a conhecer a ambos a hipermapeada solidez e a lógica prosaica da alternativa democrática real em funcionamento no mundo que funciona.

O Brasil das vilas perdidas do sertão que, no seu isolamento, tiveram de se auto-organizar para prover todas as suas necessidades praticou por 300 anos a “democracia dos analfabetos”, elegendo com pacífica e ininterrupta regularidade as lideranças da sua organização para a sobrevivência. Mas foi subitamente arrancado dessa sua “americanidade”. Tiradentes foi o último impulso de descolamento das velhas doenças europeias emitido por esse nosso DNA histórica e geopoliticamente democrático antes de elas passarem a nos ser instiladas de dentro, a partir de um Rio de Janeiro que purga até hoje o trauma do estupro em plena adolescência por uma monarquia decadente e corrupta no momento mesmo em que a democracia ensaiava os primeiros passos da sua terceira caminhada pelo planeta. Desde então temos sido cirurgicamente excluídos da trajetória dela...

Gaudêncio Torquato* - Política é missão, não profissão

- O Estado de S. Paulo

A política não é um fim em si mesmo. Trata-se de um sistema-meio para administrar as necessidades do povo. Sendo assim, é uma missão, não uma profissão. Aristóteles ensina que o cidadão deve servir à polis, visando ao bem comum. Ao se afastar dessa meta, dá lugar à corrupção. Que acontece quando “quem governa se desvia do objetivo de atingir o bem comum, e passa a governar de acordo com seus interesses”, diz o filósofo.

Por conseguinte, a política não deve ser escada para promover pessoas nem meio para facilitar negócios. Como sistema, desenvolve a capacidade de responder aspirações, transformar expectativas em programas, coordenar comportamentos coletivos e recrutar para a vida pública quem deseja cumprir uma missão social.

Esse acervo é utópico? Pode ser, mas deve servir de inspiração aos políticos. Infelizmente, em nossa cultura, a política tem sido tratada por muitos como um bom negócio. Tradição que vem lá de trás. Quando d. João III, entre 1534 e 1536, criou e doou aos donatários 14 capitanias hereditárias, plantava a semente do patrimonialismo, a imbricação do público com o privado.

Os donatários recebiam a posse da terra, podiam transferi-la para os filhos, mas não vendê-la. Consideravam a capitania como uma possessão, sua propriedade. A res publica virou coisa privada.

Hoje, parcela dos nossos representantes considera espaços públicos ocupados por seus indicados como feudos, extensões de suas posses. É assim que a política se transforma em um dos maiores e melhores negócios da Federação. O caminho é este: primeiro, conquista-se o mandato; a seguir, a política transforma-se em instrumento de intermediação. Temos um amplo mercado em um território com 27 Estados (com o DF), com nichos, estruturas, cargos e posições em três esferas: federal, estadual e municipal.

José Eduardo Faria* - Redes sociais e democracia

- O Estado de S. Paulo

Que a internet transformou os padrões comportamentais seguido pela sociedade, isso não é novidade. O problema é saber se o impacto dessas transformações na vida política foi bom, aprofundando a democracia, ou mal, corroendo-a. Quando a internet surgiu, a organização horizontal e descentralizada das redes sociais foi vista como um avanço rumo a uma democracia direta digital, com base em consultas populares eletrônicas. O tempo, contudo, deixou claro que as redes sociais têm corroído a democracia representativa baseada no sufrágio universal e no mandato eletivo, levando à perda da capacidade dos governos sobre os processos sociais. Em que medida o poder das tecnologias digitais está se sobrepondo à ação política e qual é a legitimidade desse poder?

A questão surgiu no contexto das transformações ocorridas nas décadas finais do século 20. Uma foi a revolução econômica, que ampliou a autonomia do capital com relação aos poderes políticos. Outra foi a revolução sociológica, pois os novos métodos de produção desestruturaram o mundo do trabalho e, por consequência, a composição social do operariado e da burguesia. Uma terceira revolução foi a tecnológica, que propiciou comunicação em tempo real e a formação de redes sociais. A quarta foi a política, com o enfraquecimento de muitos Estados nacionais frente à hegemonia de poderes transnacionais. A quinta revolução foi a cultural, que reconfigurou os horizontes de vida dos cidadãos e gerou conflitos de identidade, radicalizando disputas e tornando determinados conflitos não negociáveis.

O que a mídia pensa – Editoriais

CoP-25 fracassa e só UE mostra ousadia na agenda ambiental – Editorial | Valor Econômico

O bloco terá pela primeira vez uma lei do clima, que alinhará todos os instrumentos para se possível reduzir ainda mais as emissões

A conferência do clima da Organização das Nações Unidas em Madri (CoP-25) foi um fiasco. Após a informação de que as emissões de gases de efeito estufa voltaram a subir e bateram o recorde de 33,1 gigatoneladas, seria previsível que soasse um sinal de alerta nos 197 países que assinaram o Acordo de Paris e que eles buscassem coordenar esforços para resolver as questões pendentes - como a criação de um mercado global de créditos de carbono - comprometendo-se com metas mais ousadas já em futuro próximo. Com o esforço atual já consolidado, a temperatura do planeta aponta para uma elevação de 3,2 graus centígrados no fim do século. O limite da prudência é 1,5o C e o objetivo do acordo é não deixar que ultrapasse os 2o C. Na CoP-25 não houve acordo sobre praticamente nada.

Depois de maratona de duas semanas, encerrada com 44 horas de atraso, o máximo de compromisso que os países participantes puderam fazer foi o de “refletir” para que em 2020 aumentem a emissão de suas metas “o máximo que puderem”. Houve grandes divergências, pelo segundo ano seguido, sobre o artigo 6, que regula os créditos de carbono e cria um mercado global. China, Índia e Brasil emperraram um acerto, pois, entre outras coisas, querem que sejam reconhecidos os créditos de carbono criados pelo protocolo de Kyoto, de 1997. São US$ 4,3 bilhões - 60% da China, 10% da Índia e 5% do Brasil.

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto das metamorfoses

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.