quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Alberto Aggio - O que resta para a esquerda? *

O que resta agora para a esquerda? Em primeiro lugar, é preciso ultrapassar o PT e superar o binarismo instituído na competição política e eleitoral. O raciocínio binário carrega consigo uma estupidez intrínseca, com suas oposições estanques e uma visão de futuro canhestra e inflexível. Depois do desastre eleitoral, o PT e a esquerda que gira no entorno dele atualizaram esse binarismo com o diagnóstico de que sua derrota corresponde a uma ‘avanço do conservadorismo’. Trata-se de um desdobramento mecânico da fábula do ‘golpe’ e do “Fora Temer”.

Obviamente que há uma ascensão do conservadorismo na opinião pública. Isto é visível no plano cultural – especialmente manifestações retóricas de um anticomunismo que já não tem mais lugar --, mas ainda não atingiu com vigor a dimensão do político. Aliás, expressando-se por meio de lideranças de extrema direita, nessa dimensão, ele é francamente minoritário. É observável, contudo, que o conservadorismo ganha desenvoltura em confrontação com o binarismo petista, um modo de pensar apodrecido que não serve para nada.

De nada serve também advogar por uma ‘nova esquerda’ buscando repor um passado que atribua a ela estratégias e o espírito de ação inspirado em Che Guevara ou no ativismo de maio de 1968. O mundo mudou substantivamente e isso já ficou para trás há muito tempo.

Em paralelo a essa confusão há quem construa a utopia de uma ‘esquerda movimentista’ na qual a sociedade seja o ‘grande ator’, em substituição e de costas para os partidos políticos: os paradigmas aqui seriam a Grécia insurgente do Syriza e a Espanha pré-Podemos: uma perspectiva de grandes ilusões e parcos resultados.

O mimetismo uruguaio é outro modelo reivindicado. Por ele se pensa a refundação do `PT por meio de uma Frente Ampla de partidos e movimentos sociais. Para seus propugnadores, o erro do PT foi ‘afastar-se’ das suas bases sociais. Esta operação visa passar ao largo de uma autocrítica rigorosa e de inúmeras questões decisivas, tanto teóricas quanto políticas, deixando se dominar inteiramente pelo cálculo eleitoral. Parece ser uma ‘solução’ instrumental e retórica, nada mais do que isso. Sem mencionar a extraordinária dificuldade operacional para colocar de pé um tipo de projeto como este em um contexto de desmoralização de boa parte daqueles que são convidados a participar deste movimento.

Todas estas proposições estão fadadas ao fracasso. Elas não enfrentam seriamente o problema e não empreendem verdadeiramente uma ultrapassagem do PT. O tempo exige uma ‘outra esquerda’, plural, democrática e reformista que possa superar as visões finalistas e ingressar no século 21 com corpo e alma novos.

*Cf. “O labirinto da esquerda brasileira”. In As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José A. Segatto, M. Lahuerta e R. Santos. Brasília: Verberna Editora/FAP, dez. 2018.

Merval Pereira - Antes mais tarde do que nunca

- O Globo

A ideia é concluir obras paralisadas com expertise e força de trabalho de empresas que tenham firmado acordos de leniência

Com anos de atraso, as autoridades que cuidam dos órgãos de controle como CGU, AGU, TCU estão negociando com o Supremo Tribunal Federal (STF) uma legislação que permita sanear as empresas que fizerem acordos de leniência e, ao mesmo tempo, as obrigue a pagar por seus desvios, finalizando obras públicas paralisadas.

Essa legislação deveria ter sido proposta há muito tempo, ou pelo Legislativo ou pelo Executivo, como aconteceu com o Proer no governo Fernando Henrique Cardoso. Foi o ministério da Fazenda que coordenou a legislação que permitiu evitar uma crise do sistema bancário, transferindo o controle de bancos falidos como o Nacional e o Econômico, para outros saudáveis.

Os governos dos últimos cinco anos, período em que atua a Operação Lava-Jato, não pensaram numa legislação semelhante porque estavam envolvidos com as empresas punidas pela Lava-Jato, assim como o Legislativo.

O Tribunal de Contas da União (TCU) tem levado a debate uma proposta do ministro Bruno Dantas que permitiria o recebimento do prejuízo causado pela corrupção junto com a reativação da empresa. A ideia é concluir obras paralisadas relevantes - cerca de 14 mil pelo país - utilizando a força de trabalho e a expertise de empresas que tenham firmado acordos de leniência com o Estado e ainda estejam em dívida pelos danos causados por meio de atos de corrupção.

Bernardo Mello Franco - Um dia infeliz para a agenda positiva

- O Globo

O governo vai torrar R$ 40 milhões para falar bem de si mesmo. A ofensiva publicitária coincidiu com as buscas em endereços ligados a Flávio Bolsonar

O fenômeno é conhecido em Brasília: quando o governo vai mal nas pesquisas, os governantes concluem que o problema está na comunicação. Ontem o Planalto lançou outra campanha publicitária para exaltar a gestão de Jair Bolsonaro. Vai torrar mais R$ 40 milhões para falar bem de si mesmo.

A ofensiva foi apresentada com pompa, em solenidade no salão nobre do palácio. “Vamos ecoar o que há de bom no governo”, anunciou o secretário Fábio Wajngarten. Ele apresentou 49 filmetes de propaganda. Disse que a campanha, batizada de “Agenda Positiva”, vai “resgatar o orgulho e o sentimento de pertencimento do brasileiro”.

O homem da comunicação de Bolsonaro voltou a atacar a imprensa. Alegou que o chefe seria vítima de “uma insana e abominável perseguição”, movida por veículos “sem limites e sem escrúpulos”. “Vivemos, presidente, numa guerra aberta contra seu governo, seus ministros, o senhor e a sua família”, afirmou.

Ascânio Seleme - O golpe de Trump

- O Globo

Políticos encrencados e acuados ficam tão óbvios que se tornam vulgares, comuns

Não tenho a menor pretensão de querer substituir Dorrit Harazim ou Demétrio Magnoli, dois dos melhores comentaristas da política internacional do GLOBO, mas tampouco resisto a dar meu pitaco no processo de impeachment de Donald Trump. De todo modo, vou tratar do caso pelos pontos que o aproximam de nossa própria história política. Começando pela delícia de carta que o presidente dos Estados Unidos mandou para a presidente da Câmara, deputada Nancy Pelosi.

O documento mostra a fúria conhecida de Trump, mas isso pouco importa. O interessante é como esta ira se parece com a que vimos aqui no Brasil no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Separei alguns trechos da carta que parece terem sido tirados de discursos e pronunciamentos de Dilma, Lula e de inúmeros parlamentares do Partido dos Trabalhadores que tomaram as tribunas da Câmara e do Senado para protestar.

“Isto não passa de um golpe de Estado ilegal e partidário”. Quem disse isso? Todos os petistas se referiam assim ao processo de impeachment de Dilma. Mas a frase reproduzida literalmente é de Trump na carta a Pelosi. “É um abuso de poder inconstitucional sem igual na história”, escreveu o presidente americano lembrando o “nunca antes na história desse país”. Trump refere-se ao processo como “um juízo político (...) uma guerra contra a democracia”. Mesmos termos, quase literais, usados pelos defensores de Dilma.

Luiz Fernando Veríssimo - ‘No pasarán!’

- O Globo | O Estado de S. Paulo

Jovens hoje se equiparam aos antifascistas da Espanha na Guerra Civil

A jornalista Eliane Brum, conhecida batalhadora pelas boas causas, chamou atenção para uma matéria publicada recentemente no jornal inglês “Guardian” assinada por Jonathan Watts, seu editor de assuntos ambientais. A matéria é sobre os crimes em curso na Amazônia, o desmatamento, as queimadas, a grilagem, os assassinatos — enfim, tudo que se sabe e se lamenta dessa vergonha nacional. Mas Watts estranha que a revolta contra os crimes ambientais ainda não tenha atingido o grau de indignação que mobilizou tanta gente durante, por exemplo, a Guerra Civil Espanhola, quando voluntários republicanos vindos de várias partes do mundo se apresentaram para impedir que a direita franquista dominasse o país.

Míriam Leitão - Radiografia da crise do Rio

- O Globo

Crivella deu aumento a servidores quando já atrasava pagamentos e recusou ajuda do Bird porque não quis fazer o ajuste

- A cidade do Rio está vivendo uma situação dramática, em grande parte pelos erros do prefeito Marcelo Crivella e por sua incapacidade de administrar a cidade. O Rio recusou ajuda do Banco Mundial porque teria que fazer ajustes e, ao contrário do que se imagina, não teve queda de receita em relação ao ano passado. A arrecadação de IPTU e ISS cresceu 7,4%, mas com a natural concentração da receita do IPTU no começo do ano. O prefeito não fez as reservas que deveria ter feito para o segundo semestre e ainda concedeu aumento ao funcionalismo em janeiro mesmo quando já estava atrasando o pagamento das organizações sociais.

Esse é o retrato imediato. Há outras complexidades quando se olha o quadro de vários anos do município do Rio. Eu conversei com duas ex-secretárias de Fazenda do município, Duda La Roque e Sol Garson, e com técnicos federais que acompanham as finanças dos municípios para entender o colapso da cidade. Crivella recebeu uma situação difícil, mas poderia ter evitado essa crise, se tivesse se planejado.

As duas economistas admitem que o custo de saúde do Rio é muito grande. O ex-prefeito Eduardo Paes municipalizou dois hospitais estaduais em 2016, Albert Schweitzer em Realengo e o Rocha Faria, em Campo Grande, e construiu 36 novas clínicas da família. Tudo isso virou gasto.

Ricardo Noblat - O triste Natal da família Bolsonaro sob o estigma da corrupção

- Blog do Noblat | Veja

Tempestade anunciada
Há mais de um mês, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro que o procuravam para despachar ou tão somente jogar conversa fora ouviam dele que estava preocupado com o seu filho mais velho, o senador Flávio, que abandonara o PSL para embarcar na aventura do pai de construir um novo partido, o Aliança pelo Brasil.

Dos seus quatro filhos homens, Flávio é o mais introspectivo, o mais tímido, o mais ponderado. Sempre foi. Ao contrário dos irmãos Carlos, o vereador, e Eduardo, o deputado federal, Flávio se deixa abater quando desafiado. E mais abatido se tornou desde que começou a ser investigado por suspeita de corrupção.

Bolsonaro respirou aliviado quando o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os inquéritos abertos no país com base em informações fiscais sigilosas compartilhadas sem prévia autorização judicial, o que beneficiou Flávio. Mas quatro meses depois a decisão de Toffoli foi revogada.

Então Bolsonaro passou a temer que Flávio pudesse ser preso. Era o que repetia nos seus desabafos. Até que há uma semana ele teve a certeza de que algo poderia acontecer com Flávio. Foi quando se antecipou ao que estava por vir, autorizou Carlos a disseminar a informação nas redes sociais e preparou-se para o pior.

Não foi desta vez. Mas o que aconteceu ontem marcará para sempre o final do primeiro ano de governo do mais improvável dos presidentes brasileiros. Estreitou-se o cerco a Flávio e ao seu ex-motorista Fabrício Queiroz. Mas não somente a eles, também a Carlos e a uma ex-mulher de Bolsonaro.

Todos estão sendo investigados por crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Bolsonaro é citado por ter recebido dinheiro de Queiroz. Parte do dinheiro, que Bolsonaro atribui a uma dívida, foi depositado na conta de Michelle, sua atual mulher, a terceira.

Bolsonaro encerrou mais cedo seu expediente no Palácio do Planalto para reunir-se no Palácio da Alvorada com Flávio, seu advogado e Eduardo. Durante o dia, evitou os jornalistas. Deu ordem para que seus ministros não comentassem o caso. Orientara os filhos a não escreverem nada a respeito nas redes sociais.

Um dos ministro, o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, aproveitou uma solenidade no Palácio do Planalto para tentar baixar a tensão e alegrar Bolsonaro. “Em que pesem as críticas infundadas, presidente, o senhor está arrebentando”, disse. E mais: “Esses olhos azuis que conheci em 1973…” Não adiantou.

Fernando Schüler* - Democracia como máquina moderadora

- Folha de S. Paulo

Governo se move com estridência retórica e algum pragmatismo em decisões

Ainda na transição, sugeri que o governo Bolsonaro traria dois movimentos. De um lado, muito barulho por conta de sua personalidade, da guerra cultural e da polarização política; de outro, a dinâmica moderadora das instituições e a vigilância difusa na sociedade.

Foi o que aconteceu. Temos um presidente com simpatias autoritárias, cuja propalada agenda conservadora, da qual constava coisas como a ampla liberação do porte de armas, redução da maioridade penal, escola sem partido, naufragou solenemente.

Em seu lugar, emerge um país em claro processo de recuperação econômica. Menor taxa de juros, menor risco país em uma década, inflação estabilizada e a perspectiva de um crescimento acima de 2% em 2020.

No plano institucional, temos um Congresso com inédito protagonismo. Ainda esta semana aprovamos o novo marco legal do saneamento básico. Pequena revolução que o Congresso tomou para si, num exemplo quase perfeito do modelo de corresponsabilidade institucional. Há quem fique nervoso vendo estas coisas. Gente que fica horrorizada quando o governo não tem o comando do Congresso. De minha parte, acho isso ótimo para a democracia.

Maria Hermínia Tavares* - Pequeno e isolado

- Folha de S. Paulo

Nossos negociadores deram vexame na COP-25

Em 1992, o Rio de Janeiro hospedou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento —também chamada Cúpula da Terra. Nome adequado, pois alçou a mudança climática ao devido lugar na agenda internacional. Ao longo desses 26 anos terminados em 2018, o tema passou integrar a política externa brasileira, contribuindo para compor a imagem positiva de país emergente que demandava mais voz e reconhecimento nos foros multilaterais.

Neles, o Brasil podia apresentar como trunfos a sua matriz energética diversificada e menos dependente de combustíveis fósseis; a posse de quinhão considerável do grande repositório de biodiversidade da floresta amazônica; um marco regulatório avançado; instrumentos sofisticados de monitoramento e políticas governamentais que tratavam de pôr freio —embora muitas vezes sem êxito— à degradação ambiental.

A notável queda dos índices de desmatamento, na primeira década e meia do novo século, testemunha o avanço obtido a duras penas. No âmbito internacional, atento às assimetrias de poder, o Itamaraty atuou para que tivéssemos voz ativa. E buscou para Brasil o papel de intermediário confiável, empenhado em construir pontes entre as nações mais poderosas e aquelas em desenvolvimento, quando estava em jogo distribuir custos e responsabilidades na contenção da crise ambiental. Foi assim nas negociações que levaram ao Acordo de Paris, em 2015.

Mariliz Pereira Jorge - A falácia da maioria

- Folha de S. Paulo

Ao dizer que governa para a maioria, Bolsonaro varre os números para debaixo do tapete

Jair Bolsonaro não entendeu, e tudo indica que isso jamais acontecerá, que foi eleito para cuidar de todos os brasileiros e não apenas daqueles que o elegeram. E, volta e meia, vem com a ladainha de que governa para a maioria. Difícil saber se ele acredita nisso ou é só caô para ver se cola. Do jeito que fala, parece um democrata interessado no que o povo, a maioria mesmo, quer.

Com a falácia de defender os interesses da maior parte das pessoas, ele apenas varre os números para baixo do tapete, mas vamos relembrar. Jair teve 39,24% dos votos, quase 58 milhões de eleitores, o que ele adora exaltar, num universo de 147 milhões. Juntando Fernando Haddad, brancos, nulos e abstenções temos cerca de 89,5 milhões de brasileiros que não se sentem representados. Somem-se a isso os decepcionados e os arrependidos. Quem mesmo é minoria?

Bruno Boghossian – O cometa chegou

- Folha de S. Paulo

Investigação pode revelar essência política e relações da família no topo do poder

Poucos conhecem a essência do clã Bolsonaro como Fabrício Queiroz. Amigo do presidente há 35 anos, o ex-policial desabafou quando viu que as investigações sobre os gabinetes da família avançavam. Em julho, numa gravação, ele dizia que o Ministério Público tinha “uma pica do tamanho de um cometa” contra o grupo. Pois o cometa chegou.

A operação desta quarta (18) contra alvos ligados a Flávio Bolsonaro mostra o tamanho do estrago que o caso ainda pode provocar. Promotores já encontraram indícios de desvio de salários de assessores e conexões do clã com parentes de milicianos.

Suspeito de executar a “rachadinha”, o famoso Queiroz recebeu R$ 2 milhões de 13 assessores lotados no gabinete do filho do presidente na Assembleia do Rio, segundo a revista Crusoé. O Ministério Público identificou 483 depósitos desses funcionários na conta do ex-policial.

Roberto Dias – A sangue quente

- Folha de S. Paulo

Fatores que a explicam estão tudo, menos claros

Um fato desafia especialistas: a diminuição acentuada do número de mortes violentas no Brasil. Iniciada no ano passado, a queda se tornou mais abrupta em 2019 --dados preliminares apontam redução na casa dos 20%.

É claramente uma boa notícia num país ainda muito violento. Mas os fatores que a explicam estão tudo, menos claros. Como também não fica nada evidente que relação existe entre a queda da violência e o discurso de endurecimento da segurança que ganhou corpo nos últimos anos.

É inegável que a visão vitoriosa nas urnas em 2018 encontra nenhuma simpatia nos institutos que se dedicam a estudar segurança pública. Pudera, a ideia de "mirar na cabecinha" (concebida por Wilson Witzel) e a reação inicial de João Doria às mortes em Paraisópolis contrapõem-se ao bom senso, além de desprovidas de resquícios de empatia.

Maria Cristina Fernandes - Um bote sem âncoras sob o leme do capitão

- Valor Econômico

Eleito como um presidente tutelado, Bolsonaro jogou ao mar, um a um, aqueles que se julgavam âncoras de seu governo

Quando o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, porta-vozes das instituições que, em maior ou menor grau, haviam colaborado para sua ascensão, apresentaram-se como âncoras de seu mandato. Contrapunham-se ao desbocado poder presidencial para segurar, moderar e moldar o governo, condição que reduziria o titular ao papel de tutelado.

O capitão deixou correr a impressão de que se deixaria tutelar para depois desfazê-la. Começou pelos militares. Antes mesmo da posse, recebeu diploma militar que lhe havia sido negado por insubordinação. Povoou o primeiro escalão de quatro estrelas e, ao longo do ano, demitiu-os ou podou seus poderes, a começar por aqueles de seu vice. Enviou ao Congresso o projeto de reforma da carreira, maior ambição da farda, mas largou-os na tramitação e prestigiou as patentes menos aquinhoadas pelo texto.

Inalterados os ventos, Bolsonaro se manterá acima da linha d’água
Muitos oficiais da reserva permanecem nos cargos depois de destratados pelos filhos do presidente porque têm no complemento de soldo seu horizonte de mais longo prazo. O primeiro ano de governo não confirmou a tese de que a volta dos militares é o “novo normal” da política. As redes sociais do ex-comandante do Exército perderam eficácia e o sucessor impôs o silêncio na ordem do dia. Hoje os militares nem são próximos o suficiente para dar os rumos do governo nem distantes o bastante para dele se desvencilhar.

As pretensões do Supremo Tribunal Federal de servir de poder moderador do presidente acidental foram igualmente frustradas. A Corte acentuou suas divisões e a discricionaridade de suas decisões. Com velhos credores batendo à porta e o Ministério Público do Rio no encalço - desde a acomodação de arranjos familiares em gabinetes parlamentares ao imbróglio do assassinato da vereadora Marielle Franco -, Bolsonaro precisa manter o STF ao alcance da mão. Ao se prestar ao papel de conselheiro jurídico da algibeira palaciana, o presidente da Corte tenta estender ao Executivo a condição de posto Ipiranga dos políticos com contas a prestar.

Ribamar Oliveira - Orçamento impositivo alastra-se pelo país

- Valor Econômico

Modalidade já é adotada por 13 Estados, o DF e mais 9 capitais

Até o fim de 2018, 13 Estados brasileiros, o Distrito Federal e nove capitais adotavam algum tipo de Orçamento impositivo, de acordo com pesquisa realizada pelo professor Rodrigo Luís Kanayama, chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em conversa com o Valor, Kanayama alertou para o fato de que os números podem ter aumentado neste ano e que a sua pesquisa não abrangeu os municípios do interior.

No caso dos Estados, cinco deles adotam em suas constituições a obrigatoriedade para a execução de todas as programações orçamentárias. Outros sete e o Distrito Federal tornaram obrigatória a execução apenas das emendas parlamentares, e um deles, das emendas e das decisões tomadas em audiências públicas sobre o Orçamento.

Seis Estados inscreveram o princípio em suas legislações antes de o Congresso Nacional incluir na Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional 86/2015, a obrigatoriedade de execução das emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento. De 2015 a 2018, outros seis Estados foram pelo mesmo caminho.

Vera Magalhães - Queiroz para estragar o Natal dos Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

Tal como o Grinch, ex-assessor de Flávio volta à cena para assombrar o fim de ano da família presidencial

Busca e apreensão. Na penúltima semana do ano e um ano depois de Fabrício Queiroz se tornar um personagem conhecido nacionalmente graças a uma reportagem do Estadão, o Ministério Público do Rio trouxe o ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro de volta à cena política ao deflagrar uma operação de busca e apreensão com vários alvos, ligados a ele e a uma das ex-mulheres do presidente, Ana Cristina Valle, na capital do Rio e em Resende, interior fluminense. Os parentes são todos ex-assessores do filho 01 de Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio e figuram no inquérito que investiga se o ex-assessor foi usado para organizar uma "rachadinha" dos salários dos funcionários e quais as circunstâncias que explicam sua intensa e incompatível movimentação financeira e bancária.

Endereços. Uma loja de franquia de chocolates de Flávio Bolsonaro foi um dos lugares que receberam a visita do MP. O advogado do senador, Frederick Wassef, disse que não vão "encontrar nada", uma vez que o cliente não teria o que esconder. Reportagem da revista Crusoé esmiúça transações imobiliárias de Flávio e da mulher e diz que o MP trabalha com a hipótese de que imóveis tenham sido vendidos como forma de "lavar" o dinheiro proveniente da rachadinha dos salários dos funcionários.

Atraso. As buscas marcam a retomada do caso Queiroz depois de quatro meses de paralisia, graças a uma liminar concedida pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que sustou o inquérito e, de quebra, atingiu todas as investigações que tinham origem em relatórios do Coaf. Esta e as demais apurações só foram retomadas depois que, em novembro, o pleno do Supremo derrubou a liminar.

William Waack - Capitalismo político

- O Estado de S.Paulo

A modernidade do choque no Brasil entre economia ‘liberal’ e autoritarismo político

O debate se a Lava Jato destruiu empresas e empregos ou se salvou a “ética” que permite o funcionamento virtuoso de instituições públicas e privadas revela um aspecto mais profundo das relações que organizam o funcionamento da economia brasileira. Na verdade, a pergunta levantada pela Lava Jato é outra. É o grau de aproximação do Brasil com o chamado “capitalismo político”.

O termo não é novo, mas voltou à moda devido ao sucesso do livro Capitalism, Alone (assim mesmo, com vírgula), de Blanko Milanovic, um intelectual de origem iugoslava atualmente na City University de Nova York e com longa passagem por instituições multilaterais como o Banco Mundial – experiência que o ajudou a escrever outra obra recente de sucesso, sobre o desequilíbrio global. A tese central dele é a de que pela primeira vez na História da humanidade um só sistema econômico prevalece – o capitalismo – e a ele pertence o futuro. Mas a qual capitalismo?

O tipo que se revela de grande êxito é o “capitalismo político”, em oposição ao capitalismo liberal meritocrático. Seus grandes expoentes são China, Rússia, Índia e vários asiáticos e, entre suas características principais, segundo Milanovic, destacam-se a ausência da aplicação uniforme das regras legais e a imensa autonomia do Estado. Nesse modelo, prossegue o autor, não são as elites econômicas que tomam as decisões em função de seus interesses, mas uma elite política que as coopta e as dirige em função de seus objetivos políticos – o paralelo com o PT e os “campeões nacionais” é evidente.

Zeina Latif* - Efeitos colaterais

- O Estado de S.Paulo

O déficit previdenciário dos Estados seguirá em alta, prejudicando serviços públicos

A aprovação da reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103) foi bastante celebrada, e com razão. Foi um passo histórico, ainda que com 20 anos de atraso. Era para ser mais fácil reformar a Previdência. Precisou baterem à porta o fim do bônus demográfico e a grave crise fiscal para o País avançar. Sendo matéria constitucional, diferentemente da experiência mundial, o desafio é maior.

Apesar do importante passo, há efeitos colaterais. A decisão de enviar um novo projeto ao Congresso, ao invés de dar prosseguimento ao do governo anterior, proporcionou um impacto fiscal superior (R$ 830 bilhões em 10 anos contra R$ 604 bi do relatório do deputado Arthur Maia), mas gerou alguns custos relevantes.

A tramitação mais lenta (a PEC de Temer já havia sido aprovada nas comissões, estando pronta para votação no plenário da Câmara) prejudicou o avanço da agenda de reformas do governo. Em termos de atividade do Legislativo, o segundo semestre foi praticamente perdido, o que não é nada bom para um país que precisa de muitas reformas estruturais. Exemplo disso foi não ter avançado na reforma tributária.

Eugênio Bucci* - Sob ataque o regime da liberdade de imprensa

- O Estado de S.Paulo

Em 2019 o presidente moveu sua guerra suja contra o jornalismo. Como será 2020?

Entre os balanços negativos que o governo federal deixa em 2019, não nos esqueçamos da campanha estridente para desmoralizar a imprensa. Poucas vezes um presidente da República se empenhou tanto em difamar as redações profissionais. Segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a autoridade máxima do Poder Executivo alcançou, entre 1.º de janeiro e 30 de novembro de 2019, a marca de 111 ataques à imprensa. A campanha infamante cravou a média de um insulto a cada três dias.

No cômputo da Fenaj aparecem episódios da mais tosca brutalidade verbal. Mesmo quem não gosta de jornalismo se sente vexado. Num post de 9 de agosto, por exemplo, o presidente reclamou da ausência de punição contra “excessos” dos jornalistas. Além de mal-educado, o chilique é desinformado, pois todas as legislações democráticas, desde a histórica Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França, preveem a responsabilização dos que abusam da liberdade de expressão (está lá, no artigo 11 da declaração).

Naquele mesmo dia 9 de agosto, no Palácio do Alvorada, ao lado do ministro da Justiça, o presidente permitiu-se uma agressão suplementar (essa, aliás, nem consta do rol organizado pela Fenaj). Dirigindo-se a um grupo de repórteres, fez uso de sua rispidez habitual: “Se excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora, tá certo?”.

Roberto Macedo* - Deprimido, PIB melhorou. E o de SP ainda mais

- O Estado de S.Paulo

É preciso estar mais atento ao que se passa na economia do Estado de São Paulo

O IBGE publicou dados do produto interno bruto (PIB) do terceiro trimestre deste ano, e de trimestres anteriores, que permitem comparações. Houve quem celebrasse o fato de ao longo de 2019 terem aumentado as taxas trimestrais de variação do PIB, relativamente ao trimestre imediatamente anterior (com ajuste sazonal). Essas taxas foram de zero, 0,5% e 0,6% no primeiro, segundo e terceiro trimestres, respectivamente, o que poderia significar uma retomada mais firme da economia, pois, se esta última taxa fosse mantida, ela colocaria o PIB na tão almejada rota de um crescimento anual perto de 2,5%.

Será? Entendo que o País deveria definir uma estratégia para crescer bem acima dessa taxa, algo próximo de 4% ao ano, mas nem essa de 2,5% está garantida. A economia está numa fase com capacidade produtiva ociosa, quando o crescimento da produção é facilitado por não exigir maiores investimentos para expandi-la, o que aconteceria quando esgotada essa ociosidade. Virão esses investimentos?

Ademais, os últimos resultados do PIB não mudaram significativamente o quadro de depressão em que a economia se encontra. Quanto a isso, tenho divergido de quem saudou o tal fim da recessão quase como o fim da crise. Isso no início de 2017, quando, após oito trimestres consecutivos de taxas trimestrais negativas, o PIB engatou marcha de taxas positivas, com exceção da do segundo trimestre de 2018. Mas esta não trouxe de volta a recessão, pois há uma convenção entre economistas que define como “recessão técnica” a ocorrência de taxas negativas do PIB em dois trimestres consecutivos, e a sua interrupção caso essas taxas se tornem positivas em idêntico período.

Essa definição contribuiu muito para obscurecer a visão de um problema muito maior enfrentado pela economia, o de que desde 2015 ela está mesmo é numa depressão, que em 2019 completa seu quinto aniversário, e no contexto da qual essa “recessão técnica” poderia ser entendida como simples tecnicalidade. Isso não fosse o fato de que seu fim, apesar de não significar que a economia tenha saído do buraco em que se meteu em 2015, pelo menos indicou que começou a rastejar rumo à superfície.

O que a mídia pensa – Editoriais

O alcance da Lava Jato – Editorial | O Estado de S. Paulo

No entender do desembargador João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), é “bastante tênue, se não inexistente”, a ligação entre o caso envolvendo o empresário Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula da Silva, e o esquema de corrupção na Petrobrás. Assim, o desembargador, um dos responsáveis por julgar recursos em segunda instância dos casos envolvendo a Lava Jato, colocou em questão o alcance da operação, um dos aspectos mais controvertidos dos cinco anos de atuação da força-tarefa liderada pelo procurador Deltan Dallagnol em Curitiba.

Deflagrada em 2014 para apurar corrupção na Petrobrás, a Lava Jato “se expandiu e, hoje, além de desvios apurados em contratos com a Petrobrás, avança em diversas frentes tanto em outros órgãos federais como em contratos irregulares celebrados com governos estaduais”, diz o Ministério Público Federal em seu site. Ou seja, tornou-se, para seus integrantes, uma operação genérica contra a corrupção. Sendo assim, parece não ter nem objeto definido nem prazo para acabar, pois não se imagina que a corrupção venha a ter fim definitivo algum dia.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade – Campos de Flores

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.