segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Opinião do dia: O Globo / Editorial - Perseguir cultura e arte é agredir a nação

"Ataque do governo Bolsonaro à produção artística e cultural tem de ser contido em nome da democracia

Não se esperava de Jair Bolsonaro um início de governo tranquilo. O estilo agressivo demonstrado em 28 anos de trajetória como deputado do baixo clero na Câmara prenunciava tempos difíceis no relacionamento do presidente com atores políticos, organizações de representação social, pessoas e instituições que divergem dele. A intolerância com a diversidade já era notória.

Na campanha eleitoral os territórios de enfrentamentos foram sendo delimitados. ONGs, defensores do meio ambiente como um todo, índios, minorias em sentido amplo e tudo o que ele identificasse como esquerda estariam na mira. Neste sentido não houve surpresas. Mas o ataque à cultura e às artes chama especial atenção.

Não basta ocupar os espaços que eram dos “inimigos”. O aparelhamento de segmentos do Estado pelo bolsonarismo nada fica a dever ao PT e aliados. Mas não basta preencher vazios deixados pela saída de servidores do último governo e de “petistas” remanescentes.

É preciso destruir, desmontar as cadeias de produção artística e cultural, apagar qualquer marca, qualquer registro do passado. O mesmo desejo autoritário de reescrever a História observado em diversas épocas no mundo em vários países."

O Globo / Editorial – ‘Perseguir cultura e arte é agredir a nação’, domingo, 22/12/2019

Marcus André Melo* Contendo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Governo minoritário, aspirações majoritárias?

O governo Bolsonaro é marcado fundamentalmente pelo fato de se assentar sobre a maioria negativa que se forjou na disputa eleitoral e que explica seus contornos gerais ao completar um ano. Trata-se de governo minoritário, e nisso não há qualquer singularidade.

A questão chave é se o governo se enxerga como minoritário, ou se vê como objeto de uma delegação plebiscitária, inexistente, por parte de uma maioria silenciosa. Os sinais são ambíguos, mas os recuos e derrotas ocorridos --muito numerosos para serem listados aqui— são inconsistentes com o cenário de um conflito desestabilizador entre um presidente cesarista e Parlamento. E não se trata apenas de recuos estratégicos —como na escolha do filho para a embaixada nos EUA— mas de derrotas na arena parlamentar (MPs ou proposições legislativas) e na judiciária.

A maioria negativa —forjada por rejeição ao rival— resultou na escolha de um outsider, daí o comportamento amadorístico, para não dizer escatológico, de membros do governo. A retórica antissistema e antipartido vai também na direção contrária à lógica da formação de maiorias amplas: a primeira vítima foi o próprio partido presidencial.

Mas o fato de não contar com uma maioria positiva significa que o governo não tem um mandato global claro. Maiorias são forjadas de forma ad hoc —a aprovação de reformas na área econômica é exemplo.

Celso Rocha de Barros* – Os anos dez

- Folha de S. Paulo

Agora é torcer para que alguma coisa que perdeu na década de dez vença na de 20

No começo dos anos dez, a crise do euro sucedia a do subprime americano, o resultado da aterrissagem chinesa era incerto, e estava claro que não poderíamos mais contar com o cenário externo para crescer. Após décadas de crescimento baixo, era claro que o modelo econômico brasileiro estava esgotado. Nos anos seguintes, houve duas tentativas ambiciosas de reformá-lo: a Nova Matriz Econômica de Dilma Rousseff e as reformas liberais do pós-impeachment.

A Nova Matriz fracassou. Até o PT admite que as isenções fiscais e outras medidas de estímulo não geraram qualquer crescimento, mas desorganizaram completamente as finanças públicas.

Quando Dilma foi reeleita em 2014, os preços das commodities desabaram, e a Lava Jato travou o investimento público no curto prazo. Em épocas normais, seria hora de estimular a economia, mas o dinheiro do estímulo havia sido desperdiçado pela Nova Matriz quando estávamos no pleno emprego.

Os economistas ainda discutem o que teria sido melhor fazer em 2015, mas o fato é que o PIB caiu 8% em dois anos, um número de país em guerra. E assim terminou meia década de total prioridade à promoção do crescimento.

No começo do segundo mandato de Dilma, a Lava Jato ganhou velocidade e enormes escândalos da era petista vieram a público. Os escândalos das eras anteriores já tinham prescrito.

Uma grande onda de esperança tomou o Brasil, mas foi um azar que a crise econômica e as revelações da Lava Jato acontecessem ao mesmo tempo. A opinião geral era que o dinheiro acabou porque os políticos roubaram. Era mentira, mas foi o que tivemos no lugar de debate sério.
Foi mais ou menos nessa altura que o PSDB e o resto da centro-direita brasileira acharam que era uma boa ideia apoiar o impeachment de Dilma Rousseff, o que implicava amarrar seu programa de reformas e seus melhores quadros ao PMDB da Câmara no auge da Lava Jato.

Vinicius Mota – Condenados ao silêncio

- Folha de S. Paulo

No Brasil, presidente da República detém monopólio do megafone político

A política sob Jair Bolsonaro inovou em alguns aspectos. Ele é o primeiro governante desde a redemocratização a abrir mão de costurar maiorias estáveis no Congresso. Seu algoritmo corrosivo destruiu até mesmo a legenda de aluguel pela qual foi eleito.

Algumas coisas, entretanto, não se alteraram. Apesar de haver flancos para explorar, não se nota oposição ativa nem vocal.

O cercadinho da besta autoritária que habita o Executivo está sendo mantido por lideranças silenciosas da Câmara e do Senado, agentes de controle dentro da máquina estatal e organizações da sociedade.

Submergiram todas as forças partidárias derrotadas na eleição passada e também as que cogitam se alevantar na próxima. Lula na cadeia parecia galvanizar mais o público do que solto. Doria descobre que a vida de governador de São Paulo também pode ser dura. Huck continua dissolvido no caldeirão. Ciro onde estará?

Leandro Colon – Cheiro de casuísmo no Congresso

- Folha de S. Paulo

Seria saudável se mudança na Constituição fosse feita com o compromisso de que só valerá para os próximos presidentes

Eleito presidente do Senado em fevereiro, ao derrotar Renan Calheiros (MDB-AL), David Alcolumbre (DEM-AP) assumiu com a promessa de mudar os ares da Casa.

Em seu primeiro discurso, falou em "construção de um novo Senado". Na última sexta-feira (20), Alcolumbre demonstrou que velhas práticas da política nunca saíram de cena.

O senador confirmou o movimento para mudar a Constituição e permitir que ele, Alcolumbre, dispute a reeleição em fevereiro de 2021 para continuar à frente da Casa. "Se alguém quiser trabalhar, a gente não pode atrapalhar as pessoas", disse.

Ele continuou: "Se Deus continuar me dando saúde e eu continuar tendo uma postura compatível com o que a maioria compreende que é o certo, se alguém levantar esta possibilidade, vou estar à disposição".

Ricardo Noblat - A sorte de Lula depende do voto do ministro Celso de Mello

- Blog do Noblat | Veja

Decisão será tomada no início de 2020

Confidentes de alguns dos cinco ministros que integram a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acreditam que o colegiado anulará a sentença do ex-juiz Sergio Moro que condenou o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá.

O placar, ali, por ora estaria em 2 votos contra 2. Quem deverá definir a parada a favor de Lula será o ministro Celso de Mello. Ele não o faria com base no material divulgado pelo site The Intercept Brasil sobre conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato.

Pesará na decisão de Mello o vazamento ilegal autorizado por Moro da gravação de uma conversa telefônica entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff. À época, Dilma convidara Lula para ser ministro do seu governo e ele aceitara.

Naquele dia, a conversa foi gravada depois que expirara o prazo estabelecido pelo próprio Moro para o grampo no telefone usado por Lula. A Segunda Turma deverá se debruçar sobre esse assunto entre março e abril do próximo ano.

Caso, de fato, a sentença de Moro seja anulada, Lula recuperará a condição de poder ser candidato outra vez e o caso do tríplex terá de ser julgado novamente. As informações são do TAG REPORT, relatório semanal das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.

Fernando Gabeira - Um certo espírito de Natal

- O Globo

Cid Moreira narrava com tanta emoção a criação do mundo que cheguei a pensar que ele esteve lá quando tudo começou

Ando pela Serra Gaúcha colhendo imagens e histórias. Passei por Gramado, e o espírito de Natal, creio, baixou em mim. São tantos Papais Noéis, sentados, de pé, com um saco nas costas, tantas luzes, estrelas, presépios.

Há dois anos passei por aqui e entrevistei um Papai Noel que vivia numa aldeia temática. Passava os dias sentado numa poltrona, deixando-se fotografar ao lados dos turistas. Desta vez, vi um Papai Noel no banco de carona de um carro. Aproximei-me e perguntei se era ele o Papai Noel da Aldeia.

— Trabalho em outra empresa — disse.

Ho, ho, ho, pedi desculpas e segui em frente. De noite, vi um show chamado “Illumination”. Começa com a voz de Cid Moreira narrando a criação do mundo, segundo a Bíblia. Narrava com tanta emoção que cheguei a pensar que ele esteve lá quando tudo começou.

Recebo muitas críticas pelo que escrevo. Parte do jogo. Mas o espírito de Natal orientou minhas respostas. A um leitor que considerou uma piada de mau gosto minha frase sobre a importância da cultura africana, respondi com meu conceito de cultura e um Feliz Natal, Grande Ano Novo.

Da mesma forma, a um cético sobre o papel humano no aquecimento planetário mencionei a Revolução Industrial e também terminei com Feliz Natal e Boas Festas, porque é isso que desejo a eles, apesar das divergências ocasionais.

Cacá Diegues - Até a volta

- O Globo

Vamos sugerir a Witzel que ele seja responsável pela volta do Rio de Janeiro ao centro de nossa produção audiovisual

Estou me despedindo de 2019. Talvez ele não tenha culpa de nada do que me tenha acontecido, mas foi durante seu reinado que aconteceu. No plano geral e no close, um ano sombrio em minha vida. No público e no privado. Mas nem por isso rasgo as vestes e perco a esperança. Pelo contrário, são esses os momentos que temos para aprender a viver, compreender melhor o que o acaso tem a nos ensinar. Ou, como está lindamente escrito em recente ensaio de Andréa Pachá: “Somos alcançados pela ação arbitrária do tempo que nos ignora e age sem nossa autorização”.

Até o início do século XX, nos garantiam que o universo era uma máquina que fabricava seu próprio fim. Estávamos nas mãos da entropia universal. A largada do Big Bang, o peteleco de Deus no vazio do mundo, era um princípio que caracterizava o rumo do fim. Mas o físico alemão Max Planck, no ano de 1900, provou que a energia não era liberada de modo contínuo, e sim na forma de pequenos pacotes que ele chamou de quanta. Cinco anos depois, Einstein confirmava o que dissera Planck e, logo a seguir, Niels Bohr consagrava a disciplina dessas ideias: a Física Quântica. E nunca mais a entropia se acertou, o determinismo se estrepou, tudo pode acontecer no mundo em que vivemos.

Ana Maria Machado - Paz, amor e democracia

- O Globo

Há um projeto político de terra arrasada

Natal é hora de cultivar afetos e reconectar com amigos — mesmo meio afastados ultimamente, num país com os nervos à flor da pele, a multiplicar mensagens azedas e atitudes irascíveis. Na área da cultura, então, a julgar pelas nomeações recentes e delirantes manifestações dos nomeados, tudo indica que há um projeto político de terra arrasada contra intelectuais e artistas de todo tipo.

Lembro então dois escritores que defenderam uma atitude na contramão dessa insanidade dominante este ano, sobretudo com alvo ambiental, educacional e cultural.

A primeira foi Fernanda Young, ganhadora de um Jabuti póstumo e que, na última crônica publicada, fez um apelo inusitado. Pedia gentileza, educação, delicadeza, convencida de que só o bom gosto pode salvar o país, entregue à vulgaridade das palavras, deselegância pública, ignorância por opção, mentira como tática, e atraso das ideias. Impossível resumir melhor.

Affonso Celso Pastore* - Em defesa das agências reguladoras

- O Estado de S. Paulo

Cabe às agências reguladoras independentes exercerem livremente o seu papel

Mais uma vez, o presidente da República demonstrou profundo desconhecimento sobre o papel e a importância das agências reguladoras ao reclamar do seu "excesso de independência". Nada mais errado!

Uma das condições fundamentais para elevar a produtividade total dos fatores e acelerar o crescimento econômico é investir pesadamente em infraestrutura, o que, diante de um governo sem recursos, somente pode ser feito pelo setor privado na forma de concessões. Quando o governo faz um leilão competitivo – no sentido que é aberto a empresas nacionais e estrangeiras, evitando a formação de um cartel –, e concede ao ganhador a construção e a administração de uma rodovia, uma ferrovia, um porto, um aeroporto, uma usina geradora de energia ou uma linha de transmissão, está também criando um “monopólio natural”. O concessionário daquele serviço passa a ser o único a oferecê-lo, e para ser tolhido na tentação de explorar seu “poder de mercado”, quer elevando as tarifas de forma a penalizar os usuários, quer negligenciando na qualidade do serviço prestado, tem de obedecer às regras e aos limites impostos por uma agência reguladora independente, que use critérios técnicos e econômicos para garantir a qualidade e o preço dos serviços.

No passado, na grande maioria dos países eram os governos que realizavam tais investimentos. Mas, com o tempo, o mundo foi aprendendo que – desde que bem regulado – o setor privado é muito mais eficiente do que o governo. Há extensas análises realizadas por economistas mostrando que as “falhas do governo” neste campo superam em muito as “falhas de mercado”, que no passado eram usadas como justificativa para que essa atividade fosse executada diretamente pelos governos (Megginson e Netter; From State to Market: A Survey of Empirical Studies on Privatization). Simultaneamente a teoria econômica foi evoluindo, criando o novo campo – a Teoria da Regulação – que atualmente é perfeitamente entendido por economistas, formuladores e executores de políticas públicas, e em cuja criação e desenvolvimento contou com a contribuição de Jan Tirole, que em 2014 ganhou o Prêmio Nobel por seus estudos nesse campo.

Denis Lerrer Rosenfield* - Regularização fundiária

- O Estado de S.Paulo

MP 910 vai beneficiar majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%

O alarido do bolsonarismo, ancorado no incessante embate com inimigos reais ou imaginários, termina por obscurecer medidas importantes que estão sendo tomadas pelo próprio governo. O principal torna-se secundário e o secundário, principal, criando problemas tanto para a imagem do próprio presidente quanto para a do País no exterior, em áreas sensíveis como o meio ambiente. O desmatamento e os incêndios na Amazônia em muito têm prejudicado o Brasil e poderão ter ainda maiores repercussões no agronegócio. Somos o país mais protecionista do planeta, mas o governo não sabe comunicar o que de melhor fazemos.

Que outro país tem o instituto da “reserva legal”, que obriga o produtor rural a preservar, por seus próprios meios, uma parte de sua propriedade – que na Amazônia atinge 80% da área? Exemplo mais claro de “função social da propriedade” seria difícil imaginar. Por que nossos detratores não nos imitam? Por que as ONGs não levantam essa bandeira pelo mundo afora?

Recentemente o governo promulgou a Medida Provisória (MP) 910 e os Decretos 10.165 e 10.166, relativos à regularização fundiária em terras da União e assentamentos, graças a iniciativas do Ministério da Agricultura, da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários e do Incra. Trata-se de medida da maior importância, por combater diretamente os desmatamentos, possibilitar a produção rural e melhorar a vida de pequenos e médios produtores, além de assentados. A condição social dos agricultores e a preservação do meio ambiente são os maiores beneficiados. Note-se que as queimadas na Amazônia, em mais de 85%, foram feitas em áreas públicas e em assentamentos da reforma agrária, e não em áreas privadas. Culpar a agricultura e a pecuária não faz o menor sentido.

Bruno Carazza* - Sob pressão

- Valor Econômico

Denúncias de corrupção podem desestabilizar governo

Contra todos os prognósticos, Bolsonaro apostou na polarização para chegar ao poder e se deu bem. Numa estratégia bem pensada, suas polêmicas foram reproduzidas em massa via posts, memes e vídeos disseminados pelo WhatsApp e outras redes sociais. Em tempos de Lava-Jato, Bolsonaro encarnou o espírito do combate à corrupção, do antipetismo e da aversão aos partidos e à classe política tradicional. Mais do que isso, o então candidato autoproclamou-se protetor da moral e dos bons costumes - seja lá o que isso for.

Logo ao receber de Michel Temer a faixa presidencial, em discurso no parlatório do Palácio do Planalto, Bolsonaro celebrava a vitória e já sinalizava que o clima de campanha iria continuar: “É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto“, foram as suas primeiras palavras dirigidas à sociedade.

Como efeito direto de sua tática de “nós contra eles”, Bolsonaro herdou um eleitorado dividido. Já em abril, 35% dos brasileiros consideravam seu governo ótimo ou bom, enquanto 27% atribuíam a ele uma nota de ruim/péssimo. Essa diferença (8%) era disparadamente a menor entre seus antecessores eleitos nas urnas: Collor (33%), FHC (29%), Lula (44%) e Dilma (51%).

Após um ano de governo, Bolsonaro já conseguiu a proeza de cair para o campo negativo, em que o grupo daqueles que abominam o seu governo (38% de ruim/péssimo) supera a turma que o adora (29% de ótimo/bom). Collor levou um pouco mais de tempo para chegar a esse ponto: com o seu plano econômico fazendo água e as denúncias de corrupção começando a pipocar, a rejeição superou a aprovação depois de 16 meses. FHC foi mais longe, mantendo-se no campo positivo durante todo o primeiro mandato, garantindo com folga sua reeleição. A partir de janeiro de 1999, porém, com a desvalorização do real, mergulhou nas profundezas da desaprovação e nunca mais voltou à tona.

Sergio Lamucci - Juro baixo é o grande trunfo para 2020

- Valor Econômico

Com mais crescimento e uma trajetória mais benigna para a dívida, a percepção de risco melhora, tornando o cenário mais favorável para o investimento no país

A forte queda dos juros e a expectativa de que a Selic ficará baixa por longo período melhoraram consideravelmente o cenário para a recuperação cíclica e para a dinâmica das contas públicas no Brasil.

Mesmo se o Banco Central (BC) não cortar mais a taxa básica em 2020 e a mantiver em 4,5% ao ano ao longo do ano que vem, um juro real (descontada a inflação) pouco acima de zero deverá ter efeito importante sobre a atividade, contribuindo também para reduzir as despesas financeiras do setor público. Com mais crescimento e uma trajetória mais benigna para a dívida, a percepção de risco melhora, tornando o cenário mais favorável para o investimento no país.

Um avanço mais firme do PIB de modo sustentado vai depender do aumento da produtividade, mas o quadro de juros baixos deve sustentar a retomada cíclica, ainda que seja importante uma queda expressiva das taxas cobradas em empréstimos e financiamentos. Juros menores tendem a permitir um crescimento do PIB acima de 2% por algum tempo, desde que não haja uma piora acentuada no cenário externo e o governo não crie incertezas e problemas desnecessários, como na relação com o Congresso.

Antonio Risério* - De olho no lugar de fala

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Conceito traz consigo a ânsia autoritária de calar a diferença

[Resumo] Autor critica caráter autoritário de discursos identitários, que se manifestariam como "fascismo de esquerda". A ideia de lugar de fala corresponderia à ânsia de calar a diferença numa lógica perversa e paradoxal de "inclusividade excludente".

Minha intenção, aqui, é colocar o tal do lugar de fala no seu devido lugar. Mas, antes disso, me sinto na obrigação de fazer umas observações preliminares.

De uns tempos para cá, temos visto uma onda de violência se encorpando assustadoramente em todo o país. São calúnias, linchamentos verbais, agressões físicas. Partindo tanto do segmento atualmente mais barulhento da esquerda, cristalizado nos movimentos identitários e suas milícias (eufemisticamente tratadas como “coletivos”), quanto da extrema direita, com sua ponta de lança na boçalidade bolsonarista.

Recentemente, intelectuais de esquerda, a exemplo de Renato Janine Ribeiro, vêm falando sobre o assunto. Denunciando, por exemplo, ações para impedir que críticos do atual governo se manifestem em festas ou feiras literárias que, como a de Paraty, se converteram em arraiais juninos do identitarismo. Mas a crítica esquerdista a uma ascensão do fascismo entre nós tem sido feita de maneira estranha e sintomaticamente seletiva.

O que vemos são ataques ao fascismo de direita —e silêncio sobre o fascismo de esquerda. Como no dito popular, os macacos se negam a olhar o próprio rabo. E isso embora, em nossa conjuntura recente, o fascismo de esquerda tenha saltado na frente, como vimos em 2013, numa feira literária em Cachoeira do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, quando extremistas identitários impediram o geógrafo Demétrio Magnoli de falar e praticamente o expulsaram da cidade.


Antes que algum esquerdista proteste, aviso que uso a palavra “fascismo” a propósito de qualquer iniciativa que vise a exercer controle ditatorial sobre postura e pensamento dos outros, a fim de impedir que estes questionem dogmas de determinado grupo que se considera portador da verdade e do destino histórico da coletividade.

Digo isso porque, muito curiosamente, ainda existe quem pense que a esquerda —apesar das atrocidades protagonizadas por Stálin, Mao Tsé-tung, Pol Pot, Fidel Castro etc.— é imune ao fascismo.

Bem, o fascismo identitário corre solto, com sua pitoresca mescla de revolucionarismo fraseológico e conservadorismo ideológico (afinal, ninguém mais fala em transformação global da sociedade e instauração de um novo mundo; antes, luta-se por maior participação e mais oportunidades no interior da sociedade que aí está— batalha por empregos, salários etc., com todos ansiando fazer parte do “mainstream”, o que não tem nada de errado, mas também nada tem a ver com subversão e muito menos com socialismo) e seu típico pessimismo programático com relação às sociedades ocidentais modernas, mas com o neofeminismo fechando os olhos para a opressão masculina entre muçulmanos e o racialismo neonegro fingindo não ver a exploração do negro pelo negro em Angola ou na Nigéria, por exemplo.

Angela Alonso* - O ano do cavalo

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Bolsonaro desconcertou quem achava que a ferradura presidencial imporia a marcha da cavalgadura

No horóscopo chinês, o animal de 2019 foi o porco, símbolo de paciência e bondade. Lá no lado comunista do mundo, pode ser que esses bons sentimentos tenham predominado. Já no Brasil, sem dúvida, este foi o ano do cavalo. Houve coices para todos os lados e declarações equinas para todos os gostos —ou para todas as faltas dele.

Começou com a posse do Cavalão, apelido de juventude do presidente no Exército. O codinome reporta as qualidades que o destacaram entre os colegas: as atléticas, não as intelectuais. Seu atributo nuclear é a força, como sublinhou o filho Carlos em tuíte depois da facada: “O ‘Cavalão’ passa bem”. “O velho é forte como um cavalo”.

O país logo soube o significado de ter um presidente Cavalão. Se quem apelidou conhecia cavalos, deve ter pensado nos xucros, animais rebeldes à doma, que atacam até quem os alimenta e cordatos apenas sob cabresto. No páreo eleitoral, o xucro venceu o manga-larga e ressuscitou uma maneira de governar que hibernava desde a primeira metade dos anos 1980.

O estilo Bolsonaro revitalizou esta linhagem empoeirada de governantes nacionais que apreciam a cavalgadura. O mandatário anterior a amar os cavalos —e o pau de arara— foi o derradeiro da ditadura. Em 1978, quando um repórter perguntou ao ainda candidato a presidente, indicado pela cúpula militar, se estava gostando do “cheiro de povo”, o general Figueiredo respondeu que “o cheirinho do cavalo é melhor”.

Depois da redemocratização, os bichos do horóscopo foram talvez menos cheirosos, mas mais educados. Tucanos e Lulas brigaram no bosque que vai do centro à esquerda, mas jamais chicotearam adversários com o vocabulário de estábulo que atualmente grassa no pasto da extrema direita.

Mesmo os vizinhos do gramado à direita, Sarney e Temer, suportaram com galhardia as piadinhas infames sobre maribondos e morcegos. Bem ou mal, todos os presidentes pós-ditadura, até o temperamental Collor, respeitaram a liturgia do cargo e as formalidades democráticas.

José Castello* - Brasil real se parece com ficção

- O Estado de S. Paulo / Aliás

Este mundo em que o presente é engolido pelo pesadelo já nos foi anunciado por Verissimo, Loyola, Noll e Joca Terron, entre outros autores

Livros crescem com o avançar do tempo. Alguns se tornam espantosos. Já se passam quase 40 anos que Ignácio de Loyola Brandão publicou Não Verás País Nenhum (Global, 1981). O romance desenha uma impressionante distopia que antecipa, em traços medonhos, o futuro brasileiro. Lido hoje, e isso é assustador, ele não trata mais de um futuro longínquo, mas de algo muito parecido com nosso presente. As distopias guardam esse poder perverso: quanto mais o tempo passa, em vez de se dissolverem no passado, elas se agigantam e devoram a realidade. Afirmam-se não mais como pesadelos, mas como verdade.

O romance de Loyola, que antevê um Brasil dominado pelo fascínio autoritário, pela destruição da natureza, pela legalização da violência e pela reinvenção perversa da História, traça um retrato aterrorizante de nosso futuro não mais distante e improvável, mas imediato.

Uma década antes, em plena ditadura militar, José J. Veiga publicou Sombras de Reis Barbudos” (Companhia das Letras), narrativa em que a tirania e a violência se apresentam como benignas. Assim como em Não Verás País Nenhum, o presente é dominado por uma organização todo poderosa conhecida apenas como o “Esquema”. Veiga desenha um futuro em que noções de eficácia, vantagem e lucro atropelam todos os valores humanos e se impõem como única lei. Ideário que, mais uma vez, antecipa nossos tempos.

Martim Vasques da Cunha* - O inverso da utopia

- O Estado de S. Paulo / Aliás

A distopia parece ser o oposto da utopia, já que esta descreve um mundo ideal alcançável, enquanto a distopia fala de um mundo árido

As distopias são um gênero narrativo surgido no final do século 19, mais especificamente na Inglaterra, após o triste fato de que a visão de mundo utópica não tinha mais eficácia para capturar a imaginação da sociedade.

Naquela época, a ideia de progresso, alçada como um novo deus no Iluminismo francês e britânico, foi posta em dúvida devido à aceleração tecnológica promovida pela Revolução Industrial – e que desumanizou ainda mais os trabalhadores que já viviam em condições insalubres e miseráveis, próximas de uma nova escravidão. Além disso, a eclosão de duas guerras mundiais em um espaço de menos de 30 anos colaborou para o fortalecimento desse gênero na sensibilidade dos leitores, como mostra o sucesso de dois livros que marcaram o século 20: Admirável Mundo Novo, de Huxley, e 1984, de Orwell.

Para muitos, a distopia parece ser o oposto da utopia, já que esta descreve um mundo ideal que ainda pode ser alcançado, enquanto o primeiro prevê um mundo que todos nós queremos impedir que exista.

Como explico no meu livro Crise e Utopia (2012), o criador do termo utopia, Sir Thomas More, já avisava aos amigos, quando publicou o escrito com o mesmo nome, em 1516, que o mundo criado especificamente para o relato das aventuras do navegador ficcional Raphael Hitlodeu era, de fato, uma descrição do que poderia se tornar a Inglaterra do século 16. Para quem ainda não sabe, utopia é um neologismo grego com o advérbio ou – “não” – e o substantivo topos – “lugar”. O som resultante dá a impressão de ser uma palavra latina, utopia/ eutopia, que resulta em um outro trocadilho, desta vez significando lugar “feliz” ou “afortunado”. No próprio esboço inicial de More, a ilha se chamava Nusquama, outro trocadilho para “nenhures”.

Gustavo Krause* - Ano eleitoral

- Blog do Noblat | Veja

Calendário político

“Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? –pernas pro ar que ninguém é de ferro”. São “Poemas Minuto – filosofia” de autoria do pernambucano Ascenso Ferreira. Modernista, irreverente e boêmio. Em tudo, diferente, até no chapelão que usava, sombreando o inconfundível corpanzil.

Dele, Manuel Bandeira disse: “Os poemas de Ascenso são verdadeiras rapsódias do nordeste nas quais se espelha amoravelmente a alma, ora brincalhona, ora pungentemente nostálgicas das populações dos engenhos e do sertão. Ascenso identificou-se de corpo e coração com o homem do povo de sua terra”. Heitor Villa-Lobos musicou a poesia “Trem de Alagoas”, adaptado pelo menestrel, Alceu Valença, na composição “Vou Danado pra Catende”.

E o que tem a ver o poema de Ascenso com o ano eleitoral? Não foi intenção do poeta exaltar a preguiça macunaímica, mas não deixa de ser um convite ao ócio, quando não a um bocejo comprido em momentos do nosso calendário. Por exemplo: imprensar o dia útil entre dois feriados como se feriado fosse; esticar a quarta-feira de cinzas até a primeira segunda-feira pós-carnaval, o inicio do ano brasileiro; e, de quebra, prestar atenção ao final do período quaresmal quando, sagrado e profano celebram, cada qual a seu modo, o que seria a reflexão da semana santa.

O que a mídia pensa – Editoriais

Um governo perdido – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo do presidente Jair Bolsonaro não tem política ambiental. Não sabe o que fazer para interromper a destruição da Amazônia e de outros biomas nem demonstra disposição genuína de fazê-lo. Ao contrário, os atos e palavras do presidente da República e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quase invariavelmente confirmam a incapacidade do governo de compreender a extensão do problema e suas consequências políticas e econômicas para o Brasil.

Há algum tempo, o ministro Salles veio a público para, finalmente, admitir que estavam corretos os números que indicavam o avanço do desmatamento na Amazônia. É bom recordar que foi em razão da divulgação de dados muito semelhantes a esses pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que o presidente Bolsonaro mandou demitir Ricardo Galvão, então diretor do órgão, em agosto. “Eu tenho convicção de que os dados são mentirosos”, disse Bolsonaro na ocasião, acusando Ricardo Galvão de estar “a serviço de alguma ONG” – o que, conforme o léxico bolsonarista, é crime de lesa-pátria.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Cartão de Natal

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem,
o sim comer o não.