sexta-feira, 31 de julho de 2020

Roberto Freire: projeto Luciano Huck continua a todo vapor e pode dar protagonismo ao Cidadania em 2022

- Portal do Cidadania

Para o presidente do partido, viabilidade eleitoral do apresentador incomoda lulistas e bolsonaristas e candidatura pode vingar com apoio de MDB, DEM e PSDB

Em reunião da Executiva Nacional do Cidadania, nesta quinta-feira (30), o presidente Roberto Freire afirmou que o projeto Luciano Huck continua a todo vapor, apesar de a discussão sobre a candidatura ter arrefecido em razão da pandemia, com o apresentador se dedicando mais a articulações em solidariedade aos mais afetados e vulneráveis à doença. Isso, embora, segundo ele, o próprio presidente Jair Bolsonaro já tenha colocado a sucessão na agenda política nacional e nas redes sociais.

“Houve um ataque nas redes sociais em volume muito grande contra Huck, porque ele aparece nas pesquisas como perspectiva e isso gera receio de ambos os lados da polarização. Estamos vendo sua capacidade de articulação. Temos que ter afirmação nacional de que a nossa candidatura não é uma candidatura que admita o lulismo no seu retorno ou a ideia de bolsonarismo na sua continuidade. Isso tem de ser afirmado inclusive nesta campanha”, avaliou.

Freire viu nos duros ataques contra Huck, partindo de bolsonaristas e lulistas no Twitter, uma afirmação de força do apresentador, dando perspectivas cada vez melhores a uma eventual candidatura. Ele considerou um movimento importante, nesse contexto, a saída de MDB e DEM do centrão e apontou uma “oportunidade histórica” de que o Cidadania protagonize o processo eleitoral de 2022, buscando apoio, ainda, de outros setores e partidos da centro-esquerda e da esquerda democrática.

“Junto com o PSDB, forma-se um bloco importante para discutir uma candidatura do polo democrático. Nós podemos ser protagonistas nesse cenário. É importante ter nessa campanha essa persectiva. [Luciano Huck] Pode vir a ser nossa alternativa, o que é um processo em construção, no campo correto, como candidato de centro-esquerda. Não vamos ganhar com candidatos da direita. Moro, Mandetta e Bolsonaro, se candidatos, ocuparão o campo da direita”, argumentou.

Autonomia nas alianças regionais
Na reunião, chamada para apresentar um balanço das perspectivas eleitorais para novembro, Freire ponderou que, apesar de cada estado trabalhar questões políticas com foco na realidade local, o partido tem uma posição nacional e deve reafirmá-la.

“Não somos um partido regional ou de um local. Estamos com boa capilaridade nacional e cada um dos estados tem suas especificidades, particularmente nas questões políticas. Suas tradições, alianças, questões que mais atraem a preocupação da população, com diversidade em cada um dos municípios, e isso dá, nessas eleições, a realidade local como fundamental para o debate político. Mas é importante saber que o partido existe por uma posição nacional”, destacou.

Ainda segundo Freire, mesmo que aspectos da conjuntura política nacional sejam tratados de forma diferente nos estados, o partido mantém a continuidade do seu projeto.

“Não há um hiato de dizer que o partido tem uma posição nacional e que para neste momento para depois ser retomada. Hoje, o prioritário são as eleições municipais e cada um tem que saber como conduzir suas campanhas, especialmente do ponto de vista político. São autônomos em fazer suas alianças, o partido não tem veto. Mas o partido não vai parar de ter suas posições e sua intervenção no processo político nacional”, sustentou.

Ricardo Noblat - No governo Bolsonaro, servidor público antifascista inspira cuidados

- Blog do Noblat | Veja

Por que será?
A Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça admitiu que monitora 579 funcionários públicos federais que se declararam antifascistas nas redes sociais. A intenção da medida, segundo a Secretaria, é “prevenir práticas ilegais” e garantir a segurança. Não especificou que “práticas ilegais” os antifascistas costumam cometer. E por que elas ameaçam a segurança.

Por sinal, segurança de quem? Das autoridades constituídas em geral? Do presidente da República em particular? Do Estado como um todo? Quem sabe do planeta, uma vez que as redes sociais aproximam as pessoas e é possível que existam antifascistas em toda parte? Por que ser antifascista é algo perigoso? Aos olhos de quem? Está escrito em que lei, norma ou portaria?

Providência similar não foi tomada pela mesma Secretaria contra funcionários públicos que se declararam fascistas nas redes sociais. É de supor-se, portanto, que esses não representam uma ameaça, quando nada ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Ou vai ver que o serviço público está livre de fascistas. Ou que fascistas sejam mais prudentes e prefiram não se assumir como tal.

Resta outra hipótese: por razões ainda não suficientemente estudadas, os fascistas do serviço público e o governo Bolsonaro descobriram surpresos que compartilham os mesmos propósitos. Assim não haveria por que o Ministério da Justiça despender tempo e dinheiro vigiando-os. Para quê? Falam a mesma língua. Entendem-se bem. Os antifascistas é que devem se cuidar.

Nada de usarem as redes sociais para dizerem que são contra o fascismo, uma “ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia”. Nada de assinarem manifestos condenando outras ideologias que guardem alguma semelhança com o fascismo.

Os celulares já não inspiram confiança e a escuta se faz, hoje, a longas distâncias. Seu melhor amigo pode delatá-lo amanhã. Evitem estranhos. Evitem jogar conversa fora. Conversas cifradas podem facilmente ser decifradas. Vejam se não estão sendo seguidos. Aproveitem esses tempos de pandemia e usem máscara até que tudo isso passe. Com fé em Deus e no voto, vai passar.

Vozes

Ruy Castro - Bolsonaro pode estar certo

- Folha de S. Paulo

Sua frase de que o brasileiro se joga no esgoto e não acontece nada todo dia se confirma

Jair Bolsonaro disse que o brasileiro se joga no esgoto e não acontece nada. Bolsonaro deve saber —porque, no caso dele, é verdade. Basta ver seus amigos: políticos rastaqueras, policiais desonestos, milicianos condenados, assessores corruptos e industriais da violência. Até seus ex-vizinhos na Barra têm contas com a lei. Um presidente da República com acusados de assassínio na casa ao lado? Para Bolsonaro, é normal. Imagino seus churrascos com eles no condomínio, discutindo duplas sertanejas, o último programa do Ratinho ou um novo modelo de fuzil.

Daí não surpreende que seu governo inclua as piores pessoas do país. Ele não conhece outras. Dizia-se que dois ou três de seus ministros eram pessoas bem intencionadas. Mas pessoas bem intencionadas não se sentam a uma mesa com Ricardo Salles, Damares Alves, Ernesto Araújo, André Mendonça e Marcelo Álvaro Antônio —como a reunião ministerial de 22 de abril, ainda abrilhantada por Abraham Weintraub, tão bem demonstrou.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro tem chance de se reeleger?

- Folha de S. Paulo

Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre deles, terá produzido efeito positivo

Um dos problemas com a democracia é que ela favorece demais candidatos que já ocupam o cargo. A taxa de reeleição numa base de quase 3.000 pleitos realizados em diversas partes do mundo ao longo dos últimos dois séculos e meio é da ordem de 80%. Isso significa que nunca se deve desprezar um postulante à reeleição, por mais fraco que ele possa parecer.

Pesquisa recente do Instituto Paraná, que coloca o presidente como favorito à sua própria sucessão, animou as hostes bolsonaristas. Não tenho nenhuma razão para contestar os números do levantamento. Acredito mesmo que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro concorreria com grandes chances. Mas a eleição não é hoje. Será em 2022.

Dois anos em tempos de pandemia são uma eternidade. Nos cinco meses em que o Sars-CoV-2 circula entre nós, já vimos Bolsonaro renegar a bandeira anticorrupção e aliar-se ao centrão. Se há, porém, um fator razoavelmente consistente no que diz respeito a efeitos eleitorais, é a economia, que não vai ajudar o presidente.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro, o comunista

- Folha de S. Paulo

Governo quer tributar 1% mais rico e Bolsa Família gordo; presidente faz comício no Nordeste

Jair Bolsonaro fez caravana pelo Nordeste. Fez um minicomício em São Raimundo Nonato, sul do Piauí, cidade que está no quinto daquelas de menor desenvolvimento humano do país, segundo o ranking da Firjan, mas que muito progrediu nos anos lulistas. Inaugurou uma obra de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, ainda mais pobrinha que sua vizinha piauiense.

De dezembro de 2019 a junho de 2020, o Nordeste foi a única região em que Bolsonaro ganhou algum prestígio, segundo o Datafolha. Quando se trata de renda, apenas entre as famílias que ganham menos de dois salários mínimos o presidente ganhou pontos.

Os economistas de Bolsonaro querem tributar o 1% mais rico do país, embora também desejem uma CPMF, que não pega só a elite, pega 1%, pega geral, imposto especialmente detestado por banqueiros.

Paulo Guedes propôs um tributo que deve aumentar o custo de serviços consumidos pelos mais ricos (escola e saúde privadas, advogados etc.), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços. Seus economistas dizem pelos jornais que querem diminuir as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda (em geral, coisa de ricos).

Querem tributar lucros e dividendos, o que vai mexer com profissionais que são empresas de si mesmo no Simples, entre outros, além de pegar parte do dinheiro que rendem aquelas ações da Bolsa. Querem uma alíquota de IR maior do que 27,5% para “pegar” quem ganha mais de R$ 36 mil (que está no 1%), como disse a esta Folha Guilherme Afif Domingos, assessor de Guedes, como se fora um líder do Occupy Faria Lima.

Guedes quer criar um Bolsa Família ampliado. É verdade que o dinheiro extra do seu Renda Brasil é por ora apenas um catadão de recursos de outros programas sociais. Mas já poderia discutir o assunto com sociólogos de esquerda.

Míriam Leitão - CPMF: ‘Me chame pelo meu nome’

- O Globo

A CPMF tem má fama. Por isso o governo tenta outros nomes. O ministro Paulo Guedes ora fala em “imposto digital” ora diz que será sobre “transações eletrônicas”. Na verdade, o governo está tentando desde o começo trazer de volta o tributo que provocou muitas distorções. Ele incidiria sobre todos os pagamentos da economia, pesaria sobre todas as compras e transações financeiras, e dos dois lados, o que na prática vai duplicar a alíquota. O governo adoça o nome e oferece os prêmios, como a dizer: tudo isso será seu se aceitares o meu novo imposto.

A primeira coisa a fazer é apresentar a proposta e chamar tudo pelo nome certo. A palavra “digital” soa moderna e parece embutir uma porta de saída: se eu for analógico, poderei fugir do imposto? Se fosse isso, seria um incentivo ao retrocesso e uma punição a qualquer transação eletrônica. Ou seja, o governo estaria estimulando a que todos fossem fisicamente aos bancos, mesmo podendo fazer pagamentos online, e se dirigissem pessoalmente às lojas, mesmo preferindo compras online. Não é disso que se trata, mas se fosse já seria absurdo.

O ministro Paulo Guedes sempre quis introduzir na economia a proposta do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, desse imposto sobre pagamentos nos moldes da CPMF. Quando Cintra foi claro sobre a natureza do seu projeto tributário, ele foi demitido por decisão do presidente Jair Bolsonaro. Na época, Guedes lamentou: “Morreu em combate nosso valente Marcos Cintra.” Depois, Cintra disse numa entrevista que o governo continuava querendo exatamente aquele imposto. Verdade. A ideia ainda é a primeira.

Bernardo Mello Franco - Em campanha no sertão

- O Globo

Jair Bolsonaro vestiu chapéu de vaqueiro, subiu no lombo de uma égua e acenou em festa para a multidão. A mais de dois anos das eleições de 2022, o presidente produziu ontem uma típica cena de campanha. Só a máscara no queixo lembrava a pandemia em curso.

Com mais de 90 mil brasileiros mortos pela Covid, o capitão desembarcou no sertão para cumprir agenda de candidato. Ele voltou a ignorar as recomendações sanitárias: provocou aglomeração e pegou nas mãos de eleitores. No mesmo dia, o Planalto informou que a primeira-dama está infectada pelo coronavírus.

Montado na máquina federal, Bolsonaro tenta avançar sobre a última cidadela do lulismo. O Nordeste foi a única região em que ele teve menos votos do que Fernando Haddad em 2018. Agora recebe um de cada três reais do auxílio emergencial.

O programa já produziu dividendos eleitorais. O presidente ganhou popularidade entre os mais pobres, que passaram a representar 52% de seus apoiadores. Isso compensou sua queda entre os ricos, desiludidos com o abandono do discurso anticorrupção.

Merval Pereira - Cavalo de Tróia

- O Globo

Os que queriam acabar com a Lava-Jato conseguiram quebrar sua última trincheira, a própria Casa do Ministério Público. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, está sendo visto internamente como uma espécie de Cavalo de Tróia, colocado pelo presidente Bolsonaro para controlar as investigações.

Com a aproximação do governo com os políticos do Centrão, e a iminente abertura da vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello em novembro, a atuação de Aras, candidatíssimo à vaga, tem se intensificado.

Por isso a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), em uma das muitas notas que tem soltado nos últimos dias, afirma que Aras “coloca em indevida suspeição os esforços desenvolvidos por todos os membros que compõem as forças-tarefas, não contribuindo em nada para o aperfeiçoamento do debate travado sobre a evolução do modelo instituído”.

Diversas forças se encontraram nos últimos dias para atacar a Operação Lava-Jato, estimuladas pelas críticas recentes de Augusto Aras ao próprio Ministerio Público que deveria representar. Em uma live para advogados que na maioria defendem condenados ou investigados pela Operação Lava-Jato retransmitida pela TVPT, o Procurador-Geral da República deu um tiro no próprio pé.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi ressuscitada na Câmara para investigar as trocas de mensagens divulgadas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sérgio Moro. Além de não terem provado nenhuma ilegalidade na condução dos trabalhos da força-tarefa de Curitiba, as mensagens não poderiam ser utilizadas como base para uma investigação pois são ilegais, fruto de invasão de hackers em celulares de autoridades públicas.

Luiz Carlos Azedo - Efeito Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Assim como o ‘partido fardado’ que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Bolsonaro, nada impede que surja um partido togado, ‘lavajatista’, mirando o pleito de 2022”

Armou-se em Brasília um cercou à Operação Lava-Jato, cujas forças-tarefas de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão com os dias contados. As polêmicas declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a atuação de seus integrantes foram tão categóricas que não lhe permitem um recuo sem que se transforme numa espécie de rainha da Inglaterra no Ministério Público Federal (MPF). Além disso, foram coadjuvadas pela proposta apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de quarentena de oito anos para magistrados e procuradores ingressarem na política, tema que prontamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se dispôs a pôr em pauta no Parlamento.

À margem da discussão sobre os fundamentos jurídicos e a legitimidade das ações mais polêmicas da Lava-Jato, é óbvio que o plano de fundo de toda essa discussão são a liderança e a influência do ex-ministro da Justiça Sergio Moro junto às forças-tarefas. O ex-juiz de Curitiba se mantém como potencial candidato a presidente da República, mesmo fora do governo Bolsonaro. Sua passagem pelo Ministério da Justiça pode ter sido um grande erro do ponto de vista de sua trajetória como magistrado, se ambicionava uma vaga no Supremo, mas funcionou como a porta de sua entrada na política, provavelmente sem volta. A própria crise que o levou a desembarcar do governo Bolsonaro faz parte do roteiro de quem transita para o mundo da política como ela é. Moro é candidatíssimo, e a narrativa da Lava-Jato é o leito natural do rio caudaloso que pode levá-lo à Presidência.

Reinaldo Azevedo - A democracia pede o fim da Lava Jato e a criação da Unac

- Folha de S. Paulo

Nada é mais importante no país do que resgatar o devido processo legal

Nada é mais importante no país do que resgatar o devido processo legal, soterrado pelo imoralismo lavajatista, que destruiu princípios, valores e procedimentos sob o pretexto de combater o malfeito. Assim, a criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado) é uma prioridade.

Depois será preciso mudar as leis 12.846 (de leniência) e 12.850 (das delações) para que o país deixe de ser governado por agentes do Estado convertidos em achacadores de chantageados convertidos em delatores. O terceiro passo é desmilitarizar a política. Há uma "trilha clara para o meu país, apesar da dor" (Caetano).

A Unac tem de ser criada pelo MPF não para que se erija um ente estatal opaco, constituído por superprocuradores que se imponham ao arrepio da lei, munidos de espírito punitivo-salvacionista, empenhados em driblar a Constituição e os códigos e, por consequência, esbulhando direitos, impondo penas extrajudiciais, substituindo o escrito por arbitrariedades ditadas por solipsismos de justiceiros ensandecidos.

Eis a Lava Jato, cujo ilegalismo devorador de instituições remonta já a 2014, ano de sua criação, como comecei a apontar, então, neste espaço. Minha crítica não é ideológica nem nova. Insisto nela por obcecação? Talvez sim, mas não por obsessão. Sou obcecado pela ideia de que o direito sem a forma é mero valor que degenera em arbítrio.

Eliane Cantanhêde - Duas caixas de segredos

- O Estado de S.Paulo

Se a Lava Jato é uma ‘caixa de segredos’, como diz Aras, guerra contra ela também é

A guerra contra a Lava Jato não é só da Procuradoria Geral da República nem é só contra a força-tarefa de Curitiba. O procurador-geral Augusto Aras é o líder ostensivo e porta-voz, mas o ataque à maior operação de combate à corrupção do mundo vai muito além dele, incluindo Congresso e parte de Supremo, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e da própria mídia. É um movimento combinado e visa Curitiba, São Paulo e Rio.

Ninguém questiona a fala de Aras sobre “correção de rumos” e “garantias individuais”, mas é preciso ficar claro se, por trás, não está em curso o desmanche da Lava Jato, punir e demonizar seus expoentes, impactar processos em andamento e até anular condenações já em execução. Ou seja, se a intenção é acabar com “excessos”, “hipertrofia”, investigações indevidas, dribles em leis e regras – que podem efetivamente ter ocorrido –, ou desfazer tudo e demolir, por exemplo, o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Enquanto Aras ataca a Lava Jato por atacado, seus aliados agem no varejo contra Moro e Dallagnol. No Supremo, Dias Toffoli propõe que magistrados só disputem eleições após quarentena de oito anos. Na Câmara, Rodrigo Maia acata a ideia – e já para 2022. É para cortar uma candidatura Moro pela raiz? Do PT ao Centrão, passando por MDB e PSDB, levante o dedo quem apoia Moro e Lava Jato no Congresso!

José Pastore* - Desigualdades legais

- O Estado de S.Paulo

O reconhecimento das desigualdades legais é o primeiro passo para chegarmos a uma sociedade mais igualitária

Na discussão das desigualdades sociais, é irônico constatar que muitas delas decorrem de mandamentos legais. Ou seja, a lei é cunhada de tal maneira que privilegia os incluídos e penaliza os excluídos.

Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), um empregado infrator e demitido por justa causa recebe apenas o salário pendente e eventuais férias não gozadas. Não tem seguro-desemprego. Pela Lei Orgânica da Magistratura, um juiz condenado por venda de sentença, desvio de recursos, tráfico de influência, conduta negligente e outras faltas disciplinares graves é simplesmente aposentado para receber o seu salário integral (R$ 30 mil mensais ou mais) acrescido de reajustes no tempo.

Neste momento de grave catástrofe no campo do emprego e do trabalho, a redução de jornada e a suspensão do contrato de trabalho que atingem mais de 10 milhões de trabalhadores do setor privado não podem ser aplicadas aos servidores públicos por ferir o princípio constitucional da irredutibilidade salarial. Essa foi a decisão recente do Supremo Tribunal Federal nas barbas de milhões de brasileiros que estão ficando sem emprego, sem renda e sem perspectivas de trabalho. É mais uma desigualdade garantida por força de lei.

No campo dos salários, controlando-se por nível de escolaridade e outras características dos trabalhadores, os servidores públicos ganham, em média, 17% a mais do que seus semelhantes no setor privado nas mesmas profissões e com igual experiência. Na esfera estadual, a diferença é de 31% e na federal, de 67%. Essas desigualdades são garantidas por lei e não podem ser modificadas.

Dora Kramer - O mar e o rochedo

- Revista Veja

Em governo desarticulado e sem projeto, o Congresso tem a força

Nessa briga do rochedo contra o mar que caracteriza a relação do Congresso com o governo Jair Bolsonaro, o esvaziamento do chamado Centrão com a saída de quatro partidos (MDB, DEM, PROS e PTB) do bloco que reunia nove legendas é mero detalhe. Tem valor mais simbólico que real porque a situação formal nunca correspondeu à prática na contabilidade de votos favoráveis aos intentos do Palácio do Planalto.

O enorme destaque dado no noticiário político decorre de dois fatores: o interesse de democratas e emedebistas em valorizar o gesto e o uso de um critério de avaliação cuja validade se perdeu na atipicidade desta legislatura. O Executivo nunca teve tão pouca influência nos trabalhos do Parlamento, que por sua vez nunca atuou com tanta autonomia desde a Constituinte. Lá se vão mais de três décadas dedicadas à subserviência em maior ou menor grau, variações entre boas e más intenções, a depender do ocupante da chefia da nação.

O alvoroço partiu do princípio de que o governo contava com o apoio consistente daqueles 200 e tantos deputados e que agora se bandearam para a oposição, explodindo a base congressual. Ora, para isso ter acontecido seria necessário que o presidente em algum momento tivesse tido uma base de apoio. Não teve, não tem, nem terá.

José de Souza Martins* - Medicina ideológica

- Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

Deus está sendo usado de maneira cruel pelos oportunistas do autoritarismo para instituir uma nova sujeição social, em que as pessoas são escravas de uma liberdade manipulável

A banalização do conhecimento médico pelos não médicos e a vulgarização que leigos fazem do uso de medicamentos que conhecem por ouvir dizer, com base num senso comum eivado de distorções anticientíficas, são indícios significativos de nosso atraso cultural e mesmo social e político.

Não é raro que pessoas se automediquem pela associação de remédios que o vulgo define como “fortes”, os que “deram certo” no tratamento de doenças graves que não aquela do uso que lhe dão hoje. Ou os recomendem a outros.

Ainda nestes dias, a mídia noticiou que, no Sul do país, autoridades locais estão distribuindo medicamentos para combater a covid-19. Uma mistura de remédios que têm eficácia reconhecida em casos de outras doenças, mas cuja eficácia no caso de agora não se conhece.

O próprio presidente da República, apesar de contaminado pela covid-19 e de ter o diagnóstico da doença confirmado pela terceira vez, há dias insistiu em exibir-se aos manifestantes que o “apoiam”, em frente ao Palácio da Alvorada, com uma caixa de cloroquina nas mãos, medicamento não recomendado para o caso, mas que ele recomenda.

Fernando Abrucio* - O que fazer para um futuro menos desigual

- Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

Bolsonaro percebeu que, para ter os pobres ao seu lado, não basta a combinação de moralismo religioso com defesa da liberdade dos mais fortes

Há momentos históricos que escancaram os problemas estruturais das nações, colocando-as numa situação inescapável de escolha sobre o futuro. A pandemia atual assemelha-se, neste sentido, à época da abolição. Em ambas as conjunturas o país se viu diante da necessidade de enfrentar injustiças profundas. No fim do século XIX, Joaquim Nabuco disse que, além de libertar os escravos, seria preciso acabar com a obra da escravidão, suas consequências e estrutura mais profunda. Hoje, além criar um programa de transferência de renda que atinja mais pessoas e com mais benefícios, é fundamental atacar a desigualdade em sua plenitude.

A comparação entre esses dois períodos é um exercício relevante porque os escravos foram soltos, mas não incluídos efetivamente na sociedade brasileira. Os negros continuaram sendo a parcela mais discriminada do país, mantendo-se, em geral, em situação de grande vulnerabilidade em termos de renda, moradia, escolaridade e representatividade política. Discute-se no Brasil agora como turbinar o Bolsa Família, rebatizado pelo governo de Renda Brasil. Não está ainda muito claro como esse programa funcionará, de modo que é necessário avisar que transferir renda é algo necessário, porém completamente insuficiente no combate à pobreza e (mais ainda) à desigualdade.

Claro que já foi um grande avanço a concordância do governo de repassar mais recursos aos mais pobres. Em 2011, Bolsonaro chegou a propor o fim do Bolsa Família e seu primeiro ano de mandato aumentou a fila das famílias não contempladas. O ministro Guedes também nunca foi um entusiasta desse tipo de medida. Ele acreditava basicamente que o crescimento econômico alavancado pelo mercado desregulado melhoraria a vida dos mais pobres.

César Felício - Enxugando gelo

- Valor Econômico

Classe política não consegue brecar guerras digitais

O linchamento virtual praticado nos últimos dias pelos militantes bolsonaristas contra a estrela da internet Felipe Neto - segundo maior ‘youtuber’ do Brasil, com 39 milhões de seguidores, quase a população da Argentina - mostra que a roda da guerra digital não parou de girar. Não está sendo detida pela pressão da classe política, que providenciou um pacote com projeto de lei sobre “fake news”, CPI sobre o tema e inquérito no Supremo Tribunal Federal, nem pela própria autorregulação das empresas.

Um fenômeno nas redes com suas frivolidades para adolescentes, Felipe Neto aventurou-se há algum tempo no ativismo político, contra o conservadorismo de modo geral. Um ponto culminante deu-se ontem, com o debate promovido pelo site “Jota” entre a celebridade e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. A ofensiva de Neto começou em meados do mês, ao gravar, em inglês, um vídeo para o “The New York Times” em que diz que Bolsonaro não só é pior do que Trump como está abaixo de todos os outros governantes da terra.

O troco, como costuma acontecer, veio com uso desproporcional da força. Apenas na manhã do dia 27, segundo o comunicador, 416 vídeos foram subidos no Facebook e Instagram associando-o à pedofilia. Houve quem fosse mais sofisticado e postasse um tutorial sobre como desmonetizar os vídeos do youtuber. Houve quem fosse mais tosco e ensinasse rituais de magia negra para prejudicá-lo.

Centro-esquerda vai para as urnas dividida

Ruptura de Ciro com Lula e fim das coligações aumentaram dificuldades de alianças nas capitais

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - A centro-esquerda vai dividida para as eleições nas capitais, em novembro, com alianças pontuais e divisões que têm como pano de fundo a relação difícil entre Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aproximações, se houver, ficarão para o 2º turno. A proibição de coligações proporcionais também fez com que os partidos preferissem o lançamento de candidaturas próprias, para fortalecer a legenda e a eleição de vereadores.

Em declaração recente, o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), alertou que, sem acordos, a esquerda poderá ser derrotada em todas as capitais.

Esquerda tenta pactos para segundo turno
Partidos de centro-esquerda optam por lançar candidaturas próprias na maior parte de capitais, deixando possíveis alianças para segundo turno

O campo da centro-esquerda vai disputar as eleições municipais de novembro fragmentado em todas as capitais do país, com alianças pontuais e divisões internas que têm como pano de fundo o difícil diálogo entre o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As aproximações do bloco, se ocorrerem, ficarão para disputas no segundo turno.

A proibição de coligações proporcionais também fez com que partidos optassem pelo lançamento de candidaturas próprias, com intuito de fortalecer a imagem da legenda e aumentar as chances de eleição de vereadores.

Levantamento feito pelo Valor, das candidaturas já definidas até o momento, aponta que a ruptura de Ciro com o PT aproximou bastante o PDT do PSB. O quadro de candidaturas pode mudar, pois haverá convenções de 31 de agosto a 16 de setembro, para oficializar os nomes. O prazo final para registro de candidaturas é 26 de setembro.

Uma afirmação recente do governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), deixou a esquerda incomodada. Dino disse que os partidos de esquerda poderão perder em todas as capitais. “Foi um alerta que fiz. Precisamos ter pactos, pelo menos para um eventual segundo turno. Costurar pactos de não agressão, apoios”, disse o governador ao Valor. Ele admite que a agenda do coronavírus “embaraça” todas as outras, e que o diálogo político, sob a pandemia, tornou-se mais complexo. “Mas temos convenções até setembro”, acrescenta, com a esperança de que algumas tratativas possam evoluir.

Um dos exemplos mais emblemáticos da divisão das esquerdas é o de Recife, em que o PSB vai lançar a candidatura do deputado federal João Campos, filho de Eduardo Campos, e enfrentará os colegas parlamentares Marília Arraes (PT) e Túlio Gadelha (PDT). O PCdoB optou pelo apoio a Campos.

A importância do SUS – Editorial | O Estado de S. Paulo

A grandeza do Sistema Único de Saúde vai além de seu papel central no socorro à esmagadora maioria dos infectados pelo novo coronavírus

Já havia razões de sobra para que todos os brasileiros pudessem se orgulhar do Sistema Único de Saúde (SUS), seguramente uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade no século passado. A pandemia de covid-19, a mais grave emergência sanitária que se abateu sobre o País desde a gripe espanhola de 1918-1920, só realçou a essencialidade de um sistema de saúde público e universal, sobretudo em um país com desigualdades sociais e econômicas tão profundas como o Brasil. Mas a grandeza do SUS vai além do papel central do sistema no socorro à esmagadora maioria dos infectados pelo novo coronavírus.

Se a covid-19 ainda é uma doença por ser totalmente decifrada pela ciência, é consensual entre leigos e especialistas a certeza de que a trajetória da pandemia no Brasil seria outra não fosse a existência do SUS. Mesmo havendo um sistema público de saúde que cobre todo o território nacional e está à disposição de qualquer cidadão, mais de 90 mil vidas já foram perdidas em pouco mais de quatro meses, uma catástrofe que levará tempo até ser totalmente assimilada pela Nação. Sem o SUS, só é possível imaginar o quadro tétrico: pilhas de corpos nas ruas e nas portas dos hospitais de brasileiros que sucumbiriam à falta de atendimento médico por não terem condições de arcar com seus custos.

Há mais de 30 anos, o SUS é o único refúgio para 7 em cada 10 brasileiros que precisam de cuidados médicos, um número que deve aumentar em decorrência dos efeitos econômicos da pandemia. Trata-se do maior sistema de saúde universal e gratuito do mundo, assim reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU). O SUS é corolário do processo de redemocratização do País e está inscrito na Constituição de 1988, que em seu artigo 196 dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, e determina que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”, como se lê no artigo 198 da Lei Maior.

A fantasia liberal – Editorial | O Estado de S. Paulo

Paulo Guedes pode ter convicção liberal, mas isso ainda não se traduziu em políticas de governo

Não cabe aqui especular sobre a força da convicção liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Fato é que, até o momento, seu liberalismo parece circunscrito ao campo teórico. A política econômica do governo ainda está bem distante do prometido pacote de medidas que transformariam o Brasil em uma “liberal democracia”, como o ministro se comprometera a fazer em seu discurso de posse. “Nós vamos na direção da liberal democracia, nós vamos abrir a economia, nós vamos simplificar impostos, nós vamos privatizar, nós vamos descentralizar recursos para os Estados e municípios”, disse Guedes em 2 de janeiro de 2019.

Naquela ocasião, o ministro da Economia dividiu o trabalho que teria pela frente em três pilares: a reforma da Previdência, a reforma tributária e o programa de privatizações. Destes, como é sabido, apenas a reforma do sistema previdenciário foi concluída, mas não pelo empenho do governo, e sim pelo engajamento do Congresso em uma pauta absolutamente essencial e que desde o governo do presidente Michel Temer já vinha sendo amadurecida na sociedade. A bem da verdade, a participação tíbia do Poder Executivo no processo, particularmente a do presidente Jair Bolsonaro, atrasou o andamento dos trabalhos legislativos. Além disso, quando decidiu agir, Bolsonaro o fez para desidratar o esforço econômico da reforma, fosse tentando reduzir a idade mínima para aposentadoria, fosse defendendo concessões a certas categorias profissionais de seu agrado.

Há poucos dias, o ministro Paulo Guedes, enfim, enviou ao Congresso a primeira parte de sua reforma tributária. A proposta foi tímida, para dizer o mínimo. Para quem propalou a unificação de “sete, oito impostos”, apresentar, depois de tanto tempo, uma proposta que unifica apenas PIS e Cofins soou apenas como o meio encontrado pelo governo para não ser atropelado em um debate que já avança no Poder Legislativo sobre o tema. Já há ao menos duas propostas de reforma tributária em discussões avançadas, uma em tramitação na Câmara dos Deputados, a outra no Senado.

Resposta casuística – Editorial | Folha de S. Paulo

Proposta de quarentena eleitoral para ex-juízes carece de fundamentação sólida

Por bons e maus motivos, há questionamentos e reações contrárias à Operação Lava Jato nas cúpulas dos três Poderes. Trata-se de terreno fértil para propostas como a imposição de quarentena de oito anos para que ex-juízes e ex-procuradores possam disputar eleições.

Um projeto de lei nesse sentido foi defendido na quarta-feira (29) pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Nenhum dos dois mencionou o nome óbvio a ser associado à medida —o de Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato, ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro e mais do que nunca cogitado como presidenciável no pleito de 2022.

Talvez porque, nesse caso em particular, a proposta possa ser inócua. Não poucos especialistas entendem que a norma, se aprovada pelo Congresso Nacional, não afetaria Moro devido à irretroatividade da lei eleitoral. O ex-magistrado, afinal, tem hoje o direito de se candidatar ao que bem entender.

Os pesados estragos econômicos da covid-19 – Editorial | Valor Econômico

O problema é que o coronavírus não terminou ainda a sua obra

A destruição já causada pelo coronavírus na produção dos países pode agora ser melhor avaliada pelos dados do desempenho das maiores economias do mundo, que começam a ser divulgados. Em alguns casos, como o dos Estados Unidos, com redução anualizada de 32,9%, o tombo foi menor do que se previa, mas não muito (-34,1%). No caso da Alemanha, a quarta maior economia mundial, foi mais forte do que o projetado - 10,1% em relação ao primeiro trimestre - e não por pouco, com as expectativas na faixa entre 7% a 8%. As quedas abissais foram as mais fortes da história para a maioria dos países, mas é um retrato do passado. O problema é que o coronavírus não terminou ainda a sua obra e tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a recuperação começa a dar sinais de perda de fôlego - apesar de estímulos monetários nunca antes vistos.

A principal economia, a americana, já levara um tombo de 5% no primeiro trimestre, e esses dados corroboram o desastre previsto para 2020 pelo Fundo Monetário Internacional, de retração de 8% do PIB.

Os indicadores recentes alertaram o Federal Reserve, que manteve intactos, ou prorrogou por precaução, suas linhas de apoio, diante de um cenário instável e que pode piorar de novo no curto prazo. A reviravolta na recuperação, que parecia ser acelerada, foi provocada pelo avanço da pandemia nos Estados do Sul e Oeste americano - há apenas 5 dos 50 Estados onde o contágio não está crescendo. Ontem o país atingiu a marca de 70 mil novos casos diários.

Quarentena para juiz candidato tem de ser sensata – Editorial | O Globo

Para zelar pela imagem da Justiça, Congresso deveria rever também os critérios de indicação ao STF

É razoável a ideia lançada pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e apoiada pelo da Câmara, Rodrigo Maia, de estabelecer regras mais rígidas para que juízes e procuradores possam disputar eleições. Toffoli exagerou no prazo sugerido entre a saída do cargo e a candidatura — oito anos é um período demasiado longo. Mas seis meses, a regra em vigor, é um intervalo muito curto, que tem permitido aos magistrados usar sua atividade não para a missão nobre de promover a justiça, mas, em vez disso, para lançar-se de modo oportunista à carreira política.

Basta lembrar que diversos eleitos em 2018 tiveram como mote de campanha sua atuação no Judiciário no combate à corrupção, discurso que, em muitos casos, não passava de demagogia. Exemplos disso são o governador Wilson Witzel, hoje alvo de um processo de impeachment, sob acusações de desvios nas verbas de combate à pandemia, ou a ex-senadora Selma Arruda — apelidada “o Moro de saias” —, cujo mandato foi cassado por irregularidades em sua campanha.

Poesia | Murilo Mendes - Canção do exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Merval Pereira - Farsa tupiniquim

- O Globo

O procurador-geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção de controlar a Lava-Jato

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, quer que “o natural, bom e antigo” combate à corrupção substitua o que chama de “lavajatismo”, um neologismo muito usado pelos bolsonaristas quando querem menosprezar alguma atividade de que não gostam, como “mundialismo”, em vez de globalização.

Isso não quer dizer que o que Aras está fazendo com a Lava-Jato corresponda a uma ação direta de conluio político com o presidente que o escolheu por fora da disputa interna no Ministério Público. Mas que, tentando desmoralizar a Lava-Jato, está ajudando Bolsonaro a manter o Centrão protegido, isso está.

Defendendo a tese de que a Polícia Federal não pode fazer busca e apreensão em gabinetes de parlamentares, Augusto Aras também faz com que o “antigo” jeito de combater a corrupção no Brasil volte a prevalecer, o que sempre levou a que autoridades, empresários e políticos não caiam nas malhas da Justiça.

Míriam Leitão - Aras realiza o sonho de Jucá

- O Globo

Decisão de Aras não têm clareza e não são correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investiga a corrupção no país

Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado, Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.

Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo. Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o que está tentando ser.

Luiz Carlos Azedo - Palanque para Moro

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Aras foi escolhido procurador-geral pelo presidenteBolsonaro fora da lista tríplice dos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações da Lava-Jato”

O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou guerra à Operação Lava-Jato. Em live para o grupo de advogados “Prerrogativas”, sem papas na língua, não poupou críticas aos procuradores que integram a força-tarefa e reiterou a intenção de centralizar e controlar as investigações em curso. Nunca a operação foi tão atacada “de cima” e “de dentro” do Ministério Público. Aras reiterou a acusação de que a força-tarefa de Curitiba opera de forma heterodoxa e levantou a suspeita de que 38 mil pessoas foram investigadas por seus integrantes. “Ninguém sabe como (esses nomes) foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.

As declarações agradaram aos advogados e foram bem recebidas pela maioria dos políticos, mas provocaram a reação dos procuradores e juízes de primeira instância, que têm seus aliados no Congresso. Em resposta, os procuradores de Curitiba classificaram a declaração de Aras como “falsa suposição”, considerando que esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em relatórios encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao MPF, em suspeita de crimes de lavagem de dinheiro.

“Ao longo de mais de 70 fases ostensivas e seis anos de investigação foi colhida grande quantidade de mídias de dados — como discos rígidos, smartphones e pendrives — sempre em estrita observância às formalidades legais, vinculada a procedimentos específicos devidamente instaurados”, ressaltou a força-tarefa de Curitiba, em nota oficial. O procurador Roberson Pozzobon, integrante da operação, atacou Aras numa rede social: “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, publicou no Twitter.

Ricardo Noblat - Autorizado por Bolsonaro, Augusto Aras tenta emparedar a Lava Jato

- Blog do Noblat |Veja

A tudo assistem os militares, impassíveis
Às escâncaras, não, porque seria arriscado e pegaria mal. Mas em conversas cifradas ao telefone, ou na privacidade dos gabinetes no Congresso ainda frequentados por alguns em plena pandemia, políticos de várias tendências comemoram com discrição a ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra a Lava Jato.

Quem diria, hein? Quem diria que o candidato a presidente da República que mais se beneficiou do combate à corrupção, logo ele seria o responsável indireto pela saia mais justa aplicada à Lava Jato desde o seu nascimento em 2014, a poucos meses das eleições gerais daquele ano, as últimas a serem vencidas pelo PT?

Augusto Aras, na prática, tem se comportado menos como Procurador-Geral da República, e mais, muito mais como procurador de Bolsonaro. É a ele que deve o cargo que seus colegas jamais lhe dariam. Aras não procuraria motivos para pôr em xeque a Lava Jato sem a prévia autorização do presidente.

Procuraria se Sérgio Moro ainda fosse o ministro da Justiça indemissível como pareceu um dia? Da Operação Mãos Limpas, na Itália, emergiu o governo de extrema-direita de Berlusconi, um empresário riquíssimo e corrupto. Da Lava Jato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, parceiro de milicianos.

Berlusconi tentou cooptar para servi-lo como ministros os dois juízes que encabeçaram a Operação Mãos Limpas, mas eles se recusaram. Sem constrangimento, Moro deixou-se cooptar, inebriado pelo sucesso. Acreditou na promessa de Bolsonaro de que seria promovido a ministro do Supremo Tribunal Federal.

Maria Cristina Fernandes - O Centrão virou um Congressão

- Valor Econômico

Criação da renda básica permitiu a Maia ampliar o Centrão à esquerda e criar um Congressão

A miséria atingiu o menor patamar das últimas quatro décadas no momento em que a economia tem o maior derretimento da história. A necessidade de amparo a milhões de desassistidos pela pandemia é tão imperativa quanto insustentável é mantê-lo sem atividade econômica. O racha do Centrão é a disputa pela arbitragem da porta de saída desta distopia.

A saída, por enquanto, dá num beco. A proposta do governo é de um imposto sobre transações eletrônicas, uma espécie de CPMF com uma base ampliada pela digitalização da economia durante a pandemia. O Congresso não quer saber de aumentar imposto, embora seja crescente o interesse em encontrar uma maneira para perpetuar o auxílio emergencial, a verdadeira poção mágica que o presidente Jair Bolsonaro tanto procurou na cloroquina.

Vice-líder do governo, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) encomendou uma pesquisa numa cidade de 20 mil habitantes do agreste pernambucano, região petista por excelência e governada por uma aliança entre PSB e PT. Antes do auxílio, Luiz Inácio Lula da Silva registrava lá 75% de aprovação e Bolsonaro, 82% de rejeição. Hoje a aprovação do ex-presidente caiu para 44% e a rejeição do atual, para 42%.

O que vale, diz o deputado, é o último favor. Na ausência de empregos, é neste elixir que o Congresso está agarrado não apenas para atravessar as eleições municipais, mas para o segundo biênio bolsonarista. Ainda que esta renda básica com a qual se renomeará este Bolsa Família encorpado dê sobrevida a Bolsonaro, não há hoje viabilidade para que qualquer partido se oponha à sua implementação.

É pela “pedalada assistencialista” que a relação entre Executivo e Congresso pode ser repactuada. Ainda não há uma equação que abrigue a poção mágica do bolsonarismo nos limites fiscais, mas há alguma boa vontade no Congresso para encontrá-la, até porque este governo, ao contrário daquele da outra presidente pedaleira, converge na agenda de manter o Ministério Público e a Polícia Federal sob rédea curta, além do ex-ministro Sérgio Moro fora do jogo eleitoral.

Ao liderar o desembarque do DEM e do MDB do Centrão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aposta na reforma tributária em tramitação na Casa como uma oficina desta porta de saída. O presidente desta comissão e autor da proposta de emenda constitucional de reforma tributária que mais avançou na Casa, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), é um dos cotados da extensa nominata de candidatos à sua sucessão.

Maria Hermínia Tavares* - Improviso e dispersão

- Folha de S. Paulo

Brasil e EUA poderiam coordenar de maneira mais eficaz a administração pública para prover saúde

Polarização política, descentralização federativa e desigualdades são condições prévias que permitem entender a dramática situação do país na pandemia. A constatação, que se aplica sem tirar nem pôr ao Brasil, é do cientista político Bruce Cain, da Universidade Stanford, ao falar dos Estados Unidos.

Mas as semelhanças vão além. Ali como aqui, eleições alçaram à Presidência políticos populistas que cultivam a mentira, desprezam a ciência, alimentam-se de conflitos e pouco se importam com a vida humana. Isso posto, o argumento do professor tem a virtude de chamar a atenção para um dado menos perceptível: mesmo se os dois países contassem com dirigentes responsáveis, circunstâncias anteriores restringiriam a capacidade de seus governos de combater a pandemia.

Os antagonismos políticos poderiam ser algo mais civilizados, não fossem Trump e Bolsonaro, a um tempo, suas criaturas, principais agentes e beneficiários. Ainda assim, os outros dois fatores apontados por Cain estariam presentes e de formas distintas continuariam dificultando a luta contra a Covid-19.

Mariliz Pereira Jorge - Difícil ser bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Pense no susto se bolsonaristas descobrirem que o establishment são eles

Inegáveis a devoção, a energia e a habilidade que os apoiadores do governo demonstram. A capacidade infinita de enxergar seus ídolos com filtros coloridos não é estranha a nenhum militante, mas a vida do bolsonarista é um malabarismo permanente.

A começar pela exaltação da cloroquina. Todos virados em direção ao Palácio da Alvorada, a meca dos "patriotas", para louvar um remédio que inúmeras pesquisas apontam como ineficaz contra o coronavírus.

Rejeitar a ciência, porém, é nada perto do contorcionismo para apoiar Madonna, que, de feminista de carteirinha e defensora do aborto legal, e portanto inimiga, passou a correligionária após defender o uso do medicamento.

E o que dizer dessa massa que passou a eleição falando em combate à corrupção e à velha política, fim de privilégios e bandido morto e hoje aplaude Bolsonaro de mãos dadas com o centrão, exalta o ex-presidiário Roberto Jefferson, defende o foro privilegiado de Flávio Bolsonaro e a prisão domiciliar de Queiroz?

Fernando Schüler* - O Supremo é o editor da sociedade?

- Folha de S. Paulo

Foi exatamente contra a ideia do 'Estado editor' que surgiu o conceito moderno de liberdade de expressão

Foi interessante assistir ao ministro Dias Toffoli, nesta semana, em um debate promovido pelo site Poder 360, expondo com clareza seus pontos de vista sobre temas de censura e liberdade de expressão hoje em pauta no país.

O ministro foi taxativo: “A Constituição veda de modo absoluto a censura prévia”. E concluiu: “Aquilo que ainda não foi tornado público pode vir a público e a pessoa vai arcar com suas consequências [...] pode emitir sua ideia, seja ela qual for. Até de defender o nazismo, até de defender o fechamento do Supremo”.

Dito isto, era óbvia a pergunta pendurada no ar: e os cidadãos banidos das redes sociais, no inquérito das fake news? Isto é, impedidos previamente de dizer as coisas que poderiam lhes trazer “consequências”. O que dizer?

O ministro sugeriu uma distinção: uma coisa seria proibir a “expressão” de um indivíduo; outra seria proibi-lo do uso de “veículos” para se expressar. Nesta lógica, os bloqueados não teriam perdido sua liberdade. Apenas não poderiam fazê-lo no Facebook ou no Instagram. Poderiam publicar panfletos, imaginei, mas ninguém aventou a hipótese.

Ascânio Seleme - E se Trump ganhar?

- O Globo

Desdobramentos políticos impactarão todo o mundo

Nenhum analista político pode cravar, é cedo, mas evidentemente as chances de Donald Trump perder a eleição em novembro parecem bastante razoáveis. Neste momento, as pesquisas apontam que ele está pelo menos dez pontos percentuais atrás de Joe Biden, o candidato democrata a presidente dos Estados Unidos. Desde o início da pandemia de coronavírus, que teve um efeito devastador sobre a sua liderança, Trump vem perdendo apoios e ganhando antipatias. Os erros em sequência cometidos no enfrentamento do vírus e a deterioração da economia foram os principais elementos para turvar a impressão que os americanos têm de seu presidente.

Sua única possibilidade de reverter o quadro é ver as coisas mudarem daqui até novembro, mês da eleição americana. Para sua sorte e azar do mundo, já há sinais de que estão mudando. Na economia, a recessão aparentemente acabou ainda em abril. Em junho, mais de quatro milhões de empregos foram criados nos EUA. As vendas no varejo cresceram 25% nos últimos dois meses. Uma recuperação importante, que não foi vista em nenhum outro país, mesmo os que já vivem a pós-pandemia. Outros indicadores puxados por estes dois também melhoraram no final do primeiro semestre.

Bernardo Mello Franco - Alguns benefícios da nota de R$ 200

- O Globo

Se a nota de R$ 200 tivesse chegado antes, o ex-deputado Rocha Loures não precisaria ter corrido com uma mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina

O governo anunciou mais uma medida inadiável. Vai lançar uma nota de R$ 200 em plena pandemia do coronavírus. Até o fim de agosto, a nova cédula deve começar a chegar às mãos dos brasileiros. Ou de alguns deles, é claro.

A diretora de administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros, atribuiu a novidade ao entesouramento. O fenômeno ocorre quando a população passa a guardar mais dinheiro em casa.

Com a quebradeira e a redução de salários, milhões de famílias limitaram o consumo a itens essenciais. Quem não perdeu o emprego tenta cortar despesas e seguir adiante. Ainda que a luz no fim do túnel pareça vir de um trem na contramão.

O auxílio emergencial também aumentou a demanda por papel moeda. Isso elevou o gasto federal com impressão e transporte de valores. Até aqui, o governo precisava de ao menos seis notas para pagar os R$ 600. Agora só precisará de três — e os beneficiários que se virem para arrumar troco na quitanda.

William Waack - Mais impostos vêm aí

- O Estado de S.Paulo

A lei do mínimo esforço indica aumento de impostos e não uma ampla reforma tributária

Renúncia é a palavra decisiva no amplo debate sobre reforma tributária. É mesmo um formidável debate social e político, além da alta complexidade técnica e econômica. Pois os números consolidados indicam uma assombrosa adesão de praticamente todos os setores da economia e sociedade brasileiras a algum tipo de favor fiscal.

Agricultura, indústria, serviços, profissionais liberais, pequenas empresas, entidades não lucrativas, zonas francas, deduções para pessoas físicas são contemplados de alguma forma, e nenhum se manifesta disposto a renunciar à renúncia fiscal. Ao contrário: nos últimos 15 anos o fenômeno dobrou de tamanho (para quem aprecia números: as renúncias fiscais passaram de aproximadamente 2% para 4% em relação ao PIB).

Economistas se dividem quase em guerra religiosa quanto à eficiência dessas medidas fiscais que, na conta geral, diminuem a base de arrecadação de impostos, aumentando a carga para quem está pagando tributos. Talvez sociólogos – ou, melhor, antropólogos – entendam o problema.

Eugênio Bucci - A liberdade e a Justiça

- O Estado de S.Paulo

A indústria ilegal da desinformação é um fenômeno sobre o qual não há jurisprudência

A determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de bloquear páginas de bolsonaristas em redes sociais provocou um bom debate. Desta vez não se trata de uma daquelas batalhas estéreis entre claques que se ofendem e não se escutam. Estamos em meio a uma discussão que mobiliza conceitos sérios, com fundamento ético e legal, sobre os limites da Justiça e os alcances da liberdade de cada um. Há argumentos legítimos e inteligentes de um lado e de outro. A hora pede reflexão. Mais do que embarcar no Fla-Flu jurídico, devemo-nos dedicar a entender com calma o que está em jogo.

Comecemos pela pergunta incômoda: a autoridade judicial pode, no âmbito de um inquérito (no caso, o Inquérito 4.781, mais conhecido como o “inquérito das fake news”), impedir preventivamente a manifestação das pessoas investigadas? Pode o juiz impor a mordaça a um cidadão cujos atos ainda não foram julgados?

Os que respondem “sim” a essa pergunta argumentam que os trâmites da Justiça e das investigações policiais normalmente restringem direitos fundamentais. Nada de novo sob o sol, portanto. Na terça-feira, em webinar no site Poder 360, ninguém menos que o presidente do Supremo, Dias Toffoli, seguiu essa linha de raciocínio. Lembrando que até mesmo o direito de ir e vir pode ser suspenso pela autoridade judicial no curso de uma investigação (é o que acontece quando o suspeito vai para a cadeia, em regime de prisão preventiva, mesmo antes de seu suposto crime ter sido julgado pela Justiça), Toffoli sustentou a tese de que a supressão preventiva de páginas de pessoas investigadas nas redes sociais constitui um expediente análogo, igualmente aceitável e legítimo, além de legal.

Vinicius Torres Freire – Mais gente quer furar o teto de gastos

- Folha de S. Paulo

Ganha força a ideia de gastar dinheiro da calamidade do vírus em obras públicas

Há gente no Congresso querendo mesmo abrir uma claraboia no teto de gastos. Isto é, quer permitir que o governo federal gaste além do limite constitucional, pelo menos neste ano ou em 2021.

A despesa extra seria destinada a investimentos e autorizada por um remendo no Orçamento de Guerra, o gasto excepcional autorizado no período de calamidade, declarado por causa da epidemia e que deveria durar até o final deste 2020.

O objetivo da providência talvez imprevidente seria o de fazer esta economia arriada pegar no tranco, por meio de obras novas ou da reativação de canteiros parados, o que aumentaria as encomendas às empresas e criaria empregos.

Seria razoável rediscutir o teto de despesas federais, que desde 2016 não podem aumentar em termos reais (ou seja, apenas podem ser corrigidas pela inflação, anualmente).

Os termos dessa rendição, no entanto, são muito, muitíssimo, complicados. Não é algo que se possa fazer à matroca ou por meio de gambiarras. Do jeito que a coisa vai, há um grande risco de esculhambação, com efeitos impremeditados e contraproducentes graves.

Por ora, parece difícil que tal projeto prospere, mas a ideia está no ar como um aerossol de coronavírus, faz uma duas ou três semanas. Havia sido lançada de modo atabalhoado, confuso e mal explicado em abril deste ano, o tal “Plano Pró-Brasil”, abatido por Paulo Guedes no ato do seu lançamento.

Agora, é motivo de conversa de gente de vários partidos, em particular no centrão, e de ministros de Jair Bolsonaro.