terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Opinião do dia – John Rawls*

Nosso exercício do poder político é plenamente adequado somente quando é exercido de acordo com uma Constituição cujos elementos fundamentais se espera que todos os cidadãos, como livres e iguais, possam razoavelmente endossar à luz de princípios e ideais aceitáveis à razão humana comum.


*John Rawls (1921-2002), foi professor de filosofia política na Universidade de Harvard, autor de Uma Teoria da Justiça (1971), Liberalismo Político (Political Liberalism, 1993) e O Direito dos Povos (The Law of Peoples, 1999). Citado por Jürgen Habermas: ‘A inclusão do outro’, pg. 108, Editora Unesp, 2011.

Merval Pereira – Em extinção

- O Globo

É mais perigoso ser jornalista num governo que não dá muita importância para valores democráticos

O presidente Bolsonaro disse que nós, jornalistas, somos bichos em extinção. Essa declaração realmente me assustou, não por causa da sua agressividade, mas porque ser um bicho em extinção num governo que não dá a mínima para a preservação da natureza é mesmo muito perigoso.

Se formos analisar a metáfora do presidente, veremos que é mais perigoso ainda ser jornalista num governo que não dá muita importância para valores democráticos. Ataques aos órgãos de imprensa acontecem quando a democracia não é um regime respeitado por populistas que estão no poder.

Quando na oposição, esses mesmos políticos adoram ver seus adversários sob críticas, as mesmas que rejeitam quando governo. Todos os governos, populistas ou não, têm com a imprensa uma relação difícil, e é compreensível.

Como diz Bolsonaro, “parece que sou responsável por tudo”, reclamando de críticas ao seu governo. O pior é que é mesmo, e essa incompreensão de seu papel, e do papel da imprensa, é o que faz a relação de um presidente democrata ser diferente de um populista como ele.

Os democratas sabem a importância do jornalismo para a formação de uma sociedade plural, os populistas o consideram uma pedra nos seus caminhos, obstáculo a seus desejos de dominação. O filósofo alemão Jürgen Habermas classifica como missão do jornalismo “informar e formar”.

Luiz Carlos Azedo - Sentinelas da liberdade

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Se um homem faz a imprensa dizer coisas atrozes, ele se torna tão responsável por elas como se ele as tivesse dito pela boca”

O baiano Cipriano José Barata de Almeida (Salvador, 1762; Natal, 1838) foi o mais famoso jornalista da época da Independência, causa que abraçou e que lhe valeu longos períodos de cadeia: foi detido um ano e meio durante a Conjuração Baiana (1798); por causa da Revolução Pernambucana de 1817, foi preso por ordem pessoal de D. Pedro I entre novembro de 1823 e setembro de 1830; e voltou às grades no período Regencial, entre 1831 e início de 1834, o que somaram 11 anos de prisão, mais do que o período em que o líder comunista Luís Carlos Prestes esteve preso durante a ditadura de Getúlio Vargas: de 1936 a 1945.

Formado em filosofia na Universidade de Coimbra, Cipriano foi impiedosamente perseguido porque, nas décadas de 1820-30, se tornou o símbolo da luta pela autonomia das províncias, do Pará e Maranhão ao Rio Grande do Sul. Era influente principalmente no Ceará, na Paraíba, em Pernambuco, na Bahia, em Minas Gerais e até no Rio de Janeiro. Amigo de Frei Caneca, um dos líderes da Confederação do Equador, tornou-se adversário de antigos aliados, como José Bonifácio de Andrade e Silva, José da Silva Lisboa (visconde de Cairu) e o regente Diogo Feijó.

Deputado constituinte, em 1823, Cipriano lançou o jornal Sentinela da Liberdade. Defendia a Independência com mudanças radicais e era contra a escravatura. O jornal saía às quartas-feiras, com linguagem vigorosa e crítica, mostrando as falhas do poder. Em 1825, depois de ser preso na Fortaleza do Brum, no Recife, por participar da Confederação do Equador (rebelião que reuniu vários estados do Nordeste contra D. Pedro I), Barata publicou seu jornal com o título Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco.

Cada vez que mudava de prisão, quando surgia a oportunidade, com ajuda dos aliados, publicava um novo jornal: Sentinela da Liberdade na Guarda do Quartel General, Sentinela da Liberdade na Guarita de Villegaignon. Em 1835, Barata escrevia o seu último Sentinela da Liberdade, aos 73 anos. O jornal durou 13 anos, mas outros apareceram em todo o país, com o mesmo nome, mesmo depois de sua morte, em 1º de julho de 1838.

Foi um “campeão da liberdade de imprensa”: “Toda e qualquer sociedade onde houver imprensa livre está em liberdade; que esse povo vive feliz e deve ter alegria, segurança e fortuna; se, pelo fato contrário, aquela sociedade ou povo que tiver imprensa cortada pela censura prévia, presa e sem liberdade, seja debaixo de que pretexto for, é povo escravo que pouco a pouco há de ser desgraçado até se reduzir ao mais brutal cativeiro”, dizia.

Carlos Andreazza - Bolsonaro e o déficit da Presidência

- O Globo

O presidente mente como estratégia, para testar o campo, para medir apoios, para aferir o pulso dos seus

Basta de mistificação. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha — o maldito fundão — é lei. A de número 13.487, de 2017. O texto, no artigo 16, é explícito: o “Fundo é constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral (...)”

Repito: é lei. Já foi sancionada. Não está em debate. E nada tem a ver com Jair Bolsonaro. É matéria impessoal. Qualquer proposta de orçamento em véspera de ano eleitoral deverá contemplar previsão para aquele fundo. Seria assim — igualzinho — se Fernando Haddad tivesse vencido. Se cabo Daciolo estivesse na Presidência: seria assim. Será assim, novamente, em 2021. Qualquer que fosse (for) o governo precisaria (precisará) incluir destinação de valores para este fim. O governo Bolsonaro o fez. E enviou ao Parlamento.

A discussão ora havida — uma polêmica artificial estúpida, que investe na confusão e escapa do que importa — é sobre o valor dessa dotação; e sobre se o presidente pode ou não vetá-lo. Lembremos... Depois de muita atividade legislativa, e do surgimento influente da ideia de elevar o montante para cerca de R$ 4 bilhões, o Congresso — dobrado pela reação da sociedade — por fim definiu a tunga em pouco mais de R$ 2 bilhões, a mesma quantia prevista pelo governo; ou seja: por Bolsonaro. Ele poderia vetá-la? Sim. Para que não reste dúvida: sim, poderia vetar o valor estabelecido.

A pergunta é outra, contudo: que sentido faria o presidente vetar uma dotação que ele mesmo propusera?

Bernardo Mello Franco - Submissão aos EUA e riscos para o Brasil

- O Globo

Ao tomar partido dos Estados Unidos no conflito com o Irã, o Brasil afrontou sua tradição diplomática, reforçou a submissão à Casa Branca e criou riscos desnecessários à segurança nacional. O diagnóstico tem sido repetido por diplomatas e militares preocupados com a guinada da política externa sob o governo de Jair Bolsonaro.

As queixas se multiplicam desde a sexta-feira, quando o presidente associou o general Qassem Soleimani ao terrorismo. Ex-ministro de Bolsonaro, o general Santos Cruz disse que o Brasil “não tem razões” para se envolver na disputa entre Washington e Teerã. Em nota, ele afirmou que a decisão de abandonar a neutralidade demonstra “irresponsabilidade” e “falta de noção de consequência”.

O general deixou claro que sua preocupação não é com as relações comerciais. Sob este aspecto, a subserviência a Trump também parece uma escolha desastrada. No ano passado, o país registrou US$ 2 bilhões de superávit na balança com o Irã.

A Constituição afirma que as relações internacionais do Brasil devem se pautar pela não intervenção e pela resolução pacífica de conflitos. São princípios permanentes da República, a serem obedecidos por governantes à esquerda e à direita.

José Casado - A guerra seduz o presidente

- O Globo

Brasil renunciou à ambiguidade como força vital da diplomacia

Donald Trump girou a chave da guerra com o Irã. Esse é, essencialmente, um conflito dos Estados Unidos com China e Rússia na disputa por hegemonia, define Henry Kissinger, ex-secretário de Estado.

Arquiteto da distensão dos EUA com Pequim e Moscou nos anos 70, Kissinger gastou os últimos três dos seus 96 anos alertando sobre como o Irã se tornou fundamental para a China e a Rússia. Prevê reação à perspectiva de redução da influência na região — “se não o fizerem, estarão terminados, assim como os iranianos”.

A 12 mil quilômetros de Teerã, o ex-capitão Jair Bolsonaro resolveu se alinhar a Trump no conflito. Nada de novo, se o Itamaraty não liderasse uma manifestação contra o Irã.

O Brasil renunciou à ambiguidade como força vital da diplomacia. Assumiu inédito protagonismo, incitando governos da América do Sul a uma ofensiva contra o regime iraniano no dia 20, em Bogotá, na Conferência Hemisférica contra o Terrorismo.

Míriam Leitão - Risco da mudança da política externa

- O Globo

Irã é forte mercado do agronegócio e o Brasil trata como “terrorista” a Guarda Revolucionária que nem a ONU define assim

A Guarda Revolucionária do Irã não é considerada uma organização terrorista pela ONU. Apenas os Estados Unidos, Reino Unido e Israel a definem como terrorista. Nem mesmo pela União Europeia ela é vista assim. A posição tradicional do Brasil sempre foi a de seguir o que a ONU define. A nota brasileira, contudo, muda isso e trata a morte do general Qassem Soleimani como um ato da luta contra o “flagelo do terrorismo”. O Brasil exportou no ano passado US$ 2 bilhões para o Irã, e o país é considerado um mercado importante para o agronegócio brasileiro.

O que está acontecendo na escalada de tensão entre Estados Unidos e Irã afeta o Brasil. No comércio, nos preços internos e na definição da política brasileira em relação ao assunto. Os diplomatas estão acompanhando atentos as decisões da política externa, e a avaliação é que é arriscado mudar a nossa política em cima de um conflito de desdobramentos imprevisíveis.

A escalada da crise afeta diretamente os preços do petróleo, mas a lista dos produtores e dos importadores mudou muito nos últimos anos. Os especialistas no setor ainda não temem uma disparada dos preços. Porém, eles já subiram o suficiente para colocar em xeque a política do governo Bolsonaro. Na sexta-feira, o presidente indicou que tentará suavizar o repasse para os preços, reduzindo impostos, e ontem se reuniu com ministros para discutir o tema. Pode conversar com os estados para eles segurarem o ICMS. Não faz sentido algum. A presidente Dilma foi muito criticada pelos economistas exatamente por impedir que os combustíveis seguissem as oscilações do mercado internacional. Aquela política abriu um rombo na Petrobras e no caixa do governo.

Ranier Bragon - Salomões de botequim

- Folha de S. Paulo

Há coisas que não permitem caminho ao centro, mas uma enfática tomada de posição

Cresce no Brasil o discurso fantasioso em defesa de um centro político ponderado, sereno, conciliador, como forma de aplacar a terrível polarização ideológica entre direita e esquerda.

Entrevistas, artigos e debates pululam aqui e ali em apelo à temperança na vida pública. Tudo muito lindo, salvo alguns inconvenientes.

O primeiro é que a ideia se estrutura sobre uma premissa falsa. Bolsonarismo e petismo são adversários políticos, não polos no campo ideológico tendo ao centro o tal espaço a ser ocupado pelos salomões de botequim. O bolsonarismo de sinal trocado pressupõe um movimento igualmente autoritário, mas estatizante, antirreligioso, operário, socializante. O PT tem muitos integrantes que pensam assim, mas, a não ser na idiotia olavista, não há notícia de que tenha patrocinado uma experiência bolchevique de 2003 a 2016.

Pablo Ortellado* - Políticas sem rumo

- Folha de S. Paulo

Incapaz de desenvolver políticas próprias, bolsonarismo é marcado por paralisia e polêmicas vazias

Alçado muito rapidamente ao poder, o novo conservadorismo não dispunha nem de programa, nem de quadros. Por isso, em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro mais atravancou do que construiu políticas públicas.

Sergio Moro, a estrela do governo, propôs um ambicioso pacote legislativo anticrime que primeiro foi engavetado e depois completamente reconfigurado pelo Congresso, mostrando que a desarticulação da nova política paga um preço.

Na educação, prevaleceu durante todo o ano uma mistura de polêmicas inócuas e inépcia administrativa. Vélez Rodrigues e depois Weintraub bradaram contra a cultura progressista das universidades e o conteúdo dos livros didáticos, mas não foram capazes de propor nenhum tipo de política própria.

Os defensores do presidente tiveram que se bater pela miúda política do método fônico de alfabetização e por um pouco expressivo programa de captação de recursos e empreendedorismo para as universidades que está fadado ao fracasso.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Matar o general iraniano não foi imoral, foi burrice

- Folha de S. Paulo

Irã não é louco de declarar guerra, mas atentados cometidos por aliados devem aumentar

O general Suleimani do Irã, assassinado por um drone americano, era um articulador de grupos terroristas em vários países. Sua morte não deve ser condenada em termos morais; é morte de guerra. Mais relevante é saber se ela ajuda ou atrapalha a promoção da liberdade e da paz na região e no mundo.

O objetivo americano é claro: impedir que o Irã desenvolva armas nucleares. E deveria ser unânime. Alguém acha uma boa ideia deixar que os aiatolás tenham a bomba?

A questão é como fazê-lo. Obama trilhava um caminho diplomático: em primeiro lugar, impôs sanções econômicas severas ao Irã. Em seguida, ofereceu um caminho de saída: o acordo de desnuclearização. Segundo o parecer independente da Agência Internacional de Energia Atômica, o Irã estava cumprindo os passos do acordo.

Trump quebrou o acordo ao reimpor as sanções econômicas em 2018. O resultado foi o oposto do esperado: o Irã se tornou mais agressivo. Matar Suleimani foi a pá de cal. O Irã já anunciou que voltará com tudo ao programa nuclear.

Agora Trump usa seu grande trunfo: ameaças bizarras e até ilegais que, vindas de um presidente sério, jamais seriam levadas a sério, mas, como Trump é sabidamente desequilibrado, adquirem alguma credibilidade. Vamos torcer para que isso seja o bastante para desencorajar o Irã. Até hoje, não tem funcionado.

Eliane Cantanhêde - Entrando de gaiato

- O Estado de S.Paulo

Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, só a perder, se entrar nela

Se fosse confirmada a retirada das tropas americanas do Iraque, depois de 17 anos de invasão, estaria encerrada uma das histórias mais inacreditáveis e sujas da política internacional recente. O governo George W. Bush atacou o Iraque unilateralmente, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU e baseado em mentiras – caso claro de fake news institucionais.

Depois de dominar o Iraque por quase duas décadas, sob vistas grossas da ONU e da comunidade internacional, os EUA agora atacam sem cerimônia a capital iraquiana para trucidar o principal líder militar iraniano. Agora, como se estivessem dizendo “até logo”, podem abandonar o país deixando um rastro de destruição e falta de horizonte. Uma terra arrasada.

Um livro revelador e de fácil compreensão sobre essa tragédia moderna, Curveball, do jornalista norte-americano Bob Drogin, foi escrito com base em manifestações oficiais, documentos, entrevistas e bastidores da decisão de Bush de invadir o Iraque. É estarrecedor como uma decisão dessa dimensão pôde ser tomada pela maior potência mundial sem qualquer cobrança ou punição. O mundo assistiu calado, lavou as mãos.

Em resumo, sem dar “spoiler”, Drogin conta a história da decisão, que começa com o relato de um desertor iraquiano que se dizia engenheiro químico e descrevia em detalhes, e até desenhava, como o seu país desenvolvia sofisticado programa de armas químicas e biológicas móveis. Espertalhão e viciado em internet, tudo o que ele queria, na verdade, era fugir do Iraque e se asilar na Alemanha. Faria, ou diria, qualquer coisa para isso.

Paulo Hartung* - A hora da bioeconomia

- O Estado de S.Paulo

Temos de trabalhar em rede em prol da reinvenção dos modos de habitar a Terra

Utilização de materiais de origem fóssil, emissão de gases de efeito estufa, mudanças climáticas, desastres naturais... Precisamos superar o círculo vicioso dessa necroeconomia, que põe o nosso futuro em risco. Já não basta mudar, é necessário revolucionar. Transformar a maneira de fazer negócios, consumir, construir, enfim, viver. Já passou da hora de entrarmos de vez no círculo virtuoso da bioeconomia.

Nesse desafio, é preciso que as instituições – governos nacionais, organismos multilaterais, corporações, empresas, ONGs e outras forças da sociedade, como a academia – apressem o passo para não serem atropeladas pelas mudanças que já estão em andamento. Não há mais espaço para esforços individuais ou desarticulados. O mundo tem urgência por resultados práticos e só a mobilização compartilhada pode garantir um horizonte para o nosso planeta.

Estive na Bélgica, onde conheci o Instituto de Biotecnologia de Flandres – Vlaams Instituut voor Biotechnologie (VIB) –, numa região próxima à fronteira com a Holanda. A entidade construiu um sistema de governança bastante interessante e formatado de modo a reunir diferentes atores sociais em torno da inovação sustentada pelo conceito de bioeconomia. O local é financiado pelo governo, mas atua em parceria com empresas e cinco universidades. São 51 milhões de euros de investimento entre 2017 e 2021.

Em Ghent, também na Bélgica, visitei a Bio Base Europe Pilot Plant, biorrefinaria que é mais um exemplo a ser seguido. Investimento do governo local, o espaço está à disposição de empresas e da academia para pesquisa e desenvolvimento de soluções que tenham em seu DNA o aproveitamento de resíduos biológicos que substituam matéria-prima agressiva ao meio ambiente.

Pedro Fernando Nery* - Economia e felicidade

- O Estado de S.Paulo

Felicidade do brasileiro tem caído nos últimos anos, segundo pesquisa mundial

Em 1974, o professor Richard Easterlin observou que o crescimento da renda dos Estados Unidos nas décadas anteriores não alterou a felicidade dos seus cidadãos. O achado ficou conhecido como Paradoxo de Easterlin e inaugurou o campo denominado economia da felicidade, que busca responder questões universais como “o dinheiro traz felicidade?”. A primeira coluna do ano é sobre esse simpático campo de pesquisa.

O Paradoxo de Easterlin é disputado: diversas pesquisas posteriores identificaram correlação e mesmo relação de causalidade entre renda e bem-estar. Dois prêmios Nobel em Economia, Daniel Kahneman (2002) e Angus Deaton (2015), estimaram um teto em uma renda anual de US$ 75 mil: acima desse nível, mais dinheiro não traria mais felicidade. Os autores parecem concluir que não importa ser rico, mas importa não ser pobre: “As dores dos infortúnios da vida – como doenças, separações e solidão – são significativamente exacerbadas pela pobreza”.

Uma série de estudos discute duas perguntas: se o efeito do dinheiro na felicidade é temporário (adaptação hedônica) e se o efeito do dinheiro na felicidade é relativo (depende da comparação com pessoas próximas – como o cunhado, o vizinho, o colega de trabalho). Para a primeira pergunta, são comuns as pesquisas com vencedores de loterias, experimento natural que isola o dinheiro de outras características pessoais. Em geral, o efeito é identificado, mas a magnitude varia na literatura.

Com base em uma pesquisa mundial da Gallup, tem sido publicado a cada dois anos o World Happiness Report (WHR). Segundo o relatório, a avaliação do brasileiro quanto à sua felicidade tem caído nos últimos anos. A “nota” média dada pelos entrevistados, de 0 a 10, era de 6,98 no biênio 2012 a 2014, caindo para 6,64 entre 2014 a 2016 e, mais recentemente, para 6,3 entre 2016 e 2018 – isto é, já após o início da recuperação econômica. Em um ranking, o País seria o 32.º, e se destaca no quesito suporte social (parentes e amigos para contar se precisar).

Juiz das garantias deve ser decidido por plenário do STF

Medida sancionada na véspera de Natal por Bolsonaro tem de entrar em vigor em 23 de janeiro

Por Carolina Freitas | Valor Econômico

SÃO PAULO -O Supremo Tribunal Federal (STF) deve apresentar até a próxima semana uma resposta a ações que questionam a figura do juiz das garantias, criada pelo pacote anticrime para controlar a legalidade de investigações criminais e garantir direitos dos acusados até a fase de recebimento de denúncia. O tema divide a magistratura e a aposta tanto dos defensores quanto dos críticos ao novo posto é que a Corte procurará ganhar tempo: a tendência é que o prazo para implantação da mudança, que termina dia 23, seja estendido por uma liminar para que haja tempo de uma regulamentação pelos tribunais. E que a decisão futura caiba ao plenário do Supremo.

A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na véspera do Natal sem veto ao juiz de garantia, instituto inserido no Congresso, por iniciativa do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ). Magistrados e advogados que acompanham de perto as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo afirmaram ao Valor que a expectativa é de uma decisão liminar proferida pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, antes do dia 20. Depois dessa data, quem assume o plantão é Luiz Fux, que é relator das ADIs. A lei implica em uma reorganização do trabalho de juízes em todo o país. Pela nova lei, o juiz das garantias fica responsável pelas decisões para produção de provas e, após decidir pela denúncia ou não dos acusados, um juiz de instrução decide se a pessoa é culpada ou inocente e determina a sentença.

A preocupação central das associações de juízes autoras das ADIs é estender esse prazo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) só deve apresentar uma proposta de implementação no dia 15, depois de abrir uma consulta pública de dez dias sobre o assunto.

“A criação do juiz das garantias representa uma completa reformulação da Justiça Penal brasileira”, afirma Renata Gil de Alcântara Videira, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e juíza criminal no Rio há 22 anos. A AMB é autora de ação contra esse ponto, ao lado da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Andrea Jubé - “Mãos Limpas” contou com juiz das garantias

- Valor Econômico

Proposta foi aprovada no Senado sem alarido

De todo o “amontoado de muita coisa escrita” (para usar a expressão do presidente Jair Bolsonaro) nos últimos dias sobre o juiz das garantias, ainda despontam aspectos pouco explorados como a presença desse magistrado na Operação Mãos Limpas, que serviu de inspiração à Lava-Jato; e a constatação de que o instituto é um dos legados do ex-presidente José Sarney em uma de suas quatro passagens pela presidência do Senado.

Uma década antes da emenda do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) convulsionar o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, com a introdução da figura do juiz das garantias, o parecer do então senador Renato Casagrande (PSB-ES) incluiu o instituto no projeto de reforma do Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo plenário do Senado em dezembro de 2010.

Implicado em denúncias de supostos malfeitos, Sarney quis entrar para a história do Senado como um presidente “reformista”: além da renovação do CPP, também articulou a modernização de outras legislações, como os Códigos Penal e Eleitoral.

A reforma do Código de Processo Penal acabou sendo aprovada no apagar das luzes de 2010, em uma sessão esvaziada, tarde da noite, em votação simbólica, à unanimidade. Não houve alarde nem comoção quanto à criação do juiz das garantias ou outra inovação do projeto.

O novo juiz das garantias brasileiro equipara-se ao “juiz da instrução” que vigora em Portugal, ao “juez de garantia” do Chile - que serve de referência para a América Latina - e ao “giudice per le indagini preliminari” da Itália.

Saúde: É preciso abrir espaço fiscal para ter mais recursos para o setor, diz Arminio

Para Arminio, todos os esforços terão que ser feitos, tanto em relação aos recursos financeiros quanto no campo da eficiência e da precisão cirúrgica dos gastos

Por Leila de Souza Lima | Valor Econômico

SÃO PAULO - Mesmo com a urgência em se fazer ajustes na saúde pública, com melhora na gestão, adoção de novas tecnologias e redução de despesas, é necessário abrir espaço fiscal para direcionar recursos à área devido aos desafios socioeconômicos do país, avalia o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. Neto, filho e sobrinho de professores da área médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o economista encontrou nessa ascendência parte da razão para fundar em meados do ano passado o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Como descreve, a organização surge com o fim de debater e formular políticas para o setor, além, caso necessário, de se posicionar reativamente a propostas e medidas geradas no âmbito do sistema. “Sempre de forma independente, apartidária e analítica”, frisa ele.

Arminio e seus colaboradores - um time de estudiosos e especialistas no assunto - sabem que não é fácil avançar nessa cruzada, num cenário em que patrocinadores estão cada vez mais escassos. Esse é o motivo de ser difícil encontrar no Brasil entidades dedicadas ao tema, que requer estudos caros, prescindindo de ajuda do governo ou da iniciativa privada. “O dinheiro vai vir de fora do setor”, diz o cientista político Miguel Lago, diretor-executivo do Ieps. “E não aceitamos nem do poder público. Isso torna o desafio maior, mas nos dá total independência”.

Esse princípio é primordial diante do que o Ieps - por ora bancado totalmente por Arminio - defende como essencial para manter de pé um sistema que atende aos três quartos da população sem planos de saúde. Em resumo, definir “de forma consciente” prioridades de gastos na área, o que provoca reação dos defensores mais ferrenhos do SUS como sistema universal que é, e a concretização de reformas que vão desagradar a alguns segmentos da sociedade, como mexer no Imposto de Renda, um terreno para subsídios tributários altamente regressivos no Brasil, conforme pontua Arminio, sócio da Gávea Investimentos.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Brasil e Irã na batalha do petróleo

- Valor Econômico

Golpe que apeou o primeiro-ministro do Irã visava reverter a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company

Nos tempos das sabedorias das redes antissociais, seria imprudente indagar dos acontecimentos no mundo do petróleo nos idos de 1953.
Meu otimismo, no entanto, imagina que seria possível confiar na memória de alguns brasileiros, aqueles que, porventura, tenham sobrevivido aos 75 anos. Esses senhores, talvez, sintam ecoar as vozes inflamadas do Repórter Esso no dia 3 de outubro de 1953.

Sempre “o primeiro a dar as últimas”, o locutor anunciava a assinatura da Lei 2004 de criação da Petrobras.

Em sua magnífica biografia de Getulio Vargas, Lira Neto conta o episódio que mereceu o ribombar das exclamações do Repórter Esso. Peço licença para usá-lo com e sem aspas. “Rodeado por todos os assessores, sentado à mesa negra de jacarandá do gabinete de despachos, molhou a pena no tinteiro e assinou a lei nº 2004, de 3 de outubro de 1953. Depois de 22 meses de tramitação na Câmara e no Senado, justamente quando o governo se via imerso em uma aguda crise política, estava criada, em caráter oficial, a maior empresa nacional de todos os tempos, a Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras.”
Lira Neto prossegue em sua digressão e sustenta que a data não fora escolhida por acaso. “O simbolismo estava evidente. Getúlio fizera coincidir a sanção do projeto, aprovado em definitivo e remetido pelo Congresso no final de setembro, com o aniversário do estopim da Revolução de 1930.” Após a solenidade, o presidente falou ao microfone instalado no palácio, pronunciando um discurso que seria retransmitido para todo o país, pela Voz do Brasil.

Luiz Paulo Costa* - A oportunidade das eleições municipais

O VALE (SP), 4 e 5/01/2020, pág. 6)

O fato político mais importante deste ano bissexto de 2020 é a realização da eleição nos 5.570 municípios para escolha de prefeitos e vereadores. Em primeiro turno no dia 4 de outubro e no dia 25 do mesmo mês, em segundo turno, apenas para prefeito se o candidato não obtiver o voto majoritário no primeiro. A novidade na eleição de vereadores é a proibição de coligações na eleição proporcional entre partidos, que concorrerão com chapa própria.

Se não ocorrerem problemas menores que podem impactar uma eleição municipal, a necessidade mais importante do município é realizar a revisão discutida com os eleitores na campanha político-eleitoral da Lei Orgânica Municipal pelo voto de dois terços dos vereadores a serem eleitos.

Além de se tornarem entes federativos ao lado da União, dos Estados e do Distrito Federal, os municípios passaram a ser organizados, respeitando-se os princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual, por suas próprias Cartas Constitucionais.

Acentuo, no entanto, que os princípios constitucionais democráticos e participativos, entre outros, poderão ser aprofundados pelos vereadores e vereadoras nesta revisão a partir da maior participação popular que sempre existe durante o processo político-eleitoral.

Até porque entendo como fundamental para o País fazer chegar os princípios democráticos até os munícipes, em sua vida como cidadãos dotados do poder de eleger os seus representantes, tais princípios na convivência do seu cotidiano.

*Jornalista, escritor e ex-vereador em São José dos Campos(SP)

O que a mídia pensa – Editoriais

Itamaraty contraria tradição no apoio a Trump – Editorial | O Globo

Envolver-se com um dos lados no conflito entre EUA e Irã significa ir contra os interesses nacionais

Da mesma forma que atuam outras áreas do governo sob forte influência ideológica extremista, o Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo reagiu de maneira desequilibrada ao ataque americano que matou nas imediações do aeroporto de Bagdá o general iraniano Qassem Soleimani, o segundo homem forte da teocracia persa, abaixo do aiatolá Ali Khamenei. Sem nenhum dos cuidados que a diplomacia brasileira costumava ter ao se posicionar sobre conflitos no Oriente Médio, Araújo avalizou a operação autorizada pelo presidente Trump.

Criticado por ex-embaixadores, o Itamaraty, alinhando-se a Trump, levou o Brasil a passar a considerar terrorista a Guarda Revolucionária persa, comandada por Soleimani. Até a chegada de Bolsonaro ao Planalto, o país qualificava como tal apenas a al-Qaeda e o Estado Islâmico, conforme entendem as Nações Unidas.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Canto do Rio em Sol

I
Guanabara, seio, braço
de a-mar:
em teu nome, a sigla rara
dos tempos do verbo mar.

Os que te amamos sentimos
e não sabemos cantar:
o que é sombra do Silvestre
sol da Urca
dengue flamingo
mitos da Tijuca de Alencar.

Guanabara, saia clara
estufando em redondel:
que é carne, que é terra e alísio
em teu crisol?

Nunca vi terra tão gente
nem gente tão florival.
Teu frêmito é teu encanto
(sem decreto) capital.

Agora, que te fitamos
nos olhos,
e que neles pressentimos
o ser telúrico, essencial,
agora sim és Estado
de graça, condado real.
II
Rio, nome sussurrante,
Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida
como sangue, como seiva
-- não são imagens exangues
como perfume na fronha
... como pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio

Rio das quatro lagoas
de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?
III
Irajá Pavuna Ilha do Gato
-- emudeceram as aldeias gentílicas?
A Festa das Canoas dispersou-se?
Junto ao Paço já não se ouve o sino de São José
pastoreando os fiéis da várzea?
Soou o toque do Aragão sobre a cidade?

Não não não não não não não

Rio, mágico, dás uma cabriola,
teu desenho no ar é nítido como os primeiros grafismos,
teu acordar, um feixe de zínias na correnteza esperta do tempo
o tempo que humaniza e jovializa as cidades.
Rio novo a cada menino que nasce
a cada casamento
a cada namorado
que te descobre enquanto rio-rindo.
assistes ao pobre fluir dos homens e de suas glórias pré-fabricadas.