quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Alexis de Toqueville*

As nações modernas não podem evitar que as condições se tornem iguais; mas depende delas que a igualdade as leve à escravidão ou à liberdade, à civilização ou à barbárie, à prosperidade ou à miséria.

*Alexis de Toqueville (1805-1859), “Democracia na América”, p. 542, Edusp, 1977

Merval Pereira - Diplomacia ideológica

- O Globo

As ideologias não podem impedir que se tenha uma politica externa que atenda aos interesses do país

Na sua ilógica atuação internacional, o governo brasileiro vem colhendo situações inusitadas, como a que fez com que o presidente Bolsonaro afirmasse que o Brasil continua interessado nos acordos comerciais com o Irã, momentos depois de ter emitido uma nota oficial em que apoiou o ataque dos Estados Unidos.

Ontem, no entanto, o Itamaraty adiou uma reunião, agendada antes dos ataques, que a embaixada do Brasil em Teerã teria para discutir questões culturais, alegadamente porque não teria sentido discutir acordos com o Irã tendo apoiado a ação dos americanos.

O que parecia ter sido um recuo do Brasil movido pelo bom-senso, em relação ao conflito EUA x Irã, quando Bolsonaro mandou todos ficarem em silêncio depois que o Irã chamou nosso embaixador para uma conversa, vê-se agora que foi um surto que já passou.

Embevecido com a imagem de Trump na televisão, dirigindo-se à nação respaldado por militares de alta patente, Bolsonaro passou a defender a posição brasileira inicial e a atacar o governo do ex-presidente Lula com afirmações equivocadas. Não precisava inventar críticas, elas são muitas nesse relacionamento com o Irã e com outras autocracias e ditaduras pelo mundo.

Luiz Carlos Azedo - Soberbo isolamento

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Todos os diagnósticos de organismos internacionais e análises econômicas apontam que a globalização, com base em políticas neoliberais, aumentou as desigualdades”

O presidente Jair Bolsonaro cancelou mesmo sua ida ao Fórum Econômico Mundial, em Davos (21 a 24 deste mês), por razões econômicas, de segurança e políticas, segundo o porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros. Realizado há 50 anos, o fórum reúne chefes de Estado, grandes executivos e personalidades, num encontro que procura sempre perscrutar o futuro. Neste ano, as pautas de discussão são “Economias mais justas”, “Como salvar o planeta?”, “Futuros saudáveis” e “Tecnologias para o bem”. Esses temas têm algo a ver com a realidade brasileira? Claro que têm, porém, “o somatório desses aspectos, quando levados à apreciação do presidente, lhe permitiu avaliar que não seria o caso, neste momento, de participar desse fórum”, explicou o general, naquele tom marcial que sempre adota em momentos de certo constrangimento.

A experiência de Bolsonaro na reunião de Davos do ano passado não foi das melhores. Recém-eleito, frustrou expectativas generalizadas, seja porque fez uma intervenção lacônica demais, seja porque sua participação no evento, em termos de projeção do novo governo, foi ofuscada pelo desembaraço do ministro da Economia, Paulo Guedes, que centralizou as atenções com relação às reformas econômicas que os investidores de um modo geral esperavam do Brasil. De lá para cá, a sucessão de declarações polêmicas, desentendimentos com outros chefes de Estado e atitudes do governo, de certa forma, aconselham Bolsonaro a ficar fora do encontro.

Embora possa ser até conveniente para Bolsonaro, para evitar mais problemas, o isolamento não é bom para o Brasil e, de certa forma, expressa o resultado da nova política externa sob comando do chanceler Ernesto Araújo. O porta-voz não entrou em detalhes, mas uma análise da posição do Brasil em relação a cada tema proposto para os debates em Davos revela claramente as nossas contradições quanto ao rumo que as principais lideranças mundiais desejam, com exceção de Donald Trump e seus aliados de primeira hora.

Bernardo Mello Franco - Ressuscitaram a censura

- O Globo

Os saudosistas da censura entraram em 2020 com a corda toda. A Justiça do Rio proibiu a exibição de um especial de humor. Em nome de Jesus, crucificou o Estado laico

Os saudosistas da censura entraram em 2020 com a corda toda. Em Brasília, a TV Brasil mutilou uma reportagem para omitir a prisão de jornalistas na ditadura. No Rio, um desembargador mandou retirar do ar um vídeo do Porta dos Fundos.

O bolsonarismo prometia extinguir a emissora do governo federal. No poder, abandonou a ideia para reforçar seu uso político. O presidente entregou a EBC a um general e um coronel. Sob comando militar, a programação radicalizou o tom chapa-branca.

A censura ao programa “Fique Ligado”, revelada pela repórter Paula Ferreira, dá uma ideia da situação da TV Brasil. Uma reportagem sobre a história do jornal “O Pasquim” foi cortada para omitir a prisão de jornalistas na ditadura. No grupo que foi em cana, estavam Ziraldo, Paulo Francis e Jaguar.

Luis Fernando Verissimo - A carta do Camus

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Não se esperava que ainda houvesse algo de sua extensa produção

Li que acharam uma carta do Albert Camus mandada da França ocupada pelos nazistas para o general De Gaulle, líder do governo francês no exílio. A carta, de 1943, foi encontrada nos arquivos do general e sua descoberta coincide com os 60 anos da morte de Camus num acidente de carro, em 1960. Não se esperava que ainda houvesse algo da extensa produção de Camus — que foi romancista, ensaísta, dramaturgo, roteirista e filósofo — a ser publicado, o que aumenta o valor histórico do documento, intitulado “Um intelectual resistente”. Nele Camus expressa ao general sua angústia com o que a ocupação está fazendo com a França, não apenas eliminando fisicamente quem ameaça reagir à dominação nazista como matando o espírito e a criatividade de uma geração inteira, entregue à mediocridade oficializada do governo colaboracionista de Vichy. A maior preocupação de Camus é com o que virá depois, que França sobrará da mediocridade imposta.

Carlos Alberto Sardenberg - Antes que acabe a era do petróleo

- O Globo

Os governos Lula e Dilma foram os que mais fizeram alarde com o petróleo e a Petrobras. E foram os que mais atrasaram e destruíram a Petrobras

Escrevi uma coluna algo ligeira sobre petróleo e privatizações em 26/12. David Zylbersztajn me fez o favor de lembrar os avanços da era FHC. Publiquei na última quinta. Aí, por e-mail, Décio Oddone, diretor da Agência Nacional de Petróleo, colocou tudo numa perspectiva mais completa. Seguem aqui trechos de suas observações:

“Vivemos foi um processo que foi evoluindo, mas, também, involuindo. Na exploração e produção, a descoberta do pré-sal no governo Lula levou às discussões sobre um novo regime, a criação da partilha e a interrupção dos leilões. O resultado é conhecido. Em 2014 quando o preço do petróleo caiu e surgiu a Lava-Jato, o setor entrou em crise profunda. A concentração das atividades na Petrobras impediu a venda dos campos maduros no Nordeste e na Bacia de Campos, o que levou a quedas de produção superiores a 40%. O atraso no desenvolvimento do pré-sal causou prejuízo trilionário.

Nos setores de abastecimento e de gás natural, apesar da constituição e da lei estabelecerem o regime de livre concorrência, mais de 20 anos se passaram sem que qualquer medida tivesse sido tomada para reduzir a presença da Petrobras. Ao contrário, o que se viu foi um esforço para aumentar a presença da estatal.

No governo FHC não foi possível avançar com a venda dos campos maduros e de refinarias. As tentativas morreram dentro da própria Petrobras. ... Os setores corporativistas prevaleceram e nada foi feito.

Míriam Leitão - O recuo de Trump e a tensão no ar

- O Globo

Trump recuou de um novo ataque ao Irã, e no Brasil o presidente Bolsonaro recuou da nota desastrada do Itamaraty

Houve um claro recuo do presidente Trump ontem e ficou evidente a pressão dos chefes militares para que os Estados Unidos não entrassem em nova guerra no Oriente Médio. No final da tarde, notícias de mísseis katyusha, próximos à embaixada americana em Bagdá, reduziram a sensação de alívio que havia se espalhado após a fala de Trump. Qualquer que seja a evolução dos eventos, contudo, aumentou muito o clima de desconfiança no mundo nos últimos dias. Este ano, em que o presidente americano lutará contra a ameaça de impeachment e pela reeleição, será um tempo pantanoso. Trump fará o que lhe trouxer dividendos eleitorais.

No Brasil também houve recuo. Aquela nota da sexta-feira, apoiando o assassinato de Qassem Soleimani, foi apagada pelas palavras e pelos silêncios. Ela era estranha à tradição diplomática brasileira e não defendia os interesses do Brasil. Desde terça-feira à noite, o Planalto começou a sair de fininho da primeira posição e corrigiu a rota. É demorada demais a curva de aprendizado do governo Bolsonaro. Ontem, ele disse que “muitos acham que o Brasil deve se omitir”. Defender o entendimento, a negociação, os órgãos multilaterais não é se omitir. É ter uma posição. A mais sensata.

O que fica de todo esse episódio é que a forma imprevisível e intempestiva de Trump agir teve um duro embate com a realidade. Segundo os analistas da televisão americana os comandantes militares deixaram claro para ele que não apoiariam uma guerra com o Irã.

Maria Hermínia Tavares* - Estrepitosa ignorância

- Folha de S. Paulo

Universidades são o habitat dos que se dedicam a produzir conhecimento

Em dezembro do ano passado, o professor Brito Cruz, diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), apresentou a uma plateia de colegas, reunidos pela Academia Brasileira de Ciências, dados pouco conhecidos sobre o sistema brasileiro de ciência e tecnologia e sobre o lugar que nele ocupam as universidades públicas de pesquisa. Da fala do professor destaco quatro coisas que, se não fosse tão primitivo, o governo deveria saber.

As universidades são o habitat natural de todos quantos se dedicam a produzir conhecimentos no Brasil. Nelas trabalham, em valores arredondados, 80% dos 330.670 pesquisadores ativos no país; 18% atuam em empresas e 2% no governo.

Por outro lado, 2/3 do pessoal em carreiras de pesquisa e desenvolvimento nas empresas se formou em oito universidades públicas, entre as quais se destacam as três estaduais e uma federal localizadas no estado de São Paulo.

Fernando Schüler - Nova rebelião das massas desafia democracia digital

- Folha de S. Paulo

Homem comum dispõe hoje de poder muito maior de fazer barulho, e destino é incerto

Luiz Felipe Pondé escreveu uma coluna provocativa, dias atrás, e a certa altura se referiu a uma mulher com quem conversou em sua recente visita à China. Ela tem 30 anos e abriu um restaurante com o marido. Diz gostar de viver em um país seguro e estável, sem as confusões que enfrentam no dia a dia seus irmão de Hong Kong. Confusões típicas das democracias atuais.

“A ideia que trocamos facilmente liberdade por estabilidade é fato”, diz Pondé. A frase é de um intelectual sabidamente cético em relação à crença iluminista no progresso moral e na fidelidade humana aos valores universais da liberdade e da democracia.

Certo ou errado, ele tem um ponto. Se é verdade que a democracia liberal é um sistema vitorioso no mundo moderno, também é verdade que ela vive um momento de mal-estar. E que o sucesso chinês, prometendo uma sociedade aberta e de mercado, ainda que sem democracia, é de longe o maior desafio vivido em nossa época pelas democracia liberais.

O Brasil é exemplo disso. Uma pesquisa internacional coordenada pelo professor Dominique Reynié e divulgada recentemente mostrou que 73% dos brasileiros concordariam com a ideia de um pouco mais de ordem, mesmo que ao custo de menos liberdade. O segundo maior percentual entre 42 países pesquisados.

É evidente que não se sabe bem de que liberdades estamos falando. Os dados foram colhidos no momento em que o país vinha de uma enorme crise ética, radicalismo político, desemprego nas alturas e em meio à explosão da violência urbana. Parece plausível que exista uma demanda difusa por ordem.

David Brooks se referiu a um fenômeno parecido, na democracia americana, sugerindo que as pessoas estão “exaustas” da confusão e da guerra política. Brooks vê dois campos em guerra. Simplificando, são os eleitores de Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, mais jovens e presos às soluções tradicionais da esquerda, e os entusiastas de tipos como Trump, desejosos de um líder forte que restaure valores e ponha ordem na casa.

Ambos alimentam uma leitura alarmista do mundo atual, tendem a apoiar programas irrealistas e possuem um vezo autoritário. Estão muito convencidos de que são os missionários do lado certo e esquecem que a democracia é basicamente um modo frágil de “resolver diferenças com pessoas de quem discordamos”.

Bruno Boghossian – Dois explosivos e um advogado

- Folha de S. Paulo

Decisão mostra que proteção das liberdades no país é tão frágil quanto parece

Bastaram dois coquetéis molotov e uma petição ao Tribunal de Justiça do Rio para que a censura fosse instalada. A decisão que ordenou a retirada do ar do especial natalino do Porta dos Fundos deu ganho de causa aos intolerantes e mostrou que a proteção das liberdades no país é tão frágil quanto parece.

O desembargador Benedicto Abicair fabricou uma inovação jurídica ao impedir a exibição da sátira que retrata um Jesus gay. Dezesseis dias depois que a sede da produtora foi alvo de um atentado, o magistrado afirmou que a proibição era necessária para "acalmar ânimos".

Na prática, o desembargador agiu como se a melhor maneira de reprimir a atividade de fanáticos criminosos fosse atender suas vontades. Para piorar, decidiu instituir uma figura absurda como a censura preventiva e tratou a liberdade de expressão como questão secundária.

Mariliz Pereira Jorge - Mas e o PT?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro segue firme na missão de não deixar que o brasileiro esqueça o PT

Um ano de governo e Jair Bolsonaro segue firme na missão de não deixar que o brasileiro esqueça o PT, mais precisamente de Lula. EUA e Irã em meio a um conflito seriíssimo e o presidente faz o quê? Fala de Lula.

Não houvesse já a difícil missão de desfazer o estrago causado pela nota em apoio ao assassinato do militar iraniano, Bolsonaro resolve relembrar uma visita que Lula fez ao Irã em 2010 para tratar de um acordo nuclear. Para quê? Para espalhar fake news. E não basta lamber as botas de Donald Trump, tem que fazer transmissão ao vivo.

É o roto falando do esfarrapado. Bolsonaro critica as relações de Lula, mas desfilou sorridente ao lado do príncipe de outra ditadura, acusado de matar um jornalista dentro da embaixada de seu país, a Arábia Saudita, um oásis de censura, perseguição e tortura. Deve vir daí a afinidade que o presidente brasileiro disse ter com o monarca.

José Serra* - Que o ano novo mereça esse nome

- O Estado de S.Paulo

É hora de o Parlamento assumir efetivamente suas responsabilidades e partir para a ação

Este é o meu primeiro artigo de 2020, ano de muitos desafios e, espero, de muita dedicação para obtermos consensos nos principais temas de nossa agenda política. Num país continental e populoso como o Brasil, com tantos problemas sociais e desigualdades, mas com tanto potencial, não nos podemos contentar com os pequenos avanços na economia e, muito menos, com grandes retrocessos em áreas estratégicas como educação, cultura, meio ambiente e relações exteriores.

A frase de Otto von Bismarck “a política é a arte do possível” não se aplica aqui e agora. No Brasil de hoje precisamos de muito mais do que parece plausível. A política precisa ampliar os limites do possível e patrocinar uma verdadeira revolução em nossa sociedade. Nos últimos anos a política tem produzido crises e divisão na sociedade. Um processo que parece agravar-se a cada ano e precisa começar a ser revertido em curto prazo.

Não é fácil, mas também não é impossível. Aprendi ao longo dos meus anos de vida pública que se formos pessimistas no diagnóstico, mas otimistas na ação, encontraremos o caminho. Mais ação e menos retórica, mais diálogo e menos disputas, mais planejamento e menos improviso. É preciso tirar as coisas do papel.

A política econômica deste governo avançou na agenda fiscal e dos juros. O déficit público abaixo da meta legal e o controle da dívida são pontos importantes. O efeito das devoluções antecipadas de créditos concedidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 2008 e 2014 explica boa parte do nível mais modesto da dívida bruta. Esse e outros fatores atípicos, como o volume expressivo de receitas extraordinárias, a exemplo das provenientes dos leilões do pré-sal, escondem o fato de que há ainda um longo caminho a percorrer no controle das despesas públicas, sobretudo as obrigatórias.

William Waack - Trump matou ‘Dr. Evil’

- O Estado de S.Paulo

Desde o fim da Guerra Fria o Irã expandiu-se no Oriente Médio, e os EUA encolheram

A ordem do presidente Donald Trump para matar o general iraniano Qassim Suleimani expressa o fim da hegemonia americana no Oriente Médio. Estabelecida com grande abrangência desde o fim da Guerra Fria e a primeira Guerra do Golfo, em 1991, essa hegemonia foi perdida em grande parte por ações e erros dos próprios americanos, involuntariamente os principais responsáveis pela inédita expansão política e militar do Irã naquela região.

Como resultado de grandes acontecimentos, como a derrota do Taleban no Afeganistão, a desagregação do Iraque pós-invasão americana de 2003, a “primavera árabe” (que sacudiu monarquias sunitas), o acordo de potências (Rússia, China e as europeias) sobre o programa nuclear iraniano, o fim do Estado Islâmico e a restauração do poder de Assad na Síria, até o momento da liquidação do general, o Irã exibia uma posição política e militar no Oriente Médio mais forte do que possuía havia cinco anos. Levou uns 20 anos para chegar lá. O que muda agora?

A execução de Suleimani nada parece alterar na postura dos EUA diante da complexa situação do Oriente Médio: objetivos erráticos, concentração (uma quase obsessão) no conflito na Palestina, pouca vontade de se envolver em guerras, abandono de aliados (de militares egípcios a curdos). E não saber lidar com uma fratura fundamental na região: xiitas são apenas 10% entre os muçulmanos no mundo, mas quase a metade dos muçulmanos no Oriente Médio, o que ajuda a entender o peso dessa milenar disputa cultural, política e sectária em todos os vizinhos do Irã.

Eliane Cantanhêde - Governo Bolsonaro agora tenta recuperar equilíbrio na relação com Teerã

- O Estado de S.Paulo

Planalto, Itamaraty e Forças Armadas esperam que venha um 'período de calma' depois do ataque americano que matou o líder militar Suleimani

Depois da nota de sexta-feira passada, claramente alinhada aos Estados Unidos e contra o Irã e o Iraque, o governo Jair Bolsonaro tenta agora recuperar um bom equilíbrio entre os EUA e o Irã. Ao mesmo tempo em que o Planalto considerou o discurso do presidente Donald Trump “conciliador”, o Itamaraty enviou sinais para o Irã de que tem todo o interesse em manter boas relações diplomáticas e comerciais com o país.

A decisão de cancelar a reunião que haveria entre diplomatas brasileiros e iranianos ontem, em Teerã, foi tomada pelo Itamaraty na noite anterior. Motivo: o embaixador do Brasil no país, Rodrigo Azeredo, que está de férias no Rio e deveria ter voltado a Teerã assim que estourou a crise, contraiu uma pneumonia e foi internado num hospital carioca.

O Itamaraty avalia que, ao sugerir manter a reunião, que estava pré-agendada e tinha como pauta a cooperação bilateral na área de cultura, o governo do Irã havia dado um sinal positivo a favor das boas relações entre Teerã e Brasília e não seria adequado enviar a encarregada de Negócios, Maria Cristina Lopes, que substitui o embaixador, mas é apenas primeira secretária. Ou seja, uma diplomata “júnior”.

Entrevista: O que tem que ser criticada é a má política, não a 'velha', diz Roberto Freire

Entrevista com Roberto Freire, presidente nacional do Cidadania

Há quase 30 anos presidente de partido, ex-deputado fala em renovação e diz que já fez contatos com Luciano Huck por candidatura em 2022 pelo Cidadania

Matheus Lara | O Estado de S.Paulo

Aos 77 anos e há quase 30 na presidência de um partido político, o ex-deputado constituinte Roberto Freire, hoje sem mandato e dedicado exclusivamente ao comando do Cidadania (ex-PPS), se vê na vanguarda da renovação política no País. Um paradoxo do qual ele próprio ri e que tenta explicar: para ele, não há que se falar em "velha" ou "nova" política, mas sim de "boa" ou "má".

Ao Estado, Freire fala sobre o que entende ser esta mudança: uma estratégia que passa por aproximar seu partido dos chamados movimentos cívicos, de formação e renovação política, como o RenovaBR, Agora!, Acredito e Livres, que têm atraído e alavancado novas lideranças no País. Mas ele reconhece que se adaptar ao novo momento da política é uma questão de sobrevivência para os partidos. "Existe hoje uma nova formação política que não vem dos partidos tradicionais. O partido que queira continuar existindo tem que se adaptar ao que acontece na sociedade", afirma.

Em 2019, o Cidadania definiu seu novo estatuto ouvindo esses grupos. O partido definiu que não fechará mais questão em pautas no Congresso, por exemplo - uma forma de não constranger parlamentares que venham desses movimentos e que eventualmente tenha posição diferente da do partido. Esse tipo de tensão aconteceu este ano (2019) na reforma da Previdência, quando deputados como Tabata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSB) contrariaram suas siglas e agora respondem internamente.

Freire sonha em ter um dos principais nomes ligados a estes movimentos, o apresentador Luciano Huck, como candidato do Cidadania à Presidência em 2022, mas diz não querer apressar as coisas. "Não tem que precipitar nada", afirma. Veja os principais trechos da conversa.

Confira, abaixo, a entrevista:

• Por que o Cidadania se abriu para os chamados movimentos cívicos?

São movimentos espontâneos formados por jovens que se interessavam por política e começaram a debater. Como no Brasil, para participar do processo político, há determinação legal de que só se pode fazer isso através de partidos, nós passamos a olhar para essa movimentação e tentar com eles dialogar para integrá-los. Existe hoje uma nova formação política que não vem dos partidos tradicionais. O partido que queira continuar existindo tem que se adaptar ao que acontece na sociedade.

• Como evitar desencontro de pautas entre o que lideranças desses movimentos querem e o que o partido quer?

Não tem problema o desencontro de pautas. Eles têm a autonomia deles. O movimento não deixa de existir porque seus membros estão filiados ao partido.

• Isso não coloca as bandeiras que o partido defende em 2º plano?

Não. O partido continua tendo suas bandeiras. Respeitará aqueles que vêm dos movimentos e seus filiados antigos. O partido continuará tomando posição (apesar de não fechar questão, que é a formalidade de orientação para voto da bancada no Congresso). O fato de alguém não votar com a posição do partido será respeitado.

Cláudio Gonçalves Couto* - O antipluralismo bolsonarista

- Valor Econômico

Liberalismo do governo Bolsonaro é manco, expressando-se unicamente na política econômica. Trata-se de um disfarce

Uma das principais referências políticas do bolsonarismo é a Hungria de Viktor Orbán - como já deixou claro em mais de uma ocasião o filho 03, Eduardo Bolsonaro, líder ideológico local do movimento capitaneado pelo pai. Em célebre discurso de 2014, Orbán expressou seu desejo de transformar a Hungria numa “democracia iliberal”, como já o seriam a Rússia de Vladimir Putin e a Turquia de Recep Tayyp Erdogan. Nesses regimes, o apoio plebiscitário de uma maioria ao líder entronizado lhe permite governar passando por cima de eventuais limites.

Assim, restringe-se ou mesmo se elimina a liberdade de imprensa; perseguem-se e até se encarceram opositores; combate-se a independência dos centros de produção intelectual autônoma - como as universidades e as artes; deslegitima-se a oposição, apontando-lhe como formada por traidores da pátria - não existiria, como no Reino Unido, uma oposição “de” Sua Majestade, mas apenas “a” Sua Majestade. O modus operandi da democracia iliberal passa por sufocar as divergências e subalternizar as minorias não alinhadas à linha dominante, personificada pelo líder máximo e amparada plebiscitariamente no apoio de uma maioria baseada em critérios identitários - como valores, etnia, religião ou um conjunto de todas essas coisas.

Liberalismo não é só econômico, mas político e social
O caráter “democrático” das democracias iliberais residiria unicamente em seu plebiscitarismo, na expressão da vontade majoritária em eleições e outras votações nas quais a competição política é prejudicada porque a oposição é sabotada ou reprimida, bem como o debate público aberto é substituído pelo oficialismo dos discursos governamentais e pela retórica voltada a deslegitimar discordâncias. Dessa perspectiva, jornalistas são categoria em extinção e devotada a produzir “fake news”, universidades são lugares de balbúrdia e ideologização, educadores não alinhados são doutrinadores pervertidos, artistas dissidentes são sórdidos e mentirosos, opositores são bandidos e traidores.

Ribamar Oliveira - A despesa da União que mais cresce

- Valor Econômico

Despesa com sentenças judiciais é nova ameaça ao teto de gastos

Não é apenas o crescimento das despesas previdenciárias que ameaça a manutenção do teto de gastos da União nos próximos anos. O pagamento de sentenças judiciais, que é uma despesa primária submetida ao teto, tem aumentado em ritmo muito mais acelerado nos últimos anos, tornando-se uma verdadeira dor de cabeça para as autoridades do Ministério da Economia. Mesmo assim, ela está fora do atual debate fiscal.

Desde 2017, após a criação do teto pela Emenda Constitucional 95, parte do enxugamento que o governo realizou em suas despesas foi para acomodar a elevação deste gasto. E sua trajetória é imprevisível. A tendência, no entanto, é de crescimento, de acordo com o Relatório de Riscos Fiscais da União, recentemente divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Em 2014, os pagamentos referentes a ações judiciais ficaram em R$ 19,8 bilhões, enquanto a previsão do Tesouro Nacional é que a despesa tenha atingido R$ 42 bilhões no ano passado - um crescimento nominal de 112,1% ou 62,1% em termos reais, considerando uma inflação de 4,13% em 2019, medida pelo IPCA, como prevê o mercado, de acordo com o boletim Focus do Banco Central.

O governo projetou um gasto de R$ 53 bilhões com o pagamento de sentenças judiciais no Orçamento da União deste ano - R$ 11 bilhões a mais do que o previsto para o ano passado. Se a despesa se confirmar, o aumento nominal será de R$ 33,2 bilhões, em comparação com o que foi pago em 2014, ou seja, crescimento nominal de 167,7%.

Nenhuma despesa da União cresceu tanto no mesmo período. Em termos de comparação, o gasto com benefícios previdenciários foi de R$ 394,2 bilhões em 2014 e está projetada em R$ 677,6 bilhões para este ano - um aumento nominal de 71,9%. É uma elevação explosiva, mas sem comparação com o pagamento de sentenças judiciais.

O que a mídia pensa – Editoriais

Populismo solar – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro mostra pendor intervencionista e interdita debate no setor de energia

A intervenção do presidente Jair Bolsonaro praticamente sepultou a revisão da política de subsídios para a geração de energia solar que vinha sendo conduzida pela agência regulatória do setor, a Aneel.

Em seu gesto populista, que terá impacto negativo em todos os setores que dependem de boa governança pública, Bolsonaro contou com o apoio das duas principais lideranças do Congresso, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Foi comprometido todo um trabalho que visava o necessário aperfeiçoamento das regras, no sentido de reduzir subsídios que beneficiam um número reduzido de produtores de energia solar, mas que oneram o universo de consumidores.

O benefício, que pode custar R$ 34 bilhões até 2035, se origina na regra atual, definida em 2012, que visava incentivar a geração de energia renovável ao isentar os produtores de arcarem com o custo da rede de distribuição.

Na prática, a regra atual permite que a energia solar produzida e devolvida ao sistema seja descontada da conta de luz. O retorno do investimento, dependendo da concessionária, pode se dar entre 4 e 6 anos. Ou seja, uma rentabilidade próxima a 20% ao ano, muito atraente no cenário de juros baixos.

Poesia | Murilo Mendes - Os dois lados

Deste lado tem meu corpo
tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e movumentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória
tem o caminho pro trabalho.

Do outro lado tem outras vidas vivendo a minha vida
tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem.