quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Opinião do dia - Piero Gobetti*

O regime representativo não tem mais a aprovação popular. Mas com o que querem substituí-lo? Com a teocracia?

*Piero Gobetti (1901- assassinado em 15/2/1926) jornalista italiano, intelectual,liberal e antifascista. Crítico excepcionalmente ativo nos anos de crise na Itália após a Primeira Guerra Mundial e nos primeiros anos do governo fascista. Texto de 1919, citado por Norberto Bobbio em “O marxismo e o estado” p. 23, Editora Graal, 1979.

Monica De Bolle* - Ah, o liberalismo...

- O Estado de S.Paulo

Como qualquer outra filosofia ou pensamento, o liberalismo deve evoluir e mudar com o passar do tempo

Não há nada mais libertador do quepossuir algum conhecimento sobre a história econômica. Ela ajuda a remover amarras ideológicas, pensamentos pré-fabricados, noções equivocadas. Em um mundo em que dogma e fé reinam supremos sobre a ciência e fatos, a história está lá, registrada, para revelar que nenhum modelo econômico atravessa a história intocado pela mudança social. Se atravessa assim é porque o trabalho de reavaliar conceitos em épocas de profundas mudanças não está sendo feito, e isso em nome de algo. É preciso perguntar então: em nome do quê? A resposta depende do país e das circunstâncias.

Tomemos o caso brasileiro. Reina no País visão pueril do liberalismo, uma visão vitoriana, digamos. A Inglaterra do século 19 é a referência histórica para parte desse puritanismo, ainda que os que defendem a visão vitoriana não o façam conscientemente. A Inglaterra vitoriana é o exemplo mais puro do laissez-faire, da atuação da mão invisível dos mercados, o berço do liberalismo em sua forma castiça. Ao menos, essa é a maneira como muitos enxergam o país em que a filosofia de Adam Smith, de David Ricardo, de John Stuart Mill foi testada com estrondoso sucesso. A história econômica sustenta a tese? Ou teria a ilha flertado com o protecionismo e o nacionalismo econômico no alvorecer do liberalismo?

Rosângela Bittar - Caravanas

- O Estado de S.Paulo

Depois de tudo, o PT ainda quer conduzir a caravana da esquerda, da oposição, do centro

Onde se lê: A esquerda precisa sair do isolamento e se unir para as eleições de 2020 e 2022, leia-se: Os partidos de esquerda só terão espaço se libertarem-se do PT. Lula e seu partido se mantêm agarrados à cabeça de chapa. É como se o protagonismo fosse um inflexível destino.

O PT, ainda agora, depois de tudo, quer conduzir a caravana da esquerda, da oposição, do centro e de quem mais esteve e estiver disposto a fazer o que seu mestre mandar. Uma volta ao cenário da primeira eleição de Lula.

É contra isso, o absolutismo político, ainda que suicida, que deixa pelo caminho candidatos de cara nova, ou políticos experientes abertos a novos projetos cuja passagem o PT impede, que se aplica o atual movimento do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Não só dele, mas também do governador do Piauí, Wellington Dias (PT), do governador da Bahia, Rui Costa (PT), do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e outros de antes e de agora.

Dino chamou a atenção pela intensa investida em conversas políticas com quem está na onda: a esquerda, o centro e o PT. Esteve com Luciano Huck, que avalia candidatura presidencial, foi ao Instituto Lula, vinha de encontros com o DEM, deu entrevistas clamando por união de todos. Ao mesmo tempo, Wellington Dias reverberou a convocação da qual Rui Costa já tinha se disposto a participar.

Vera Magalhães - Passa no Posto Ipiranga

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro voltou das férias mão aberta, mas cabe a Guedes assinar os cheques

Nada como uma melhora, mesmo tímida, nas condições financeiras e um verão ensolarado para deixar a pessoa animada e propensa a gastar. Parece ser esse o estado de espírito de um Jair Bolsonaro que, ademais, se esqueceu de levar o protetor solar na mala e voltou das férias na praia tão torrado quanto mão aberta.

Subsídios? Tem de ver isso aí, talkey? Salário mínimo? Dá para pagar um pouco mais. Décimo terceiro para o Bolsa Família? Passa ali no Posto Ipiranga. Teto de gastos? Vocês da imprensa só querem falar de notícia ruim. E Paulo Guedes que trate de assinar os cheques.

Mas existe dinheiro para todas as bondades que o presidente quer praticar em 2020? Assegurado, não. Embora tenha concordado com o reajuste maior que o previsto inicialmente no mínimo, o próprio ministro da Economia deixou claro que ainda não há provisão de receita para bancar seu custo, de R$ 2,3 bilhões neste ano. Diz que em breve será anunciado de onde vai “aparecer” o dinheiro. Aguardemos.

Ou oremos, já que, tudo indica, uma das tendências do ano novo da gastança de Bolsonaro é ajudar a encher as burras das igrejas evangélicas, que, afinal, estão coletando “de graça” assinaturas para a criação do Aliança pelo Brasil.

Merval Pereira - Privilégios mantidos

- O Globo

Do jeito que a coisa vai, os parlamentares estarão blindados na primeira instância, com a possibilidade de recorrer a todos os recursos possíveis até o trânsito em julgado

A proibição de que juízes de primeira instância decretem medidas cautelares contra deputados e senadores é uma excrescência que está sendo planejada nos bastidores para completar uma tempestade perfeita na política brasileira que fará com que a impunidade volte a prevalecer.

Com o fim do foro privilegiado para todas as autoridades, com poucas exceções, os processos em curso serão automaticamente transferidos para a primeira instância. Mas os juízes que tratarão dos casos de parlamentares ficariam impossibilitados de apoiar as investigações, pois não teriam autoridade para determinar quebra de sigilos bancários ou telefônicos, decretar prisão preventiva e outras medidas cautelares que sejam pedidas pelo Ministério Público ou pela polícia judiciária.

Se entrar em vigor ainda por cima o juiz de garantias, aí a vida dos parlamentares envolvidos em atos criminosos ficará facilitada. O juiz da investigação, ou juiz penal, não poderá determinar busca e apreensão, por exemplo, para embasar a denúncia, e o juiz de instrução e julgamento receberá um processo sem todas as informações que poderiam apoiar uma decisão mais acurada.

Como não acompanhou a investigação, o juiz de condenação poderá entender que não há base nas acusações, pois as investigações necessárias foram restringidas pela nova emenda constitucional que se negocia nos desvãos da Câmara.

Zuenir Ventura - O do português ruim

- O Globo

Ministro tem embates frequentes com a língua portuguesa

O governo Bolsonaro tem o que comemorar: o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não atropelou a gramática sequer uma vez nos últimos dias. Ao prometer “tirar o Brasil do fundo do poço no Pisa”, ele escreveu “poço” corretamente, não “pôsso”.

Afinal, entre os embates que o ministro vem sustentando com estudantes, professores e outros adversários, os mais frequentes têm sido com a língua portuguesa. Já fazem parte de sua antologia de erros “paralização”, “antessessores”, “kafta”, “suspenção”.

O mais conhecido e engraçado apareceu no Twitter, onde ele escreveu “imprecionante”, e o mais grave foi o anúncio nessa mesma mensagem de que estava inaugurando a área de pesquisa em Segurança Pública, quando é sabido que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) já tinha financiado só nos últimos dois anos 246 trabalhos de mestrado e doutorado na área.

Outro episódio sem nenhuma graça foi a notificação que o ministro recebeu do STF para explicar as ofensas cometidas contra a União Nacional dos Estudantes, chamando-a de “máfia”: “a gente vai tirar R$ 500 milhões das mãos da tigrada da UNE”, ele afirmou.

O que o presidente Bolsonaro acha das demonstrações de ignorância de seu subordinado, já que acusou os estudantes brasileiros de não saberem qual é a fórmula da água e nem quanto é 7 x 8? O que ele acha de um ministro da Educação que convive tão mal com o português a ponto de confundir “c”, “s” e “ç’? O seu silêncio sugere que ele deve considerar normal a confusão.

Anormal para ele é Paulo Freire, reconhecido mundialmente como mestre da pedagogia e a quem o presidente chamou de energúmeno, sem saber que pelo menos um dos significados do termo (“fanático, “possesso”) se aplica mais a ele, Bolsonaro, que atribui a Freire a responsabilidade pelo baixo resultado do país no Pisa, desconhecendo que o famoso método é de alfabetização de adultos.

Que, aliás, não perdeu o prazo de validade. Ainda serve para alfabetizar adultos — inclusive ministros.

Luiz Carlos Azedo - Ordem unida no INSS

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O que aconteceu com os aposentados é típico de ações voluntaristas que não avaliam as suas consequências, porque não se basearam na realidade, mas numa visão ideológica da economia”

O governo decidiu convocar 7 mil militares da reserva para resolver o problema das filas do INSS, nas quais dois milhões de segurados aguardam suas aposentadorias e outros benefícios, como salário-maternidade e auxílio-doença. Esse é o saldo de um ano de incompetência na gestão do órgão, no qual 1,5 milhão de processos de aposentadoria estão parados por falhas no sistema. O colapso do atendimento é resultado da reestruturação do INSS por decreto, de 9 de abril de 2019, no qual o presidente Jair Bolsonaro transferiu o órgão do antigo Ministério do Desenvolvimento Social para o Ministério da Economia, ironicamente subordinado à Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Ou seja, resolveram reinventar a roda.

Na canetada, foram extintos 129 cargos em comissão do Grupo-DAS, cujos titulares eram técnicos e foram sumariamente exonerados, ficando o Ministério da Economia de apresentar a proposta de reengenharia administrativa do INSS. O resultado é esse que estamos vendo, com milhares de pessoas dormindo nas filas e sendo maltratadas nas agências do órgão. Outra ironia, envolve o Dataprev, a empresa de informática do governo federal que processa os dados da Previdência.

Em 8 de janeiro, o órgão anunciou que pretende demitir 14% dos funcionários até fevereiro, na estratégia de privatização da empresa. Com 3.360 empregados, o Dataprev está desativando 20 unidades regionais, com um total de 493 funcionários. No programa de demissões voluntárias lançado pelo Dataprev, a empresa prevê o desembolso de R$ 53 milhões para economizar R$ 93 milhões por ano. Sua direção se vangloria de ter faturado R$ 1,6 bilhão, com uma despesa na casa de R$ 1 bilhão, no ano passado. Não é preciso falar quem está pagando essa conta.

Mesmo após setembro, segundo o secretário do Trabalho e da Previdência, Rogério Marinho, que comanda a operação para acabar com as filas, não há expectativa de que o estoque de processos pendentes seja zerado por completo. “Você tem 988 mil pedidos que entram todos os meses, não dá para zerar estoque. O que a gente está dizendo é que pretende que, todo mês, até setembro, outubro, a gente tenha aí esse número de requerimentos da mesma quantidade que temos capacidade de processar. É isso que a gente quer”, disse.

Bernardo Mello Franco - A volta da fila do INSS

- O Globo

Em junho passado, Paulo Guedes suspendeu os concursos para substituir servidores que se aposentam. A medida esvaziou as agências e ressuscitou a fila do INSS

Em junho passado, o ministro Paulo Guedes apresentou uma fórmula mágica para reduzir gastos. Ele informou que o governo deixaria de fazer concursos para substituir os servidores que se aposentam.

“Nas nossas contas, 40% dos funcionários públicos devem se aposentar nos próximos cinco anos. Então você não precisa demitir. Basta desacelerar as entradas que o excesso vai embora”, explicou.

No discurso de Guedes, a medida ajudaria o governo a equilibrar o caixa e alcançar o sonhado trilhão de reais. No mundo real, produziu um colapso administrativo e ressuscitou a fila do INSS.

Só no ano passado, o órgão perdeu mais de seis mil servidores. A debandada era prevista desde que a reforma da Previdência começou a tramitar no Congresso. Agora a falta de quadros é usada para justificar o apagão no atendimento.

Elio Gaspari - A quitanda do INSS entrou em pane

- O Globo / Folha de S. Paulo

Essas coisas só acontecem com gente do andar de baixo

Os çábios da ekipekonômica desprezaram o conselho do professor Delfim Netto para o bom funcionamento do governo: “Todo dia você tem que abrir a quitanda de manhã cedo, ter berinjela para vender e troco para a freguesa.” A reforma da Previdência está no mapa há um ano e foi aprovada em novembro. Como a quitanda não tem berinjelas nem troco, pela primeira vez em muitos anos reapareceram as filas na porta de agências do INSS. Estima-se que 1,3 milhão de pessoas estão com seus processos encalhados. Desde 13 de novembro nenhum pedido de aposentadoria foi atendido. O óbvio: essas coisas só acontecem com gente do andar de baixo.

A quitanda encrencou porque os doutores, mestres na arte de ensinar economia e modernidade, não fizeram seu serviço. Até aí, a ekipekonômica apenas conseguiu ressuscitar um velho problema, mas ela superou-se com um blá-blá-blá empolado na forma e empulhativo no conteúdo.

O presidente do INSS, doutor Renato Vieira, disse o seguinte: “A seguir o atual fluxo, a atual produtividade do INSS, que tem demonstrado resultados positivos, sobretudo no último semestre de 2019, nós esperamos que nos próximos seis meses a situação esteja absolutamente regularizada”.

Fernando Exman - Orçamento impositivo exige adaptação geral

- Valor Econômico

Deputados querem blindar atual modelo contra críticas

A nova dinâmica de execução orçamentária, agora impositiva, tem tudo para ser uma das marcas de 2020 na política.

As relações entre o Executivo e o Parlamento passarão por um processo forçado de reformatação. Enquanto o Congresso precisará ser mais bem tratado pelo governo, deputados e senadores passarão a ser muito mais cobrados em relação à eficácia - e confiabilidade - no emprego das suas emendas impositivas ao Orçamento. O governo não conseguirá mais condicionar a liberação de emendas à aprovação de projetos de seu interesse. O Brasil passará por uma experiência inédita em sua história.

Parlamentares de todos os partidos sempre quiseram ter maior poder de influência em relação ao Orçamento. No ano passado, aproveitaram que o governo chegara carregando um estandarte com o slogan “Mais Brasil, Menos Brasília” para ocupar rapidamente o espaço que se abria. Transformaram o que poderia ser apenas uma palavra de ordem em um instrumento de fazer política em seus redutos eleitorais.

Nilson Teixeira* - Risco político é obstáculo à economia

- Valor Econômico

Os próximos meses serão determinantes para que o governo fortaleça sua base política para sustentar o aumento do crescimento

A economia brasileira enfrenta riscos políticos, tanto de natureza externa como local. Até recentemente, a principal incerteza advinha do conflito comercial entre os EUA e a China. A assinatura do acordo entre os dois países reduziu a probabilidade de desaceleração global e o efeito negativo sobre os preços dos ativos. Por outro lado, a aproximação da eleição presidencial de novembro nos EUA aumenta o peso da incerteza sobre a plataforma do candidato do Partido Democrata, haja vista que postulantes à posição, como os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren, possuem perfil mais intervencionista e protecionista em matérias econômicas.

Do lado doméstico, o principal risco político está associado à elevada fragmentação partidária. Nesse contexto, o Executivo precisaria, em tese, manter uma sólida base de apoio para aprovar suas propostas. O atual governo seguiu outro caminho e tem buscado apoio de forma pontual, confiando que a mudança de perfil dos parlamentares eleitos em 2018 facilitaria a aprovação de suas propostas.

Essa estratégia não trouxe consequências desfavoráveis em 2019 porque, como ensina a história, novos governos têm maior facilidade para aprovar suas propostas no 1º ano de mandato. Assim, o atual governo aprovou uma robusta Reforma da Previdência Social, mesmo sem uma consolidada base no Congresso.

Míriam Leitão - O que o ajuste fiscal já permitiu

- O Globo

O país em dois anos pode economizar R$ 200 bilhões em juros, fruto do ajuste que começou no governo passado e continua agora

O Congresso, ao voltar, terá uma tarefa imediata. Decidir se dará seguimento à tramitação do projeto de venda da Eletrobras. Se não andar nada em fevereiro, na primeira revisão bimestral do Orçamento, em março, o governo terá que contingenciar R$ 16 bilhões. Mas há boas notícias fiscais. Uma delas é a contínua redução da dívida pública. Se os juros forem mantidos nos níveis atuais até o fim do ano, mesmo sem qualquer queda eventual, o governo terá economizado em dois anos quase R$ 200 bilhões só em pagamento de juros.

O contingenciamento é obrigatório pelas regras orçamentárias. Na conta das receitas entraram os R$ 16 bilhões que o governo deve arrecadar com a renovação das usinas, que só pode acontecer se a Eletrobras for privatizada. E pela lei, no final de março, o governo terá que dizer como está a gestão orçamentária. Nessa revisão, terá que comprovar que o projeto está andando. Do contrário, há risco de frustração de receita, e o congelamento de despesas é automático.

Vinicius Torres Freire – Empresários felizes, mas não sabem

- Folha de S. Paulo

Gente de empresa e finança está animada com 2020, mas ainda espera melhora concreta

Gente graúda de empresas e finança parece animada com o governo de Jair Bolsonaro em 2020, a julgar por uma rodada de conversas e por declarações dispersas pelos jornais. Não é pesquisa, é “evidência anedótica”, mas a diferença de tom é notável em relação a meados do ano que passou e mesmo aos humores já melhorados de fins de 2019, depois de aprovada a reforma da Previdência.

Estão animados com o quê? As respostas sugerem um “bem-estar difuso”, para parafrasear com sinal trocado um clichê das explicações para a meia década de revolta popular, de 2013 a 2018. Falam em “continuidade das reformas”. Quais?

Há vagas menções à reforma tributária, à intenção oficial de talhar gastos com servidores, a privatizações “mais aceleradas”. Mas não há clareza sobre as prioridades do governo. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, é mais citado do que gente do governo como gerente-geral do barco reformista. Quase ninguém sabe dizer o nome de um negociador-geral de Bolsonaro.

Um motivo da desorientação parece ser o vazio do janeiro, a desinformação do recesso político. Outro, maior, é que o governo não parece ter mesmo prioridade além das sabidas.

Bruno Boghossian – O mínimo de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente tem crise de identidade e contamina decisão técnica com viés político

O presidente acordou em crise de identidade. Logo pela manhã, Jair Bolsonaro disse no Palácio da Alvorada que encontraria uma brecha para corrigir o salário mínimo pela inflação, para R$ 1.045. Minutos depois, saiu às redes sociais com uma crítica velada ao assunto.

"O nosso salário mínimo é pouco para quem recebe e muito para quem paga. Uma eterna discussão entre direitos e deveres", escreveu. Depois, emendou um ataque à esquerda e à Venezuela, que anunciou um aumento de 67% esta semana.

Bolsonaro conseguiu pintar mais uma medida burocrática com uma tintura ideológica desnecessária.

O governo só precisava definir se ajustaria o salário mínimo em R$ 6 para compensar o pico de inflação provocado pela disparada no preço da carne no fim do ano passado. Agiu, porém, como se aquela decisão estivesse necessariamente contaminada pela agenda da esquerda.

O presidente tentou renovar suas juras de fidelidade à agenda liberal. Ao apontar limitações na política de aumento do mínimo, Bolsonaro se agarrou mais uma vez a essa bandeira para fazer um aceno a seus apoiadores no mercado financeiro.

Ruy Castro* - Infiltração invisível

- Folha de S. Paulo

Os salles, damares, weintraubs, antônios e araújos já estão tomando os postos fundamentais

Letícia Dornelles, nova presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, por indicação de um deputado recém-expulso de seu próprio partido, não gostou de se ver reduzida a ex-roteirista de novelas da TV Record. Disse que já foi também redatora do Fantástico. E se tiver sido, igualmente, assistente de palco do Ratinho? Em que isso a qualifica para presidir um monumento cultural?

A Casa Rui é um museu, uma biblioteca, um instituto de pesquisa, uma editora acadêmica, um centro cultural e uma forja de profissionais. Abriga milhares de documentos e já produziu outros tantos. A história passada e presente do Brasil vive nos seus arquivos e do que deles extraem os estudiosos. Não é necessário falar no significado do acervo deixado por Rui Barbosa. Seus 70 anos de existência, desde 1930, falam por si —mesmo humilhada por sua atual sujeição a um Ministério do Turismo comandado por um desclassificado.

Em 2011, o governo Dilma tentou pôr à frente da Casa Rui um sociólogo primário, mas afinado com o pensamento então vigente. Sua indicação foi rechaçada pela própria Casa Rui, que sempre se fez presidir por um intelectual à altura, sem cor política. Mas isso agora acabou.

Andreza Delgado* - Terraplanismo da esquerda

- Folha de S. Paulo

Políticas punitivistas reforçam o papel do Estado como principal agente da repressão

Uma parte da esquerda faz tempo investe na difusão de uma narrativa específica sobre 2013 como origem do golpe e do fascismo, agora atingindo níveis de teoria da conspiração envolvendo a CIA e chancelada pelo Lula —acusando quem discorda ou traz evidências do contrário de "ingênuo" e "manipulado pelo imperialismo".

O que move esse debate são as frustrações de figuras e a militância personalista, em sua maioria masculina, que não abrem mão do direito de poder dizer como as lutas e as coisas deveriam ser. Atuam dentro dos próprios ideais de luta burocrática e de negociações institucionais, definindo o que é um manifestante bom e como deve ser uma manifestação de verdade.

Parece não haver esforço nenhum desses conspiracionistas para dialogar sobre a escalada de repressão, já iniciada pelo governo petista da época. Se formos pensar bem, um legado de repressão já havia se intensificado em 2013 e estava alinhado às esferas federal, estadual e municipal. Tais investidas repressivas reverberam até hoje. Se junho de 2013 foi faísca para o fascismo, o que significa uma lei antiterrorismo que pode ser usada contra manifestantes e movimentos sociais?

Outra função política dessa narrativa é fugir de um debate sobre como as alianças e políticas públicas de segurança do próprio PT foram colaboracionistas com o fascismo e a extrema direita. Essas políticas e tomadas de decisões punitivistas reforçaram o papel do Estado como principal agente da repressão, não só nas manifestações como no aumento do encarceramento e do genocídio das populações negra, indígena e das favelas.

Entrevista / Cristovam Buarque: ‘Nós toleramos a corrupção, o aparelhamento do Estado’

Ex-ministro da Educação do governo Lula lançou livro no qual afirma que erros do bloco progressista ajudaram a eleger Bolsonaro

Isabella Macedo | O Globo

BRASÍLIA — Ex-ministro da Educação do governo Lula e ex-senador pelo Distrito Federal, Cristovam Buarque (Cidadania) elenca em seu livro “Por que falhamos – O Brasil de 1992 a 2018” o que considera os principais erros do bloco progressista. Lançado no fim do ano passado, o livro aponta 24 desacertos que levaram à eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Para o ex-senador, o bloco — que, para ele, reúne PSDB e PT, entre outros partidos —não foi capaz de se unir em torno de um projeto de país e cedeu à corrupção. Em entrevista ao GLOBO, Buarque afirma que a esquerda está nocauteada, sob o risco de se diluir ainda mais na corrida eleitoral deste ano. “Que se tenha alguma unidade, senão o Bolsonaro vai continuar”, afirmou o ex-senador.

O senhor elenca 24 erros da esquerda em seu livro. Qual foi o mais grave?

Não dá para classificar, mas o começo foi não ter uma unidade entre as forças. O PSDB e o PT se comportaram o tempo todo como inimigos, e não como parceiros em uma proposta de reorientar o futuro do país. Nós saímos do regime militar e ficamos com dois governos curtos, o do Sarney e o do Collor. E quando chega o primeiro governo do bloco dos democratas progressistas, era a hora de nos unirmos. O ponto fundamental seguinte é que não criamos uma identidade, eu chamo de uma utopia. Juscelino (Kubistchek) colocou uma, com a industrialização. A esquerda, naquele período, falava nas reformas estruturais. Nós ficamos sem uma bandeira. Tanto que, depois que perdemos, a única proposta da esquerda é tirar Bolsonaro. A esquerda anti-Bolsonaro não é pró qualquer coisa. Qual a proposta das forças progressistas no Brasil hoje? Manter as conquistas nos costumes que Bolsonaro ameaça. E o que mais? Manter o Bolsa Família? Ele não só está mantendo como deu o 13º. Crescer a economia? Entregamos o governo em depressão. Não criamos a utopia. A única utopia viável era o Brasil ser um dos melhores países do mundo em Educação e uma estratégia para que, em 20 ou 30 anos, os pobres tivessem uma escola tão boa quanto a dos mais ricos.

E o que seria necessário para corrigir os erros?

O que a mídia pensa – Editoriais

Onda evangélica – Editorial | Folha de S. Paulo

É legítimo que denominação amplie peso, mas sem impor convicções aos demais

Desde que os portugueses aportaram na Bahia há mais de 500 anos e, entre seus atos inaugurais, celebraram uma missa, a religião católica esteve intimamente imbricada com a história do Brasil.

Na colonização, ordens religiosas tiveram papel relevante na ocupação do território conquistado; durante o período monárquico, o catolicismo foi alçado à crença oficial do Estado; mais recentemente, Getúlio Vargas declarou Nossa Senhora Aparecida a padroeira do país.

Tamanha presença e influência traduziu-se numa prevalência dessa religião, situação que persiste até hoje. Tal cenário, contudo, vem se modificando de maneira célere nas últimas três décadas.

De 1991 a 2010, a proporção de católicos caiu 1 ponto percentual ao ano, ao passo que a de evangélicos cresceu 0,7. Na última década, de acordo com especialistas, o fenômeno ganhou ainda mais ímpeto.

Hoje, 50% dos brasileiros se declaram católicos, enquanto 31% se dizem evangélicos, conforme mostrou recente pesquisa do Datafolha. Regionalmente, a onda protestante se mostra mais forte no Norte e no Centro-Oeste, onde o percentual de fieis atinge 39%, e mais fraca no Nordeste, com 27%.