quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Lá se vão os peões

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A política de terra arrasada na montagem da equipe do governo Bolsonaro promoveu muita gente inexperiente a posições estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe”

O governo começa a perder seus peões, a tropa de choque escalada pelo presidente Jair Bolsonaro para fustigar os adversários ou servir como linha de defesa do governo. No jogo de xadrez, os peões são oito de cada lado. Funcionam como soldados nas batalhas, ou seja, se sacrificam para salvar as peças mais valiosas, atrair o inimigo para uma armadilha ou possibilitar um ataque de surpresa. Podem ser importantes para fazer pressão e até protagonizar situações de xeque-mate no rei adversário.

O peão não tem direito de recuar, só pode andar para a frente, sendo duas casas se for o primeiro lance, ou na diagonal, se for capturar uma peça adversária. Quando na quinta fileira, pode capturar en passant o peão adversário na coluna adjacente que avançar duas casas em seu primeiro movimento. E ao atingir a oitava linha, transforma-se em qualquer outra peça, excluindo o rei, movimento chamado de coroação ou promoção. Nesse caso, é trocado imediatamente por outra peça: cavalo, bispo, torre ou a poderosa rainha.

Depois da demissão de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura, um peão que jogava avançado, ontem foram mais dois os dispensados. Pela manhã, o secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que gastou R$ 700 mil do orçamento da FAB ao usar um jatinho para ir de Davos, na Suíça, a Nova Delhi, a capital da Índia, substituindo o ministro Onyx Lorenzoni, que está de férias. Quando soube do ocorrido, Bolsonaro demitiu-o sem falar com o titular da pasta, que já anda desprestigiado, mas não pode pedir para sair por esse motivo. Santini chega hoje pela manhã a Brasília, com Martha Seillier, secretária do PPI, e Bertha Gadelha, assessora internacional do PPI, no mesmo jatinho da FAB.

O outro demitido foi o presidente do INSS, Renato Vieira, pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Leonardo Rolim é o substituto. Finalmente, caiu a ficha de que era melhor colocar alguém mais experiente para lidar com o problema das enormes filas no INSS, nas quais 2,6 milhões de pessoas aguardam o recebimento de aposentadorias e benefícios .

Ricardo Noblat - Bolsonaro, entre o ilegal, o imoral e o simplesmente desumano

- Blog do Noblat | Veja

Avião em excesso, avião em falta

José Vicente Fantini, até ontem o número 2 da Casa Civil da presidência da República, nada fez de ilegal, mas fez de imoral, segundo Jair Bolsonaro, ao usar um jatinho da FAB para voar à Davos, na Suíça e, de lá, para a Índia. Poderia ter viajado em avião comercial. Foi demitido.

A preocupação de Bolsonaro com a moralidade, se não fosse recente, o teria poupado de protagonizar episódios que mancham sua biografia e envergonham o país. Obrigar o filho Carlos, com 17 anos, a ser candidato a vereador para impedir a mãe de se reeleger, foi imoral.

Depois disso, Carlos passou anos sem falar com o pai. Seus desvios de comportamento se devem em grande parte a isso. É o filho mais ligado a Bolsonaro e dependente de suas atenções. Vez por outra, contrariado, desliga o celular e o pai entra em pânico, sem conseguir despachar.

Bolsonaro se elegeu como candidato contra a corrupção e prometendo combatê-la com todo rigor. Afastou-se do combate tão logo estourou o caso da rachadinha da dupla Flávio e Queiroz. Foi Bolsonaro quem pôs Queiroz para cuidar do filho. A imoralidade, agora, bate à sua porta.

Rosângela Bittar - Pista de provas

- O Estado de S.Paulo

Doria e Bolsonaro jogam cartadas decisivas este ano para a campanha de 2022

Aberta a temporada eleitoral de 2022, São Paulo torna-se o campo de testes para os candidatos, não importa o estágio das candidaturas. Se declarados, enrustidos, possíveis, viáveis, discretos ou exibicionistas, precoces ou veteranos, todos se submetem. No maior colégio eleitoral do País há 645 municípios, mas é o eleitor da capital que terá a chance de avaliar os trunfos das candidaturas presidenciais, especialmente de dois protagonistas: o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria.

Vai-se ver, por exemplo, o efeito das rupturas e dissensões partidárias, como a que resultou na implosão do artificial PSL, que operou prodígios em 2018 e não resistiu a um ano de poder na Presidência e de fortes bancadas no Senado e na Câmara. Zerada essa ex-força, que legendas vão tomar-lhe o lugar? Quais movimentos de renovação política terão sucesso? Quem são os novos nomes a adquirir musculatura nacional?

Por acaso, esta semana, voltando da Suíça, depois de participar do Fórum Econômico Mundial de Davos, o governador João Doria exibiu alguns atributos da sua escuderia de candidato presidencial para escrutínio do eleitor municipal. Apresentou sua conta: a colheita resultou em negócios de R$ 17,2 bi de investimentos novos e reafirmação de antigas promessas. São R$ 9 bilhões só da espanhola Iberdrola, fora outros negócios e atividades notáveis. Entre eles, 34 encontros bilaterais, duas palestras, oportunidades variadas.

Com todas as restrições de quem não pode ainda se declarar em disputa nacional, é inegável que o governador saiu na frente do presidente Jair Bolsonaro na disputa da Prefeitura da capital.

A equação é simples: os resultados de sua performance como governador ajudam seu candidato na disputa pela prefeitura da maior cidade do País, o que fortalece sua candidatura presidencial.

Vera Magalhães - Sabotagem

- O Estado de S.Paulo

Se há alguém que conspira contra a Educação é o presidente da República

O ano de 2020 na Educação começou marcado por uma palavra trazida à moda pelo ministro da pasta: balbúrdia. Confusão na correção do Enem e, consequentemente, na divulgação do resultado do Sisu, o sistema unificado que usa as notas do exame para direcionar os alunos para as universidades.

Ontem, com liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça, estudantes conseguiram ter acesso aos resultados, mas muitas dúvidas ainda pairavam quanto aos critérios de atribuição das notas e escolha de vagas.

Diante de evidente falha técnica e administrativa do MEC, Jair Bolsonaro optou pela sua saída padrão quando as coisas vão mal por ineficiência dos assessores que ele considera leais, ideologicamente alinhados e suficientemente lacradores nas redes sociais: apontou sabotagem, provavelmente da esquerda infiltrada na pasta.

Conrado Hübner Mendes* - Fux e as sereias

- Folha de S. Paulo

Falta palavra para classificar liminar monocrática que passa por cima de outra liminar monocrática

Uma suprema corte tem função indispensável na democracia. Impor contrapeso a eventuais arroubos de maiorias eleitorais e legislativas, preservar a institucionalidade e proteger valores constitucionais acima do conflito político cotidiano são papéis delicados. Para que sobreviva como instituição que se respeita e se obedece, precisa investir na fina construção e manutenção de sua autoridade.

O STF se autoliberou desse penoso exercício.

Prefere um tribunal libertino, leve e solto. Presume que sua autoridade brota da natureza, ou das palavras da Constituição, pouco importa o que ministros fazem ou deixam de fazer dentro ou fora da corte. A libertinagem procedimental põe em risco a liberdade de todos nós, à esquerda e à direita. Não descobrimos isso em janeiro de 2020, mas o mês inovou.

A figura do “juiz das garantias”, aprovada pelo Congresso um mês atrás, determina divisão de trabalho entre o juiz que conduz produção de provas e o juiz que toma a decisão final. Inspirada em outras cortes do mundo, o modelo tenta potencializar as condições não só para uma decisão imparcial, mas para a imagem de imparcialidade. Gerou gritaria pública, sobretudo em entusiastas do selo Lava Jato de combate à corrupção.

Você pode ser contra ou a favor do juiz das garantias. Há argumentos dignos do nome dos dois lados, ainda que uns sejam mais convincentes que outros (debate que fica para outra coluna). Mas você não pode apoiar a arbitrariedade judicial só porque ela atende sua opinião hoje. Amanhã o afetado por manobra monocrática poderá ser você. Atenção aos métodos, não só aos resultados.

Liminar de Toffoli durante o recesso judicial ampliou prazo legal para implementação do juiz das garantias de 30 para 180 dias. Fux, outro plantonista do recesso, revogou a decisão de Toffoli e suspendeu, sem prazo definido, esta e diversas outras disposições do “pacote anticrime”. Ressaltou que tomava essa decisão com “todas as vênias possíveis” a Toffoli.

Bruno Boghossian - Defeitos de fabricação

- Folha de S. Paulo

Falta de planejamento e articulação deram origem às falhas no Enem e no INSS

Ao anunciar a saída do chefe do INSS, o governo disse esperar "que não haja descontinuidade" nas atividades do setor. Seria um sinal de autoconfiança se não fosse a fila de 1,3 milhão de pedidos de aposentadoria encalhados no órgão. A equipe de Jair Bolsonaro age como se pudesse trocar uma peça e deixar o calhambeque rodando ladeira abaixo.

Os burocratas alegam que uma falha no sistema da Previdência acabou represando a concessão de benefícios. É mais honesto afirmar que esse é mais um dos defeitos de fabricação deste governo. A falta de planejamento, comunicação e articulação já foi vendida como item de série.

O governo tratou a reforma das aposentadorias como prioridade, mas não preparou as agências do INSS para a aplicação das novas regras. Encomendou planos megalomaníacos para dar nova cara ao Bolsa Família enquanto deixava cidadãos miseráveis na fila de espera. Bateu bumbo para a realização do Enem, mas não conseguiu garantir uma correção precisa de todas as provas.

Beatriz Resende* - Os caminhos da Viúva Porcina

- Folha de S. Paulo

Que Regina Duarte tenha aprendido que arte não convive com dirigismo ideológico, sectarismo e censura ao pensamento

Há duas semanas, a nata da intelectualidade carioca se reuniu à frente da Fundação Casa de Rui Barbosa para protestar contra a exoneração de diretores de centros de pesquisa da instituição e a falta de qualificação acadêmica da presidente nomeada. Demitindo profissionais de competência reconhecida, a roteirista Letícia Dornelles, indicada por Pastor Feliciano, mostrava a que veio. O afastamento dos pesquisadores revelava a intenção de desmonte das verdadeiras funções da casa: guardar a memória e o acervo de escritores brasileiros e desenvolver estudos sobre nossa cultura.

Com o jardim da Casa arbitrariamente fechado, cabeças brancas —o PIB da nossa inteligência, falou um professor— juntavam-se na rua aos estudantes, inclusive bolsistas da Casa, que diziam estar ao lado de sua “bibliografia”. Gritavam todos: “abre os portões”, “volta pra Record”. E o trânsito parado.

Isso foi antes de Roberto Alvim encenar um Joseph Goebbels tupiniquim na tentativa de agradar ao chefe. Afinal, ofender Fernanda Montenegro lhe rendera uma promoção.

Vinicius Torres Freire – O vírus da incompetência aguda

- Folha de S. Paulo

INSS e Enem são casos evidentes, mas há infecção em outras áreas do governo

O coronavírus pode diminuir de um quinto a um terço do crescimento da China neste trimestre, a gente lê por aí em relatórios financeiros e em textos de consultorias. É uma diferença brutal de estimativa (rir, rir, rir), ainda mais para um PIB grande como o chinês, equivalente a um sexto da economia mundial.

A tolice não para por aí, embora a doença seja séria e possa matar milhares de pessoas. Por ora, no entanto, a gente corre mais risco com o Viabra (“Vírus da Incompetência Aguda Brasileira”), que infecta evidentemente o INSS ou a Educação, para ficar só em dois exemplos, mas pode infectar até a medula da política econômica.

A gente não tem informação confiável nem sobre a doença, que dirá de seus efeitos na economia da China ou do mundo. Não se sabe bem o número de casos chineses, com o que não se conhece a velocidade de expansão da infecção nem quão letal é.

Cientistas de Hong Kong criticam os números da China (pode haver mais infecções). Há dúvidas sobre qualquer contagem porque, afora a confusão que esses surtos provocam, duvida-se que ora existam profissionais e testes em quantidade suficiente para fazer exames.

O coronavírus vai ter efeito pior do que seu primo que causava a Sars (síndrome respiratória aguda grave), epidemia de 2002-2003? Pelo que se tem registro, a Sars matou cerca de 800 pessoas e infectou umas 8 mil, de novembro de 2002 a julho de 2003. Uns estudos do efeito econômico da doença dizem que a epidemia tirou cerca de um décimo do crescimento do PIB chinês, que corria então ao ritmo de 10% ao ano. Além de Hong Kong e Singapura, no restante do mundo, o efeito foi na prática irrelevante, afora para os mortos, suas famílias e seus amigos.

Hélio Schwartsman – Doença

- Folha de S. Paulo

Sucesso da ciência em controlar moléstias nos fez esquecer quão devastadoras elas podem ser

É preciso que surjam novos agentes patógenos como o coronavírus de Wuhan para que experimentemos uma pequena fração da angústia com doenças infecciosas que sempre acompanhou a humanidade. O sucesso da ciência em controlar as moléstias virais, bacterianas e parasitárias em vastas regiões do globo nos fez esquecer quão devastadoras elas podem ser.

A varíola, provavelmente a maior assassina da história, matou, só no século 20, entre 300 milhões e 500 milhões de humanos. A peste bubônica dizimou até um terço da população europeia no século 14. Uma parcela ainda maior dos grupos ameríndios sucumbiu ao blend de doenças infecciosas trazidas pelos europeus.

Aos que gostam de pintar as guerras como um flagelo comparável vale lembrar que, até a 1ª Guerra Mundial, a grande maioria dos soldados abatidos em conflitos morria por causa das doenças que acompanhavam as tropas e não devido à carga dos exércitos inimigos. Na Guerra Civil americana, dois terços dos 500 mil mortos foram vítimas primárias de patógenos. A situação só mudou depois que os militares incorporaram brigadas sanitárias, que, com barbeiros e serviços de lavanderia, limaram os ectoparasitas que transmitiam tifo e outras moléstias.

Fernando Exman - Nova dinâmica para ações na Amazônia

- Valor Econômico

Tema ganha peso em debates econômicos e cenários eleitorais

Levou pouco mais de um ano, mas finalmente uma visão mais pragmática em relação à Amazônia começa a ganhar espaço no governo.

Dependendo do edifício da Esplanada dos Ministérios ou do gabinete do Palácio do Planalto em que se entra, a abordagem sobre a Amazônia é diferente. Interesses e prioridades divergem, num jogo de poder comum na capital federal. Nesta administração, as primeiras vítimas da área ambiental foram as estatísticas sobre desmatamento e estudos sobre o aquecimento global.

Por vezes, o debate sobre os possíveis modelos de desenvolvimento da região amazônica não se tornou público. Em outros casos, ocorreram cenas explícitas de insegurança jurídica, como quando o governo enviou sinais trocados sobre incentivos fiscais para a Zona Franca de Manaus.

Na semana passada, contudo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou sua decisão de alinhar as diretrizes e unificar o discurso. Criou o Conselho da Amazônia, que será coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e a Força Nacional Ambiental.

O anúncio foi precedido de uma reformulação do Programa Calha Norte, que visa o desenvolvimento sustentável da região e está sob responsabilidade do Ministério da Defesa. Logo na sequência, o Ministério do Meio Ambiente revelou ao Valor sua disposição de instalar uma secretaria ou pelo menos um escritório em Manaus. Mas não demorou para que uma das razões da preocupação do governo ficasse mais clara: também ao Valor o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que o tema ambiental já afeta os fluxos financeiros.

Em um cenário de restrição fiscal, é prudente encarar a realidade e se adaptar a ela.

Cristiano Romero - A estagnação brasileira

- Valor Econômico

País mostra que não superou modelo falido de 1982

Um olhar sobre a trajetória da economia brasileira nas últimas quatro décadas, quando o ritmo de crescimento caiu para um patamar bem inferior ao registrado nas décadas anteriores, mostra que, muito provavelmente, o país ainda não acabou de desmontar o modelo de desenvolvimento que faliu em 1982. Naquele ano, por causa da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos a inacreditáveis 20% ao ano, países em desenvolvimento, como o Brasil, que se endividaram na década de 1970 simplesmente quebraram.

Em vez de reconhecer o fato de que, dali em diante, o modelo de Estado-empresário e de substituição de importações não teria mais como ser mantido por causa da enorme e abrupta restrição fiscal e creditícia surgida em 1982, os governantes optaram, nos anos seguintes, principalmente durante o governo Sarney (1985-1990), por insistir na salvação do que não tinha mais como dar certo.

A extensão do modelo de forte intervenção do Estado na economia e de fechamento comercial criou dificuldades que visivelmente até hoje impedem o país de voltar a crescer de acordo com seu potencial histórico. A insistência, ademais, permitiu que os setores da sociedade beneficiados por aquele regime econômico - a burocracia estatal e a indústria - se organizassem e reagissem a mudanças. A fatura do atraso - a escalada permanente dos preços a níveis crônicos e depois hiperinflacionários - foi paga por todos, mas especialmente pelos pobres, de quem o chamado “imposto inflacionário” mais retira renda.

Merval Pereira - Gesto de paz

- O Globo

Sergio Moro dizer que não se candidatará de jeito nenhum não dissolve a desconfiança de Bolsonaro

Como num jogo de gato e rato, o presidente Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro vivem se indispondo. No momento, um confronto que chegou ao ponto da ruptura dias atrás, transmutou-se em silencioso duelo, onde cada palavra tem sentido mais amplo, sempre mirando a eleição de 2022 para a presidência da República.

Acredito que Moro não entrou para o ministério com a intenção de tornar-se político e concorrer a um cargo público, muito menos à presidência. Mas, para sobreviver dentro do governo, e enfrentando reações adversas no Congresso, teve que aprender.

A popularidade que tem desde os primórdios da operação Lava-Jato se iniciou em consequência de um trabalho de combate à corrupção que veio ao encontro do anseio da sociedade. Para manter sua capacidade de atuação, usou a popularidade como um escudo contra as críticas e ataques políticos, e o apoio da população como propulsor de sua atuação.

O auge da crise que o envolveu foi a divulgação pelo Intercept, e outros jornais e revistas, de conversas privadas entre ele e o coordenador dos procuradores de Curitiba, que pretendia manchar sua imagem de homem probo, como é visto pela população.

Bernardo Mello Franco - A muleta da conspiração

- O Globo

Bolsonaro tem um caso antigo com as teorias da conspiração. O presidente não parece acreditar nas próprias cascatas, mas ainda convence muita gente

Jair Bolsonaro tem um caso antigo com as teorias da conspiração. Desde que virou deputado, em 1990, ele descreve o Brasil como um país à beira do comunismo. O fantasma vermelho nunca existiu, mas o ajudou a acumular sete mandatos.

No Planalto, o capitão continuou a combater inimigos imaginários. Ao enfrentar as primeiras dificuldades no Congresso, ele insinuou que haveria um complô para derrubá-lo. Ao ser criticado pelas queimadas na Amazônia, acusou o ator Leonardo DiCaprio de participar de uma trama contra a floresta.

Ontem Bolsonaro voltou a investir na ficção. Ao chegar da viagem à Índia, ele declarou que os problemas do Enem podem ter sido fruto de sabotagem. Na mesma entrevista, levantou suspeitas sobre a auditoria que não identificou fraudes no BNDES. “Tem coisa esquisita aí”, garantiu. Em ambos os casos, o presidente não apresentou nenhum fato concreto para sustentar o que disse.

A tese de um conluio para melar o Enem não para em pé. A lambança é de responsabilidade do Ministério da Educação, que permitiu a troca de gabaritos e demorou a reconhecer a extensão do problema.

Elio Gaspari - Os indemissíveis são dispensáveis

- O Globo / Folha de S. Paulo

Funaro e Golbery foram asfixiados e pediram demissão

As relações do presidente Bolsonaro com seu ministro da Justiça, Sergio Moro, estão estragadas, e não há sinal de que eles voltem a se encantar. Estão afastados pelos projetos e sobretudo pelos temperamentos. O que acontecerá se eles se separarem?

Marco Maciel, o sábio vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso, já respondeu a esse tipo de questão. Pode acontecer isso ou aquilo, mas sobretudo pode não acontecer nada.

A ideia de que, como ministro do Supremo ou mesmo como candidato, o xerife da Lava-Jato sofreria as inclemências do sol e do sereno pode parecer estranha, mas, olhando-se para o outro lado, nenhum presidente pagou caro pela dispensa de um ministro indemissível. Pelo contrário, a conta ficou cara para o presidente que não usou a caneta.

Guardadas todas as diferenças, passaram por Brasília três ministros indispensáveis. O último foi Dilson Funaro, o herói do Plano Cruzado de José Sarney. Sua gestão começava a dar sinais de cansaço e ainda era o ministro mais popular do governo, quando um conhecedor do Planalto informou que ele seria docemente asfixiado. Funaro saiu e virou asterisco.

Indispensável mesmo era o general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do presidente João Figueiredo, que lhe devia a arquitetura da própria nomeação. Em 1981, na crise do atentado do Riocentro, o presidente alinhou-se com a “tigrada”, e Golbery foi-se embora. Pensava-se que seria impossível substituí-lo. Esmeralda, a mulher do general, que lhe atribuía poderes paranormais, cravou: Ele vai chamar o professor Leitão de Abreu. Não deu outra, e o ex-chefe da Casa Civil do governo Médici manteve o barco à tona. Golbery afundou com a candidatura de Paulo Maluf à Presidência.

Zuenir Ventura - A vez das pirralhas

- O Globo

Esses jovens cresceram em ambiente dominado por redes sociais

Bolsonaro fez bem em não ir a Davos. Não havia lugar para ele. De um lado, Trump ocupou o espaço de líder dos negacionistas da crise ambiental; de outro, Greta Thunberg, a quem o capitão desprezara xingando-a de “pirralha”, brilhou, afirmando-se como líder mundial da mobilização dos jovens pela defesa do clima.

Sim, porque tudo indica que a sueca de 16 anos não é exceção, mas tendência, ou seja, ela é a representante do grupo de ativistas pós-milênio que forma uma geração de rebeldes com causa, que é a defesa do meio ambiente. Dito de outra maneira, elas são o que o presidente americano chamou em sua fala no Fórum de “profetas da desgraça e das previsões apocalípticas”.

Na plateia, estava a “pirralha”, que ficou lisonjeada, porque todos sabiam que, embora não tivesse sido nomeada, a indireta era para ela. Em vez de se ofender, sentiu-se importante. Afinal, atribuem em grande parte à sua presença e atuação o fato de o Relatório de Riscos Globais 2020 considerar as mudanças climáticas como a maior ameaça ao mundo.

Míriam Leitão - Governo argentino busca um rumo

- O Globo

Política econômica da Argentina deve reduzir o déficit público mas usa remédio velho e pouco eficiente na luta contra a inflação

O economista Fabio Giambiagi esteve na Argentina já no governo Alberto Fernández e avalia que a atual política econômica pode conseguir um pequeno superávit fiscal este ano. A inflação deve cair, mas será por pouco tempo, já que a política é a de controle de preços. Depois, voltará a subir e pode chegar nos próximos anos a até a 100%. “Em matéria de preços é o velho peronismo de sempre. Eu assisti o lançamento do programa precios cuidados, parecia o Brasil dos anos 1980.”

Ele admite que a impressão que fica do governo Alberto Fernández é até melhor do que se imaginava. No pacote de ajuste fiscal há algumas medidas duras, mas os sindicatos não reagiram. Se fosse outro governo, eles já estariam na rua. “Agora os tigres miam”:

— Claro que o pacote é controverso porque faz o ajuste pelo lado da receita em vez de corte de gastos. O governo Macri havia reduzido o déficit para 1% do PIB, mas o pacote Ferández é de 1% a 1,5% do PIB, o que pode levar ao superávit.

A Argentina tem diversos outros problemas. Um deles, o mais grave talvez, é que não tem reservas, tem uma dívida alta e com parcelas em atraso. Essa fragilidade se agravou no governo Macri. Desde o período de Cristina Kirchner o problema vem sendo enfrentado através do cepo cambiário, que ninguém desconhece o que seja na Argentina: são medidas que limitam o acesso à moeda americana.

Ligia Bahia - Ares, águas e lugares

- O Globo

Causa da proliferação da geosmina é a morte de rios pelo manejo inadequado de dejetos

Florestas queimadas, contaminação da água e pessoas dormindo debaixo de marquises causam doenças que podem ser prevenidas. Desde o século V a.C., os escritos hipocráticos distinguiram ciência de religião e admitiram possibilidades de evitar elementos ambientais nocivos. O prognóstico, uma das principais conquistas da tradição hipocrática, baseia-se na compreensão dos encadeamentos e rupturas entre passado, presente e futuro, que também fundamentam os ideais da Pólis sem tirania. Uma compreensão abrangente da saúde permitiu prever, predizer e buscar alterar desfechos negativos.

Séculos depois, a experiência com a péssima qualidade da água no Rio de Janeiro dispensa o debate grego sobre as causas naturais ou religiosas das patologias. Qualquer pessoa de bom senso intui que as características predatórias das relações humanas e o extrativismo voraz dos recursos da natureza são responsáveis pela piora das condições de vida.

Água potável é um requisito para vida e fator-chave para a saúde. As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos da água insegura. Diarreias e exposição a poluentes inorgânicos, como arsênico, cobre, fluoreto, chumbo e nitrato, podem comprometer o desenvolvimento infantil. Existe algum consenso sobre o diagnóstico. O desafio é passar da constatação sobre o meio ambiente malsão e acusações entre governantes para o prognóstico. O que ocorrerá, caso essas tendências não sejam alteradas? Quais são as melhores estratégias para evitar mais danos à saúde? A geosmina tem mau cheiro, mas a causa da proliferação deste composto orgânico produzido por bactérias é a morte de rios pelo manejo inadequado de dejetos. Saber a origem do fedor da água e que o carvão ativado o atenua é importante, porém insuficiente para influenciar um prognóstico favorável sobre o acesso à água potável de boa qualidade.

O que a mídia pensa – Editoriais

Derrota de Salvini na Itália dá alento à resistência ao extremismo – Editorial | O Globo

Candidata da Liga Norte perde eleição e dificulta projeto de poder do líder populista e xenófobo

O choque político-ideológico na Europa entre o renascido e crescente nacional-populismo de direita e as forças tradicionais de centro esquerda e centro direita que governaram o continente durante muito tempo — e continuam com espaço de poder na região, embora menor que no passado — se desdobra em vários embates.

As duas visões de mundo — uma que defende o isolacionismo xenófobo e a outra, favorável à União Europeia e à globalização — se enfrentam com várias nuances. No Brexit (saída da Grã-Bretanha da UE), cujo plebiscito foi vencido pelo nacional-populismo, representado hoje pelo primeiro-ministro conservador Boris Johnson, houve o ingrediente da saudade do poder do Império britânico e funcionou, entre outros acenos ilusórios, o de que fechar o país, virar as costas a Bruxelas, levará Londres a trazer de volta o passado. Mesmo assim, o eleitorado britânico fez esta opção, por estreita margem, e terá de conviver com seus resultados.

Em recente eleição na Espanha, o presidente do governo, Pedro Sánchez, do Partido Socialista (PSOE), venceu o pleito legislativo sem maioria para formar um gabinete. Conseguiu uma aliança improvável com catalães que lutam pela autonomia da região, da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), e com o Podemos, de esquerda radical. Assim, criou uma barreira contra a extrema direita. Algo como a “geringonça” portuguesa.

Poesia | Manuel Bandeira - Paisagem Noturna

A sombra imensa, a noite infinita enche o vale...
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
- Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua...
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua...
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
- Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.

O plenilúnio via romper... Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
- A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam...

Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando...
Assim a névoa azul paira sonhando...
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.

E o luar úmido... fino...
Amávico... tutelar...
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes...