sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

• Como o sr. vê o clima político do país?

O risco é a polarização. Você não pode deixar que a polarização afete o jogo democrático, que supõe a diferença. É preciso que algumas pessoas que têm responsabilidade institucional, como foi o caso dos presidentes da Câmara e do Senado, manifestem sua estranheza.

Eu sou bastante cuidadoso, sobretudo no exterior, porque fui presidente e sei que as coisas são difíceis. Mas está chegando um momento em que os que são responsáveis pelas chefias do aparelho institucional se comportem institucionalmente. Quem tem função presidencial tem de se comportar como tal. Eu sei que às vezes você fala por falar.

• No episódio da repórter da Folha, o limite foi ultrapassado, não?

Aí a coisa passou para outro plano. É inaceitável, não tem cabimento você fazer referências assim a qualquer mulher, pelo que apareceu na mídia. Não acho que haja risco institucional, não sou alarmista. Acho apenas que é preciso ter um certo cuidado. Vamos pegar uma pessoa que me deu muita dor de cabeça política, o Lula. Ele agiu institucionalmente no cargo —no que diz respeito às questões pelas quais ele foi preso.

Nós sentimos o gostinho da liberdade. Só quem viveu com censura, como eu vivi, sabe. Isso acabou. Você não pode atacar todo dia a mídia. Eu sei que a mídia exagera também, talvez até seja sua função.

Quem tem poder político não pode utilizá-lo contra isso. Pode reclamar, mas não pode usar sua força para coibir. Não vai dar certo, vai abrir espaço para o regime que não se quer.

• Mas o sr. vê risco disso?

A democracia é uma planta tenra, não pode dar de barato que não vai virar outra coisa. Temos de dizer: "Cuidado, hein? Não passe desse ponto, senão passa". O alerta tem de ser dado, sem alarmismo. Quem tem poder não pode exagerar. Você tem de se autocontrolar

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. Entrevista: Folha de S. Paulo, 20/2/2020.

Cristovam Buarque* - A esquerda ficou pra trás

- O Globo

Não aceitaram que a construção de justiça social exige economia eficiente. Não entenderam a gravidade do desequilíbrio ecológico 

Na véspera dos 40 anos do PT, alguns analistas, inclusive militantes e simpatizantes, afirmaram que o partido está obsoleto. Mas cometeram dois erros: não é só o PT, toda a esquerda tradicional ficou obsoleta; e eles usaram argumentos superficiais para justificar a ideia de obsolescência. O obsoletismo tem razões mais profundas.

Alguns ficaram indecentes pela corrupção, mas tornaram-se obsoletos pelo apego a ideias e propostas do passado. Não viram a história avançar. Não acompanharam as transformações tecnológicas e seus impactos sociais e políticos no mundo contemporâneo. Não entenderam que as novas tecnologias modificaram as relações entre trabalho, capital e consumidor; ficaram no tempo em que o progresso criava emprego formal e permanente, sem ver que o progresso atual cria apenas certos empregos, quase sempre qualificados, informais e provisórios.

Não enxergaram que a classe trabalhadora está dividida entre categorias com privilégios, sem interesses comuns com as massas excluídas. Que a “mais-valia” foi substituída pela “desvalia” sobre os pobres e uma “pactuada-valia” entre capitalistas e trabalhadores especializados. Por isso, os sindicatos representam trabalhadores do setor moderno, não ao povo.

Não viram que a globalização não permite políticas econômicas nacionais voluntariosas, que terminam populistas e irresponsáveis. Não aceitaram que a construção de justiça social exige economia eficiente. Não entenderam a gravidade do desequilíbrio ecológico, e continuam prometendo aumentar o consumo de tudo para todos, no lugar de apresentar propostas para elevar o bem-estar social e a qualidade de vida. Elevaram o salário mínimo, mas não melhoram a qualidade de vida dos pobres, nem da escola de seus filhos.

José de Souza Martins* - Economia da enxurrada

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Aqui, o tempo do capitalismo é o tempo breve do lucro imediato

As enchentes e inundações na região metropolitana de São Paulo, na segunda semana de fevereiro, foram explicadas por governantes e periodistas, ainda que com pontos de vista opostos, pela mesma lógica e com base nas mesmas premissas. Insuficiência de piscinões, falta de drenagem dos rios, povo descuidado que joga lixo nos bueiros, gente que invade terras de risco. Enfim, o supérfluo e não o essencial.

Há causas históricas do problema, perfeitamente conhecidas dos pesquisadores de nossas universidades. Nenhuma das medidas praticadas ou reclamadas o resolverá. As calamidades desse gênero persistirão porque erros estruturais e constitutivos, de verdadeira usurpação e predação contra a natureza, não têm conserto sem medidas radicais de subversão corretiva das concepções anticapitalistas de economia e de direito fundiário que nos regem.

A água despejada pela natureza pelos lados das serras e na cabeceira dos rios que circundam boa parte da cidade enxurra os vales que eram seus. E que foram possuídos e violentados pela falsa suposição de que a natureza é presa dócil em face da prepotência da engenharia, da economia e da política. Irresponsáveis porque sem o norte das consequências e do preço social a pagar por elas.

Sobre a mesma região metropolitana da São Paulo das enxurradas, inundações e escorregamentos de dias passados, pesquisadores das instituições públicas de pesquisa, como a Universidade de São Paulo e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, há anos realizam estudos de alta qualidade sobre causas e consequências. Destaco dois estudos notáveis, que os governantes não leram e nem mesmo a mídia conhece para que possa fazer os questionamentos adequados e as responsabilizações apropriadas. Para formar uma opinião pública não alienada.

Maria Cristina Fernandes - O voto de outubro num enclave bolsonarista

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Na única cidade de Pernambuco em que o presidente venceu, a economia segue em lenta recuperação, mas os pré-candidatos evitam críticas ao bolsonarismo

No segundo turno de outubro de 2018, o presidente Jair Bolsonaro venceu em uma única cidade em Pernambuco, Santa Cruz do Capibaribe, encravada no maior polo têxtil do Nordeste. A cidade de 107 mil habitantes, no agreste do Estado, se anuncia pelos outdoors gigantes com propaganda de marcas locais de jeans, produto da qual a região é a segunda maior fornecedora do país, com 14% da produção nacional.

A paisagem é marcada pelo Moda Center, entreposto que reúne dez mil lojistas e por onde passam, anualmente, dois milhões de pessoas, e por motos a carregar fardos com peças de roupas entre as facções. É este o nome que se dá às fabriquetas familiares subcontratadas por médias e grandes confecções, fornecedoras de marcas de todo o país. No fim de semana, os 56 quilômetros que separaram Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama, as três cidades que formam o pólo têxtil, se transformam numa fila de carros, ônibus e caminhões em frequentes congestionamentos.

O empresário Allan Carneiro, de 36 anos, não contribuiu para a vitória do presidente da República, mas é um produto acabado dos reflexos do bolsonarismo na política da região. Carneiro votou no candidato do Partido Novo, João Amoedo, no primeiro turno, e se absteve no segundo. Dono de uma confecção de camisetas infantis, onde gera 40 empregos diretos e 80 indiretos (nas facções), o empresário foi síndico do Moda Center por quatro anos. Ao deixar o cargo, no fim do ano passado, foi convidado a se filiar ao PSD para se candidatar à prefeitura.

Carneiro junta uma linguagem antissistema, de pegada liberal mas avessa aos despautérios. Lamenta a demofobia do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas aplaude o dólar valorizado por manter longe a concorrência chinesa. Não se considera bolsonarista, apesar de já ter conseguido apoio de parte do grupo que estruturou a campanha do presidente no município, mas põe fé na política econômica e promete, se eleito, estabelecer uma relação pragmática com o governo federal em nome de obras para o município.

Fernando Gabeira* - Deportação em tempo de bananas

- O Estado de S.Paulo

Se a sucessão de erros de Bolsonaro der certo, creio que estaremos diante de um milagre

Num espaço de dias, Bolsonaro deu uma banana para a imprensa e agrediu com piada de sexo a jornalista Patrícia Campos Mello. Quanto às bananas, Bolsonaro costumava discursar sobre elas, em defesa dos plantadores do Vale do Ribeira.

Andei por lá, entrevistando as pessoas, e percebi um grande potencial, até de industrialização. Mas não constatei nenhuma política de estímulo para o setor. Bolsonaro deixou as bananas concretas e passou a usar as simbólicas. É constrangedor conviver com um presidente que dá bananas e pode até pôr a língua de fora.

Da mesma forma, é constrangedor ver um presidente que se diz evangélico usar os termos que Bolsonaro usou contra Patrícia. Muito provavelmente um evangélico anônimo jamais faria piadas desse teor. Bolsonaro despojou-se da dignidade do cargo e da dignidade implícita numa visão religiosa.

Como ele é o presidente, ainda é necessário falar dele, não no nível que propõe, mas chamando a atenção para problemas sérios, de que se omite. Um deles é a perspectiva de deportação de 28 mil brasileiros que trabalham ilegalmente nos EUA. Um fenômeno inédito em nossa História. A posição de Bolsonaro limitou-se a reconhecer que a lei norte-americana está sendo cumprida.

Eliane Cantanhêde - A retroescavadeira

- O Estado de S.Paulo

Senador faz política, não guerra. E PM não faz greve, faz motim, um crime militar

Policiais militares, armados e encapuzados, fazem greve ilegal, aquartelam-se e usam mulheres e filhos como escudo. Um senador, exibindo-se pateticamente heroico, aboleta-se numa retroescavadeira, ameaça lançá-la contra o quartel, os policiais e suas famílias e leva dois tiros. Tiros para matar. Típica história em que não há mocinhos e ninguém tem razão.

Todo o enredo ganha ainda mais dramaticidade pelo momento e pela simbologia: policial versus político, justamente no mesmo dia em que emergiu a fala do general Augusto Heleno (GSI) atacando os parlamentares como “chantagistas” e dedicando-lhes um sonoro palavrão.

Como tudo, o conflito no Ceará foi para as redes sociais como Fla-Flu, com a torcida vermelha aplaudindo o senador Cid Gomes (PDT-CE), que é oposição ao governo federal e situação no seu Estado e apresentou-se ensandecido, autoritário e ridículo, dando cinco minutos para os policiais, ou jogaria a escavadeira em cima de todos.

Alguém entre os policiais grita uma pergunta pertinente: “Qual a sua autoridade para exigir isso?” E outro alguém dispara uma, duas vezes, mirando o coração. Não foi para dar susto.

Luiz Carlos Azedo - Brincar separados

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

”O pomo da discórdia são emendas impositivas da ordem de R$ 32 bilhões, aprovadas pelo Congresso, que Bolsonaro vetou. Na verdade, o governo comeu mosca nas negociações”

Lá, lá, lá, lá, la, lá, às vésperas do carnaval, lembrar uma marchinha é quase inevitável. De autoria de Humberto Silva e Paulo Sette, a marcha rancho Até quarta-feira estourou no carnaval de 1968, na voz de Marcos Moran. Capixaba de Alegre, influenciado inicialmente pela bossa-nova, o cantor despontou naquele carnaval, depois de enveredou pela black music, e acabou um disputado puxador de sambas, inicialmente na Portela, passando depois pelo Império Serrano, pela Vila Isabel e por outras escolas.

Mas nenhum samba fez mais sucesso do que a marcha rancho que marcou o carnaval daquele “ano que não terminou”, como diria Zuenir Ventura: “Este ano não vai ser,/Igual aquele que passou/ Eu não brinquei,/Você também não brincou,/Aquela fantasia,/Que eu comprei ficou guardada,/E a sua também, ficou pendurada/ Mas este ano está combinado,/Nós vamos brincar separados (bis)”.

A marchinha é sob medida para resumir a semana política, marcada por um esgarçamento na relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso: “Se acaso meu bloco,/Encontrar o seu,/Não tem problema,/Ninguém morreu,/São três dias de folia e brincadeira,/Você pra lá e eu pra cá,/Até quarta-feira”. Por muito pouco, porém, o senador Cid Gomes (PDT-CE) escapou da morte na quarta-feira, em Fortaleza, ao lançar uma retroescavadeira sobre o portão de um quartel da Polícia Militar ocupado por grevistas encapuzados, todos policiais militares amotinados. No ato tresloucado, o ex-governador foi apedrejado e baleado no peito por um dos grevistas.

O resultado do conflito foi mais uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, decretada, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro a pedido do governador do Ceará, o petista Camilo Santana, para enfrentar o motim na corporação. O presidente Bolsonaro aproveitou para defender a aprovação do chamado “excludente de ilicitude” pelo Congresso. Trata-se do Projeto de Lei 882/19, apresentado à Câmara pelo presidente Jair Bolsonaro como parte do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, pelo qual “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Bolsonaro joga para arquibancada, enquanto os governadores enfrentam a crise na segurança pública. A situação é grave em vários estados, com desdobramentos ainda imprevisíveis, por causa das ameaças de greve de policiais civis e militares. Em Minas, para evitar uma greve, aprovou-se um aumento salarial impagável para os servidores, que pode resultar no colapso do governo estadual, na contramão de tudo o que o governador Romeu Zema (Novo) pregava na campanha.

Os reajustes chegam a até 41, 47%, no caso dos policiais militares e bombeiros, escalonados até dezembro de 2022. Uma emenda apresentada pela oposição estendeu a correção para as outras categorias de funcionários públicos, elevando em mais R$ 20 bilhões o impacto nos cofres mineiros. O porcentual é de 28,82% para 13 categorias. O orçamento de Minas para 2020 prevê deficit fiscal, ou seja, despesas superam as receitas de R$ 13,3 bilhões.

Bernardo Mello Franco - Tempos de provação

- O Globo

No aniversário da Comissão Arns, o ex-ministro José Carlos Dias faz um alerta: “Bolsonaro está militarizando o governo, quer levar o Brasil para o autoritarismo”

Aos 80 anos, o ex-ministro José Carlos Dias planejava reduzir a carga de trabalho e dedicar mais tempo à família. “Eu queria tirar o pé do acelerador. O governo Bolsonaro me obrigou a fazer o contrário”, conta.

Presidente da Comissão Arns, que celebra seu primeiro aniversário, ele se diz pessimista com os rumos da democracia brasileira. “O país está pior. Bolsonaro está militarizando o governo, quer levar o Brasil para o autoritarismo. Ele tem saudade do AI-5, não aceita a liberdade de expressão”, afirma.

As investidas contra a imprensa aumentaram a preocupação do advogado, que defendeu presos políticos na ditadura e comandou o Ministério da Justiça no governo Fernando Henrique. “Os ataques a jornalistas são uma barbaridade. Bolsonaro usa uma linguagem absolutamente imprópria para um presidente da República. Ele não tem equilíbrio, é um homem tosco”, critica.

Os arroubos autoritários não têm se limitado ao presidente. Nesta semana, o ministro Sergio Moro usou a Lei de Segurança Nacional contra um político da oposição. A mando dele, o ex-presidente Lula foi interrogado pela Polícia Federal por causa de declarações públicas contra Bolsonaro. “Esta lei nem deveria ser usada nos dias de hoje. É mais uma do Moro usando o cargo para fazer política”, afirma Dias.

Dora Kramer - A paga da praga

- Revista Veja

A falta de educação do atual presidente não encontra paralelo à altura na história do país

Há ocasiões em que o uso de uma frase feita se justifica por ser muito benfeita e se aplicar perfeitamente a determinadas situações. A que me ocorre diante das últimas ofensivas de Jair Bolsonaro é aquela segundo a qual um presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Não pode, sobretudo, infringir a lei. A uma delas, que contempla os casos que dão margem a pedidos de impeachment, o presidente da República tem agredido permanentemente.

Em seu artigo 9º, a Lei Nº 1079 lista um desses casos ao vedar ao mandatário, sob pena de impedimento, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro no cargo”. Tal incompatibilidade de procedimentos tem sido uma constante na conduta do presidente, que se acha autorizado a ofender com gestos e palavras qualquer um que lhe pareça merecedor de impropérios.

Em matéria de grosseria guarda semelhanças com o general João Figueiredo e com Luiz Inácio da Silva (pausa para os protestos dos súditos). Ocorre que, além de sua produção de rudezas não chegar aos pés das indelicadezas de seus antecessores, um presidia sob ditadura (já decadente, mas ditadura) e o outro governava sob uma quase unanimidade míope, para não dizer cega.

A falta de educação do atual presidente não encontra paralelo à altura na história do país. Sua ausência de noção do que seja um comportamento condizente com a Presidência da República, tampouco. Todo dia ofende alguém, que não precisa nem estar na oposição. Basta ser visto por ele como adversário, mesmo ocasional, conforme podem atestar Hamilton Mourão e Sergio Moro, os demitidos com humilhação e os rebaixados em feitio de degradação.

Governante que muito pragueja pode acabar vítima do mal rogado

Ricardo Noblat - Política joga senador temerário contra milicianos rebelados no Ceará

- Blog do Noblat | Veja

E Bolsonaro cobra licença para que a polícia mate sem culpa

Em meio à troca de opiniões no Twitter sobre a retroescavadeira e os dois tiros que levou o senador Cid Gomes (PDT), um internauta escreveu: “Vamos parar com a discussão besta. Gente armada e mascarada é bandido. Policial só existe fardado, identificado e sob ordens estritas de seu superior. O resto é milícia.”

Perfeito. Encapuzados, armados, valendo-se de parentes como escudos humanos para sua proteção, policiais rebelados que reivindicam aumento salarial ocuparam quarteis, fecharam o comércio e suspenderam as aulas espalhando o pânico em várias cidades do Ceará. Há vídeos à farta que comprovam isso.

Uma delas, Sobral, a 232 quilômetros de Fortaleza, registrou o fato mais espantoso até aqui: um senador desprovido de autoridade para tal sacou de um megafone e deu ordem de evacuação em um quartel dominado por milicianos. Sem sucesso. Montou numa retroescavadeira e tentou entrar. Baleado, por sorte não morreu.

O pano de fundo da peleja do senador com os milicianos é a eleição municipal de outubro próximo. O líder da rebelião em Sobral é um vereador bolsonarista. No Estado, o Capitão Wagner (Pros), também bolsonarista, candidato a prefeito de Fortaleza, e que em 2012 liderou um motim de seis dias da Polícia Militar.

À época, Cid era o governador do Estado. Perdeu a batalha para Wagner e acabou reajustando o salário da tropa. Nunca mais o perdoou por isso. A ascensão política de Wagner foi meteórica desde então: elegeu-se vereador em 2012, deputado estadual em 2014 e federal em 2018, sendo o mais votado com 303 mil votos.

Naercio Menezes Filho* - Brasil novo ou Brasil velho?

- Valor Econômico

Estagnação do orçamento da área social é política do Brasil velho, que irá causar problemas enormes no futuro

Estamos enfrentando um longo período de transição depois do crescimento dos anos 2000 e da recessão dos anos 2010. Nossas decisões agora definirão nossa situação nos próximos 20 anos. Para guiar essas decisões é importante entendermos o que aconteceu com o país no passado recente. Como nós dispomos de pesquisas domiciliares consistentes por quase quatro décadas, está na hora de fazer um balanço da evolução do bem-estar das famílias brasileiras nesse período. O que houve com os salários e com a renda familiar per capita dos mais pobres, da classe média e dos mais ricos nas últimas décadas? O que podemos fazer para garantir aumentos de renda ainda maiores nas próximas?

A figura ao lado mostra o que ocorreu com os salários e renda familiar per capita das famílias brasileiras em termos reais entre 1981 e 2018, separadamente para os 30% mais pobres, os 30% mais ricos e para os 40% que estão entre esses dois extremos, a chamada “classe média”. Podemos notar, em primeiro lugar, que o salário médio dos trabalhadores que estavam nas famílias mais pobres cresceu 42%, enquanto na classe média o crescimento foi de 25% e entre os trabalhadores mais ricos apenas 14%. Como interpretar esses fatos?

Claudia Safatle* - A necessária pausa para reflexão

- Valor Econômico

Ministro nega que tenha pensado em sair e também que esteve perto de ser dispensado

Por mais que o presidente Jair Bolsonaro tente desmentir, um fato é inquestionável: Paulo Guedes, ministro da Economia, pensou em deixar o governo ou o governo pensou em tirá-lo do posto. Não há hipótese de uma boa explicação para o que aconteceu na terça-feira quando, sem que fosse perguntado, Bolsonaro saiu em defesa da permanência de Guedes no comando da economia durante todo o seu governo.

Até as portas e janelas da Esplanada dos Ministérios sabem que, quando o presidente de um time de futebol diz que o técnico, que acabou de perder o campeonato, está prestigiado, está dada a senha para sua queda.

Na visão de uma parte importante dos colaboradores do presidente da República, sediados no Palácio do Planalto, Guedes não entregou o crescimento econômico que havia prometido e é um ministro que pensa muito em números e pouco na população.

O ministro da Economia diz que tudo que se fala dele, nesse episódio, é “fake news”. Ou seja, não pediu demissão nem quase foi demitido. Mas esse é um conjunto de fatos e de impressões que merece reflexão.

Míriam Leitão - Na origem da crise, a falta da coalizão

- O Globo

Crise das emendas nasce da falta de diálogo entre governo e legislativo, com articulação eficiente e base de maioria estável

A crise das emendas, que teve o episódio do descontrole do general Augusto Heleno, nasceu das falhas na articulação política e da falta de coalizão no Congresso. Foi combinado com deputados e senadores que parte das despesas dos ministérios integraria a lista de emendas parlamentares, mas isso criou a situação surreal de ministros terem que pedir ao relator do Orçamento para efetuar gastos já previstos. Na área econômica, não se sabe quem fez esse acordo e permitiu que R$ 15 bilhões dos recursos de vários ministérios tivessem que ser liberados pelo parlamento.

As emendas parlamentares de R$ 16 bilhões seriam impositivas mesmo, e estava tudo certo sobre isso. Eles quiseram aumentar o valor. O governo negociou que outros R$ 15 bilhões seriam oficialmente emendas, mas eram despesas previstas do Ministério. Começou o ano e vários ministérios tiveram dificuldade na execução do Orçamento. Veio o veto do presidente, mas sem base organizada, sem coalizão, o risco de derrubar o veto é sempre alto.

O presidente não tem base para evitar que derrubem o seu veto, os ministros estão com despesas já previstas que precisam da aprovação do relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE). Com algumas áreas, como no Ministério da Educação, o diálogo com o Congresso não existe. As despesas de janeiro serão baixas não por mérito do ajuste, mas por causa desse nó cego. Tudo isso nasce exatamente da falta de diálogo institucional entre o governo e o legislativo, através de uma articulação eficiente e da formação de uma maioria estável.

Rogério Furquim Werneck - Uma estratégia mais realista

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Já não há qualquer esperança de que o governo possa montar uma coalizão governista eficaz no Congresso

Já há muitos meses, o governo tem mostrado alarmante despreocupação com a exiguidade de tempo com que se debate a condução da política econômica. Fevereiro se foi. E a agenda de reformas, postergada para este ano de eleições municipais, pouco ou nada avançou, num momento em que a recuperação da economia se mostra bem menos convincente do que se esperava. E em que se dissemina o temor de que o círculo virtuoso que parecia ter ganho força no final do ano passado tenha perdido fôlego.

Já não há qualquer esperança de que o governo possa montar uma coalizão governista eficaz no Congresso. O presidente insiste em se mover na direção oposta. O avanço da militarização do Planalto — com a nomeação do general Braga Netto para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República — não deixa qualquer dúvida sobre a exacerbação do encastelamento de Bolsonaro.

Não surpreende que boa parte dos analistas esteja convencida de que, para todos os efeitos, o presidencialismo de coalizão desapareceu da cena política brasileira. Há até quem se apresse a assegurar que desapareceu de vez. E, diante do não sistema presidencialista que hoje se tem, não falta quem se agarre à esperança de que, no avanço do pesado programa de reformas, a desalentadora falta de empenho do presidente venha a ser plenamente suprida pelo protagonismo do Congresso. Pode até ser. Mas é inevitável constatar que, nessa esperança, há muito mais torcida do que análise.

Hélio Schwartsman - Um ferrabrás ferrando o Brasil

- Folha de S. Paulo

De baixaria em baixaria, Bolsonaro arrasta Presidência para o esgoto

Eu adoraria ver o presidente Jair Bolsonaro sofrendo impeachment, mas receio que isso não vá, pelo menos por ora, acontecer. E não porque ele não mereça. Bolsonaro age como um verdadeiro ferrabrás de botequim, que vai, de baixaria em baixaria, arrastando a Presidência para o esgoto.

Não seria difícil enquadrá-lo em vários dos artigos da lei n° 1.079, que regula o impeachment, uma peça que abusa de definições vagas e tipos abertos. No caso de Bolsonaro, porém, nem é necessário recorrer a interpretações criativas. O artigo 9°, 7, que tipifica como crime de responsabilidade "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo", parece ter sido escrito para ele.

Com efeito, as impropriedades ditas e perpetradas pelo presidente são tantas que cada um dos 54 senadores necessários para decretar a perda do mandato poderia escolher um episódio diferente de quebra de decoro para justificar seu voto condenatório. O grosseiro ataque à jornalista Patrícia Campos Mello é só o mais recente de uma série que teve até exibição de vídeo com cena explícita de urofilia.

Bruno Boghossian - A política nos batalhões

- Folha de S. Paulo

Governadores querem evitar que tropas se tornem área de influência de Bolsonaro

A muitos quilômetros do quartel de Sobral, um governador convocou comandantes de sua Polícia Militar para cobrar disciplina das tropas. Em outro palácio, um mandatário decidiu refazer as contas do reajuste que havia sido prometido aos agentes de segurança locais.

Governadores enxergaram de longe a fumaça da exploração política após a explosão do motim da PM cearense. Nos últimos dias, muitos deles agiram não só para reduzir o risco de que a insurreição se alastre pelo país mas principalmente para evitar que seus batalhões se tornem áreas de influência de Brasília.

Entre os chefes de governo que passaram a vigiar o humor das tropas, os mais céticos minimizam o perigo de contaminação. Mesmo eles, porém, reconhecem que Jair Bolsonaro poderia sair ganhando com o clima de apreensão nos estados.

A tensão se deve em parte à barbeiragem de um dos integrantes desse clube. A decisão de Romeu Zema (Novo) de conceder aumento de 41,7% aos policiais de Minas vem sendo tratada como um estímulo irresponsável a outros rebeldes, nas palavras de um governador.

Vinicius Torres Freire - O calendário de confusões de março

- Folha de S. Paulo

Bolsonaristas e servidores marcam protestos, Congresso está em fúria

O Carnaval tende a amainar a baderna política, em alta desde a virada do ano, graças em especial a Jair Bolsonaro e grande elenco do circo de ultrajes. Mas março tem águas para rolar. O que já está no calendário:

1) O Congresso vai voltar com a faca nos dentes cerrados. O xingamento do general-ministro Augusto Heleno, o desacordo sobre dinheiros do Orçamento e uma até agora inédita irritação com Paulo Guedes, entre tantos problemas, vão suscitar pelo menos uma rodada breve de parlamentarismo roxo. Mais projetos de Bolsonaro vão caducar; nada vai andar além do que os parlamentares julgarem essencial, a critério deles;

2) Os adeptos de Bolsonaro, incitados pelo áudio vazado em revolta de Heleno, convocaram manifestações para o dia 15, um domingo. Vão às ruas em defesa do presidente, que dizem estar ameaçado pelo “golpe branco” do “parlamentarismo branco”

3) Servidores federais dos três Poderes, das universidades federais e a UNE começam a convocar paralisações e protestos para o dia 18 de março. Discutem greves;

4) Dia 4 saem os números do crescimento da economia em 2019, os dados do IBGE para o PIB. A depender do resultado, pode haver motivos para agitar outros maus humores e campanhas contra o governo;

5) A repressão do motim da PM do Ceará pode afetar os ânimos das polícias em revolta em vários estados, para o bem ou para o mal, ainda não se sabe. Seja como for, note-se que há movimentos revoltosos na Paraíba, no Pará, em Minas, no Espírito Santo, na Bahia e mesmo na em geral pacífica Santa Catarina;

6) O governo terá enfim de tomar um rumo e mostrar o que pretende no Congresso neste ano. Caso não o faça, pode aumentar a ainda ligeira irritação da elite com o desarranjo reformista. Caso o faça, enfrentará as dificuldades de levar adiante qualquer projeto de mudanças duras, mas não demonstra até agora capacidade de enfrentá-las.

Reinaldo Azevedo - Cassar Bolsonaros e convocar Heleno

- Folha de S. Paulo

É chegada a hora de dizer 'daqui não passarão'

Câmara e Senado, como entes e pilares fundamentais da democracia, têm de cassar os respectivos mandatos do deputado Eduardo Bolsonaro e de seu irmão, o senador Flávio. Imputação: quebra do decoro. A imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição não existe para acobertar crimes, assim como as prerrogativas do artigo 86 não podem servir de instrumentos para que o presidente da República manche a própria Carta que lhe franqueia tais garantias.

Essas são tarefas inafastáveis dos senhores deputados e senadores enquanto ainda podem andar com a coluna ereta. Em primeiro lugar, serão justos com a obra dos depredadores da ordem institucional. Em segundo, mas não menos relevante, enviarão um recado ao Fanfarrão Minésio que ocupa o Palácio do Planalto.

Por que as democracias morrem ou involuem para monstrengos híbridos, de sorte que instrumentos de uma sociedade de direito, como as eleições, são empregados em favor de vários graus de autoritarismo? Com frequência, porque os democratas permitem. Pecam por omissão ou ilusão nefelibata. Costumam ser tolerantes com quem sabota o regime na crença ingênua de que, mais dia, menos dia, a civilização vence a barbárie. Morrem com o clichê na mão.

Ruy Castro* - 379 anos de folia

- Folha de S. Paulo

Um dia, em 1641, o Rio botou o bloco na rua. E deu no que deu

Está no artigo "Direito à folia", na seção "Tendências / Debates" de domingo (16), assinado por Juca Ferreira e Guilherme Varella. Até 2013, "um quadro de obstrução operacional dos blocos pela gestão municipal" impedia que São Paulo tivesse Carnaval de rua. Mas, naquele ano, um "Manifesto Carnavalista", lançado pelos representantes dos blocos e reivindicando sua "descriminalização", encontrou eco na administração do prefeito Fernando Haddad (PT), cujo secretário da Cultura era Juca Ferreira, e este entrou em ação.

"Foi criada uma arquitetura jurídico-institucional complexa, com desenho especialmente pensado para o período de excepcionalidade do Carnaval", escreveram. "O arranjo estabeleceu instrumentos regulatórios; distribuição de competências entre as pastas; coordenação dos agentes; otimização dos serviços públicos; metodologia de organização territorial; e regras para a exploração comercial da festa".

Nelson Motta - Uma ideia de justiça fiscal

- O Globo

Pobres pagam impostos indiretos em seu ‘consumo de subsistência’

Há décadas ouço falar em “taxação das grandes fortunas”, como uma bandeira da velha esquerda que, por mais apoio popular que desperte na imensa maioria de pobres na população, jamais foi levada adiante. Porque simplesmente não funciona. Seu efeito seria uma imediata fuga de capitais e patrimônios; esses caras que acumularam essas grandes fortunas certamente não são otários. E têm os melhores contadores e advogados tributaristas.

É uma ideia velha e inútil, que traz um tom de rancor na leitura de “justiça social” como “vingança social”, e serve para toda sorte de demagogias e populismos, projetos que consideram um patrimônio de um milhão de reais construído em toda uma vida uma grande fortuna. Enquanto isso, os pobres pagam impostos indiretos em seu “consumo de subsistência”.

O que a mídia pensa – Editoriais

Chantagem armada – Editorial | Folha de S. Paulo

Abuso do motim policial precisa ser contido antes de ultrapassar divisa cearense

Há mais que uma sequência de atos tresloucados em torno do chocante episódio em que o senador Cid Gomes foi baleado ao investir, a bordo de uma retroescavadeira, contra policiais militares amotinados em um quartel de Sobral (CE).

A escalada de intimidações por parte da PM cearense, em movimento por vantagens salariais que mal disfarça seus métodos ilegais, já conta mais de dois meses —e não é fenômeno isolado no país.

Em seu artigo 142, a Constituição veda expressamente greves de militares, norma que o Supremo Tribunal Federal estendeu a todas as forças públicas de segurança. Os motivos escancaram-se a cada iniciativa paredista de profissionais armados, a contar com a tibieza, quando não o beneplácito, dos governantes.

No Ceará se viram, nos últimos dias, ataques a batalhões e roubos de viaturas por pessoas encapuzadas, presumivelmente policiais, esposas e parentes. A corporação já arrancou do governador Camilo Santana (PT) reajuste salarial generoso para tempos de penúria; o pretexto para a truculência é tão somente apressar a benesse.

A chantagem armada se repete em outros estados, ainda que sem a mesma violência explícita. Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) mandou às favas as juras de austeridade orçamentária ao propor espantosos 41,7% de alta dos vencimentos para o setor de segurança.

Poesia | Fernando Pessoa - O que nós vemos

O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma seqüestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.