terça-feira, 3 de março de 2020

Opinião do dia - Denis Lerrer Rosenfield*

Sábios seriam o presidente e seu grupo se cancelassem as manifestações do dia 15

O governo está manifestamente desorientado. Adotou desde o início a política do confronto, baseada na distinção amigo/inimigo, em que o outro sempre aparece como alguém a ser neutralizado ou eliminado. O esquema permanece sempre o mesmo, muda apenas o alvo. Pode ser um partido de oposição, pode ser um(a) jornalista, pode ser a imprensa em geral, pode ser todo aquele que discorde, por uma ou outra razão, de alguma política governamental. A prática democrática corre ao largo de tal concepção, por estar baseada no diálogo, na ponderação e na negociação.

Acontece, porém, que tal processo ganha outra significação quando o inimigo passa a ser a própria instituição democrática, como se ela fosse um empecilho para a política a ser implementada. Se a democracia se torna um obstáculo, é porque está em pauta um claro pendor autoritário. A manifestação prevista para o dia 15 é um claro exemplo disso, por estar focada no Congresso Nacional, entendido não como um Poder independente, mas como uma facção a ser suprimida.

Note-se que um argumento frequentemente utilizado diz respeito a que o presidente, eleito dada essa legitimidade, está autorizado a fazer qualquer coisa. Para além do fato óbvio de um presidente se encontrar constitucionalmente limitado, caso contrário seria um tirano, a Câmara dos Deputados e o Senado têm igual legitimidade, por serem os seus representantes igualmente eleitos pelo voto popular. Ambos são frutos da soberania popular, usufruindo as mesmas prerrogativas.

*Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia na UFGRS. “Marcha da insensatez”, O Estado de S. Paulo, 2/3/2020.

Merval Pereira - Hidra de muitas cabeças

- O Globo

Câmara atua autonomamente, com uma maioria clara de centro direita que poderia ser aproveitada pelo governo

A formação, em poucos dias, de um superbloco parlamentar que reúne cerca de 70% da Câmara, com 351 deputados de 13 diferentes partidos - DEM, PL, PP, MDB, PSDB, PTB, PROS, PSC, PSD, Patriota, Republicanos, Solidariedade e Avante, - é prova de que, quando querem, os deputados se articulam entre si, mesmo sem o impulso dos líderes do governo.

Até o PSL, que já foi do presidente Bolsonaro, mas ainda é liderado por seu filho senador Flavio, entrou nesse balaio inicialmente. Alertado de que aderir ao blocão era a admitir que os vetos do presidente sobre o Orçamento seriam derrubados, Flavio deu uma marcha-ré tentando retirar assinaturas de seu próprio partido.

A criação do bloco pluripartidário, e se o Corintianos tivesse sido aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral também lá estaria, indica que a maioria da Câmara prepara-se para repartir o bolo, calculado em R$ 30 bilhões, que resultará da eventual derrubada do veto presidencial.

Mas significa, sobretudo, que a Câmara atua autonomamente neste momento, com uma maioria clara de centro-direita que poderia ser aproveitada pelo governo para estimular a aprovação das várias reformas que estão paradas por dubiedade do presidente Bolsonaro em relação a elas.

O fato é que essa maioria esmagadora resolveu se unir, num primeiro momento, para montar a Comissão Mista Orçamentária que vai tratar dessa verba bilionária que está prestes a cair no colo do Congresso. Paradoxalmente, esses movimentos a favor da derrubada dos vetos encontram resistência no Senado, onde crescem as críticas aos deputados.

Além dos partidos de esquerda, o Podemos e o Novo também estão contra as manobras para tirar do Executivo mais poderes para usar o Orçamento da União. São representantes do conservadorismo que não comungam com o governo Bolsonaro, mas também não estão dispostos a prejudicá-lo com o que consideram manobras políticas ilegítimas.

O Podemos, comandado pelo senador Álvaro Dias, tem como objeto de desejo a filiação do ministro da Justiça Sérgio Moro para concorrer à presidência da República, mas não quer criar atritos entre ele e Bolsonaro no momento.

O Novo tenta impor uma conduta ética às negociações políticas, e não vê senão interesses escusos nessa manobra do Centrão inflado por partidos que correm em faixa própria, como o DEM e o PSDB. Esses dois partidos, e mais o PSD que também está nesse blocão, pensam em formar outra aliança, essa com objetivo político mais amplo, o de lançar um candidato viável à presidência da República.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, considera que o Centrão é o garantidor do equilíbrio na Câmara, e mesmo que não esteja em seus planos aderir a esse grupo político, prestigia-os. Com a posição do presidente Bolsonaro de afastar-se o mais possível do relacionamento partidário para fortalecer a imagem de que é um antipolítico, a corrida presidencial vai sendo organizada em vários patamares.

Entre os partidos, em busca de um candidato de centro, seja à esquerda ou à direita, que possa enfrentar os extremos Bolsonaro e PT. Esse grupo tem no apresentador de televisão Luciano Huck, que se filiaria ao Cidadania de Roberto Freire, a melhor aposta, mas não descarta até mesmo apoiar Ciro Gomes.

Eliane Cantanhêde - Sem bicho-papão

- O Estado de S.Paulo

Não há clima, maiorias e lideranças para dar golpes nem articular impeachment

Deveria causar escândalo, mas conseguem no máximo gerar preguiça e cansaço a facilidade e a frequência com que as pessoas fazem duas perguntas perigosas, mas tratadas como corriqueiras, parte da paisagem: Vai ter golpe? Ou vai ter impeachment?

A cada ataque do presidente Jair Bolsonaro, do seu entorno e da sua tropa da internet ao Congresso, a governadores, à mídia, a jornalistas (geralmente mulheres...), a presidentes estrangeiros, a ambientalistas, a ONGs, a pesquisadores cresce a percepção de que há uma escalada autoritária, um teste de limites.

Se fosse apenas questão de estilo, já seria péssimo, mas todos esses ataques vêm num contexto em que Bolsonaro enaltece ditadores sanguinários, seu filho admite a volta do AI-5 (toc toc toc) e já disse, sem a menor cerimônia, que bastaria “um cabo e um soldado” para fechar o Supremo.

Assim, quando Bolsonaro transforma o Planalto num QG, o general Augusto Heleno xinga os parlamentares e fala em “povo na rua” e o governo deixa de condenar com a devida veemência o motim de PMs no Ceará... a lista começa a ficar grande e preocupante.

Só faltava o presidente da República convocar pelo WhatsApp uma manifestação que tem entre os objetivos protestar contra o Congresso e o Supremo. Divulgados os vídeos pela colega Vera Magalhães, o que fez o presidente? Mentiu! Mentiu ao dizer que se tratava de peças de 2015. Com imagens da facada? Foi em 2018. Com o brasão da Presidência? A posse foi em 2019.

Luiz Carlos Azedo - ABC da crise

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

”Como acontece em todos os momentos de disputa entre o Executivo e o Legislativo, sempre há a turma da barganha, os pescadores de águas turvas e o pessoal que joga o tempo todo para a arquibancada”

Como dizia a propaganda de uma transportadora de antigamente, o mundo gira e a Lusitana roda. O Congresso deve se reunir hoje para apreciar o veto 52 do presidente Jair Bolsonaro às emendas impositivas do Orçamento da União, no valor de R$ 31 bilhões, o pivô da crise entre o Executivo e o parlamento. É também o motivo da manifestação convocada para o próximo dia 15 de março, pelos setores de extrema direita que apóiam Bolsonaro, com objetivos claramente golpistas: um ultimato ao Legislativo e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O envolvimento direto de Bolsonaro com a convocação da manifestação, por meio de sua rede “privada” de WhatsApp (na internet, o privado é muito relativo) gerou uma crise de relacionamento entre os Poderes com ares de antessala de golpe de Estado.

Desde ontem, porém, o Palácio do Planalto e os líderes do Congresso negociam uma saída honrosa. Ou seja, houve a retomada das negociações interrompidas na semana anterior ao carnaval, para a derrubada parcial do veto, de maneira que uma parte do valor das emendas impositivas seja devolvida ao Executivo, algo entre R$ 11 bilhões e R$ 15 bilhões. Como acontece em todos os momentos de disputa entre o Executivo e o Legislativo, sempre há a turma da barganha, os pescadores de águas turvas e o pessoal que joga o tempo todo para a arquibancada. O problema é quando o presidente da República resolve jogar para a arquibancada e pescar em águas turvas. Foi mais ou menos o que aconteceu na semana do carnaval.

José Casado - O efeito Bolsonaro

- O Globo

Rotina de agitação e insinuações de ruptura incomoda militares

‘Onde tudo começa” — avisava a placa na portaria aos aspirantes como ele, que, aos 16 anos, deixara a gaúcha Dom Pedrito, cujo nome homenageia um contrabandista, onde a vida ainda ecoa as sangrentas revoluções de 1835, 1893 e de 1923.

Edson Leal Pujol completou ontem 49 anos daquele começo como cadete. As estrelas na farda atestam o êxito na Cavalaria, mas o general ainda não venceu o maior desafio de um comandante do Exército no governo Jair Bolsonaro: evitar a contaminação política dos quartéis.

Pujol lidera generais preocupados com os efeitos do discurso e do método Bolsonaro sobre a tropa. Há três décadas o ex-capitão tenta se impor como líder sindical de soldados e suboficiais (260 mil) e de policiais militares (300 mil).

Na presidência, emoldurou o governo civil em rituais militares e testa limites institucionais. Aos avanços nas investigações sobre os laços do clã Bolsonaro com milicianos, reage na ofensiva contra o Legislativo e o Judiciário, e apelos à agitação.

Carlos Andreazza - Governo mentiroso

- O Globo

Presidente forja inimigos de fantasia. Manipula auxiliares

O governo Bolsonaro mente como método. É um governo mentiroso — de um presidente mentiroso. Que faz desse procedimento a principal engrenagem da fábrica de crises artificiais de que se alimenta o bolsonarismo, fenômeno reacionário que investe em falar para algo como 20% do eleitorado; base que — alargada pelo influente peso da caneta presidencial — garantiria a Jair Bolsonaro um lugar firme no segundo turno de 2022. Esse é o cálculo.

A comunicação direcionada a um grupo da sociedade, mas como se tal fosse o povo brasileiro ele mesmo, fundamenta-se na própria fé totalitária que o bolsonarismo prega: a do poder popular, soberano, que se confunde com o líder populista até não ser mais possível distinguir um de outro — o que validaria o aterramento da democracia representativa. É o projeto.

Bolsonaro mente. Forja inimigos de fantasia. Manipula auxiliares. Com frequência, anui que um grupo de colaboradores negocie e, acordo fechado, deixa um outro bloco de subordinados bombardear o pacto e desautorizar o próprio governo. Assim, consegue ser ao mesmo tempo situação e oposição — com o que escolhe as adversidades com as quais lidará, dirige o debate público e tira do primeiro plano tanto a incapacidade (ou desinteresse) em fazer avançar as reformas quanto as dúvidas sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega e o exame acerca da relação de agentes do bolsonarismo com o motim havido no Ceará.

Vejamos o caso do Orçamento impositivo —o novo combustível para a indústria de conflitos destinados a enfraquecer o Parlamento. No curso de 2019, a matéria teve adesão quase absoluta dos bolsonaristas; isto a ponto de merecer — ainda em março — palavras de exaltação de Eduardo Bolsonaro. Era, segundo o deputado, vitória do Legislativo e da independência entre poderes. Tratava-se, então, das emendas de bancada — rubrica que transferia parte do orçamento às mãos do Congresso. O governo avalizara.

Nada mudaria em dezembro, quando da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ocasião em que se aprovou o hoje controverso controle parlamentar sobre a execução das emendas de relator — os R$ 30 bilhões cujo domínio está em xeque. De minha parte, penso ser mesmo — esse ponto específico — avanço excessivo, gerador de desequilíbrio, do Parlamento sobre o Orçamento.

Mas o que posso fazer senão falar?

A hoje indignada bancada bolsonarista, no entanto, votou, caladinha, a favor da lei — com parcas exceções, entre as quais não Eduardo Bolsonaro. Ele, líder do PSL, poderia ter proposto um destaque e enfrentado a porção ora nociva — de súbito tornada mecanismo para chantagem contra o governo — da LDO; mas não o fez. E não o fez, só pode ser isto, por incompetência — por não saber o que se votava.

Fato consumado, lei aprovada, Executivo estrangulado, veto do presidente anunciado, o governo correu, por meio da dupla general Ramos e Paulo Guedes, para montar um plano B, um acordo que minimizasse os prejuízos e partilhasse aquele montante entre Congresso e ministérios — acordo que elementos do mesmo governo não hesitariam em dinamitar.

O governo funciona assim: na planície, sem publicidade, costura e negocia, lançando mão do que se poderia, segundo critérios bolsonaristas, chamar de toma lá dá cá; no Planalto, contando com a multiplicação desinformante de seus milicianos digitais, nega o que pactuou, trai a palavra empenhada, joga pra galera e ataca aquele com quem (legitimamente) se acertara. No caso, o Parlamento. Tem sido assim desde o começo.

Míriam Leitão - Cármen: “Ofender mulher é crime”

- O Globo

Cármen critica a violência contra a mulher, os ataques à imprensa e diz que o conflito entre os poderes é inconstitucional

A liberdade de imprensa é um bem da sociedade, quando um jornalista é atacado isso corrói a democracia. Quando acontece, como agora, a agressão a uma jornalista, de forma desrespeitosa, todas as mulheres em qualquer profissão ficam mais vulneráveis. Essas declarações são da ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal (STF), que eu entrevistei ontem, sobre violência contra a mulher e as recentes ofensas a jornalistas. Sobre o crescimento da violência contra a mulher, ela disse que isso define o país. “Uma sociedade que bate em mulher, mata a mulher, não é uma sociedade do bem-estar”.

No domingo será o Dia da Mulher, e como em todos os anos os debates ocorrem antes e depois do dia 8. E é fundamental que o tema esteja em pauta porque tem aumentado muito os casos de feminicídio e de agressões físicas e verbais. A ministra falou também de outro tipo de violência, a que se dá através da exclusão de participação. A mulher é sub-representada em qualquer instância da estrutura de poder. Inclusive no Judiciário:

— Vamos ter eleição este ano, mas não teremos no TSE nenhuma mulher, nem como substituta. Saindo a Rosa (ministra Rosa Weber) não teremos nenhuma. Passei uma resolução no Conselho Nacional de Justiça para tentar colocar mais mulheres nos órgãos colegiados. Vejo uma luta enorme das mulheres. É preciso olhar o conjunto, porque somos uma sociedade machista. Não gostar de mulher é direito, ofender a mulher é crime. É preciso respeito por todos.

Bernardo Mello Franco - O deboche de Crivella

- O Globo

Depois de mais uma tragédia no Rio, Marcelo Crivella resolveu inovar. Em vez de reclamar da natureza e do volume das chuvas, o prefeito culpou as vítimas que perderam tudo no temporal.

Em visita a Realengo, o bispo tentou se eximir de responsabilidade pelo cenário de terra arrasada. “A culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente”, disse. No domingo, ele já havia sugerido que os cariocas moram em áreas de risco por opção. “As pessoas gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo”, afirmou.

Crivella é reincidente em declarações infelizes sobre as chuvas. Já fez piada com a “Balsa Família” e comparou a ciclovia Tim Maia ao Vasco, que “vive caindo”. Por trás do humorista frustrado, esconde-se um gestor que não cumpre suas obrigações. Nos primeiros dois anos de mandato, o prefeito reduziu em 71% os gastos com prevenção a enchentes.

Paulo Hartung* - Tecnologia brasileira para mudar o mundo

- O Estado de S.Paulo

A vanguarda produtiva mantém essencial e forte conexão com a sustentabilidade

Enquanto alguns negam as mudanças climáticas, muitos optam por trilhar um caminho de criação de valor e investem para ser parte da solução desse desafio global. Nesse caminho, o Brasil tem, dentro de casa, tecnologia, conhecimento e recursos naturais para ser protagonista da bioeconomia.

São empresas que podem mudar o status do País na engrenagem econômica mundial, com um portfólio inovador de fontes renováveis, como a cana-de-açúcar ou as árvores cultivadas, que ajudarão a reduzir as emissões e a diminuir impactos ambientais.

Entre as inovações brasileiras que podem mover um novo mundo, podemos citar a transição energética, de uma economia baseada em combustíveis fósseis para a energia renovável. O País é líder nessa tecnologia e já está fazendo mais, desenvolvendo biocombustíveis produzidos a partir de biomassa renovável, com grande potencial para substituir boa parcela de derivados de petróleo.

Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), cerca de 45% da energia e 18% dos combustíveis consumidos no Brasil já são renováveis. No resto do mundo, 86% da energia vem de fontes fósseis. Pioneiro no uso de biocombustíveis, o Brasil alcançou uma posição almejada por muitos países. Já a energia gerada pela biomassa responde por 6% da matriz nacional, o que coloca o País mais uma vez na vanguarda mundial. Em comparação com os combustíveis fósseis, a biomassa gera menos emissões de gases de efeito estufa.

Pablo Ortellado* - Parasita

- Folha de S. Paulo

Bolsonarismo precisa do 'sistema' para se definir por negação e culpar pelos problemas

Bolsonaro não tem projeto político. Seu liberalismo foi tomado de empréstimo —e de última hora—, e seu conservadorismo é grosseiro, primitivo e sem substância. Sua política é de uma negatividade abstrata e é tão obtusa que ninguém responsável cogitaria colocá-la em prática.

No campo da educação, por exemplo, não é possível saber o que o bolsonarismo realmente quer. Sabemos apenas o que critica: pensa que a educação foi reduzida a doutrinação política, que as universidades se transformaram em balbúrdia da esquerda festiva e que cientistas e professores querem apenas mamar nas tetas do governo.

Ele parece genuinamente ignorante do papel da ciência brasileira no desenvolvimento da nossa indústria aeronáutica, da indústria petroquímica e do agronegócio, assim como do papel da educação e do ensino das humanidades na formação dos trabalhadores.

Sua oposição generalizada e abstrata contra as universidades e os professores, se levada a cabo, produziria um colapso econômico e social sem precedentes, destruindo o longo esforço intergeracional de institucionalização da ciência e da educação brasileiras.

Em todas as áreas conflagradas pelo bolsonarismo é assim. Afinal, o que será que ele pretende?

Joel Pinheiro da Fonseca* - Quem representa o Brasil?

- Folha de S. Paulo

Frente a um Congresso protagonista, governo deveria mostrar mais serviço

O ano de 2019 foi um bom teste da estratégia presidencial de governar sendo hostil aos demais Poderes e instituições, sustentada apenas pelo “povo nas ruas”. Em diversos domingos, tivemos protestos pró-governo. Não consta que um voto de parlamentar sequer tenha sido alterado por esses protestos. Bolsonaro iniciou 2020 muito mais fraco do que iniciara seu governo, e o Congresso, muito mais forte. Não há motivo para crer que os protestos de 15 de março terão resultado diferente.

Dito isso, o sentimento que anima esses protestos é perigoso: ódio ao Congresso. O pretexto da vez é a disputa do Orçamento impositivo, que provavelmente será resolvida com um acordo muito antes de qualquer manifestante pisar na rua. Mas isso não os aplacará. O problema dos defensores radicais do governo não é com o Orçamento, é com a própria existência de um Congresso que não se curve ao presidente. Afinal, na cabeça deles, apenas Bolsonaro representa o Brasil e o povo brasileiro. O Congresso representa interesses privados. Será verdade?

Em termos formais, não. O Brasil é um país enorme, muito diverso e desigual. Não existe uma “vontade popular”. Existem diversas vontades, interesses conflitantes e ideias diferentes sobre como gerir a coisa pública. O Congresso, em sua multiplicidade, sempre será um retrato melhor do Brasil do que o governo federal. “A vontade do povo” é um artifício retórico de quem quer impor, pela intimidação, uma única vontade.

Raul Jungmann* - Motins de policiais são alerta para o país

- Folha de S. Paulo

Esses são momentos de extraordinária e dramática tensão e risco para sociedade, governo, militares, policiais e democracia.

O motim da polícia no Ceará, finalmente encerrado e com um trágico saldo de 241 civis mortos durante sua vigência, nos impõe algumas reflexões.

Quando fui ministro da Defesa tive que lidar com 11 operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em sua maioria decorrentes de greves de Polícias Militares estaduais.

Na mais crítica das operações, em 2017, no Espírito Santo, ao desembarcar em Vitória encontrei uma cidade deserta e uma população indefesa e encarcerada em suas casas. Mulheres dos policiais realizavam piquetes nas portas dos quarteis e, segundo os amotinados, os impediam de sair de lá.

Com o motim, os homicídios deram um salto de 134%, chegando a 225 mortes em 20 dias. Lojas foram saqueadas, arrastões se sucediam, escolas e comercio não funcionavam, idem serviços públicos, o Judiciário e o Ministério Público. O quadro era de colapso do Estado e pavor da população. Já tínhamos visto algo semelhante em outros estados, porém não com a criticidade do ES.

Com a chegada das Forças Armadas, o restauro da segurança e a queda vertical dos crimes e roubos, o Espírito Santo e Vitória foram voltando à normalidade. Em contrapartida, os amotinados perderam a sua capacidade de pressão e de pôr a sociedade e o governo de joelhos.

Recordo que, em um momento crítico, policiais foram retidos nos quartéis, sob a mira de armas, por querer voltar ao trabalho. Nesse momento, chegou-se a cogitar do emprego de blindados e de forças especiais para libertar os reféns, o que implicaria em alto risco de confronto de parte a parte.

Em outro momento, em Pernambuco, colocamos 200 soldados e fuzileiros como última linha de defesa para proteger o Palácio do Governo, o governador e sua equipe.

Cabe ressaltar que, nos episódios, os governadores Paulo Hartung (ES) e Paulo Câmara (PE) portaram-se com serenidade e firmeza.

Andrea Jubé - O gol de Tarcísio no jogo das emendas

- Valor Econômico

Ministério executou 97% das emendas no ano passado

O embate entre parlamentares e Executivo pela liberação de emendas tornou-se um clássico da política nacional, tão tradicional quanto um Fla x Flu ou um Corinthians e Palmeiras, que vem sendo reeditado há pelo menos 13 anos, quando uma resolução do Congresso regulamentou a matéria.

Desta vez, entretanto, num cenário de polarização política que não dá sinais de retração, em meio à convocação de protestos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, endossada pelo presidente Jair Bolsonaro, a análise do veto presidencial a uma fatia vultosa das emendas impositivas promete lances dramáticos.

Confiante de que o Senado atuará para preservar a medida, Bolsonaro até ontem tinha suspendido o acordo costurado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Entretanto, a eventual vitória do Planalto nesta rodada será como marcar um gol contra, porque corre o risco de provocar um maior esgarçamento das relações entre os dois Poderes, atrasando mais as reformas econômicas.

Até aqui, surpreende que as jogadas que fizeram a rede balançar para o governo tenham vindo de um jogador a quem no campo da política caberia disputar a bola na retranca.

A bola rola em campo pelo destino dos R$ 30,8 bilhões, relativos às emendas setoriais das comissões permanentes (R$ 800 milhões) e àquelas definidas pelo relator da lei orçamentária, no valor de R$ 30,1 bilhões. Ainda estão assegurados aos deputados e senadores mais R$ 15,3 bilhões - R$ 9,4 bilhões em emendas individuais e R$ 5,9 bilhões das bancadas estaduais.

No meio do campeonato, quem combinou com os russos e articulou uma fatia dos recursos para a sua pasta, sem se indispor com nenhum dos lados, foi o ministro Tarcísio de Freitas, considerado um “quadro técnico”.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A indústria em debate*

- Valor Econômico

Na visão da turma anti-industrialista, os defensores das políticas industriais insistem em ilusões

A regressão industrial brasileira foi escoltada por um retrocesso de igual intensidade no debate econômico. Contingente expressivo de economistas conservadores empreende uma campanha de desqualificação das ideias que proclamavam a importância da indústria nas economias contemporâneas.

No livro prestes a ser lançado, “O Brasil, uma economia que não aprende”, Paulo Gala e André Roncaglia registram o fenômeno: “No Brasil e no mundo muitos economistas ainda não acreditam na potência da indústria para gerar o desenvolvimento econômico. Isso se deve a um longo engessamento intelectual na fé ingênua do espontaneísmo de mercado e do livre comércio em promover o progresso material das nações, bastando apenas produzir aquilo que se faz de melhor”.

Ainda nos anos 20, o brasileiro Roberto Simonsen perseguiu o projeto de industrialização com a pertinácia dos obstinados. Em seu discurso inaugural na fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, em 1928, Simonsen proclamou que “no atual estágio da civilização a independência econômica de uma grande nação, seu prestígio e sua atuação política como povo independente no concerto entre as nações só podem ser tomados na consideração devida possuindo esse país um parque industrial eficiente, na altura de seu desenvolvimento agrícola”.

O discurso recebeu a reprovação agressiva das classes conservadoras e de seus ideólogos. Em seu livro “Três Industriais Brasileiros”, o grande Heitor Ferreira Lima reproduz o artigo de um comentarista da imprensa paulistana. Dizia o sábio: “Não temos condições para o desenvolvimento industrial, porque somos um país de analfabetos, com imigração de analfabetos e ainda em anarquia política, econômica e financeira... o problema do Brasil consiste em aproveitar suas terras, as mais vastas, inexploradas do globo”.

Diretor da Força Nacional elogiou amotinados: ‘Vocês são gigantes’

Marido da deputada Carla Zambelli (PSL), coronel Aginaldo de Oliveira participou de assembleia com PMs paralisados e exaltou ‘coragem’ do movimento

Marcelo Godoy e Tulio Kruse | O Estado de S.Paulo

Enviado ao Ceará para garantir o policiamento em meio ao motim da Polícia Militar, o diretor da Força Nacional de Segurança Pública, coronel Aginaldo de Oliveira, dividiu palanque com as lideranças do movimento e elogiou os revoltosos. Vídeos publicados nas redes sociais mostram Oliveira chamando os amotinados de “gigantes” e “corajosos” durante uma assembleia no batalhão dos revoltosos. Policiais militares são proibidos de fazer motim.

“Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho. É o tamanho do Brasil que vocês representam”, disse o diretor da Força Nacional. “Vamos conseguir. Sem palavras para dizer o tamanho da coragem que vocês têm e estão tendo ao longo desses dias.”

Recém-casado com a deputada federal Carla Zambelli (PSL -SP), que integra a base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, o coronel Oliveira é subordinado ao secretário nacional de Segurança Pública, general Theophilo Gaspar de Oliveira, que foi derrotado nas eleições pelo governo do Ceará. Apoiado por Ciro e Cid Gomes, Camilo Santana (PT) foi reeleito em primeiro turno.

Na assembleia que decidiu pelo fim do motim no domingo, Oliveira discursou ao lado do principal líder do movimento, o ex-deputado federal Cabo Sabino, e do advogado dos policiais amotinados, o coronel Walmir Medeiros. O diretor da Força exaltou o fato de o motim ter alcançado seus objetivos.

“Só os fortes conseguem atingir os seus objetivos. E vocês estão resistindo, vocês estão atingindo objetivos”, ele disse. “Acreditem: vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos. Demonstraram isso ao longo desses dez, 11, 12 dias em que estou aqui, dentro deste quartel, em busca de melhorias para a classe, que vão conseguir.” O motim durou 13 dias.

Em nota, a Força Nacional afirmou que “seu comandante, que é membro da Polícia Militar, fez um discurso interno para os policiais, parabenizando-os pelo fim da paralisação e por não condicioná-lo à exigência de benefícios, como a anistia.”

Generais ouvidos pelo Estado demonstraram espanto e repúdio à atuação do coronel. Um classificou o discurso como “inacreditável”. Outro lembrou o também colega, o general de divisão Marco Edson Gonçalves Dias, que comandava a 6.ª Região Militar quando recebeu um bolo de familiares de PMs amotinados, em 2012.

“Isso é uma provocação, um populismo do coronel querendo angariar simpatia para futuras eleições”. O oficial general classificou o comportamento do chefe da Força Nacional de “corporativismo sem compromisso”. E desabafou: “não se pode exigir disciplina onde nunca teve”. Por fim, o general completou: “Não há nada tão ruim que não possa piorar”.

Bebianno diz que Carlos quis montar ‘Abin paralela’

- Equipe BR Político / O Estado de S. Paulo

Em sua participação na noite de segunda-feira no Roda Viva, da TV Cultura, o ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno voltou a afirmar, desta vez com mais detalhes, que Carlos Bolsonaro quis montar uma “Abin paralela” para produzir dossiês contra adversários do pai dentro do Palácio do Planalto, no início do governo.

Segundo ele, coube a ele e ao então secretário de Governo Carlos Alberto Santos Cruz dissuadir o presidente de atender a ideia do filho. Bebianno disse ter deixado claro a Bolsonaro que aquilo poderia ensejar seu impeachment. Ele também descreveu o funcionamento do chamado “gabinete do ódio”, integrado por assessores ligados a Carlos e que atua no Planalto alimentando as redes sociais bolsonaristas.

O ex-ministro não quis dar o nome do delegado da Polícia Federal cogitado por Carlos para a “Abin paralela”, nem se ele atua hoje no governo. Afirmou que guarda farto acervo de documento sobre a campanha presidencial e seus meses no governo, mas negou quando questionado se mantinha isso em segredo como forma de chantagem contra o ex-aliado.

Bebianno fez críticas à sucessão de crises criada por Bolsonaro, compartou aspectos do governo à Venezuela e afirmou que, em 2019, Bolsonaro já usara o expediente de convocar contatos por WhatsApp para protesto contra o Congresso.

FH defende ‘paciência histórica’ com Bolsonaro

Em entrevista, ex-presidente cobrou respeito entre Poderes

Manoel Ventura | O Globo

BRASÍLIA — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ser difícil de controlar impulsos no cargo de presidente da República, mas defendeu o respeito entre os Poderes e às instituições. Ele comentou, nesta segunda-feira, o vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro em uma rede social, na semana passada, com chamado para uma manifestação com críticas ao Congresso Nacional. E disse ser necessário ter “paciência histórica” com Bolsonaro.

— Eu fui presidente. Eu sei dos impulsos que você tem na Presidência. Você se irrita, muitas vezes, é difícil se autocontrolar. Acho que todo presidente apela ao povo. Pode apelar, falar com o povo, explicar ao povo. Mas não deve dar o sentido de “Olha, ou vocês vêm pra rua, ou…”. Não. Eu espero que as instituições sejam realmente consolidadas — disse o ex-presidente, em entrevista à GloboNews.

Para FH, o Poder Executivo sempre foi forte no Brasil, mas ele contrapesos. O ex-presidente disse ser preciso ter “paciência histórica” com Bolsonaro:

— Ele é presidente da República. Tem que ter paciência histórica.

Fernando Henrique afirmou que não há motivos para impeachment.

— Eu participei de impeachments. Eu sempre fui relutante. No tempo do Collor (ex-presidente Fernando Collor, que sofreu impeachment em 1992), eu fui relutante, Ulysses Guimarães também foi relutante. Porque temos medo das consequências institucionais. Existe impeachment quando tem o povo contra, quando o governo para de governador e quando quem está no governo incorre contra a constituição. Não acho que seja o caso — considerou.

Ao comentar a relação com a oposição, FH disse ser necessário gestos para diminuir o sentimento de agressividade:

— O ódio é erro sempre. Na vida política democrática, você deve discordar, ter o direito de discordar. Sobretudo quem tem o poder, não pode querer esmagar a opinião do outro.

Realidade atual do Brasil mobiliza pensadores na ABL

Ciclo de conferências anual da Associação Brasileira de Letras começa na quinta-feira e reúne antropólogos e ficcionistas

Alice Cravo | O Globo

A Academia Brasileira de Letras (ABL) inicia na quinta-feira o seu Ciclo de Conferências 2020. O tema de estreia será “Pensar o Brasil hoje: sínteses e confluências”, com diálogos entre antropólogos e ficcionistas contemporâneos abertos ao público. O objetivo das sessões será examinar aspectos atuais do país. O antropólogo Antônio Risério discutirá a polarização da sociedade e a construção de uma “nova história brasileira”.

—Somos uma nação desorientada, sem rumo, dilacerada por polarizações violentas. Quero examinar alguns aspectos disso, a começar pela construção de uma nova história oficial do Brasil que, no fundo, apenas submeteu a experiência nacional brasileira a um processo de avacalhação sistemática — destaca Risério.

CORAGEM COMO CRITÉRIO
Segundo Ana Maria Machado, coordenadora do ciclo, os conferencistas foram escolhidos pela coragem de questionar “autoritarismos simplórios e hierarquias do discurso” para que o debate seja fomentado sem abrir mão das “ideias que não são as dominantes”. Para a acadêmica, no contexto polarizado atual, é importante buscar a união da sociedade por meio da cultura e da história.

—O país está muito polarizado, dando excessiva atenção aos que nos divide e separa. Parece-me crucial buscarmos o que pode nos unir como cultura, história e nação, nos lembrando o que temos em comum muito além de diferenças de opinião ou visões do mundo —afirma Ana Maria.

Além desta quinta-feira, o ciclo acontecerá nos dias 12, 19 e 26 de março, sempre às 17h30m no Teatro Raimundo Magalhães Jr, no prédio da ABL no Rio. A sede fica na Avenida Presidente Wilson, 203, no Castelo. A entrada é gratuita.

Risério, que participará da discussão “Em busca da nação perdida” na quinta-feira, integra o time de convidados ao lado de Mércio Gomes, que falará sobre “Moral e Ética no Brasil”, no dia 12. No dia 19, o convidado é o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues, no debate “Viva a língua portuguesa à brasileira”. Já o escritor Paulo Henrique Scott participa no dia 26 para falar sobre “Novas vozes, novos olhares: a literatura brasileira nas duas primeiras décadas do Século XXI”.

O que a mídia pensa - Editoriais

Governo particular – Editorial | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não pode tomar decisões apenas com o intuito de prejudicar adversários

A greve dos policiais militares (PMs) do Ceará terminou, mas seus muitos e graves efeitos ainda se farão sentir por algum tempo. Além de revelar a extensão da organização sindical dos policiais, impedidos por lei de fazer greve, o movimento indicou uma forte contaminação política, que torna secundária a reivindicação salarial.

Há políticos oportunistas direta ou indiretamente envolvidos na iniciativa paredista e principalmente na exploração de suas consequências mais danosas para a imagem dos governadores cujos Estados foram afetados. Os policiais, nesses Estados, se transformaram em instrumento de pressão de uma oposição que nada tem de democrática – ao contrário, mal esconde seu perfil autoritário. Como os policiais grevistas foram bem-sucedidos em espalhar o desassossego público e encurralar os governadores, deve-se esperar que novas paralisações ilegais de agentes armados se repitam Brasil afora.

Poesia | Fernando Pessoa - Li hoje

Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.