quinta-feira, 19 de março de 2020

Merval Pereira - Espetáculo patético

- O Globo

O panelaço de ontem à noite mostra que o presidente já perdeu uma parte razoável de seu eleitorado na classe média

Foi deprimente assistir ao presidente da República, fantasiado com uma máscara medicinal que lhe caía a todo o momento da face, tentar distorcer a realidade, transformando sua irresponsabilidade em ação para tranqüilizar a população.

Diante deste quadro dantesco da pandemia do Covid-19, vem o presidente Bolsonaro dizer que sempre se preocupou com o povo, e por isso foi apertar as mãos de seus correligionários. Não é possível aceitar tamanha desfaçatez, sobretudo porque ele mente em várias dimensões.

Disse que sabia que não estava infectado, quando o exame de contraprova só foi feito no dia seguinte à manifestação. Garantiu que não há vídeo mostrando que convocara a reunião, quando sua fala em Roraima foi mostrada em jornais televisivos e circula pela internet.

Jair Bolsonaro aproveitou a coletiva de imprensa sobre coronavírus para fazer não uma autocrítica, mas um auto-elogio de seu governo, pedindo aplausos para si mesmo, o “técnico” de “um time que está ganhando de goleada”. E insistiu no erro, ao alertar: “Não se surpreenda se você me ver (sic), nos próximos dias, entrando no metrô lotado em São Paulo ou na barcaça Rio-Niterói”.

Mesmo admitindo que a pandemia é grave, disse que o país já enfrentou problemas mais graves no passado sem tanta repercussão na mídia, mas não deu exemplos. Para todos os líderes mundiais, a pandemia do Covid-19 é a mais grave de uma geração.

Ascânio Seleme - Bolsonaro não se emenda

- O Globo

Ele não sabe de nada, não controla coisa alguma

Pronto. Bolsonaro outra vez deu um passo atrás, e lá vamos nós passar a mão na sua cabeça. A história se repete. Como um moleque bagunceiro que faz arte, depois carinha de bebê chorão, e todos acham que ele realmente se arrependeu e ficam felizes porque o menino finalmente se emendou e agora vai ser um bom rapaz. Bobagem! Bolsonaro não se emenda.

Primeiro ele convoca uma manifestação contra o Supremo e o Congresso, depois volta atrás e diz que não é bem assim. Com o coronavírus na porta, faz pronunciamento dizendo que não é hora de aglomeração. Depois, incontido e falso, vai à manifestação e se esbalda com os manifestantes. Não bastasse o gesto político, o menino travesso se agarra à turba e, mais do que se submeter ao contágio, pode estar contaminando as pessoas, já que ele é o risco. Dezessete dos seus mais próximos assessores testaram positivo, até o braço-direito general Heleno.

Mais adiante reclama da “histeria” que toma conta do país, ataca governadores por tomarem corretas medidas de controle e diz que isso atrapalha a economia, lamenta que vendedores de mate perderão seu sustento com o cancelamento de jogos de futebol e se diz preocupado com flanelinhas porque ninguém sai de casa. Todos condenam o comportamento absurdo do presidente, e ele volta atrás. Mas depois faz um post dizendo que ele e a mulher vão fazer uma festinha para comemorar seus aniversários que estão chegando. É um aloprado. Alguém tem dúvida?

Em seguida, por orientação do Ministério da Economia, manda mensagem ao Congresso pedindo autorização para decretar estado de calamidade. Com o decreto, o governo pode remanejar despesas e fazer gastos não previstos sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Medida vital num momento como este. Ah, que bom, o moleque se corrigiu, nem tudo está perdido. Seríamos tolos se acreditássemos em mais essa. O fato é que ele não está mais no comando. Bolsonaro não importa. Não deve ser levado a sério. Ele não conta.

Somos condescendentes com ele porque, afinal, se trata do presidente. Foi eleito pelo voto para governar o país. Só que não governa. Bolsonaro é um irresponsável. Fica cada vez mais claro mesmo para os que o cercam e usufruem do poder que a ele foi concedido pelos eleitores. Ministros, secretários, assessores fora do círculo infernal da família não suportam mais nem ouvir a sua voz. Suas audiências continuam acontecendo, mas muitos dos seus subordinados só vão a ele quando são chamados, não pedem despacho.

Bernardo Mello Franco - O pastelão e as panelas

- O Globo

Em tentativa de mostrar reação ao coronavírus, Bolsonaro voltou a mentir, atacou a imprensa e pediu elogios. Pelo panelaço, faltou combinar com a torcida

A cena de Jair Bolsonaro tapando os olhos com uma máscara cirúrgica, em tentativa desastrada de cobrir o nariz e a boca, produziu uma boa alegoria do drama brasileiro. Assombrado pela pandemia do coronavírus, o país se vê nas mãos de um sujeito que não consegue proteger o próprio rosto.

O pastelão do Planalto lembrou um quadro dos Trapalhões. A pretexto de mostrar preocupação com a doença, o capitão e seus ministros se fantasiaram de médicos. O uso cenográfico das máscaras contrariou as normas sanitárias. Em outro momento Didi Mocó, Bolsonaro desistiu do teatro e pendurou sua peça na orelha.

O presidente dedicou a maior parte da entrevista a atacar a imprensa e provocar adversários. Um dos alvos foi o governador do Rio, que pediu ao povo que evitasse a praia. O capitão também insistiu no discurso de que a mídia fomenta a “histeria”. Uma afronta a jornalistas e profissionais de saúde que tentam informar a população e reduzir a velocidade do contágio.

Carlos Alberto Sardenberg - Se tivéssemos dinheiro

- O Globo

Se o governo não gastasse quase 80% da despesa com Previdência e pessoal, já teria sobrado mais para a saúde

Vamos imaginar que as contas públicas no Brasil estivessem no azul. O governo federal e os estaduais com superávit, caixa elevado e fundos instituídos para ações anticíclicas — ou seja, governos com dinheiro para gastar em caso de uma crise, uma recessão global ou uma emergência como o coronavírus. Seria muito mais fácil, não é mesmo? A questão seria apenas escolher onde gastar e quais programas implementar.

A situação real é o contrário disso. Como há uma dívida pública enorme, e como todas as instâncias de governo operam no vermelho, passamos a ter dois problemas: primeiro, onde encontrar o dinheiro para gastar na crise; e, depois, onde gastar — mas gastar com parcimônia e extremo cuidado porque não vai ter para todos.

Dizem alguns: mas a opção liberal/ortodoxa não seria a de não gastar nada, em nome do ajuste fiscal?

Burrice. Essa opção nunca significou que o governo não deve gastar. E sim que deve gastar em saúde, educação e segurança, de um modo que leve a uma redistribuição de renda e redução de desigualdades. Ou ainda: cobrar mais impostos dos mais ricos e gastar com os mais pobres.

O desajuste fiscal brasileiro não decorre essencialmente do excesso de gasto público. Decorre de gasto ruim.

Míriam Leitão - Ação atrasada e insuficiente

- O Globo

Bolsonaro ainda não entendeu a dimensão da crise; o programa de ajuda não chegará a todos os informais, mas é um bom passo

O governo está atrasado e sendo insuficiente no combate ao efeito econômico da crise na saúde. A direção está certa, mas a qualidade da resposta tanto na pandemia quanto na economia depende de rapidez. E ainda se perde tempo. Há milhões de informais fora do Cadastro Único e eles precisarão estar na rede de proteção social. O programa anunciado pelo ministro Paulo Guedes ontem pegará só uma parte. É bom que se tenha tomado essa decisão e que seja feita uma previsão de R$ 5 bilhões por mês, durante três meses. As parcelas serão de R$ 200. Será necessário mais e por mais tempo. A queda da taxa de juros também foi vista como fraca diante do tamanho do problema. O decreto de calamidade foi até o dia 31 de dezembro porque este ano já está perdido. A economia entrará em recessão e o déficit do primário será muito maior do que a meta. À noite, a Câmara aprovou o Estado de Calamidade Pública.

Aquela coletiva ontem era para, enfim, o governo brasileiro falar a mesma linguagem que o país e mostrar que tinha entendido a gravidade da crise. E de novo foi uma comunicação errada. O presidente Jair Bolsonaro estava mais preocupado com suas implicâncias e passou mensagens dúbias sobre a gravidade do vírus. Mesmo com máscara, e dois ministros infectados, ele insistia em usar a palavra “histeria” para a preocupação com os acontecimentos. Isso sem falar na compulsiva distorção dos fatos recentes. Bolsonaro parece que, a cada dia, esquece o que fez e disse no dia anterior.

Luiz Carlos Azedo - Mensagens das máscaras

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Não há a menor possibilidade de conter a epidemia sem a adoção de duras medidas de distanciamento social, isolando as pessoas doentes e confinando quem não está”

A cena foi armada para sinalizar que o presidente Jair Bolsonaro é o timoneiro da luta contra o coronavírus e que todo o governo está mobilizado nessa tarefa, na qual o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ocupava a linha de frente no combate à epidemia. Bolsonaro enfatizou as medidas econômicas que o governo adotou, defendeu-se das críticas da imprensa e não fez nenhum apelo no sentido de a população aderir à política de distanciamento social, à qual continua fazendo restrições. O uso das máscaras cirúrgicas por todos os ministros presentes, inclusive o da Saúde, serviu apenas para as fotografias; foram usadas de forma cenográfica, porém, manuseadas de forma inadequada, acabaram sendo objeto de críticas dos especialistas da saúde e motivo de “memes” nas redes sociais.

Na coletiva, Bolsonaro anunciou que dois ministros estão com coronavírus, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Mais tarde, Bolsonaro deu outra coletiva, desta vez em companhia do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e outras autoridades do Judiciário. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também deveria estar presente, não pôde comparecer: é o primeiro chefe de poder fora de combate por causa do coronavírus. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não foi porque comandava a sessão da Casa que aprovou o “estado de calamidade pública”.

Roberto Dias - Março de 2020 e a Arca de Noé

- Folha de Paulo

Crise atual é muitíssimo mais grave do que a de junho de 2013

Em junho de 2013, não eram só os 20 centavos. Em março de 2020, não é só o coronavírus. O caldeirão chamado Brasil se põe a ferver, com todos os problemas borbulhando juntos, sem que ninguém esteja perto de controlar o fogo.

A crise atual se desenha muito, muitíssimo mais grave do que a de 2013. Há agora um vírus bem difícil de conter, uma economia doméstica paralisada, um mundo lá fora também derretendo —matéria-prima de sobra para caos social do tamanho do das revoluções.

O problema mal começou e baratas já voam em velocidade supersônica. Quem antes batia panela agora bate panela; quem antes não batia panela agora toca apito. Liberais pedem intervenção do Estado; gente que vive da Bolsa pede que a Bolsa feche as portas.

Bruno Boghossian – Teatro de máscaras

- Folha de S. Paulo

Presidente mentiu e fez discurso político para esconder desprezo pela pandemia

Jair Bolsonaro fabricou uma encenação constrangedora para tentar esconder o desprezo com que vem tratando o coronavírus. O presidente pôs uma máscara, chamou nove auxiliares e, depois de passar dias negando os perigos da pandemia, disse reconhecer a gravidade do problema. Produziu um novo fiasco.

Vinte dias após a detecção do vírus no país, Bolsonaro percebeu que sua conduta irresponsável diante da crise não resistiria a um simples encontro com a realidade. Participou pela primeira vez de uma entrevista coletiva sobre o assunto, mentiu sobre as próprias declarações e usou o espaço para fazer propaganda de um panelaço a favor do governo.

Bolsonaro quis reescrever a história para conter o derretimento de sua imagem. Disse estar em alerta desde o início de fevereiro, quando foram retirados os brasileiros do primeiro foco de contaminação, na China. Não quis lembrar, porém, que havia classificado a crise como uma fantasia há pouco mais de uma semana.

Mariliz Pereira Jorge - Acabou, Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

No coração de parte da população, seu governo acabou

Jair Bolsonaro tem um longo mandato, mas no coração de parte da população seu governo acabou, como sentenciou o haitiano em frente ao Palácio da Alvorada. O presidente, que disse que a pandemia de coronavírus era "fantasia", talvez deva se preocupar com outra epidemia mais contagiosa, o de gente insatisfeita, que começa a gritar de suas janelas que "acabou".

Acabou, Bolsonaro. Políticos e personalidades já dão as costas ao governo. A última foi Janaína Paschoal, autora do pedido de impeachment de Dilma e quase vice da chapa Bolsonaro. Da tribuna da Assembleia paulista, a deputada disse ter se arrependido do voto e defendeu que o presidente seja afastado.

Acabou, Bolsonaro. Ídolo máximo do presidente, Donald Trump recuou, admitiu que a crise de saúde pode durar meses, anunciou ajuda financeira aos americanos e seu atual discurso é o de que previu que o coronavírus seria uma pandemia, deixando Bolsonaro isolado na retórica negacionista.

Acabou, Bolsonaro. Os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal parecem cada vez mais unidos para combater as aspirações golpistas de Jair. Juntar-se a manifestações que pediam o fechamento dos Poderes e AI-5 e depois dizer que valoriza as instituições não cola mais.

Igor Gielow - Atordoado, Bolsonaro tenta reagir no momento mais frágil do seu mandato

- Folha de S. Paulo

Rufar das panelas se interpôs ao teatro de máscaras do presidente e sua equipe, talvez tardio

A sucessão de erros táticos de Jair Bolsonaro desde que a continuada crise com os Poderes foi atropelada pela emergência do coronavírus mostra o presidente em seu momento de maior fragilidade política desde que assumiu.

Os equívocos se avolumaram à medida que se transformaram em uma só onda o embate com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal e a chegada da pandemia.

O teatro de máscaras encenado por Bolsonaro e equipe na tarde desta quarta (18) coroou a tardia queda da ficha, para usar uma metáfora do tempo do orelhão, do presidente em relação ao tamanho do problema.

Já o rufar de panelas capitais afora à noite mostrou que talvez a antiga maestria em influenciar narrativas, para ficar num clichê dos nossos tempos, tenha enfim se perdido ao menos num certo estrato de classe média urbana.

Vêm à mente as críticas da esquerda aos “paneleiros” que protestavam contra Dilma Rousseff (PT) antes de o impeachment da presidente tomar corpo.

O susto foi tomado por Bolsonaro na véspera, quando o anunciado movimento de quarta ganhou vida, inclassificável como uma reação apenas do que sobrou da esquerda. Até por isso talvez ele tenha admitido que se tratava de uma “expressão da democracia”.

Bolsonaro até tentou virar o jogo do dia, ao inventar ao vivo um protesto em seu favor na sequência daquele desta quarta, como se fosse mensurável a panela que ecoa às 20h30 daquela que é batida à 21h.

Ouvi-lo cobrar que a mídia anunciasse ambos os eventos como se fossem da mesma natureza pode ter funcionado para seus seguidores mais fiéis, mas soou como um certo alheamento da realidade, exagerado mesmo para os padrões usuais do mandatário máximo.

Maria Hermínia Tavares* - Lição de francês

- Folha de S. Paulo

Enquanto Bolsonaro disparava desatinos, Macron informava os franceses

No último domingo, milhões de brasileiros estavam preocupados com as consequências do coronavírus para suas vidas: onde deixar os filhos pequenos e como alimentá-los, agora que as escolas começam a fechar; como proteger os idosos da família; como evitar o contágio no aperto do transporte coletivo; o que vai acontecer com o meu emprego, o meu bico, o meu pequeno negócio ou com a minha empresa quando a economia parar.

Todas essas inquietações passaram longe do Palácio do Planalto, de onde o presidente, desprezando todas as recomendações das autoridades sanitárias, saiu para confraternizar com a minoria fanática que, a seu chamado, bradava contra o Congresso e o Judiciário. Se dúvida ainda restava sobre a incurável incapacidade de Bolsonaro de exercer a função, foi enterrada com a sua aparição diante dos manifestantes e, mais tarde, na entrevista dada à CNN, que inaugurava a sua sucursal brasileira.

Em tempos normais, a democracia até que suporta governantes medíocres, pois, como ensinou o pensador italiano Norberto Bobbio (1909-2004), ela é a expressão consumada do governo das leis, e não do governo dos homens. Mas, quando os tempos são de crise, líderes democráticos são fundamentais para criar solidariedade entre as pessoas, mobilizar o país e decidir políticas.

Alguns, contra todas as previsões, se revelam sob a adversidade. Foi o que ocorreu na semana passada com o presidente da França, Emmanuel Macron. Enquanto Bolsonaro disparava desatinos a torto e a direito, começando por desdenhar do impacto da virose, seu homólogo gaulês dirigiu-se à nação.

Fernando Schüler* - Crise e responsabilidade

- Folha de S. Paulo

Não há contradição entre a agenda emergencial e a agenda de reformas

A gripe espanhola, no final da primeira grande guerra, matou perto de 50 milhões de pessoas. Seria algo como 220 milhões nos dias de hoje. Por muitas razões, o que ocorreu naquele ano e meio de pânico global é muito diferente do que vivemos hoje. Mas há lições a aprender.

A sugestão é do historiador americano John Barry, autor de "The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History", um dos mais completos livros sobre a gripe espanhola.

Suas indicações focam os aspectos intangíveis da pandemia. Não se trata do número de máscaras ou leitos hospitalares disponíveis, em que pese tudo isso seja crucial.

Seu primeiro ponto diz que tendemos a desprezar o risco e perder rapidamente o senso de disciplina que uma pandemia exige. "As pessoas precisam assumir a responsabilidade e persistir. O fator decisivo é o esforço voluntário e o comportamento individual", afirma Barry.

Lendo isso pensei nas milhares de pessoas que mal saem de casa, proíbem os filhos de frequentar o playground do edifício, mas não dispensam a diarista de andar uma ou duas horas no transporte coletivo para chegar em casa.

Vinicius Torres Freire - Entenda o novo colapso dos mercados americanos dos EUA

- Folha de S. Paulo

Todo o mundo vai para a retranca, o crédito seca, os juros sobem, o que coloca ainda mais gasolina no incêndio

Imagine que alguém queira vender um bem para pagar uma dívida e não consiga comprador. Imagine que alguém queira pegar um empréstimo, tem um bem para dar como garantia e não consiga o crédito. Imagine que um monte de gente deseje vender esses bens e pouquíssimos queiram: o preço desses bens então desaba e parte do patrimônio vira pó.

Essa é uma metáfora caseirinha do desastre que está acontecendo no maior, mais ágil e mais diversificado mercado de dinheiro do mundo, o americano. Mas, claro, o que está em preço de liquidação, com poucos compradores, são ativos financeiros.

Na crise, no medo de calote e da quebradeira, muita gente quer ficar com dinheiro em caixa ou com quase equivalentes de dinheiro (como títulos de curtíssimo prazo do Tesouro americano). O motivo fundamental dessa crise é a epidemia de Covid-19.

Esse é o maior pânico financeiro desde a explosão de 2008. Está arrastando as praças financeiras do restante do mundo para a lama. O que pode evitar desastre financeiro ainda maior? O Banco Central dos EUA “imprimir” dinheiro a fim de comprar o que está na bacia das almas e evitar liquidação ainda maior.

Ricardo Noblat - O dia em que caiu a máscara de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

A economia decidirá a sorte dele

Por coerência – embora isso jamais lhe deva ser cobrado porque coerente ele nunca foi -, o presidente Jair Bolsonaro não dirá uma só palavra contra o tilintar das panelas, ontem à noite, promovido pelos insatisfeitos com o seu governo e com ele, pessoalmente.

Afinal, ao responder à pergunta de um repórter sobre as manifestações dos seus devotos no último domingo, ele as justificou afirmando que vivemos numa democracia onde o povo tem o direito de ir às ruas em defesa do que quiser. Está certo.

A propósito, não disse só isso. Aproveitou o sucesso de audência da transmissão de sua fala para anunciar que haveria um panelaço a seu favor. Houve, de fato, em seguida ao panelaço do contra. E foi um fiasco de dar inveja. Acabou parecendo continuação do outro.

No poder há exatos 444 dias, foi no 21º desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus no país que a máscara de Bolsonaro simplesmente caiu. Nem a ex-presidente Dilma Rousseff foi brindada por três sessões de panelaços no período de 48 horas.

A primeira, na noite da terça-feira, um ensaio para a sessão oficial convocada para ontem. Horas antes, em alguns lugares como no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, aconteceu uma espécie de esquentando os tamborins. Ou melhor: as panelas.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonarismo testa positivo

- Valor Econômico

Presidente fica isolado na República e tolhido dentro do próprio governo

“Quero agradecer em nome da saúde do Brasil”. Foi com essas oito palavras que Luiz Henrique Mandetta transformou a puxada de tapete do presidente da República numa escada. Na guerra de sobrevivência política em que se transformou o combate à pandemia, o ministro da Saúde convocou o “partido sanitarista”, comunidade de profissionais da saúde que, 50 anos atrás, se uniu para montar o SUS e hoje o mantém acima das rixas partidárias. Apesar dos agrados sucessivos ao presidente, o ministro o colocou na condição de quem presta serviços a este partido.

Em contrapartida, o ministro prestou-se ao papel de médico avalista de uma encenação destinada a mostrar que o presidente não está isolado. Com máscaras sob a coreografia de tira-e-bota-deixa-ficar e sentados a centímetros de distâncias uns dos outros, parecia um trupe de sobreviventes depois de anunciada a segunda baixa, do ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), um dia depois de noticiado contágio de Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

O presidente convocou a encenação dois dias depois de Mandetta reunir-se com os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, numa tentativa de mostrar que não é a criança irresponsável que desce a rampa para brincar com manifestantes enquanto os adultos adotam medidas para evitar que o país sucumba à pandemia.

O capitão montou o palco horas antes do panelaço contra seu mandato. Estava disposto a ofuscar Mandetta e se mostrar no comando desta nau doente e desgovernada. Só que não. Bolsonaro abriu a entrevista justificando-se pelos cumprimentos aos manifestantes do domingo dizendo que, em todo o Brasil, não excederam 1 milhão de pessoas - “equivalente a 20% da população que usa o transporte coletivo em São Paulo diariamente”. Esqueceu de explicar que se ainda há muitos se expondo ao risco de entrar no metrô é porque não têm alternativa. Disse saber dos riscos que corria mas havia optado por descer a rampa porque, pela “índole militar”, ele “nunca abandonaria o povo brasileiro”.

Disposto a provar que não convocou manifestações a seu favor, na contramão dos fatos, fez a propaganda de outra, o panelaço a seu favor. Uma tentativa de se apropriar de uma expressão que, até aqui, serviu para demonstrar rechaço político, a começar pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, de onde partiu em sua marcha para Brasília. Errático, entre as estocadas na imprensa e a busca de uma autoridade perdida, Bolsonaro mostrou-se incapaz de desmontar a imagem de presidente que fez pouco caso da saúde dos brasileiros com a ideia de que o coronavírus não passa de fantasia ou guerra de panelas.

Ribamar Oliveira - Não há como salvar o crescimento deste ano

- Valor Econômico

Autoridade da área econômica diz que quem espera PIB zero para este ano está otimista

Não existem políticas monetária e fiscal que salvem o crescimento da economia neste ano, segundo disse ao Valor uma importante fonte da área econômica. “Quem está falando em crescimento zero do PIB [Produto Interno Bruto] em 2020 está sendo otimista”, acrescentou. O entendimento predominante no comando do Ministério da Economia é que medidas fiscais e monetárias serão adotadas para preservar vidas e empresas, principalmente, e para evitar que a crise se prolongue por tempo excessivo.

Esta fonte lembrou que, há 15 dias, o mercado ainda acreditava que era possível o Brasil crescer 1,7% neste ano. “Hoje, vários analistas estão projetando recessão”, disse. A mudança de cenário está ocorrendo muito rapidamente, o que mostra que os efeitos da crise do novo coronavírus na economia estão se disseminando em velocidade exponencial, da mesma forma que a contaminação das pessoas, apesar das medidas de política monetária que o Banco Central vem adotando.

Qual será o custo para os cofres públicos das medidas fiscais que serão adotadas pelo governo? Ninguém sabe. Tudo dependerá das ações adotadas para dar sustentabilidade ao combalido sistema de saúde do país, garantir uma renda mínima aos trabalhadores que serão diretamente atingidos pela desaceleração da economia e estímulos fiscais que permitam às empresas, não apenas as pequenas, manterem seus negócios, evitando uma recessão ainda mais profunda. Tudo isso representará custos adicionais aos cofres públicos.

Entrevista | Só com fortalecimento do SUS País pode enfrentar pandemia, diz Serra

Alberto Bombig | O Estado de S. Paulo

O ex-ministro da Saúde e do Planejamento José Serra, senador pelo PSDB-SP, conversou com a Coluna sobras as crises na saúde e na economia provocadas pelo coronavírus. Segundo ele, é preciso “ampla coordenação com a política fiscal” e “fortalecer o SUS“.

 Leia a entrevista:

Coluna do Estadão – Qual a avaliação do senhor da crise até agora?

José Serra – O cenário é, sem dúvida, grave. Creio que ainda estamos na primeira fase, experimentando o choque e caindo na real, tentando lidar com os preparativos para um surto de gripe que deve vir, segundo os dados da OMS e a experiência dos países asiáticos e europeus. Como vamos lidar com a saúde e a economia nas próximas semanas fará toda a diferença lá na frente. A contração econômica em escala mundial e os tropeços dos mercados de capitais e do sistema financeiro internacionais poderão gerar corridas bancárias e insolvência de grandes empresas e bancos de investimentos, refletindo-se em seguradoras e fundos de pensão. O mundo terá que se coordenar fiscal e monetariamente. Isso é imperativo. Inclusive, a autonomia dos BCs mundiais já vinha sendo revista desde 2008 e está sendo posta em xeque por esta crise, que requer ampla coordenação com a política fiscal. Logo, não devemos sequer voltar a discutir este tema antes de superá-la e conhecermos o novo arranjo econômico que se estabelecerá. No tocante à saúde, creio que só conseguiremos enfrentar essa pandemia com um fortalecimento a curto prazo do SUS, com ampliação emergencial do número de leitos em UTI e dos serviços de saúde, reforçando atendimento nas unidades básicas. Por isso também o decreto de calamidade é fundamental, para que se possa redirecionar recursos para o SUS.

Coluna do Estadão – Como o Legislativo pode contribuir para o enfrentamento?

Serra – O primeiro passo é reconhecer o estado de calamidade. Eu apresentei um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nesse sentido, antes de o governo anunciar o pedido ao Congresso. Mas, independentemente da paternidade desta ou daquela medida, é importante apoiar as iniciativas emergenciais do governo. Além disso, devemos suspender pautas que não sejam prioritárias, especialmente as que se chocam com medidas urgentes, como a PEC Emergencial, que vedaria a contratação de temporários, novas linhas de financiamento e subsídios, que nesse cenário devam ser necessárias. A reforma tributária, com um cronograma de 45 dias que já era inexequível, não pode ser discutida com esse cenário de crise. Após a crise precisaremos de propostas com potência imediata sobre a atividade e a produtividade, não as propostas que parcelam queda de arrecadação, aumento de carga, choque de preços, desemprego e complexidade adicional por 10 longos anos. O debate das propostas em discussão deveria ser arquivado dada a realidade desta crise e seus desdobramentos econômicos e fiscais.

Coluna do Estadão – O Brasil deve fechar as fronteiras?

Serra – Claro que não. Só devemos reagir contra a importação de fatores de crise, mas podemos usar nossa pauta de alimentos essenciais para barganhar melhores termos de troca para medicamentos, suprimentos médicos e outros insumos básicos essenciais para o enfrentamento deste momento. Para as pessoas, teremos de observar o avanço da pandemia aqui. Se houver um risco de propagação maior do vírus, seria recomendado.

William Waack - O vírus pegou Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Espalhou-se como um vírus a noção de que o governo corre atrás dos fatos

O vírus atingiu o coração do governo. A expressão é literal, considerando a situação do general Augusto Heleno e do almirante Bento Albuquerque, mas seu sentido é político. Um caso clássico de como a realidade dos fatos se impõe de forma arrasadora a quem se recusa a enxergá-la.

Ou o faz – enxergar os fatos – sob uma perspectiva completamente equivocada. Foi o que aconteceu com Jair Bolsonaro e alguns de seus conselheiros mais próximos, especialmente os filhos. Presos à versão, estapafúrdia e maluca, como agora se vê, de que o coronavírus seria uma conspiração chinesa aqui utilizada por “elites políticas” para isolar e depor o presidente.

As forças políticas que entendem melhor a realidade (como o “Centrão”) ocuparam rapidamente o espaço que Bolsonaro vem deixando livre desde que assumiu a Presidência. Como já se disse aqui, o presidente acha que sua força vem da caneta que assina cheques e nomeações quando, na verdade, está na sua imensa capacidade de ditar a agenda política. À qual ele pouco se dedicou.

Pode-se até falar de um autoimposto isolamento diante de um “sistema” que, por um lado, de vez em quando, servia ao presidente e a cujas regras obedecia. Por outro, era pelo presidente mencionado como alvo a ser destruído – o mandato que ele afirma ter recebido das urnas.

Eliane Cantanhêde - Entre meias-verdades e puras mentiras

- O Estado de S.Paulo

Presidente deixa de lado coronavírus e usa coletiva para tentar manter a tropa bolsonarista unida

O presidente Jair Bolsonaro usou a primeira entrevista coletiva sobre a profunda crise do País e do mundo para fazer o que faz melhor: política, autopromoção, com meias verdades em meio a algumas puras mentiras. Enquanto os ministros falavam à população, Bolsonaro dirigia-se à tropa bolsonarista que teme perder.

Na questão central, sobre a liderança do chefe de Estado e o exemplo que precisa dar à sociedade, o presidente voltou a fingir que o grande problema de seu contato com manifestantes, no domingo, foi o risco de ele se contaminar. Ostensivamente, ele escapuliu do principal: o risco de contaminar centenas de pessoas, que poderiam ter efeito multiplicador na disseminação do Covid-19.

Além de tergiversar, tirou uma casquinha da pergunta para fazer o mais barato populismo em meio à crise, colocando-se como “um chefe da Nação ao lado do povo brasileiro, na alegria e na tristeza”, aventando até a hipótese de confraternizar com “o povo” num ônibus, num metrô. Se assim for, “o povo” deve seguir as recomendações das autoridades sanitárias e sair correndo.

Ontem, a lista de contaminados da comitiva a Miami subiu para 17, com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Bento Albuquerque (Minas e Energia). Pela recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, quem tem contato com contaminados deve se isolar. Bolsonaro fez dois testes, ambos negativos, mas depois deles continuou tendo contato constante com Heleno.

O presidente também classificou manifestações como “expressões da democracia” e aproveitou para convocar duas vezes seus apoiadores para fazer panelaço pró-governo à noite e para praticar seu esporte favorito: atacar e tentar desqualifcar a mídia.

Roberto Macedo* - Na economia, mais por fazer. E rapidamente

- O Estado de S.Paulo

Cabem afrouxamento monetário e medidas para os trabalhadores informais

O noticiário internacional continua focado no coronavírus e seus impactos. Há muitas notícias de medidas econômicas para amenizá-los e de outras que há tempos já vinham sendo adotadas ou cogitadas contra um esfriamento da economia mundial, agora agravado pela covid-19.

No Brasil segue o debate sobre a crise econômica, a novela das reformas propostas pelo ministro Paulo Guedes e a retomada ou não de um crescimento mais forte, com o não subindo nas apostas também por causa do coronavírus.

O que fazer na economia? Internacionalmente, destacam-se medidas recém-adotadas nos EUA pelo seu banco central, conhecido como Fed. Primeiro, no dia 3 deste mês reduziu a taxa básica de juros, que corresponde à nossa Selic, para um valor entre 1% e 1,25% ao ano, procurando estimular a economia. E no último dia 15, um domingo, também como reação ao impacto econômico do coronavírus, anunciou não só outra redução dessa taxa, para entre zero e 0,25%, como também um quantitative easing (QE), ou afrouxamento monetário

No QE, o Fed adquire títulos da dívida pública em poder no mercado, bem como créditos privados, como os de hipotecas imobiliárias. O QE veio na crise de 2008 e se recomenda quando a taxa básica de juros e a de inflação se tornam zeradas ou próximas disso, e a primeira deixa de estimular a demanda de crédito.

Aqui, em artigos entre julho e setembro de 2019, defendi a adoção do QE no Brasil pelo Banco Central (BC), mas só para créditos de hipotecas imobiliárias, para estimular a construção civil, grande geradora empregos. E para créditos ligados a obras de infraestrutura, como os concedidos ou a conceder pelo BNDES.

Zeina Latif* - Batalhas perdidas

- O Estado de S. Paulo

Políticas macroeconômicas tradicionais para lidar com a crise são quase inócuas

É possível que um quadro epidêmico mais grave no Brasil não pudesse ser evitado, a julgar pelo que ocorre no mundo. No entanto, não restam dúvidas que o governo federal demorou a agir, podendo implicar em maiores custos, em vidas e na economia.

O mercado financeiro reage à piora do quadro doméstico. Estancar perdas não é para já.

No dia 23 de janeiro, o ministro da Saúde afirmou que o País estava em nível 1 de alerta, em uma escala de 1 a 3. Risco iminente. Mesmo com a aproximação do carnaval, não houve comunicação em massa sobre os cuidados mínimos dos indivíduos e medidas sanitárias efetivas nas fronteiras.

Somente após quase dois meses desde o alerta de Mandetta ocorreu a coletiva do presidente e seus ministros para dar satisfação à sociedade e apresentar as iniciativas a serem tomadas.

O governo fala em “operação de guerra”, mas batalhas importantes já foram perdidas, começando pela da comunicação, sendo que o presidente muito atrapalhou nessa frente.

Não houve qualquer coordenação interna do governo. Ministros das várias áreas envolvidas se omitiram e o governo ficou paralisado. O presidente, ao alimentar conflitos e fazer da epidemia uma bandeira política, impediu a coordenação de esforços com entes da federação e os demais poderes.

Na coletiva de ontem, faltou resposta à altura ao grave quadro e nada muito concreto foi anunciado sequer para conter o contágio de pessoas e preparar a rede hospitalar. Segundo o ministro da Saúde, a estabilização de novos casos da doença poderá ocorrer apenas em julho; isso em um cenário benigno.

Diante da crise, Bolsonaro comete erros em série – Editorial | Valor Econômico

Líderes do Legislativo e do Judiciário, por enquanto, pedem que Bolsonaro governe. A depender da condução e da evolução da crise, podem mudar de ideia

Além de representar um risco institucional ao país, o presidente da República, Jair Bolsonaro, revelou-se também um risco à saúde pública. A propagação do coronavírus ameaça a vida de dezenas de milhares de brasileiros. Em sua ignorância garbosa, Bolsonaro não acha que o perigo é tão grande, cisma que pode ser uma armação, mais uma, da mídia e, mesmo sob suspeita de estar infectado após 12 membros da delegação que o acompanhou aos EUA serem portadores do vírus, resolveu ir a manifestações públicas e cumprimentar todo mundo. Pode ser o início do fim de seu prestígio político, pois o coronavírus é uma coisa séria demais.

A pandemia, uma das mais agressivas em décadas, ameaça o Brasil em seus pontos mais deficientes, as rede de saúde pública e a de proteção social. A pressão sobre elas será avassaladora, ainda mais porque suas demandas recaem sobre uma rede pública de saúde que já sofre a pressão de 180 mil casos de dengue e 6 mil de chicungunya. Mesmo sistemas de saúde eficientes, nos países ricos, estão sob estresse e vários deles não estão totalmente preparados para suportar a demanda súbita de centenas de milhares de pessoas a seus serviços.

Ao dizer que é “responsabilidade sua” estar ou não infectado, espalhando vírus por aí, o presidente demonstrou mais uma vez que não está à altura de suas responsabilidades e não mede esforços para manter-se no poder, apesar de ter dito durante campanha eleitoral que acabaria com a reeleição. O método com que pretende atingir seus objetivos, no entanto, não são os que regem a democracia.

As últimas ações do presidente são um escândalo. Bolsonaro se comporta como um agente provocador, afrontando sem parar os dois outros Poderes da República, e buscando caminhos para uma ditadura. Seus credos não mudaram, desde sua deputação medíocre por 28 anos, marcada por defesa dos pleitos dos militares e nunca mostrou qualquer respeito pela Constituição.

Não é verdade que eleito, Bolsonaro tenha um mandato para conduzir o Brasil ao fim da democracia, com o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do STF, como sonha grande parte dos lunáticos que o aplaudem, tão vulneráveis ao coronavírus como o ex-capitão, ainda que acredite estar protegida por sua falta de informação abissal diante de uma pandemia devastadora.

Calamidade – Editorial | Folha de S. Paulo

Que ao menos ações do governo sejam mais coerentes que afirmações do presidente

Enquanto o Brasil registra as primeiras mortes provocadas pela Covid-19, o governo Jair Bolsonaro toma, em meio a um discurso errático, suas primeiras medidas mais drásticas —entre as quais se destaca, pela carga simbólica, o pedido ao Congresso de reconhecimento do estado de calamidade pública.

Em termos práticos, abre-se o caminho para a elevação de gastos públicos destinados a combater a doença e seus efeitos econômicos. Nesta quarta (18), anunciou-se um desembolso de R$ 15 bilhões em três meses para o amparo de trabalhadores informais.

A providência vai ao encontro do que defendeu esta Folha, mas ainda carece de detalhamento.

Espera-se que ao menos as ações do governo se mostrem mais tempestivas e coerentes que as declarações do chefe de Estado. Em confusa entrevista coletiva, cercado de ministros, Bolsonaro mostrou mais preocupação em repetir bravatas do que em aprender o uso correto da máscara de proteção.

Além de apontar a calamidade pública, o Executivo publicou portaria estabelecendo punições a quem descumprir ordens médicas e determinando o uso de força policial para encaminhar pacientes desobedientes.

Todas as unidades da Federação estão suspendendo as aulas nas escolas das redes pública e privada e limitando as atividades nas repartições. O estado do Rio proibiu a entrada e a saída de ônibus na região metropolitana, além de reduzir a lotação dos coletivos.

Em São Paulo, cidade mais atingida, o prefeito Bruno Covas (PSDB) decretou situação de emergência e determinou o fechamento de comércios e aparelhos culturais.

Nada disso constitui exagero, ainda que as mortes contadas até aqui representem parcela pequena das infecções causadas pelo vírus Sars-Cov-2. Hoje, a letalidade da doença é estimada em 3,6%, com uma distribuição bastante desigual entre as faixas etárias.

O maior risco decorrente da epidemia, do ponto de vista da saúde pública, é o contágio maciço da população num curto espaço de tempo, e, por conseguinte, a sobrecarga dos serviços de atendimento.

Pelos dados até aqui coletados, cerca de 15% das pessoas contaminadas terminam por desenvolver quadros graves, que podem acarretar a necessidade de cuidados hospitalares, e 5% atingirão estado crítico, necessitando de suporte ventilatório em leitos de UTI.

Com os nervos à flor da pele – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os cidadãos não suportam mais um governante que tudo faz para politizar a epidemia, agravando uma situação que já é crítica

Num gesto espontâneo, cidadãos foram à varanda de seus apartamentos na noite de terça-feira em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e outras cidades para protestar contra o presidente Jair Bolsonaro.

São brasileiros cansados de um presidente cujo único talento parece ser a capacidade de ampliar as crises que deveria administrar e conter. O valor simbólico dessa manifestação, independentemente de sua dimensão, é muito maior do que o ato golpista de domingo passado, em que grupos bolsonaristas, insuflados pelo presidente, foram às ruas em algumas cidades para pedir o fechamento do Congresso e a prisão de políticos e de ministros do Supremo Tribunal Federal.

No domingo, Bolsonaro festejou o que chamou de manifestação “espontânea” de seus apoiadores, e disse que lá estava o “povo”. Esse devaneio populista começou a ser desfeito na noite de anteontem, quando o presidente experimentou a exasperação sincera de quem está cansado de suas patranhas e resolveu demonstrar publicamente essa insatisfação.

Além disso, Bolsonaro vem perdendo popularidade de forma acelerada nas redes sociais, segundo a percepção do próprio entorno do presidente, como informou o Estado. Como se sabe, a única coisa que Bolsonaro leva a sério são os cliques e as interações do mundo virtual, que ele toma por real. Ante a perspectiva de perder o controle no ambiente em que até agora navegava soberano – por ter menosprezado uma epidemia letal e que está causando imensos transtornos e incertezas para todos os brasileiros –, Bolsonaro tentou parecer mais cordato. “Superar esse desafio depende de cada um de nós”, escreveu no Twitter, pregando “serenidade” e pedindo que “população e governo, junto com os demais Poderes”, somem “esforços necessários para proteger nosso povo”. Vindo de quem até horas antes se dizia vítima de um “golpe”, denunciava a “disputa de poder” por parte “desses caras”, em referência aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e criticava as medidas sensatas dos governadores para conter a pandemia, foi um avanço. Resta saber até onde irá a “moderação” de Bolsonaro.

Resposta na economia tem de ser incisiva – Editorial | O Globo

O estado de calamidade permite medidas à altura de uma pressão recessiva jamais observada

Depois de um fim de semana em que a pandemia do coronavírus se tornou mais grave, o conjunto de medidas anunciado na segunda-feira pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou uma única certeza, a de que muito mais teria que ser feito. O próprio Guedes admitiu a insuficiência das ações, quando se referiu à intenção do governo de “tomar medidas a cada 48 horas”, se fosse necessário. E seria. O ministro sequer ficou para responder a perguntas dos jornalistas, saiu para uma reunião ministerial. Demonstrou não dar muita importância ao minipacote.

Ao todo, envolvia R$ 147 bilhões, mas quase tudo já previsto no Orçamento. O anúncio feito na noite de terça de que o governo encaminharia ao Congresso pedido de decretação de estado de calamidade pública, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, foi um alívio. Pelo menos a área econômica tinha consciência de que nem mesmo a crise financeira global iniciada em fins de 2008 pode ser comparada ao que acontece agora na economia mundial. Desta vez, um vírus forçou a paralisação de sistemas produtivos, a começar pela Ásia, num processo em cascata que começa a chegar ao Brasil.

Com as pessoas em casa, para quebrar a cadeia de contaminação, o consumo desaba, derruba o PIB e estanca investimentos. Não há registro pelo menos no pós-guerra de que, em tão pouco tempo, tenha se formado uma pressão recessiva tão poderosa. Por isso, o Estado precisa gastar para se contrapor ao risco de uma quebradeira que eliminará empregos e salários.

Marcos Nobre* - É preciso pôr Bolsonaro em quarentena para superar crise do coronavírus

- Folha de S. Paulo

Solução é isolar o presidente e constituir um núcleo de racionalidade com caráter de união nacional

[RESUMO]Pesquisador afirma que Bolsonaro —por incompetência e desinteresse por governar, o que encara como concessão ao "sistema"— é obstáculo para enfrentar a crise do coronavírus; solução passa por isolar o presidente e constituir um núcleo de racionalidade com caráter de união nacional.

Jair Bolsonaro sempre desafiou o bom senso. É a sua marca, foi o que até recentemente lhe garantiu apoio de uma base importante do eleitorado. Foi o que ele chamou de uma luta da “nova” contra a “velha” política. Funcionou até que parou de funcionar. O que aconteceu?

Traduzida em termos do dia a dia da administração pública, a luta da “nova” contra a “velha” política significa o seguinte: desde que Bolsonaro assumiu, o governo funciona apesar de seu presidente.

Diferentes forças políticas, dirigentes de instituições, servidores públicos de carreira se empenharam todos os dias em manter os serviços públicos funcionando apesar da ação desorganizadora do atual presidente.

Bolsonaro é basicamente um parasita político. Leva crédito porque os serviços públicos continuam a duras penas funcionando. E joga a culpa de todas as deficiências desses mesmos serviços públicos no “sistema”, na “velha política”.
Para Bolsonaro, quem discorda dele, qualquer coisa, pessoa ou instituição que se coloque contra sua vontade, faz parte do “sistema”. Por inacreditável que possa parecer, foi o que aconteceu com o coronavírus. Levando a sua estratégia do caos ao limite, ele interpretou a pandemia atual como uma tentativa de tentar enquadrá-lo no “sistema”.

É loucura que Bolsonaro tenha imaginado que o vírus era uma fantasia criada para derrotar seu projeto, mas a loucura continua tendo método. Combater o vírus e enfrentar a crise econômica que virá exigem que o presidente faça o que não fez até agora: governar. E isso, na lógica de Bolsonaro, é o mesmo que “se render ao sistema”.

Uma situação de emergência não permite manter a tática de levar o bônus de não governar e de jogar o ônus no “sistema” que ainda funciona, mesmo que aos trancos e barrancos. É urgente governar, é urgente que o “sistema” funcione.

Milhares de brasileiros estão sob a ameaça de morte pelo vírus e pelas consequências devastadoras da crise econômica pela qual vamos passar. É urgente evitar um desastre ainda maior do que aquele que já irá se abater inevitavelmente sobre nós. E isso Bolsonaro não sabe nem quer fazer.

Chegou o momento de colocar isso às claras. É preciso que os núcleos de racionalidade que têm operado até hoje nos bastidores para evitar o pior assumam abertamente a tarefa de dar rumo ao país, com articulações públicas e decisões transparentes. A crise é grave demais para ser enfrentada apenas pelas equipes que compõem esse governo.

Poesia | Murilo Mendes - Candiga de Malazerde

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo.