domingo, 22 de março de 2020

Opinião do dia - Emmanuel Macron*

Caros compatriotas, precisamos amanhã tirar lições do momento que atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que nosso mundo escolheu há décadas e que mostra suas falhas à luz do dia, questionar as fraquezas de nossas democracias. O que revela esta pandemia é que a saúde gratuita sem condições de renda, de história pessoal ou profissão, e nosso Estado-de Bem-Estar social (État-providence) não são custos ou encargos mas bens preciosos, vantagens indispensáveis quando o destino bate à porta. O que esta pandemia revela é que existem bens e serviços que devem ficar fora das leis do mercado. Delegar a outros nossa alimentação, nossa proteção, nossa capacidade de cuidar de nosso modelo de vida é uma loucura. Devemos retomar o controle, construir mais do que já fazemos, uma França, uma Europa soberana que controlem firmemente seu destino nas mãos. As próximas semanas e os próximos meses necessitarão de decisões de ruptura neste sentido. Eu as assumirei.

*Emmanuel Macron, presidente da França, em seu discurso na TV, 12/3/2020.

Merval Pereira - Três cenários para a crise

- O Globo

O mais provável é uma continuidade do Brasil atual. A realidade finalmente se impõe, mas ‘à brasileira’

Diante da crise desencadeada pela pandemia da Covid-19, o economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, consultoria especializada em análise prospectiva e estratégia, realizou na segunda semana de março sondagem junto a um grupo de 150 pessoas de todo o país, entre eles economistas, sociólogos, cientistas políticos, engenheiros, gestores sênior de empresas pesquisadores e professores de universidades.

O propósito era detectar a percepção sobre a situação da economia e da política brasileiras para este ano. O cruzamento das respostas propiciou à Macroplan a criação de três cenários. No denominado “A reconquista da normalidade”, o melhor, mas de menor probabilidade, em face da intensidade da crise, o Governo assumiria um comportamento cooperativo como seu novo padrão de relacionamento político-institucional, uma reviravolta surpreendente, mas positiva, no que tem pronta resposta dos principais atores políticos.

Impactos positivos diretos são produzidos nos graus de acerto, nos níveis de confiança e na melhoria e aceleração das medidas de combate às crises da saúde pública, da economia e das maiores vulnerabilidades sociais.

A melhoria do cenário externo também ajuda. Na visão da Macroplan, aceleram-se a velocidade e intensidade das boas respostas sanitárias e aos estímulos econômicos com propagação global. Como resultado, os impactos da crise na economia brasileira são intensos, mas de duração moderada. O segundo semestre é de ampla recuperação.

O cenário mais provável é o que foi denominado “Aos trancos e barrancos”, cuja probabilidade, que era de 35% no inicio da sondagem, passou ao final para 60%, à medida que a situação se agravava. 

Vera Magalhães - Sociopatia X empatia

- O Estado de S.Paulo

Crise do coronavírus separa comportamentos de forma cristalina

O que mais tem-se visto na crise global de proporções devastadoras decorrente da pandemia de coronavírus são demonstrações individuais e coletivas de empatia. Essa capacidade do ser humano de se preocupar com o outro e se sacrificar pela sociedade será um dos poucos legados positivos dessa distopia com a qual todos nós temos aprendido, um dia depois do outro e com muita dor, a conviver.

Mas o comportamento oposto, a sociopatia, também ganha relevo em tempos de exceção. E se torna ainda mais preocupante quando se manifesta, em gestos, palavras e decisões, nos responsáveis por comandar os destinos de grupos. Quais são as características dos sociopatas? Existem algumas que são universais.

Uma delas é a propensão à mentira. A distorção de dados e da realidade para descrever as próprias ações são muletas usadas pelos sociopatas, a forma como eles tentam esconder essa sua condição, mas por meio da qual acabam por ressaltá-la.

Os sociopatas se distinguem pela total falta de vergonha, arrependimento ou culpa. Mesmo quando flagrados fazendo algo condenável ou que tenha sido contraindicado, inventam subterfúgios, justificativas, jogam a responsabilidade para o outro e reafirmam, com arrogância e despreocupação, os próprios gestos.

A terceira característica de um sociopata é a completa falta de empatia. Ele é incapaz de se colocar no lugar do outro, demonstra frieza ou mesmo deboche em relação à dor e aos problemas daqueles com os quais não se identifica ou não tem relação, e coloca os interesses próprios e daqueles que lhe são próximos acima dos demais.

Eliane Cantanhêde - Colapso

- O Estado de S.Paulo

Mortes, contaminação, calamidade, colapso, recessão. Não é ‘gripezinha’

Os mortos pelo novo coronavírus já passam de 11.500 no mundo. Chegaram até ontem a 18 no Brasil, 220 nos Estados Unidos, em torno de 500 na França, 1000 na Espanha, 1.400 no Irã e 4000 mil na Itália, além de mais de 3100 na China. O número de contaminados nem dá mais para contar. E muitos deles vão morrer.

Em sã consciência, é impossível chamar tudo isso de “gripezinha” e defender realização de cultos religiosos, como fez o presidente da República Federativa do Brasil, depois de ter reduzido tudo a uma “fantasia”, criticar a “histeria”, estimular manifestações (aliás, contra o Congresso e o Supremo) e tocar mãos e celulares de centenas de pessoas mesmo ainda sujeito a novos testes para o vírus. Como não criticar esses absurdos?

Quanto mais a doença se abate sobre a humanidade, mais os cidadãos buscam o melhor de si para reforçar a empatia, a solidariedade, o patriotismo, a resistência. Arrasada, a Itália nos brinda com exemplos comoventes de artistas cantando óperas e distribuindo gentileza e esperança pelas janelas e varandas. O Brasil segue o exemplo e faz panelaços em agradecimento ao bravo pessoal da saúde.

Não vamos estragar isso, presidente. Só o uso de máscaras inúteis não resolve nada nem do ponto de vista simbólico nem do epidemiológico.

O ministro Henrique Mandetta prevê “colapso na Saúde” logo ali, em abril, enquanto o governo anuncia transmissão comunitária em todo o País e Câmara e Senado providenciam às pressas votações remotas e aprovam o estado de calamidade pública. O teto de gastos e a tão suada e fundamental Lei de Responsabilidade Fiscal foram devidamente jogados pela janela para abrir espaço ao principal: o combate ao coronavírus.

Bolívar Lamounier* - Um governo bifronte

- O Estado de S.Paulo

Verbo agressivo, não raro insultuoso, tem de dar lugar a fala formal, impessoal e comedida

A verdade é que temos dois governos. Um no rumo certo, sério e competente, personificado pelos ministros da Economia e da Saúde, principalmente. Outro, populista e irresponsável, personificado pelo presidente Jair Bolsonaro, vez por outra coadjuvado pelos ministros da Educação e das Relações Exteriores.

De fato, 15 meses não foram suficientes para Jair Bolsonaro nos tranquilizar quanto à sua compreensão dos requisitos básicos do cargo para o qual foi eleito e da crítica situação que estamos vivendo. Sua subestimação da seriedade da pandemia de covid-19 volta e meia nos traz à memória um fato de dez anos atrás: a hilária referência de Lula à crise financeira que se avizinhava. Da subestimação decorreu a convocação de manifestações de apoio à sua pessoa e de pressão sobre o Legislativo e o Judiciário. Há quem afirme que ele não fez tal convocação, que elas teriam sido espontâneas, ou, então, que ele as convocou e depois desconvocou. Acontece que em política é possível dizer algo sem dizer nada, ou até dizendo o contrário do que se pretende. Para mim, ele as convocou na base do “bem me quer, mal me quer”, deixando espaço para recuar quando isso lhe parecesse taticamente conveniente.

Mas isso é o de menos. Fato é que, sendo ele o presidente da República, a atitude correta seria alertar a sociedade para o risco de aglomerações, alerta feito por seu ministro da Saúde; e fazê-lo, não em frases soltas ao vento, mas com solenidade e firmeza, em cadeia nacional de rádio e televisão. Alertar também, no que toca ao Legislativo e ao Judiciário, que a Constituição veda expressamente quaisquer ações que dificultem o adequado funcionamento dos Poderes do Estado. Não menos importante, afirmar, em alto e bom senso, como supremo magistrado, que ele não compactua com a grita de setores “sinceros, mas radicais” que exigem a derrubada das instituições representativas, qualquer que seja a avaliação de cada um sobre o presente desempenho delas.

Rolf Kuntz - A calamidade pública número um não é o coronavírus

- O Estado de S.Paulo

Sua excelência fala de histeria, enquanto Trump e Merkel falam de guerra

Conseguiram humilhar o coronavírus. Depois de matar milhares de pessoas em mais de cem países, forçar milhões ao isolamento, arrasar mercados e levar o mundo à beira de uma recessão brutal, o serial killer foi rebaixado no Brasil à condição de segunda maior calamidade. A número um, a maior e mais perigosa, assola o País há mais de um ano, pondo em risco a economia, a cultura, a gramática, as instituições, a natureza, o decoro e a saúde pública. O Congresso cuidou só do problema número dois, portanto, ao aprovar uma declaração de calamidade pública. Levam-se em conta nessa decisão os danos causados pela pandemia do vírus causador da doença conhecida como covid-19. Ao reconhecer uma situação excepcionalmente grave, o Legislativo abriu caminho para ações também extraordinárias. Com isso o governo poderá incorrer num déficit primário superior a R$ 124,1 bilhões, limite previsto no Orçamento. Haverá condições, enfim, para toda a ação necessária contra os males associados à pandemia?

Isso dependerá, em boa parte, de como se comporte a calamidade pública número um. As ações preventivas e compensatórias anunciadas pelo Executivo federal, até agora, foram tomadas contra as convicções demonstradas por sua excelência, a calamidade número um. Mesmo a reação da equipe econômica foi muito lenta. Há pouco mais de uma semana o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda cobrava do Congresso a aprovação de reformas como resposta aos novos desafios.

Uma boa reforma tributária será, sem dúvida, importante para a retomada de um crescimento seguro e duradouro, mas os novos problemas da economia requerem respostas imediatas. Além disso, o Executivo nem sequer havia apresentado ao Legislativo suas ideias para a reconstrução dos impostos e contribuições. O projeto de reforma administrativa, prometido para logo depois do carnaval, continua em alguma gaveta.

A equipe econômica só apresentou uma coleção razoavelmente ampla de medidas na última segunda-feira, depois de desafiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A grande novidade do pacote foi a atenção, inédita ou quase inédita no atual governo, aos desempregados e aos mais pobres. O anúncio das iniciativas teve como contraponto comentários de sua excelência, a calamidade maior. Os comentários mais uma vez puseram em dúvida a gravidade da crise e atribuíram exageros aos meios de comunicação.

José Roberto Mendonça de Barros * - Parada súbita

- O Estado de S.Paulo

Essa parada súbita já garante que 2020 será um ano de recessão global

Em 42 anos de MB Associados, nunca vi uma semana assim, com tantas mudanças profundas no cenário. É preciso ter humildade, porque não sabemos bem o que se passa. Mas é um ponto de inflexão para pessoas, empresas e países.

A combinação de um novo vírus e de conflitos geopolíticos (como a guerra comercial entre as duas grandes potências e a atual o petróleo) produziu uma parada súbita na China, depois na Europa, nos EUA e, agora, no Brasil.

Essas paradas súbitas são um terror, inclusive para economistas, pois produzem rupturas na oferta e nos fluxos financeiros, tanto maiores quanto maiores forem a alavancagem e o endividamento dos agentes, como nas empresas americanas de hoje, e quanto menores forem a saúde financeira e a renda de pessoas e pequenos negócios, como é o caso do Brasil.

O caso americano é o que melhor ilustra o que é essa parada, porque até muito recentemente sua economia vinha muito bem. Entretanto, a dívida corporativa nunca foi tão elevada, 47% do PIB, resultado de mais de uma década de crescimento e de juros muito baixos. Com a chegada do vírus, o mercado de crédito travou, apesar dos intensos esforços do FED, os “spreads” explodiram.

Muitas empresas mais frágeis financeiramente já estão tendo suas notas rebaixadas e poderão quebrar, pois a iliquidez rapidamente se transforma em insolvência.

Em outros casos, os efeitos ruins vieram da crise em grandes áreas de serviços, como turismo, hospitalidade, cruzeiros, artigos de luxo e outros. Cadeias longas estão sendo afetadas. O caso mais visível é o da Boeing, que já vinha sofrendo com a parada na produção do 737 MAX e que solicitou US$ 60 bilhões como assistência do governo para lidar com a crise. Mesmo que tudo dê certo, a dívida corporativa subirá para US$ 100 bilhões, num momento no qual poucas companhias comprarão aviões novos.

Luiz Carlos Azedo - A bolha e o dragão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Não temos nada a ganhar brigando com os chineses, nossos maiores parceiros comerciais, mesmo que o aliado principal de Bolsonaro seja o presidente Trump”

Em dias normais, o presidente da República vive numa “jaula de cristal”, no sentido conceitual estudado nas escolas de administração pública: o líder isolado, prisioneiro da corte “que controla os acessos à sua importante personalidade”; sem vida privada, sempre na vitrine da opinião pública. Quando sai dessa jaula, porém, embarca no mundo virtual dos seus partidários nas redes sociais, nas quais seu recente protagonismo, por causa do coronavírus, vem sendo mais negativo do que positivo, segundo análises de especialistas.

Bolsonaro passará o domingão nessa bolha. Seu único compromisso na agenda oficial divulgada ontem é uma reunião de 30 minutos com o ministro da Economia, Paulo Guedes, às 14h de segunda-feira. Sua agenda sinaliza isolamento e reforça interrogações em relação ao seu estado de saúde. Já são 22 integrantes da comitiva que o acompanhou aos Estados Unidos com coronavírus, entre eles o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o conselheiro que mais frequentava seu gabinete.

Na sexta-feira, foram registrados mais quatro casos de coronavírus no Palácio do Planalto: o major Mauro César Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente; o coronel Gustavo Suarez da Silva, diretor adjunto do Departamento de Segurança do GSI; o assessor especial da Presidência Filipe Martins e o embaixador Carlos França, chefe do cerimonial da Presidência, contraíram a doença. Todos estiveram com Bolsonaro em vários momentos, durante a viagem e depois.

Ricardo Noblat - Porque ontem foi sábado, e Bolsonaro é assim todo dia

- Blog do Noblat | Veja

Passe álcool gel nas mãos antes de votar

À falta das obrigações que o cargo lhe impõe em dias úteis, confinado no Palácio da Alvorada onde comemorou 65 anos de idade na companhia da mulher e dos filhos, o presidente Jair Bolsonaro dedicou-se, ontem, a fazer o que melhor sabe: fustigar adversários, cutucar aliados e dissertar sobre o que não entende.

Logo na semana em que os profissionais da saúde começaram uma campanha onde pedem: “Nós estamos aqui por vocês, por favor fiquem em casa por nós”; Bolsonaro disse não ver razão para que se impeça a livre circulação de pessoas sadias que possam trabalhar. Reclamou do fechamento de shoppings e de templos.

A Constituição garante a realização de cultos, citou. “Tem gente que quer fechar as igrejas, o último refúgio das pessoas”, irritou-se. “Lógico que o pastor vai saber conduzir seu trabalho, vai ter consciência, vai decidir lá”. O Conselho Mundial das Igrejas sugeriu o fechamento dos templos neste fim de semana.

De bermuda, camiseta da Seleção e chinelos, dirigido por seus três filhos mais velhos (Flávio, Carlos e Eduardo) que se encarregaram da tarefa, Bolsonaro gravou um vídeo postado nas redes sociais para anunciar que o Exército fabricará o Reuquinol, remédio que “poderá evitar um contágio mais rápido do coronavírus”.

Perdeu mais uma oportunidade de ficar calado. Obrigou o número dois do Ministério da Saúde a repetir na televisão que não existe ainda nenhum fundamento científico de que o Reuquinol impeça o contágio da doença. O remédio desapareceu de muitas farmácias brasileiras desde que Donald Trump falou a seu respeito.

António Guterres* - Juntos venceremos o vírus

- Folha de S. Paulo

Pandemia evidencia interligação da família humana

A convulsão causada pela Covid-19 sente-se por todo o lado. Sei que muitos estão ansiosos, preocupados e confusos. É perfeitamente normal. Estamos enfrentando uma ameaça inédita à nossa saúde. O vírus está se propagando, o perigo aumenta e os nossos sistemas de saúde, economias e rotinas estão sendo postos à prova severamente.

Os mais vulneráveis são mais afetados, particularmente idosos e aqueles com histórico clínico de risco, os que não têm acesso a cuidados de saúde de confiança, os que vivem em situação ou no limiar da pobreza.

Os efeitos sociais e econômicos adversos, resultantes da combinação da pandemia com a desaceleração econômica, irão nos afetar durante alguns meses. No entanto, a propagação do vírus atingirá um pico. As nossas economias irão se recuperar. Até lá, devemos atuar em conjunto para desacelerar a sua disseminação e cuidarmos uns dos outros.

É tempo de prudência, não de pânico. De ciência, não de estigma. De fatos, não de medo.

Apesar de classificada como pandemia, a situação é controlável. Podemos diminuir as transmissões, prevenir infecções e salvar vidas. Para tal, será necessária a adoção de ações pessoais, nacionais e internacionais, nunca antes implementadas.

A Covid-19 é o nosso inimigo comum. Temos de declarar guerra a este vírus. Isso significa que os países têm a responsabilidade de acelerar, reforçar e ampliar a sua ação. Como?

Janio de Freitas – Licença para o horror

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro inaugurou seu desgoverno com devastação do Mais Médicos

A cota de responsabilidade de Jair Bolsonaro pelas consequências da pandemia, no Brasil, vai muito além do atraso imposto por suas suposições idiotas —“muita fantasia sobre coronavírus”, “muita histeria”— às medidas administrativas urgentes. Ainda hoje muito distantes das necessárias. É uma responsabilidade construída, a desse maior irresponsável entre os irresponsáveis.

Bolsonaro inaugurou seu desgoverno com a devastação do Programa Mais Médicos. Por fanatismo ideológico e com uso de falsidades, sustou um sistema de medicina comunitária que, desenvolvendo-se, agora dotaria o desprovido interiorzão e a pobreza urbana de uma rede de combate aos horrores ali possíveis, e mesmo previstos com autoridade.

A conduta dos chamados meios de comunicação nesse assunto foi deplorável, desde o início, com o tema posto na campanha eleitoral. Orientaram-se pela nacionalidade e não pelas qualidades que o programa tivesse. Foram gerais o endosso e a propagação das acusações de que o governo cubano apropriava-se de parte da remuneração dos seus médicos. Tanto que as remunerações não eram feitas aos cubanos no Brasil, mas via Cuba. A própria habilitação dos médicos, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como das melhores, foi questionada, pretendendo-se novos exames aqui.

Bruno Boghossian – O vírus da teimosia

- Folha de S. Paulo

Ao chamar doença do coronavírus de gripezinha, presidente reforça sinal de desgoverno

Até o início da semana, o governo britânico recomendava que os cidadãos mantivessem a rotina. A ideia era permitir que a população desenvolvesse imunidade ao coronavírus e evitar prejuízos graves à economia. O cenário mudou. Na sexta (20), o primeiro-ministro anunciou o fechamento de pubs e a cobertura de até 80% dos salários de quem tiver que parar de trabalhar.

Governantes de todo o mundo já foram atropelados pelos fatos, mas alguns deles insistem em ficar vendados no meio da estrada. Nos dias em que a curva de casos no Brasil atingiu a faixa do milhar e as projeções econômicas chegaram à recessão, Jair Bolsonaro optou por uma teimosia cada vez mais perigosa.

O presidente afirmava, há pouco mais de dez dias, que a emergência que se desenhava era "muito mais fantasia". Disfarçou uma mudança de tom quando a explosão da Covid-19 no país se mostrou inevitável, mas terminou a semana chamando a doença de "uma gripezinha".

Hélio Schwartsman - Brincando de Pangloss

- Folha de S. Paulo

Procurando bem, até pandemias têm aspectos positivos

Cansei do tom sombrio do noticiário das últimas semanas, de modo que hoje vou dar uma de Pangloss, o personagem irremediavelmente otimista do “Cândido” de Voltaire.

Antes de mais nada, mesmo nos piores cenários hoje traçados, não estamos diante de um evento de nível de extinção da humanidade. Um dia a epidemia vai passar, e a esmagadora maioria das pessoas terá sobrevivido a ela. As estruturas produtivas também. Aliás, dois efeitos colaterais positivos da virtual paralisação de cidades brasileiras deverão ser a redução de homicídios e dos óbitos no trânsito.

Num plano já mais anímico, eu destacaria a retomada da confiança na ciência. Sei que isso é mais uma esperança pessoal do que uma certeza, mas não me parece implausível que as pessoas percebam que a coisa só não ficou muito pior porque muitos governos ouviram os cientistas e tomaram as medidas certas. Desfechos diferenciados entre países que deram ou não deram atenção às recomendações poderão oferecer uma base de comparação eloquente.

Se até Trump, depois de muita relutância, foi capaz de perceber que era melhor seguir a ciência do que suas intuições, então qualquer um é em princípio capaz de fazê-lo —bem, o Bolsonaro talvez não.

Vinicius Torres Freire – Pensar o impensável, imprimir dinheiro

- Folha de S. Paulo

Imprimir dinheiro para doação parece inimaginável como era a quarentena de milhões de pessoas

Pensar o impensável, essa frase velha de exagero retórico cafona, se tornou um problema muito prático e cotidiano no mundo da pandemia. Fazer o inimaginável talvez seja agora mera prudência.

Trancar cidadãos em casa era coisa possível apenas nos despotismos asiáticos, dizia-se. Imprimir dinheiro e doá-lo a fim de evitar falências e fomes era ideia de esquisitos incompetentes em economia. O próximo passo será discutir uma reviravolta socioeconômica, para o bem ou para o mal, pacífica ou não, consequência da situação de quase guerra que é o combate ao coronavírus.

Faz menos de dois meses, a China confinou em suas casas os cidadãos de Hubei, onde explodiu a doença do corona. A Organização Mundial da Saúde observou que essa medida, “inédita na história da saúde pública”, não era uma de suas recomendações, mas demonstrava o compromisso dos chineses de controlar a epidemia.

A reação no chamado “Ocidente” foi antipática. Tal coisa jamais seria prática ou legalmente possível no mundo democrático, diziam líderes e publicistas do mundo (cada vez menos) livre, dominado por tantos demagogos autoritários.

Tal coisa agora acontece na Itália ou na Espanha, sob controle policial, ou na Califórnia, onde cidades compram drones chineses (voilà!) para vigiar seus cidadãos.

Imprimir dinheiro para ressuscitar uma economia deprimida era um plano da esquerda dita socialista americana ou uma caricatura das ideias de fato controversas de economistas como André Lara Resende, no Brasil.

Agora, o debate está nas páginas do liberal Financial Times, voz do establishment global. Seria um meio de evitar depressão inimaginável —e os riscos decorrentes de convulsão social, embora tal perspectiva não esteja explícita no jornal britânico.

Bernardo Carvalho* - O AI 5 contra o real

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Bolsonaro, por outro lado, já demonstrou que não está nem aí para a sobrevivência da espécie

O malaio-taiwanês Tsai Ming-Liang, diretor de “Dias” (“Rizi”), saiu da mostra competitiva do Festival de Berlim com as mãos abanando (levou, como consolação, o Prêmio do Júri do Teddy Awards, certame independente para filmes com temática LGBT). Dá para entender. No limite entre o insuportável e a epifania, “Dias” é uma experiência demasiado radical, uma obra-prima.

O sentido político desse filme urgente e fundamental está na própria forma. “Dias” é composto por planos longuíssimos que registram alternadamente, com a câmera parada, como se tivesse sido esquecida num canto da sala, e em tempo real, sem cortes nem elipses, o cotidiano de dois desconhecidos.

O taiwanês Kang (Lee Kang-Sheng) é um homem de meia-idade que passa a vida em quartos de hotel, cria carpas e, para combater a dor, submete-se a aplicações de moxa que mais parecem sessões experimentais de tortura. O jovem tailandês Non (Anong Houngheuangsy) leva uma vida solitária num apartamento modesto em Bangkok, onde prepara sua comida à maneira metódica de um ritual. Cada um manifesta a seu modo uma resignação silenciosa diante do real.

O insuportável não é portanto apenas a forma do filme em si (os planos-sequência, a câmera parada, o tempo real), mas o sentido de ruptura que essa forma impõe à percepção do tempo que corresponde à fantasia infantilizada das nossas narrativas. É um sentido político do qual estamos cada vez mais apartados por uma organização virtual e narcisista do mundo, que nos leva a apagar (ou cancelar) tudo o que nos contradiz, como crianças inconformadas diante das contrariedades.

Recebemos o troco desse prazer onipotente e inconsequente ao entregarmos o destino de nossas vidas, sempre pensando em corresponder à ilusão da nossa fantasia, a quem também vive de negar os fatos, só que nesse caso por um oportunismo que terminará por nos matar.

Ruy Castro* Últimas palavras

- Folha de S. Paulo

Os recados que celebridades bem humoradas queriam deixar para depois da morte

Em tempos de desesperança como o nosso, aplico uma receita, para mim, infalível. Releio Alvaro Moreyra, principalmente suas memórias, “As Amargas, Não...”, de 1954. Ninguém amou tanto a vida e falou dela com tanta delicadeza. Vejo agora que Alvaro, que não conheci, era delicado também ao falar da morte. Nesse livro, ele sugere divertidos epitáfios para seu túmulo —a que só chegaria dez anos depois. Eis alguns:

“Que silêncio, hein?”. “Peço apenas migalhas de pão para os pardais”. “Parei de rir. Parei de chorar. Morri?”; “Não contem anedotas. Sei todas”. “Com certeza sinto falta do mar”. “Foi para isto então?”. “Escutem, agora sou apenas uma alma. Sabem lá o que é isto?”. “Não tenham mais medo. Já podem dizer todo o bem que sabem de mim”. “O grande domingo!”. “Realizei o desejo: a casa de campo”. “Não tragam flores. Plantem uma roseira aqui”. “Afinal, envelheci”. “Obrigado!”.

Não sei se um deles foi adornar seu endereço final no cemitério São João Batista. As famílias nem sempre se lembram do que seus membros gostariam de dizer para a eternidade. Talvez por isso, em 1976, dirigindo uma revista aqui no Rio, encarreguei duas ótimas repórteres, Cleusa Maria e Christina Lyra, de perguntar a algumas celebridades bem humoradas o que elas gostariam de ler em seus futuros túmulos. Respostas:

Bernardo Mello Franco - O presidente no parquinho

- O Globo

Políticos temem que Bolsonaro tente usar a crise para concentrar poderes. É o que têm feito outros líderes de extrema direita, como o húngaro Viktor Orbán

Jair Bolsonaro completou ontem 65 anos de idade. Diante da epidemia que ameaça os brasileiros, comporta-se como uma criança de 5. Em vez de liderar o país, o presidente faz birra contra as medidas de isolamento. É como se a quarentena, necessária no combate à doença, fosse uma grande conspiração para impedi-lo de brincar no parquinho.

Na contramão de autoridades responsáveis, o capitão teima em deseducar o povo. Na sexta, chamou o coronavírus de “gripezinha”. No mesmo dia, o número de mortos pela infecção ultrapassou os dez mil em todo o mundo.

Mais tarde, ele incentivou o rebanho a continuar se aglomerando em shoppings e igrejas. “A chuva tá vindo aí, você vai se molhar. Agora, se você botar uma capinha aqui, tudo bem. Passa”, desdenhou. A declaração foi ao ar no programa do Ratinho, famoso por promover espetáculos bizarros na TV.

Não há guarda-chuva contra Bolsonaro. Obcecado com a reeleição em 2022, o presidente sabota o próprio ministro da Saúde e ataca governadores que tentam retardar o contágio em seus estados. Parece maluquice, mas é só despotismo. Na mente do capitão, quem não lambe botas deve ser tratado como inimigo de guerra.

Dorrit Harazim - Nau à deriva

- O Globo

Jair Bolsonaro e sua prole mereceriam ser confinados ao papel de coadjuvantes do drama nacional

Aos 74 anos, o professor Miguel Srougi, titular de Urologia da Faculdade de Medicina da USP e um dos mais conceituados médicos do país, tem pressa e aflição em se fazer entender antes que o Brasil se desintegre em putrefação social. Em artigo publicado anteontem na “Folha de S.Paulo”, Srougi dispensou floreios introdutórios: “Se havia alguma dúvida, ela não existe mais. Dentro de três semanas muitos brasileiros que hoje perambulam suavemente pelas nossas ruas morrerão pelo novo coronavírus....”, diz já no primeiro parágrafo.

Manteve o tom sombrio até o final:

“...Sinto uma aflição insuportável quando imagino o que poderá acontecer com o Brasil logo mais. Apesar de contar com autoridades de saúde decentes, competentes e comprometidas, desconfio que áreas imensas da nação serão devastadas pelo novo coronavírus, que se sentirá à vontade para evoluir num país esfrangalhado pela desigualdade e pelo abandono, habitado por uma multidão de pessoas boas e resignadas, sem condições de expressar indignação ou usufruir dos seus direitos. Pior ainda, dirigidos por governantes irresponsáveis, desprovidos de compaixão e incapazes de prover dignidade à existência humana. Enfim, autoridades que não compreendem que suas posições só foram obtidas por deferência da nação brasileira, que colocou com fé e esperança o seu destino em suas mãos”. Disse tudo, o dr. Srougi.

Não apenas ele. Qualquer cidadão de sensatez mediana já percebeu que a nau presidencial está à deriva, perdida em suas próprias simulações de comando e controle. Seja na condução da nação em tempos de pandemia, seja no manuseio disléxico de uma simples máscara protetiva ou na inconfiabilidade das informações referentes à sua própria saúde, Jair Bolsonaro e sua prole mereceriam ser confinados ao papel de coadjuvantes do drama nacional. Se possível, deixá-lo falando sozinho em “Eu, como estadista...” (designação que no cenário do mundo hoje só combina com a chanceler alemã Angela Merkel), e seguir em frente. Seguir, sobretudo, orientações que soem racionais e confiáveis vindas de nossas autoridades de Saúde, de alguns governadores, e seletas prefeituras.

Elio Gaspari - Bolsonaro cumpriu: menos Brasília

- O Globo | Folha de S. Paulo

Desastradamente, Bolsonaro concluiu uma de suas promessas de campanha

Na sua catadupa de declarações estapafúrdias, Jair Bolsonaro disse à Rádio Bandeirantes que vai ter um caos muito maior “se a economia afundar (...), se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo”.

Nessas poucas palavras ele revelou o estado de sua alma na qual misturam-se teatros de máscaras, delírios e perplexidades. Para ele, a epidemia é um detalhe. O essencial é “meu governo”. Seu mandato só deverá acabar no dia 1º de janeiro de 2023, mas transformou-se numa usina de encrencas, felizmente contornada pela ação dos governadores.

Brasília poderia ter sido uma fonte de informações e de orientações respeitáveis. Degradada, a ação federal move-se entre comédias e provocações. Disso resultou uma descoberta: os governadores e os prefeitos são mais relevantes que o presidente.

Enquanto São Paulo facilita o acesso ao álcool em gel, o filho do presidente decidiu insultar o governo chinês. Já o ministro da Saúde, com um desempenho exemplar, teve que aturar uma crise de ciúmes juvenis de Bolsonaro porque reuniu-se com o governador João Doria. (Talvez convenha que o capitão saiba: Luiz Henrique Mandetta pode pedir o boné).

Desastradamente, Bolsonaro cumpriu uma de suas promessas de campanha: “Mais Brasil e menos Brasília”.

Seu governo não deverá acabar. O que acabou, porque nunca deveria ter existido, foi a fantasia palaciana de uma gestão que atropelaria o Congresso, liderada por uma milícia delirante, disseminadora de ódios e medos. Quando o perigo chegou, produziram negacionismos e teatralidades.

As palhaçadas do oficialismo federal são produto de tempos estranhos. A sociedade brasileira bate panelas, aplaude os trabalhadores do setor de Saúde e se move. Exemplos: a Ambev anunciou que produzirá 500 mil garrafas de álcool em gel, doando-as à rede pública de hospitais. A empresa de entregas iFood anunciou que criará um fundo de R$ 50 milhões para socorrer restaurantes. Vizinhos oferecem-se para ir aos supermercados para fazer as compras de idosos. Tudo isso sem governo.

Míriam Leitão - Aprender com os erros de 2008

- O Globo

O governo vai aumentar despesas elevando dívida. É o remédio na emergência, mas é preciso saber quando recuar

Um dos erros da condução da crise de 2008 foi eternizar a ajuda. Por isso é bom lembrar. A crise atual é diferente de todas as outras, mas há ensinamentos no passado. Em 2009 foi lançado o Programa de Sustentação de Investimento ao custo de R$ 44 bilhões para enfrentar o reflexo da crise financeira de 2008. Em 2010 ele foi renovado com o país crescendo. Ao fim, virou um programa de R$ 400 bilhões, que não sustentou o investimento e ajudou a abrir o rombo fiscal nos anos seguintes.

Naquela crise, o Brasil acertou à vista e errou a prazo. Diante dos primeiros sinais de que os remédios estavam dando certo — com a ação rápida de Henrique Meirelles no Banco Central, as medidas anticíclicas — o governo subestimou o problema. E depois manteve o remédio quando já não era necessário. Vieram os efeitos colaterais, o colapso fiscal.

A primeira reação do ministro Paulo Guedes era alienada. Perguntava-se qual era a resposta para a emergência e ele repetia o de sempre: reformas. A conjuntura se alterara totalmente e ele demorou a ver. O Ministério da Economia mudou a partir de terça-feira à noite, com o decreto de calamidade pública.

O governo vai aumentar muito os gastos e a dívida voltará a subir, porque as despesas serão financiadas com elevação do endividamento. Em 2008, o Brasil tinha um superávit primário de 3,75%, dívida de 55% do PIB e o país havia crescido 6% nos 12 meses antes da crise. Agora, a economia está estagnada, a dívida em 77% e o país com déficit público pelo sexto ano. Vantagem nesse momento: com juros menores, o custo da dívida caiu. Mas a crise é muito maior e a situação, muito pior e mais complexa.

MP de Bolsonaro sobre coronavírus é primeiro contra-ataque a governadores

Em reação a medida de Witzel, texto estabelece como competência federal fechamento de estradas e aeroportos

Gustavo Uribe / Artur Rodrigues | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E SÃO PAULO - A queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro pela liderança no combate à pandemia do coronavírus foi transformada em uma prévia da disputa eleitoral de 2022.

Desde a semana passada, João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC) têm criticado o que consideram uma letargia do presidente no enfrentamento à pandemia e tem adotado posturas opostas à dele.

Enquanto Bolsonaro defende que a atividade economia não deve ser interrompida mesmo diante de um grande risco de contágio, os governadores têm anunciado medidas de prevenção, como a interrupção de serviços não essenciais.

Neste sábado (21), por exemplo, Doria decretou um estado de quarentena de 15 dias em São Paulo, com o fechamento obrigatório de comércios, bares e restaurantes.

A iniciativa foi interpretada no Palácio do Planalto como um contra-ataque a uma medida provisória e a um decreto, publicados pelo presidente em edição extra do Diário Oficial da União, que tentam impedir que Witzel e Doria determinem o fechamento de aeroportos e rodovias.

Ela foi tomada após Bolsonaro ter reclamado a deputados aliados que o objetivo dos dois governadores é tentar desgastá-lo. Ele acredita que ambos querem se aproveitar eleitoralmente dos panelaços promovidos na semana passada contra o governo federal.

As manifestações foram reconhecidas por assessores presidenciais como um dos momentos mais delicados enfrentados por Bolsonaro desde que ele assumiu o Palácio do Planalto. Elas se somaram a uma desmobilização de apoiadores do presidente nas redes sociais.

Na tentativa de demonstrar que tem apoio junto a setores da sociedade na defesa da atividade econômica, Bolsonaro pediu ao presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, que promovesse uma teleconferência dele com empresários de peso.

No encontro, realizado na sexta-feira (20), Bolsonaro aproveitou para fustigar seus adversários e disse que a postura deles era quase de uma "campanha política".

"Vamos, cada vez mais, botando um freio nisso daí. E aqueles poucos que estão exagerando a gente vai aos poucos também colocando na linha da racionalidade", disse.

Em resposta, Doria aproveitou evento oficial, no caso o anúncio da quarentena, para rebater Bolsonaro. Ele ressaltou que gostaria de ter um presidente que "liderasse o país" e não "minimizasse o problema".

"Muito triste que não tenhamos no país uma liderança em condições de orientar e acalmar os brasileiros, tomando as atitudes corretas", disse. "Na ausência dessa liderança, governadores e prefeitos estão cumprindo sua obrigação e fazendo o que deve ser feito, aquilo que o presidente não consegue fazer", acrescentou.

Na tentativa de evitar que Doria e Witzel obtenham dividendos eleitorais com a pandemia do coronavírus, Bolsonaro defendeu a auxiliares diretos que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, evite a partir de agora posar ao lado dos dois governadores em eventos estaduais.

OAB diz ser inconstitucional um eventual estado de sítio por causa de coronavírus

Bolsonaro afirmou que medida 'ainda não está' no radar do governo e levou à reação da entidade dos advogados

Paulo Saldaña | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) considera inconstitucional um eventual estado de sítio por causa da emergência com o coronavírus.

O posicionamento, anunciado em parecer, foi publicado após a declaração do presidente Jair Bolsonaro nesta sexta-feira (20) de que a medida "ainda não está" no radar do governo.

No estado de sítio são suspensas garantias constitucionais, como sigilo de comunicações, liberdade de imprensa e liberdade de reunião.

A medida precisa do aval do Congresso Nacional."Não há dúvida de que a situação atual produz sensações de pânico e de temor na população", diz a nota da OAB. "Esses sentimentos não podem, no entanto, ser explorados para autorizar medidas repressivas e abusivas que fragilizem direitos e garantias constitucionais."

O documento é assinado pelo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

O parecer pontua que não há um cenário de impossibilidade de atuação do Estado dentro das regras democráticas que autorize a suspensão da própria Constituição. Assim, "o recurso a tal medida extrema no contexto atual se mostra flagrantemente inconstitucional e descabido".

Para a entidade, não é possível "comparar as restrições abusivas" que decorreriam da decretação de estado de sítio às medidas restritivas sobre direitos, como a liberdade de circulação e de reunião fundamentadas em questões médicas e sanitárias.

A recente aprovação de projeto de decreto legislativo para declarar estado de calamidade pública, diz o texto, "é medida adequada para resolver desafios institucionais". O documento, elaborado também na sexta-feira (20), será encaminhado à AGU (Advocacia-Geral da União) e aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Motivo de orgulho e otimismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se a pandemia expõe graves deficiências do governo federal ou do sistema de saúde pública, também desvela a solidariedade e o que há de melhor no País.

Na última semana, a pandemia do novo coronavírus trouxe notícias especialmente dolorosas para o País. Houve significativo aumento do número de pessoas infectadas e foram registrados os primeiros óbitos de brasileiros causados pela covid-19. Além disso, para conter o contágio do novo coronavírus, grande parte da população sofreu sérias restrições de circulação e de convívio. Tal quadro gera inúmeras consequências negativas sobre a atividade econômica e o bem-estar das famílias, muito especialmente daquelas com condições mais frágeis de trabalho e de renda. Não faz falta salientar as dificuldades: são muitos os prejuízos e as preocupações trazidas pela pandemia do novo coronavírus.

Diante desse quadro doloroso, é de justiça reconhecer a reação admirável de muitas pessoas, instituições e empresas que têm buscado minimizar, de forma solidária, criativa e responsável, os efeitos da crise para além dos seus problemas e questões particulares.

A recomendação de reclusão em casa, com a consequente diminuição de serviços e atividades econômicas, afeta a renda de profissionais liberais e trabalhadores informais, como diaristas, professores particulares e terapeutas. Para fazer frente a esse quadro, ganhou corpo uma ampla campanha de conscientização para que esses profissionais continuem sendo pagos, mesmo que eles não possam prestar nenhum serviço neste período, em razão do risco de infecção.

Outra frente de solidariedade foi empreendida por médicos e profissionais da saúde, eles mesmos afetados pela redução das consultas e fechamento de consultórios. Muitos desses profissionais se dispuseram a realizar o atendimento de forma remota, por meio digital, cobrando preços menores ou mesmo gratuitamente, de forma a que pacientes não fiquem desatendidos neste período.

Solidários venceremos – Editorial | Folha de S. Paulo

A epidemia acaba, mas a solidariedade permanece e pode transformar o Brasil

Esta geração de brasileiros começa a atravessar um período de temor e privações para o qual não foi preparada pela vivência nem pelo treino. Milhões de famílias estarão progressivamente confinadas em suas residências nas próximas semanas. A liberdade de ir e vir, de sair para trabalhar ou estudar, de encontrar os amigos e de viajar será restringida severamente.

Uma vasta parcela dos concidadãos arcará com sacrifício duplo. Sua renda, pouca, depende da circulação de pessoas e mercadorias e desabará. As reservas, se é que existem, vão se esvair depressa, e os programas tradicionais de auxílio governamental passam ao largo de tais circunstâncias.

Outro contingente de compatriotas, também desprotegido, expõe-se a risco elevado com a chegada da epidemia do novo coronavírus. Idosos e indivíduos portadores de outras enfermidades sujeitam-se a sofrimento prolongado nas emergências e ao risco maior de morte se forem infectados.

É para resguardar os mais vulneráveis —seja da violência do patógeno, seja da depauperação— que toda a sociedade agora deveria se mobilizar.

Mudar os hábitos, delegar poderes limitada e temporariamente maiores às autoridades, entregar-se a jornadas extenuantes e arriscadas como têm feito os profissionais da saúde e reduzir a atividade produtiva resultará plenamente recompensador se, ao final dessa dolorosa estrada, muitos brasileiros houverem sido poupados da morte e da miséria.

Olhar para o outro que sofre e estender a mão é exercício que há de fazer bem à comunidade. Num país em que iniquidades abismais convivem desde sempre com a indiferença —quando não cumplicidade— das elites e dos governantes, um choque como esse poderá ter consequências duradouras.

Que se elevem recursos e esforços coletivos na emancipação de dezenas de milhões hoje condenados à ignorância e à baixa renda. Que cresça a intolerância a privilégios concedidos a poucos pelo Estado.

Que se cobrem dos políticos eficiência, respeito ao conhecimento científico e responsabilidade com o bem-estar desta e das futuras gerações de brasileiros.

A epidemia acaba, mas a solidariedade não vai embora e poderá transformar o Brasil.

Coronavírus embaralha visões econômicas – Editorial | O Globo

Crise demonstra que dogmas ideológicos são deixados de lado quando a sociedade está em risco

O secular conflito entre as correntes econômicas “desenvolvimentistas” e “liberais” está misturado na crise do coronavírus. Talvez porque o tamanho do problema, relacionado à saúde das pessoas e ao seu emprego, seja imenso e tenha crescido para a maioria dos brasileiros de uma hora para outra — embora já fosse vislumbrado há várias semanas —, este velho conflito político, ideológico e até acadêmico tenha ficado em segundo plano até agora. O risco real de morte para milhares de pessoas no país, numa epidemia que ecoa a ficção científica, tem efeito paralisante. E não tem havido espaço, em todos os sentidos, para outras preocupações. Mas a decisão do governo de adiar a meta fiscal, para gastar o possível a fim de salvar vidas e evitar uma depressão, reacende velho conflito entre “desenvolvimentistas”e “liberais”.

A administração de Dilma Rousseff foi interrompida em 2016 pelo impeachment aprovado no Senado em processo instaurado devido ao desrespeito da presidente a normas de responsabilidade fiscal. Dilma caiu por excesso de “desenvolvimentismo”, ao aplicar dogmaticamente a fórmula keynesiana de que recessão se supera com gastos públicos crescentes. Depende, como a gestão da petista demonstrou.

PT, Dilma e Lula passaram para segundo plano na política, por decisão dos eleitores e de juízes, no caso do ex-presidente, até em 2018 a extrema direita de Jair Bolsonaro chegar ao Planalto, no ápice da perda de popularidade da esquerda brasileira. Com o desembarque do coronavírus e, na sua esteira, uma profunda recessão mundial, ainda sendo formada, os países estão sendo obrigados a relaxar controles monetários e fiscais. Nenhuma novidade, para quem acompanhou a crise mundial iniciada em 2008/9.

Poesia | Graziela Melo - Poema

Entre
as estrelas
e a lua
transitam
nuvens
inquietas

Há muito
se escondeu
o sol
atrás
das sombras
da terra!

Ruminando
um certo
desejo
que consome
minha alma

E do meu sono
tripudia

Olho pela janela
e vejo a rua
vazia...

E apenas
olhar
para o mundo,
era só
o que eu
queria!!!