quarta-feira, 15 de abril de 2020

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

O confinamento está a mostrar a cara feia do mundo, as iniquidades sociais, a ruindade dos governantes, a ausência de bússolas. O egoísmo e a generosidade. Está também a evidenciar que viver é mesmo perigoso e que precisamos nos dedicar a aprender sempre mais, a adquirir sensibilidade e empatia, a pensar no coletivo. Reaprender, quem sabe até mesmo começar de novo.

*É professor titular de Teoria Política da Unesp. “Diário do confinamento 1: Reaprender”

Sergio Fausto* - Qualidades de liderança que o momento exige

- O Estado de S.Paulo

Felizmente, o Brasil é bem maior e melhor do que o presidente. Não há mal que sempre dure

Tempos de crise servem de campo de teste para as lideranças.

Em todo o mundo, os governantes estão diante de um enorme e complexo desafio. Comandam uma batalha em duas frentes, sanitária e socioeconômica, em terreno pouco conhecido. Jamais a humanidade viveu uma pandemia num mundo tão interconectado e exposto a rumores e teorias da conspiração, tampouco uma crise econômica deflagrada por uma emergência sanitária que imponha tamanha restrição à produção e ao consumo. Como se fosse pouco, o inimigo é invisível e, por ora, apenas pode ser contido, não derrotado. A guerra será longa, com muitas fases e batalhas.

O desafio consiste em tomar decisões que atendam da melhor maneira possível ao duplo objetivo, nesta ordem, de reduzir as mortes e a contração econômica produzidas pela disseminação do novo coronavírus. Trata-se não apenas de tomar decisões e reavaliá-las, à luz dos dados sobre o desenrolar nas duas frentes da batalha, mas também de obter a adesão de empresas, famílias e pessoas para que as decisões tomadas possam surtir o efeito pretendido. Para isso é fundamental que a sociedade esteja convencida da correção das ações governamentais, ainda que, em última instância, o Estado possa valer-se de medidas coercitivas para implantá-las.

Como há vários e conflituosos interesses convivendo em sociedade, a liderança política, em especial nos países democráticos, precisa produzir convergência (ela não surgirá espontaneamente, ao contrário) em torno de uma estratégia de combate que mobilize recursos para proteger os setores sociais mais vulneráveis e os elos mais débeis das cadeias de produção e distribuição de bens e serviços básicos. Deve apelar a valores que unifiquem momentaneamente a sociedade e reforcem mecanismos de cooperação e solidariedade social. Sendo o inimigo um patógeno, cabe à liderança política basear suas decisões no melhor conhecimento das ciências médicas sobre a doença e suas formas de contágio. Mas como a pandemia tem efeitos e implicações socioeconômicas amplos, é preciso mobilizar várias áreas do conhecimento. À liderança política incumbe tanto promover o esforço interdisciplinar para dar base sólida ao processo decisório quanto traduzir em linguagem acessível ao cidadão comum as razões das decisões tomadas. Para não falar no dever mínimo de não propagar fake news.

Rosângela Bittar - Fingindo de vivos

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e PT jogam para daqui a 3 anos sem saber o que acontecerá daqui a 3 horas

O PT, em plena pandemia, fez seu primeiro e inovador lance cibernético. Discretos, Lula e seus 111 companheiros do diretório nacional, por 12 horas, na véspera da Sexta-Feira da Paixão, ouviram e falaram com objetividade e disciplina.

Os ex-presidentes Lula e Dilma discursaram; o ex-candidato Fernando Haddad sintonizou-se; os governadores do Piauí, da Bahia e do Rio Grande do Norte transmitiram o consenso das gestões estaduais; prefeitos de Araraquara (SP) e São Leopoldo (RS) representaram os municípios; líderes na Câmara e no Senado, em nome das bancadas, contaram o estado da arte oposicionista no Congresso. Sempre dados ao excesso, foram concisos e disciplinados.

A reunião virtual do comando petista foi um sucesso surpreendente. Inovadora na forma, não se pode dizer o mesmo do conteúdo. Embora tenha mostrado um PT mais unido, ainda enraizado, bem articulado, a tese do renascimento apareceu ainda vestida por ranço antigo.

O que o PT vinha refletindo era sobre a urgência de abrir mão do protagonismo em nome da ampliação da aliança à esquerda e ao centro. O que decidiu foi reeleger como adversário o presidente Jair Bolsonaro, contrapondo-se a ele, para evitar o crescimento do centro na lacuna deixada pelo partido por tanto tempo.

Jair Bolsonaro, em plena pandemia e permanente campanha à reeleição, age, por sua vez, para transformar o PT em seu adversário eleitoral, e o faz combatendo os que podem abrir um caminho alternativo. Demonstram, com isso, inegável crescimento político do centro durante a pandemia.

Vera Magalhães - Os líderes estão nus

- O Estado de S.Paulo

Pandemia do coronavírus expõe de forma inédita políticos e gestores públicos

Um dos (poucos) efeitos saneadores dessa crise sem precedentes nem horizonte para terminar desencadeada pela pandemia do novo coronavírus foi desnudar políticos de sua capa de narrativa e bobajol ideológico e expô-los nus diante do mundo com sua incompetência, sua falta de empatia e de liderança inata e a incapacidade de lidar com dados, ciência, diálogo com os divergentes e fenômenos que desafiam as expectativas e ameaçam o futuro.

No outro lado do espectro, ela também tratou de reafirmar lideranças que podiam carecer de certo elã midiático ou parecer gastas pelo tempo de exercício do poder, mas que na hora do vamos ver mostraram que experiência e seriedade fazem a diferença e se destacaram. Também revelou jovens lideranças até então desconhecidas, que voavam abaixo do radar da polarização política estridente porque governavam nações menores, mas agora florescem oferecendo a seus povos o arroz com feijão do bom senso.

No primeiro grupo se destacam os bons companheiros Donald & Jair. Trump começou a lidar com a crise com o histrionismo e a fanfarronice que caracterizam sua presidência e, graças a uma era de bonança econômica, não pareciam ser para os americanos razões para não reelegê-lo, até os Estados Unidos pararem assolados pelo vírus.

Acontece que a falta de seriedade do presidente no início da escalada da pandemia em solo norte-americano hoje é aceita até por assessores seus como determinante para que a situação tenha fugido de controle.

Merval Pereira- A falta que faz

- O Globo

Bolsonaro joga suas fichas na divisão entre Câmara e Senado para conseguir reduzir o plano de ajuda emergencial

Na falta de apoio de uma base parlamentar sólida, que nunca teve intenção de construir nesse pouco mais de um ano de governo, o presidente Bolsonaro joga suas fichas na divisão entre Câmara e Senado para conseguir reduzir o plano de ajuda emergencial a estados e municípios aprovado pela Câmara, que tem que passar também pelo Senado.

Se não houver uma negociação às claras, teremos um impasse inaceitável em momento de crise. A Câmara aprovou na noite de segunda-feira uma recomposição das perdas do ICMS e do ISS por parte da União estimada em R$ 89,6 bilhões em seis meses, mas o governo quer limitar a ajuda a a R$ 40 bilhões. À noite, o Ministério da Economia ofereceu outras vantagens para compensar esse limite.

O projeto emergencial relatado pelo deputado Pedro Paulo foi negociado com a equipe do ministério da Economia, e a possibilidade de aval da União para empréstimos aos estados e municípios, incluída originalmente, foi retirada do projeto para dar mais segurança de longo prazo ao governo, que temia mais um calote, como muitos já havidos e renegociados.

Essa era uma ajuda em aberto, que nada tinha a ver com os problemas pontuais causados pela Covid-19. A área econômica do governo via nessa reivindicação uma tentativa de governadores resolverem problemas anteriores ao novo coronavírus em condições especiais.

Se o Senado fizer alterações, o projeto voltará à Câmara, e teremos perdido dias preciosos em situação de emergência. O próprio Bolsonaro está tendo uma série de reuniões com líderes do Centrão para tentar reverter essa decisão da Câmara, e teve um encontro sozinho com o presidente do Senado, David Alcolumbre, que costuma atuar em parceria com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, mas também deseja ser protagonista do jogo parlamentar.

Zuenir Ventura - Os heróis da batalha

- O Globo

Profissionais da saúde enfrentam inimigo poderoso e invisível

A não ser pelo sofrido distanciamento dos netos e as visitas aos amigos, que foram totalmente canceladas, Mary e eu não temos do que nos queixar do confinamento, pelo menos em comparação com o que estão sofrendo a cidade, o país e o mundo. A rotina de permanência em casa continua mais ou menos a mesma, com os devidos cuidados de higiene exigidos pelos novos tempos.

O pior é o que vem de fora: as notícias sobre os avanços do flagelo, o diário das mortes, a disputa de números que na realidade significam corpos, ou seja, pessoas. Há o risco de anestesia pela repetição, o perigo de daqui a pouco a gente achar natural essa maratona mórbida.

Ao contrário do presidente Bolsonaro, que considera o coronavírus uma “gripezinha” que está indo embora, a Organização Mundial da Saúde calcula que a pandemia está se acelerando a uma “taxa exponencial”. O diretor da OMS acha que, sem uma ação agressiva geral, “milhões podem morrer infectados, além dos 20 mil que já morreram”. Ontem, calculava-se que o Brasil tinha mais de 300 mil infectados. A certeza é que amanhã serão mais.

Bernardo Mello Franco - Devastação na pandemia

- O Globo

Nem a pandemia é capaz de frear a destruição da Amazônia. Ontem os desmatadores receberam mais um incentivo do governo Bolsonaro

Nem a pandemia é capaz de frear a destruição da Amazônia. Em março, a devastação da floresta aumentou mais 30% em relação ao mesmo mês de 2019. Enquanto a economia formal agoniza, a indústria da motosserra aproveita a cumplicidade do governo para faturar.

Ontem os desmatadores receberam mais um incentivo de Brasília. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demitiu o chefe da fiscalização do Ibama. Olivaldi Azevedo foi exonerado depois de uma megaoperação que flagrou garimpeiros e madeireiros em terras indígenas no sul do Pará.

Os fiscais fizeram o que manda a lei. Reprimiram os invasores, apreenderam armas e destruíram tratores e retroescavadeiras. A ação irritou o Planalto. Nos últimos meses, o presidente Jair Bolsonaro criticou a inutilização de máquinas e festejou a queda nas multas por desmatamento.

Luiz Carlos Azedo - Não pede pra sair

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense 

“O governo corre contra o tempo para garantir leitos de UTI, respiradores, equipamentos de proteção, testes e medicamentos para o sistema de saúde”

O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado ontem, estima para este ano uma recessão mundial pior do que a Grande Depressão de 1929, com uma redução de 3% no Produto Interno Bruto (PIB) global, contra uma expectativa de crescimento de 3,3% que havia antes da pandemia. No Brasil, segundo o FMI, o PIB deve encolher 5,3%, em vez de crescer 2,2%, como era esperado. Esse cenário pessimista passou a ser o eixo das preocupações do governo e do mercado financeiro, com repercussões muito fortes nas estratégias de saída da epidemia de coronavírus. E também acirrou o conflito de Bolsonaro com governadores e prefeitos.

É nesse contexto, por exemplo, que devemos examinar a queda de braço entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na discussão sobre as medidas aprovadas na segunda-feira para ajudar estados e municípios. Nas projeções do FMI, o desempenho da economia brasileira será o pior desde 1901. Essa avaliação surpreendeu o mercado financeiro, que projetava uma queda de 1,96%, segundo o boletim Focus, do Banco Central. As projeções do FMI levaram o Palácio do Planalto a atuar mais fortemente para barrar, no Senado, a ajuda aos governadores e prefeitos.

A proposta de Guedes é um auxílio de R$ 77 bilhões para estados e municípios, o que aumentaria para R$ 127,3 bilhões as transferências da União, uma vez que R$ 49,9 bilhões já haviam sido anunciados em março. O ministro da Economia rechaça o projeto aprovado pelos deputados, que recompõe durante seis meses (entre maio e outubro), ao custo estimado de R$ 89,6 bilhões, as perdas de arrecadação dos estados e municípios relacionadas com a pandemia do coronavírus. Guedes pôs seus assessores em campo, criticando a Câmara, o que provocou dura reação de Rodrigo Maia.

O que mais irritou Maia foi a narrativa de farra fiscal da equipe econômica. No projeto da Câmara, foi estabelecido que os valores repassados pela União deverão ser aplicados pelos estados e municípios, exclusivamente, em ações para o combate à pandemia de coronavírus. Para receber, governadores e prefeitos terão de comprovar a queda da arrecadação, referentes aos meses de abril a setembro de 2020, em até 15 dias após o encerramento de cada mês. Nos meses de abril, maio e junho, receberão uma antecipação do auxílio de 10% da arrecadação dos impostos referentes aos meses de 2019.

Em relação ao ICMS, recolhido pelos estados, 75% seriam destinados aos estados e 25%, repassados aos municípios, sendo que a divisão será feita com base na participação de cada município na receita do ICMS do estado nos mesmos meses de 2019. Se esse percentual for maior do que o ente federativo deve receber, será deduzido no mês seguinte ou, após o fim do seguro, compensado nas distribuições do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Fernando Exman - Prudência e foco no debate político

- Valor Econômico

O risco de três atuais discussões extemporâneas

Há três discussões na praça que pouco - ou nada - contribuem para a manutenção da necessária estabilidade do sistema político em tempos de crise. São elas: a ampliação dos mandatos dos eleitos nas últimas eleições municipais, a mudança da regra que impede a reeleição dos atuais integrantes das Mesas Diretoras do Congresso Nacional e a adoção do regime parlamentarista.

Em tese, há argumentos para quem pretende levar essas discussões adiante ou desconstruí-las. Todos legítimos e plenamente defensáveis.

Neste momento, contudo, tais debates só servem a quem pode ter a intenção de aproveitar um eventual desarranjo momentâneo para apresentar suas próprias ideias institucionalmente disruptivas.

Dificilmente essas pautas avançariam sem gerar reações desproporcionais, num momento em que a desconfiança é a marca das relações institucionais. Poderiam, por outro lado, caber como o perfeito pretexto capaz de tumultar o ambiente político e o equilíbrio entre os Poderes.

A pandemia causada pelo novo coronavírus impôs uma ordem de prioridades nessa lista, até pela urgência imposta pelo calendário. O adiamento do pleito municipal, até então agendado para outubro, já começou a ser considerado possível em todos os Poderes e algo inclusive demandado por dirigentes de vários partidos. Não são as filas nas seções eleitorais que mais preocupam as autoridades e os políticos, mas o corpo a corpo na campanha, as tradicionalmente tumultuadas convenções partidárias e a redução dos recursos do fundão eleitoral.

Ricardo Noblat - Mais uma farda à vista para ser admitida no governo Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Sinal verde para a demissão de Mandetta
É grande a tentação do presidente Jair Bolsonaro de nomear mais um militar para ministro – desta vez na vaga a ser aberta no Ministério da Saúde com a saída de Luiz Henrique Mandetta.

Trata-se de um vice-almirante, com experiência de ter sido Diretor de Saúde da Marinha. Bolsonaro imagina que assim poderá ser menor o desgaste de demitir o ministro mais popular do governo.

Entre amigos, Mandetta admite que caiu na armadilha montada por Bolsonaro para livrar-se de sua companhia. De tão provocado, ele confrontou o presidente e perdeu.

Os militares acantonados no Palácio do Planalto deram o sinal verde para que Bolsonaro despache Mandetta. Concluíram que a convivência entre os dois tornou-se impossível.

Em reunião com todos os seus ministros, inclusive Mandetta, Bolsonaro disse que a orientação a ser seguida no combate ao coronavírus é a dele e de mais ninguém. Mandetta ouviu calado.

Voltou a lembrar que foi ele o eleito para presidir o país. Por óbvio, ninguém discordou. Mas quando um presidente sente-se obrigado a dizer que é ele quem manda é porque as coisas vão mal.

Hélio Schwartsman - Alto lá, ditadores

- Folha de S. Paulo

Não há motivo para criar discriminações extras contra os mais velhos

Hoje eu estou bravo. Ainda não tenho 60 anos, de modo que certos prefeitos podem dormir tranquilos. Mas, se tivesse e algum alcaide populista tentasse me impedir de fazer o que é facultado a qualquer um com 59 anos, eu resistiria, recorrendo à força se preciso. O direito, afinal, autoriza cidadãos a usar de todos os meios necessários para repelir injusta agressão.

Estou falando de iniciativas, como a do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, de multar maiores de 60 anos que estejam circulando pela cidade sem justificativa, e de ideias, como a do alcaide carioca, Marcelo Crivella, de impor hospedagem compulsória a idosos em hotéis.

Sim, vivemos tempos excepcionais que justificam medidas excepcionais. Entendo e defendo que se instituam restrições momentâneas aos direitos de ir e vir e de reunião, mas não há nenhum motivo para estabelecer discriminações extras contra os mais velhos. A circulação de idosos não representa uma ameaça maior para a sociedade do que a de jovens; o perigo que saídas desnecessárias implicam para o próprio sujeito é do âmbito da autonomia individual.

Bruno Boghossian - Falta de testes favorece Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Subnotificação pode ampliar falsa sensação de fim da epidemia e relaxar isolamento

"Ainda não estamos lá", afirmou Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca na crise do coronavírus. Enquanto Donald Trump ameaça governadores e diz ter autoridade para reabrir a economia, o imunologista disse à agência Associated Press que os EUA não têm testes e redes de rastreamento suficientes para fazer as vontades do presidente.

O médico já havia envergonhado Trump ao dizer que o governo americano deveria ter agido mais cedo contra a pandemia. Agora, ele expõe uma realidade que muitos líderes tentam esconder: não há como voltar à normalidade se não houver exames em massa para acompanhar o contágio e isolar doentes.

No Brasil, Jair Bolsonaro ainda precisa de uma dose dupla de vergonha. O presidente insiste em retomar a atividade econômica na marra e diz, talvez com base no próprio achismo, que "está começando a ir embora essa questão do vírus".

Elio Gaspari – Triste Brasil

- Folha de S. Paulo / O Globo

Os barões da medicina privada querem falar de tudo, menos do colapso de hospitais do SUS

Atribui-se ao professor San Tiago Dantas uma observação mortífera: “A Índia tem uma grande elite e um povo de merda, o Brasil tem um grande povo e uma elite de merda”.

Com certeza, San Tiago disse que “vêm se processando há séculos no Brasil um trabalho social de contínua desorientação das ‘elites’, que as vai afastando do exame cultural e político dos valores nacionais”.

No discurso de posse que não viveu para ler, Tancredo Neves disse a mesma coisa: “Temos construído esta Nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a História com isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites”.

Nunca a elite nacional ofereceu um triste episódio como o que os Três Poderes da República e boa parte do andar de cima vêm oferecendo diante da epidemia de coronavírus. (Ressalvada a doação de R$ 1 bilhão pelo Itaú Unibanco, a maior da história nacional.)

Ruy Castro* - Bolsonaro positivo

- Folha de S. Paulo

Mas assintomático. Isso explicaria por que ele pode saracotear à vontade

Já que faz os exames e não mostra os resultados, toda suposição é válida. Eis uma. O teste de Jair Bolsonaro para a Covid-19 deu resultado positivo no dia 12 de março. Positivo, mas assintomático. Significa que ele pegou o coronavírus, mas este não o afetou e, 15 dias depois, estava teoricamente imunizado. Os outros dois exames a que se submeteu confirmaram o resultado.

Isso explicaria que Bolsonaro possa saracotear à vontade, tirar ouro do nariz e despejar perdigotos em sua claque --sabe que não contaminará nem será contaminado. Passa por valente e mostra que "tinha razão". O fato de que seu exemplo pode levar a milhares de mortes longe dali não lhe diz nada. "Terão mortes", ele já admitiu, esfaqueando a língua. "Paciência", resignou-se. Veremos o que dirá quando essas mortes começarem a se dar em massa entre seus eleitores --será como se os tivesse contaminado um a um.

Míriam Leitão - Difícil previsão no meio do nevoeiro

- O Globo

FMI muda radicalmente o cenário econômico e projeta forte recessão, mas alerta que o mais importante é salvar vidas

O que é uma recessão global de 3%? Ninguém sabe ao certo, porque não há precedente recente. Por isso o FMI foi buscar paralelo em 1929. Da mesma forma que desde que há estatísticas do PIB do Brasil não há o registro de uma queda de 5,3% em um ano, número previsto pelo Fundo para a economia brasileira para 2020. Hoje há muitos números pessimistas e é difícil saber qual é o mais realista. Faltam certezas mínimas para se fazer qualquer projeção. Mas não há dúvida de que estão mais certos os que projetam uma queda forte.

“Há uma extrema incerteza sobre a previsão de crescimento global”, diz o FMI. Para fazer qualquer cálculo é preciso saber antes quantos dias trabalhados deixarão de acontecer, quanto tempo durará a paralisação de atividades ou as medidas de distanciamento social. O mundo está diante de um enorme desconhecido. Não conhece o inimigo, não sabe como vencê-lo e pode apenas supor seus efeitos na economia.

Há pelo menos uma vertente de projeções que considera a recuperação em V, ou seja, a economia cai agora fortemente, mas se recupera de maneira vigorosa em 2021. O FMI acha isso. No cenário básico, que assume a hipótese de que a pandemia vai arrefecer no segundo semestre e as medidas de contenção vão sendo gradualmente reduzidas, a economia global cresceria então 5,8% no ano que vem. Outros economistas e centros de estudos acham que o mais provável é uma volta mais lenta. Até porque há riscos de ressurgência, até que se encontre vacina que neutralize o vírus. Nesse nevoeiro, em que há tantos fatores desconhecidos, é difícil qualquer projeção.

Monica de Bolle* - A PEC 10/2020 e o BC

- O Estado de S. Paulo

Faltam-nos os corrimões em que economistas costumam se apoiar para traçar cenários e políticas públicas

*Em coautoria com o senador Randolfe Rodrigues

Na tarde dessa quarta-feira, 15 de abril, o Senado Federal votará a PEC 10, conhecida como “PEC do orçamento de guerra”, porém mais adequadamente denominada de “PEC da pandemia”. Embora o uso da metáfora da guerra possa render boas análises, não estamos numa guerra propriamente, e sim atravessando um momento inédito em que a vulnerabilidade dos sistemas de saúde e das redes de proteção social estão em ampla evidência mundo afora, e no Brasil em particular. A epidemia e a paralisia econômica têm dimensões humanitárias que precisam ser adequadamente tratadas pelos governos.

Entre os temas mais polêmicos da PEC está a autorização dada ao Banco Central “para comprar e vender títulos de emissão do Tesouro, nos mercados secundários local e internacional, e direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos. Essa autorização tem vigência e efeito restrito ao período de calamidade pública nacional”.

A medida é indispensável, pois poderá prover a liquidez necessária aos títulos negociados nos mercados secundários, além de permitir a negociação de títulos do Tesouro, ampliando sua aceitação num momento decisivo, de crise aguda, e assim afastando os riscos de uma crise financeira. Embora esse tipo de atuação por parte do BC seja novidade no Brasil, muitos outros bancos centrais pelo mundo (como Fed, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra, Banco do Japão) já praticam essa modalidade de operação.

Cristiano Romero - A Grande Devastação

- Valor Econômico

No exterior, pessimismo em relação ao Brasil é impressionante

Ainda é muito cedo para fazer projeções confiáveis sobre o estrago que a pandemia do novo coronavírus provocará nas economias, mas, lá fora, o pessimismo em relação ao Brasil é impressionante. A Economist Intelligence Unit projetou contração de 5,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano, em linha com a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgada ontem, de queda de 5,3%. O número do Institute of International Finance, entidade que representa os maiores bancos do mundo, é menos pessimista - recuo de 1,8% (ver tabela abaixo).

No último boletim Focus, elaborado pelo Banco Central (BC) com base nas projeções feitas pelo mercado, a mediana das projeções prevê queda de 1,96% para o PIB do país em 2020, bem maior que a mediana das opiniões colhidas há uma semana (-1,18%). “Assusta ver uma instituição muito conservadora [o FMI] prevendo contração do PIB do Brasil maior do que a visão de consenso de mercado [no país]. Além disso, a recuperação do Brasil é lenta frente aos Estados Unidos, a Alemanha e por aí vai”, disse a esta coluna o economista Nilson Teixeira, sócio-fundador da gestora de recursos Macro Capital.

De fato, o FMI prevê, em seu Panorama Econômico Mundial, que em 2021 a economia americana, depois de levar um tombo de 5,9% neste ano, crescerá 4,7% no próximo ano, enquanto o Brasil deve ter avanço de 2,9%. A Alemanha teria crescimento negativo de 7% em 2020, mas teria expansão de 5,2% no ano que vem.

Em ambientes de incerteza como o que vivemos, a chance de as previsões errarem o alvo é enorme. Em favor dos economistas, e Nilson Teixeira é um que acerta com grande frequência as suas projeções - dos 18 anos que trabalhou no banco Credit Suisse, atuou como economista-chefe durante 14 -, diga-se que os cálculos não são meros chutes. As projeções são feitas com base na assunção de uma série de dados, a partir de um cenário que considera, inclusive, eventos políticos com força suficiente para interferir no funcionamento da economia.

Martin Wolf* - A economia mundial está em colapso

- Valor Econômico

Precisamos lembrar acima de tudo que numa pandemia, nenhum país é uma ilha. Não sabemos o futuro. Mas sabemos o que podemos fazer para tentar moldá-lo. Faremos isso? Esta é a questão. Tenho um grande temor pela resposta

Em seu mais recente relatório Perspectivas Econômicas Mundiais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) chama o que está acontecendo agora de “The Great Lockdown”. Eu prefiro “The Great Shutdown”: esta frase retrata a realidade de que a economia mundial estaria entrando em colapso mesmo que os planejadores econômicos não estivessem impondo confinamentos, e poderá continuar prostrada mesmo depois do fim dos confinamentos.

Mas independentemente de como a chamemos, uma coisa está clara: é a maior crise enfrentada pelo mundo desde a Segunda Guerra Mundial e o maior desastre econômico desde a Grande Depressão dos anos 30. O mundo chegou a este momento com as grandes potências divididas e uma incompetência de proporções horripilantes nos mais altos escalões governamentais. Superaremos isso, mas o que virá depois?

Ainda em janeiro o FMI não tinha ideia do que estava por vir, em parte porque as autoridades chinesas não informaram uma às outras sobre o que estava acontecendo, quanto mais o resto do mundo. Agora estamos no meio de uma pandemia com consequências enormes. Mas muita coisa ainda não está clara. Uma incerteza importante é o grau de miopia com que os líderes vão responder a essa ameaça global.

Se qualquer previsão servir de consolo, o FMI agora sugere que o PIB per capita mundial encolherá 4,2% neste ano, muito mais que o 1,6% registrado em 2009, durante a crise financeira global. Noventa por cento de todos os países experimentarão um crescimento negativo no PIB per capita neste ano, contra 62% em 2009, quando a expansão da China ajudou a amortecer o golpe.

Em janeiro, o FMI previu um crescimento brando para este ano. Agora, espera uma queda de 12% entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020 nas economias avançadas, e uma queda de 5% nos países emergentes e em desenvolvimento. Mas, sendo otimista, a previsão para o segundo trimestre é de que ele será o ponto mais baixo. Assim, espera-se uma recuperação, embora o PIB das economias avançadas deva permanecer abaixo dos níveis do quarto trimestre de 2019 até 2022.

Vinicius Torres Freire – As mortes no país dopado pela cloroquina,

- Folha de S. Paulo

Cadê a produção em massa de UTIs, testes e medidas para evitar mais ruína de empresas?

É uma obviedade fúnebre e terminal que o Brasil não tem política nacional para lidar com a epidemia. Há algumas ilhas mais racionais de governança, ainda assim inconstantes e precárias, nos estados, no Congresso e em partes de ministérios, quase todas sabotadas pelo indivíduo que ocupa a cadeira de Presidente da República.

No que resta de governança, é preciso prestar atenção ao essencial, que não é a conversa lunática sobre qual tipo de óleo de cobra cura a espinhela caída da Covid-19.

O que é essencial?

Primeiro, organizar ou determinar, se for o caso, a produção de bens para combater a doença, como numa guerra se produzem aviões e tanques.

Onde está a produção aumentada e em massa de equipamentos de UTI, testes, infraestrutura para analisar seus resultados, aparelhos de proteção para o pessoal da saúde? Nós não temos NEM AS ESTATÍSTICAS DA PRECARIEDADE.

Segundo, fazer testes em massa para combater a doença e inventar um plano de saída. NÓS NÃO TEMOS TESTES, nem meios nem planejamento de como fazê-los e para quê. É preciso falar de testes diariamente, à exaustão.

Terceiro, evitar ao máximo a ruína de empresas. A destruição de empresas não apenas dizima empregos, mas acaba com capital organizacional (conhecimento das empresas), “humano” (trabalhadores especializados em um setor ou desempregados de longa duração têm dificuldade de arrumar emprego). É preciso evitar que a recessão neste ano seja maior que o afundamento horrendo e somado de 2015 e 2016. Mais: sem evitar destruição maior de empresas e sem um plano também econômico de saída, a depressão pode durar muito além. 2023?

Maia: governo dá 'coice', 'divide federação' e apresenta solução que 'não sobrevive por três meses'

Presidente da Câmara criticou nova proposta para socorro aos estados e municípios

Bruno Góes | O Globo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou na tarde desta terça-feira a postura do governo em relação ao socorro de R$ 89,6 bilhões aprovado na segunda-feira pelos parlamentares. Em coletiva de imprensa, Maia disse que o governo dá 'coices', tenta 'dividir a federação' e apresenta uma nova solução que não sobrevive por três meses. Insatisfeito com o ministro da Economia, Paulo Guedes, Maia sinalizou ainda que o governo precisará prorrogar os benefícios de outras medidas já em vigor, como o programa para manutenção de empregos e o auxílio de R$ 600 a trabalhadores informais.

Após sofrer uma derrota na Câmara, o governo decidiu insistir em um plano alternativo que já havia sido rejeitado pelos deputados. Técnicos da equipe econômica anunciaram o plano que já vinha circulando nos bastidores e prevê repasse de R$ 40 bilhões para ajudar na crise do coronavírus. Maia, entretanto, avisou que a única novidade do pacote seriam os R$ 22 bilhões livres que poderiam recompor perdas de arrecadação.

- A maioria dos estados e municípios não sobrevivem por três meses - disse Maia.

De acordo com a proposta aprovada pela Câmara e enviada ao Senado, o governo será obrigado a recompor a perda da arrecadação de ICMS e ISS com a crise. Assim, estados e municípios poderiam ter garantidos o valor nominal arrecadado no ano passado. Segundo a previsão de Maia, poucos estados, com uma "queda de arrecadação na ordem de 30%", terão condições de pagar a folha de pagamento em dois meses.

- Estamos analisando (a nova proposta). O governo, no fundo, trabalha numa tentativa de divisão da federação.

Marco Aurélio Nogueira* - O vírus, a era global e a oportunidade que se abre**

- Blog do Autor - 12/04/2020

Se conseguirmos suportar o impacto da doença e não formos muito atrapalhados por governantes inescrupulosos, o vírus será controlado. A pandemia, porém, deixará marcas profundas.

Pandemias já houve muitas na história. Todas produziram abalos e levaram a grandes transformações. Mas nenhuma foi como está sendo a do novo coronavírus.

A gripe espanhola (1917-1918), “a mãe de todas as pandemias”, foi uma variante mutante do vírus Influenza. Os cálculos sugerem que de 30 a 40% da população mundial foram infectados, com cerca de 50 milhões de mortes. Só no Brasil morreram 35 mil pessoas. Os números são imprecisos, mas indicam bem a letalidade da doença.

Antes dela houve a epidemia da cólera (1817-1824), que matou milhares de pessoas em praticamente todos os continentes. Causada por uma bactéria intestinal, a doença continua produzindo estragos pelo mundo, especialmente onde faltam condições básicas de saneamento básico e higiene.

A “peste negra”, a peste bubônica, causada por uma bactéria presente em ratos pretos assolou o norte da Europa e atingiu a China, o Oriente Médio e a Rússia, entre 1347 e 1352. Calcula-se que provocou mais de 25 milhões de mortes, ou seja, cerca de 1/3 da população europeia à época.

Depois da gripe espanhola, o mundo foi periodicamente sacudido por doenças pandêmicas. Quanto mais o mundo se integrou e manteve acesas as turbinas do produtivismo, mais os problemas se tornaram comuns a todos. Em 1957 houve a Gripe Asiática (2 milhões de mortos), dez anos depois a Gripe de Hong Kong (H3N2), que matou 1 milhão de pessoas, em 2009 foi a Gripe Suina (H1N1), que chegou a 187 países e provocou cerca de 300 mil mortes. De 1980 em diante, mais de 20 milhões de pessoas morreram devido a complicações da AIDS, causada pelo vírus do HIV, transmitido sexualmente. Uma epidemia trágica, ainda sem cura ou vacina.

O que há de diferente na pandemia do novo coronavírus?

Primeiro de tudo, ela é a primeira pandemia de uma época categoricamente global. Coincide com a expansão dos mercados, a porosidade das fronteiras nacionais, o desenvolvimentismo produtivista e antiecológico, a alta mobilidade e a circulação intensa das pessoas. Tudo isso facilita enormemente a que o vírus se espalhe. A própria estrutura complexa da vida atual, com seus componentes de fragmentação e individualização, contribui para que tudo reverbere com intensidade e meio fora de controle. Há risco, insegurança, incertezas, que se integram à experiência da vida cotidiana e fazem, entre outras coisas, com que todas as decisões se tornem dilemáticas. Ao mesmo tempo, vamo-nos dando conta do que há de intolerável e inadmissível no modo como vivemos: a desigualdade, o racismo, a miséria, a falta de condições dignas de existência, o desperdício, à agressão ao meio ambiente.

Economia global terá contração de 3% em 2020, prevê FMI

Será a maior recessão global desde a Grande Depressão de 1929, segundo os economistas da instituição

Por Marsílea Gombata | Valor Econômico

SÃO PAULO - O choque causado pelo coronavírus levará o mundo à maior recessão desde a Grande Depressão neste ano. Será a primeira vez desde então que economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento estarão em recessão sincronizada, alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em seu relatório Panorama Econômico Mundial (World Economic Outlook), divulgado nesta terça-feira, o Fundo afirma que, como resultado da pandemia, a economia global deverá contrair-se 3% neste ano, uma contração muito pior do que durante a crise financeira de 2008/09. Em sua projeção anterior, de janeiro, o Fundo esperava expansão de 3,3% para a economia global neste ano.

Uma queda de 3% no crescimento global é um cenário base, no qual se espera que a pandemia desapareça no segundo semestre do ano e que as medidas de contenção possam ser gradualmente levantadas e a atividade econômica, consequentemente, normalizada. Se isso ocorrer, a projeção é que o mundo cresça 5,8% em 2021.

No blog do Fundo, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, observou que “desde a Grande Depressão tanto as economias avançadas quanto os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento estão em recessão”.

Para este ano, a projeção é de contração de 6,1% nas economias avançadas e de 1% nos mercados emergentes. O Fundo espera contrações neste ano de 5,9% dos EUA, 7% da Alemanha, 7,2% da França e 9,1% da Itália. O FMI afirma que, em algumas partes da Europa a epidemia foi tão severa quanto na Província de Hubei, na China, onde o coronavírus começou.

O Japão deve ter crescimento negativo de 5,2% e o Brasil, de 5,3%. A China deve crescer 1,2%. Espera-se redução da renda per capita em mais de 170 países. A perda acumulada para o PIB global entre 2020 e 2021 pode chegar a US$ 9 trilhões.

No relatório, o Fundo afirma ainda que a crise atual – a qual chama de Grande Confinamento – é sem precedentes pela combinação de três características: a duração do choque, o alto nível de incerteza e os desafios dos governos. “Nas circunstâncias atuais, há um papel muito diferente para a política econômica. Em crises normais, os formuladores de políticas tentam incentivar a atividade econômica estimulando a demanda agregada o mais rápido possível. Desta vez, a crise é em grande parte consequência das medidas de contenção”, diz o documento.

No documento o Fundo afirma que, “embora sejam essenciais para conter o vírus, os bloqueios e restrições à mobilidade estão causando um impacto considerável na atividade econômica”. Além disso, ressalta, os efeitos adversos na confiança de empresários e consumidores provavelmente pesarão mais nas perspectivas econômicas.

FMI: Queda dos preços das commodities coloca mais pressão sobre emergentes
Com a crise do coronavírus, os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento passaram a enfrentar não apenas uma crise de saúde, mas um forte choque da demanda externa, condições financeiras muito mais restritas e queda dos preços das commodities, que terão impacto importante na atividade dos países exportadores. O diagnóstico é do Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu relatório Panorama Econômico Mundial (World Economic Outlook), divulgado nesta terça-feira.

'Grande paralisação' levará economia global a pior recessão desde 29, diz FMI

Fundo prevê retração de 3% do PIB mundial este ano e recuperação ainda parcial em 2021

Marina Dias | Folha de Paulo

WASHINGTON - O avanço vertiginoso da pandemia do coronavírus fez com que o FMI (Fundo Monetário Internacional) projetasse um cenário econômico sombrio para este ano em todo o mundo.

Segundo relatório divulgado nesta terça-feira (14), a economia global vai sofrer retração de 3% em 2020, a maior desde a crise de 29, e a recuperação deve aparecer somente no ano que vem, ainda de forma parcial e bastante incerta.

No fim de 2019, a projeção do Fundo para o crescimento da economia mundial em 2020 era de 3,4%, ou seja, o tombo de mais de 6% é muito maior do que o registrado na crise financeira de 2008, por exemplo.

"É muito provável que este ano a economia global experimente sua pior recessão desde a Grande Depressão, superando a vista durante a crise financeira de dez anos atrás", diz o documento assinado por Gita Gopinath, economista-chefe do FMI.

"A 'Grande Paralisação' [Great Lockdown], podemos chamá-la, é projetada para encolher dramaticamente o crescimento global", completa o texto que equipara a magnitude da crise deste ano somente com a vivida na depressão que assolou o mundo na década de 1930.

O FMI explica que, entre 1929 e 1931, a contração em termos de produção mundial ficou em torno de 10%, apesar de os dados estarem mais dispersos à época, e que hoje esse número está em 3%. Em termos de economias avançadas, a queda foi de 16%, diante de 6% hoje.

Em seu Panorama da Economia Mundial, o Fundo traça um paralelo entre a pandemia e uma guerra ou crise política, e diz que ainda existe uma "severa incerteza" sobre a duração e a intensidade do choque que esse surto vai provocar.

Com as ponderações à mesa, o FMI afirma que é possível esperar a retomada no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mundial na casa dos 5,8% no ano que vem, mas que isso vai depender da implementação de medidas e políticas públicas em cada país.

Durante entrevista coletiva online, na manhã desta terça, a economista-chefe do FMI mostrou gráficos que ilustravam os números alarmantes da perda cumulativa do PIB global, que deve chegar a US$ 9 trilhões (R$ 45 trilhões) entre 2020 e 2021.

Gopinath falou em "desastre raro", que custou milhares de vidas ao redor do mundo, ao se referir à pandemia e reforçou a ideia de que a recuperação esperada para o ano que vem é "apenas parcial."

Os danos econômicos vão atingir de economias ricas a países emergentes e em desenvolvimento, como o Brasil, mas estes serão os mais prejudicados.

Segundo o FMI, a economia brasileira deve ter queda de 5,3% em 2020, com crescimento previsto em 2,9% no ano que vem. Neste domingo (12), o Banco Mundial já havia divulgado projeções para uma baixa brusca do PIB do Brasil, na casa de 5%.

O que a mídia pensa - Editoriais

• STF serve de barreira para conter Bolsonaro – Editorial | O Globo

Decisão liminar que garante isolamento social nos estados precisa ser confirmada em plenário

Já se sabe que o poder destrutivo deste coronavírus é imenso, tendo conseguido paralisar as economias por onde passa, danificar o sistema produtivo em dimensões globais, enquanto espalha tragédia e dor num rastro de mortes que não discrimina países. Sua capacidade desestabilizadora pode ser constatada na política, na economia, na vida de bilhões de pessoas, cuja rotina foi virada de cabeça para baixo do dia para a noite.

No Brasil e em outros países, entre inúmeros efeitos colaterais, a pandemia consegue acirrar conflitos entre poderes e entes federativos. O desentendimento entre o presidente Bolsonaro — contrário à adoção do isolamento social defendido pelo seu próprio Ministério da Saúde para conter o avanço da epidemia — governadores e prefeitos que apoiam o método, adotado sob o aval da medicina e da Ciência, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma disputa que, se espera, aumente a confiança da sociedade na capacidade de as instituições republicanas darem proteção contra desvarios de uma falange de extrema direita encastelada no governo.

Poesia | João Cabral de Melo Nelo - Psicologia da composição (trecho)

Saio de meu poema
como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.
Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;
talvez, como a camisa
vazia, que despi.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.
Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.