segunda-feira, 27 de abril de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

A crítica do conceito de história em Croce é essencial: não terá ela uma origem puramente livresca e erudita? Somente a identificação entre história e política evita que a história tenha esta característica. Se o político é um historiador (não apenas no sentido de que faz a história, mas também no de que, atuando no presente, interpreta o passado), o historiador é um político; e, neste sentido (que, de resto, aparece também em Croce), a história é sempre história contemporânea, isto é, política. Croce, contudo, não pode chegar a esta conclusão necessária precisamente porque ela conduz à identificação entre história e política e, consequentemente, entre ideologia e filosofia.

*Antonio Gramsci. Cadernos do Cárcere, v.1, pág. 212. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.

Marcus André Melo* - Impeachment

- Folha de S. Paulo

O impeachment competirá na agenda pública com a crise sanitária

A probabilidade de deflagração de impeachment é alta na presença de quatro fatores: escândalos, manifestações de rua, crises econômicas e presidentes com base parlamentar minoritária. Esses elementos estão presentes, mas a pandemia e a demissão de Moro afetam o resultado final de maneira não-trivial. Senão vejamos.

Foram escândalos que deflagraram a demissão de Moro, um dos esteios da coalizão que levou Bolsonaro à vitória. Aqui não há surpresas: havia incompatibilidade dinâmica entre sua permanência e as ligações perigosas da família presidencial.

Há, de fato, protestos, mas as condições para a ação coletiva massiva são mínimas dadas as medidas de distanciamento social, malgrado a repercussão robusta dos panelaços.

Além disso, o presidente conta com apoio forte de cerca de 1/5 da população e detém alguma capacidade de mobilização. O apoio difuso atingia pouco mais de metade da população, mas deverá se reduzir de forma vertiginosa dado a fratura da coalizão. Ainda assim, o núcleo duro poderá prover algum escudo protetor.

A crise econômica poderá atingir proporções bíblicas. Mas a sequência importa: a crise sanitária será concentrada nos próximos meses, a econômica incidirá com violência depois, se estendendo por alguns anos. A estratégia de transferir a culpa para governadores e a bazuca fiscal do governo terão efeitos mitigadores sobretudo nos setores de baixa renda beneficiários de transferências. As fortes perdas de apoio nos estratos médios e empresariado devido à fratura da coalizão correspondem a algum ganho naqueles setores.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro perdeu a Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Sem imagem de cruzada moral, governo passará a ser julgado como os outros

A saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça alterou o equilíbrio político estabelecido pela eleição de 2018. Bolsonarismo e lavajatismo aproximaram-se na campanha de 2018, com consequências trágicas para o Brasil. Romperam na última sexta-feira (24). Não foi pacífico.

Em seu discurso de demissão, Sergio Moro começou lembrando que sob os governos petistas a Polícia Federal tinha mais autonomia que sob Bolsonaro. Doeu porque é verdade, Jair. Moro fez denúncias muito graves. Horas depois, o Jornal Nacional mostrou a conversa de WhatsApp em que Bolsonaro pediu a Moro a demissão do diretor da PF porque deputados bolsonaristas estavam sendo investigados. Na mesma semana em que Bolsonaro rompeu com Sergio Moro, aproximou-se de notórios acusados de corrupção como Valdemar Costa Neto, Roberto Jefferson e Arthur Lira.

Agora vamos descobrir se o autoritarismo de Bolsonaro consegue se promover sem parasitar a indignação criada pelas revelações da Lava Jato.

O discurso de guerra às instituições só foi viável em 2018 porque havia uma percepção generalizada de que o sistema era corrupto. Blindado pela facada e por toda uma vida dedicada à irrelevância, Bolsonaro conseguiu se tornar a tela em branco onde todas as fantasias moralizadoras foram projetadas.

Vinicius Mota - No tabuleiro dos decapitados

- Folha de S. Paulo

Governo fraco faz contas diárias para evitar 342 votos contrários na Câmara

Agora são 171 mais 1. A gestão Bolsonaro entrou em modo impeachment, no qual um governo enfraquecido dorme e acorda fazendo e pagando contas para tentar evitar que 342 dos 513 deputados federais acionem a guilhotina presidencial.

Nessa fase, os que afiançam apoio comportam-se como mercenários a oferecer serviços ao chefe da cidade cercada. Cobram horrores, mas, na hora de entregar o prometido, vão fazer o que lhes der na telha, pois também flertam com os sitiadores.

Como aconteceu com Collor e Dilma, Bolsonaro terá de se defender em meio a uma recessão duríssima. Como ocorreu com Dilma e Temer, as flechas virão do Legislativo, do Judiciário e de outros setores da burocracia, o que vai estrangular a margem de manobra do presidente.

Diferentemente dos três antecessores empurrados ao jogo do impeachment, a impopularidade de Bolsonaro não é, na saída, tão pronunciada. O capitão também é o mais displicente de todos nas práticas da articulação partidária e parlamentar.

Leandro Colon – ‘Pontuais divergências’

- Folha de S. Paulo

Sanção de pacote anticrime no dia de Natal também desagradou o ex-ministro

A demissão surpresa de Maurício Valeixo da direção da Polícia Federal não foi a única rasteira via Diário Oficial de Jair Bolsonaro em Sergio Moro.

O ex-ministro nunca engoliu o gesto do presidente de publicar na virada de 24 para 25 de dezembro, em pleno dia de Natal, a sanção do pacote anticrime, uma bandeira de Moro.

Bolsonaro ignorou a maioria dos pedidos do então ministro e fez mais: manteve a criação do juiz das garantias, algo a que Moro se opunha.

Assim como no caso da exoneração de Valeixo, Moro, que estava no exterior naquele dia, foi surpreendido pela publicação no Diário Oficial.

O Ministério da Justiça havia entregado um parecer ao Planalto recomendando a derrubada de 38 pontos. Bolsonaro levou em conta só quatro.

Esse episódio está nas “pontuais divergências” citadas por Moro no discurso de sexta-feira (24) em que anunciou sua demissão do cargo.

“Mas não vou aqui falar dessas outras divergências. Isso fica para uma outra ocasião”, disse ele.

Ricardo Noblat - Uma solução caseira para blindar a família Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

A sucessão de Moro
Na confusão de vozes inflamadas que quebraram, ontem, o silêncio dominical da Esplanada dos Ministérios para renovar seu apoio ao presidente Jair Bolsonaro, destacaram-se três, duas delas masculinas, que de cima de um carro de som, decorado com a faixa “Fora Maia”, em alusão ao presidente da Câmara dos Deputados, dispararam as frases mais emblemáticas da manifestação.

Um homem disse:

“Querem botar a culpa no povo por que pediu ajuda ao Exército? Para quem vamos recorrer? Será que temos que recorrer aos Estados Unidos? Se for preciso vamos recorrer ao Exército dos Estados Unidos”.

Outro falou, certamente sem saber que Bolsonaro deposita sua esperança de completar o mandato justamente na ala mais fisiológica do Congresso, o conjunto de partidos conhecido como Centrão:

“Moro nunca passou de uma ferramenta do PSDB e do Centrão para tomar de volta o Palácio do Planalto. Mas Bolsonaro atrapalhou o esquema deles”
.
A mulher foi mais explícita no seu repúdio ao que fez o ex-ministro da Justiça ao sair do governo atirando no presidente da República:

“O ex-ministro Moro, que é sujo e comunista, nunca fez nada pelo Brasil. Ficou lá sentado e acovardado”.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) dividiu com Moro a fúria expressa em faixas e cartazes exibidos pelos apoiadores de Bolsonaro. Mas Moro, mais do que Maia, foi o principal alvo dos insultos e xingamentos. A manifestação atraiu pouca gente.

Desta vez, Bolsonaro não compareceu. Passou o dia em reuniões no Palácio do Alvorada para decidir quem substituirá Moro no Ministério da Justiça e da Segurança Pública, e o delegado Maurício Valeixo na direção da Polícia Federal.

Se não arredar pé do que quer, Jorge Oliveira, advogado que nunca se destacou por seus conhecimentos jurídicos, irá para o lugar de Moro. E o delegado Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sucederá a Valeixo.

É a solução mais caseira possível e a que dará ao clã Bolsonaro a proteção que ele se queixa de não ter recebido da dupla Moro-Valeixo. O pai de Oliveira foi empregado de Bolsonaro. Oliveira também foi na Câmara dos Deputados.

Atual ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Oliveira cresceu ao lado dos filhos de Bolsonaro. Serviu a um deles, Eduardo, o Zero Três, como chefe do seu gabinete na Câmara. É como se fosse um membro da família presidencial.

Míriam Leitão - Equipe econômica: se mudar o teto de gastos 'todo mundo sai'

- O Globo

Há uma crise latente na área econômica, derivada da crise política. Um integrante da equipe econômica me disse que se o governo quiser propor uma emenda constitucional para retirar os investimentos no teto de gastos haverá uma reação. “Se isso acontecer, todo mundo sai”.

Esse é o caminho que está sendo arquitetado para que o governo siga adiante com o plano Pró-Brasil. Para sair do papel, o plano exigiria ampliar investimentos com recursos públicos. Isso só seria possível, no período pós-pandemia, se houvesse uma PEC criando essa alteração na emenda do teto de gastos.

Esse é o ponto que pode detonar mais uma bomba no governo Bolsonaro, mas hoje já há um clima muito ruim. A semana passada foi considerada muito ruim também na economia. Da perspectiva da equipe, a crise da saída do ex-ministro Sergio Moro levantou dúvidas sobre a força do ministro da Economia, Paulo Guedes. A dúvida é se o ministro continua tendo o “apoio incondicional” do presidente da República:

– Do nosso ponto de vista, o que nos interessa é evitar que o cenário político contamine - mais do que já contaminou - a economia.

Rubem Medina* - AI-5. É isso mesmo?

- O Globo

Discordar e não ser preso ou morto era só questão de sorte ou de ser amigo do ‘rei’

Você quer mesmo a volta do AI-5? Você, de fato, deseja o fechamento do Congresso Nacional? Você tem certeza de que o melhor para você e para o país será acabar com o Supremo Tribunal Federal? Você tem certeza? É isso mesmo o que você quer? Pois se é, bom, saiba que o que você deseja e quer muito já aconteceu um dia.

Por causa desse tal AI-5, que você diz amar, eu e meu pai fomos presos. Sabe por quê? Você não acreditaria! Garanto. Meu pai e eu fomos presos naquela época porque a gente se sentia como você se sente agora. Não com relação ao AI-5, mas com relação aos governos da época. A gente não gostava muito deles e resolveu dizer isso, como você faz agora com relação ao Congresso e ao Supremo. Fomos em cana. Sabe por quê? Porque instrumentos como o AI-5 foram criados para prender, torturar e até matar as pessoas que não pensam igualzinho ao ditador de plantão.

Ah!, mas você viveu naquele tempo e não foi preso? Sorte sua. Porque discordar e não ser preso ou morto era só questão de sorte ou de ser amigo do “rei”.

Eu estava no Congresso Nacional quando o ditador mandou fechá-lo. Eu já estava na política, desde muito novo e pela oposição, quando cassaram ministros do Supremo Tribunal Federal e garanto a você, não foi nada bom o que eu vivi naquele tempo: gente que eu gostava, admirava e até líderes que me inspiravam, como foi o caso de Juscelino Kubitschek, que sofreu horrores, vítima de processos imorais que não davam a mínima para essas coisas de amplo direito de defesa. Carlos Lacerda também. 

Você deve se lembrar deles, a história é recente. E olha que o Carlos Lacerda pensava como você pensa agora, sabia? Acreditava que a intervenção militar seria coisa passageira, uma ajudinha só para alinhar as eleições. Morreu frustrado. E tinha aqueles que conseguiam enxergar o que de fato acontecia e tentavam contar a história correta mas foram calados pelos porões. Eram os brilhantes jornalistas com suas veias investigativas, questionadoras e inquietas, que, ao invés de serem criticados como podem ser hoje em dia, eram simplesmente apagados.

Fernando Gabeira - Alto risco de tragédia

- O Globo

Para viabilizar sua trajetória política, Moro precisará se distinguir de Bolsonaro

Num momento em que todos reprisam, o governo é pródigo em lançar novelas inéditas. Mal acabou a novela Mandetta, entrou no ar a Sergio Moro, e começaram as filmagens da Paulo Guedes. O que está acontecendo na cabeça do presidente Bolsonaro? Ela foi sacudida pelo impacto do coronavírus.

Muitas mudanças estão sendo determinadas, no fundo, pela política escolhida por Bolsonaro para enfrentar este que é o maior acontecimento trágico no mundo moderno. Onde governos conservadores ou progressistas triunfaram, como é o caso da Austrália e da Nova Zelândia, Bolsonaro afundou.

Desde o princípio, tenho apontado a causa. Bolsonaro aderiu à camada de gordura que cerca o vírus e seus fluidos ideológicos e o transformou num tema da guerra cultural. Exatamente o oposto do que fizeram Scott Morrison, na Austrália, e Jacinda Ardern, na Nova Zelândia: despolitizaram o vírus.

Ainda esta semana, o chanceler Ernesto Araújo escreveu um artigo contra o que chama de comunavírus. Ele ficou impressionado com um livro do pensador de esquerda Slavoj Zizek que previa enfim a chegada do comunismo. Depois de sonhar com a classe operária ou mesmo o lúmpen proletariado, alguns teóricos de esquerda concentram suas esperanças no vírus como agente transformador. E os bolsonaristas acreditam.

Rosiska Darcy de Oliveira - Viver na incerteza

- O Globo

Psicopatas ocupam a cena com sua covarde onipotência

Um vírus pôs a humanidade inteira em carne viva. O medo mora conosco, tomou o lugar do abraço. Um mundo imprevisível emergirá dessa tragédia, e nossa única certeza é a incerteza.

Hoje — e que dia é hoje, alguém sabe? — os referenciais que balizavam o cotidiano, a maneira como habitávamos o tempo e o espaço, se apagaram. A pandemia reverteu a flecha do tempo. A máquina do mundo parou. Petroleiros fantasmas estão parados no mar, cheios de um líquido que já não vale nada.

A casa é a fronteira da sobrevivência e uma exigência moral. Tenta-se manter uma rotina, memória esfumada de algo vivido em outra vida. O trauma deixará marcas. Esperemos que o confinamento físico tenha o dom de abrir os espíritos a mais humanidade.

Cacá Diegues - Sempre demais

- O Globo

Foi como se Moro estivesse reescrevendo um final de filme

Uma das cenas mais comoventes na história moderna do audiovisual brasileiro está na despedida de um jovem casal, na novela “Totalmente demais”, de Rosane Svartman e Paulo Halm, atualmente em reprise, às 19h, na TV Globo. Aquela é a última noite juntos de Eliza (Marina Ruy Barbosa) e Jônatas (Felipe Simas), no amplo salão de poltronas abalroadas, iluminado por luzes frouxas e com cartazes esquecidos pelas paredes, de um cinemão abandonado onde eles vivem. O rapaz dá à moça, como presente de despedida, a primeira sessão de cinema da vida dela, exibindo pedaços de película que achou por ali e juntou, trechos dilacerados de “Luzes da cidade”, filme de Charles Chaplin, o Carlitos.

Como o final do filme não estava entre os restos que Jônatas havia encontrado, ele conta a Eliza um que ele mesmo inventara. Ela o recusa e cria sua própria versão, o desenlace adorável que julga mais coerente com o que vira e imaginara. Naquela noite, eles finalmente transam, a primeira vez de Eliza. Há tempos não me emocionava tanto com uma construção dramática que, materializando um filme possível, poetizasse de tal maneira o cinema como arrebatamento.

Vivemos num país em que 100 milhões de cidadãos não têm esgoto tratado no lugar em que moram, a mais de 35 milhões lhes falta água, 12 milhões estão desempregados, e todos morrem de doenças que, em muitos outros países, já foram até extintas.

Denis Lerrer Rosenfield* - Acepções da direita

- O Estado de S.Paulo

Os liberais uniram-se ao atual presidente na luta comum contra o PT, mas dele se afastaram

Dentre as inúmeras confusões do atual cenário político, destaque-se a tendência a atribuir tudo o que o presidente Bolsonaro faça à direita, genericamente concebida. Para alguns, seu eventual fracasso significaria o fracasso “da direita”. A realidade, porém, é muito mais complexa, o País apresenta um leque diversificado de “direitas”: extrema direita, direita conservadora e direita liberal. Se há alguns anos o Brasil estava preso à oposição “direita x esquerda”, hoje a luta política se deslocou para confrontos dentro do campo da direita. O inimigo de Bolsonaro, na pandemia, é João Doria ou Luiz Henrique Mandetta, não Lula e o PT – estes estão desaparecidos de cena. O presidente, aliás, necessita urgentemente da sua volta!

Bolsonaro e seu clã constituem um perfil ideológico que poderíamos denominar de extrema direita; é formado pelo presidente, por sua família, seus assessores mais diretos, um ideólogo identificado com a extrema direita americana e um grupo digital que a eles adere sem nenhum critério crítico. 

Eis alguns pontos centrais: 

1) Sua concepção política está baseada na distinção amigo/inimigo, sempre precisando de alguém para atacar. O diálogo não faz parte dessa concepção por necessitar apontar alguém como inimigo a ser destruído (Lula, a esquerda, Doria, Mandetta, as instituições, Rodrigo Maia, a imprensa, os meios de comunicação, o “sistema”, os políticos, e assim por diante). 

2) Em decorrência, necessita do confronto permanente, até mesmo levando instabilidade às instituições. 

3) Apoia-se numa teoria conspiratória, própria desse tipo de concepção. Apresenta-se como “vítima” do “sistema”, dos “políticos”, tidos por definição como corruptos, dos que querem abatê-lo das formas mais secretas. 

4) Em sua luta contra o “sistema” e a “conspiração”, as instituições democráticas são consideradas obstáculos que devem ser removidos, não têm nenhum valor em si mesmas. 

5) Diz falar em nome do “povo”, mas isso significa tão somente os que o seguem fanaticamente nas redes sociais. Ao se pautar por redes sociais controladas e incentivadas por seus filhos e seguidores, robôs incluídos, além dos seus apoiadores que se aglomeram no Palácio do Alvorada, diz estar falando em nome do “povo”. 

6) O desprezo pela ciência é outro dos seus pontos centrais, algo claro no combate à pandemia, não seguindo nenhum critério científico ou técnico. A ignorância sobre o que seja a ciência é total, não seguindo regras e critérios vigentes na comunidade científica, de validade internacional. 

7) Uso intensivo de fake news nas redes sociais, tornando a mentira e as acusações arbitrárias instrumentos políticos.

Luís Eduardo Assis* - A morte das ideias

- O Estado de S.Paulo

Nesta terra onde canta o sabiá, a tese do Estado mínimo está gravemente enferma

A covid-19 não vai apenas ceifar centenas de milhares de vidas. Algumas ideias do pensamento econômico liberal também correm o risco de morrer. O entendimento de que a austeridade fiscal é uma virtude absoluta e incondicional, por exemplo, está sob séria ameaça. Não que a tese gozasse de boa saúde. Ao contrário, ela já estava no grupo de risco desde a crise de 2008, quando os países ricos gastaram o que não tinham para evitar que a recessão fosse ainda mais profunda. Nesta nova crise, mais ampla e mais intensa, novamente os cânones da economia liberal foram mandados às favas em favor de uma ação pragmática. Gastar é tudo o que os governos podem fazer hoje.

O conceito de Estado mínimo já tinha sido conspurcado em dois livros recentes com títulos autoexplicativos, ambos certamente merecedores da ojeriza de nosso ministro da Economia (Austerity, the Great Failure, de Florian Schui, e Austerity, the History of a Dangerous Idea, de Mark Blyth). Para ambos, a austeridade é um mal desnecessário. Ela não funciona e está fundamentada apenas em princípios ideológicos e morais. Atacando por outro flanco, a Moderna Teoria Monetária também corroeu a ortodoxia econômica. 

Para a principal porta-voz dessa vertente, Stephanie Kelton, que foi assessora econômica da campanha de Bernie Sanders, o governo não deve se preocupar com o crescimento da dívida pública desde que isso não ameace a inflação. Um Estado soberano que emite sua própria moeda sempre poderá se financiar por meio de novas dívidas. Mesmo o argumento de que as novas gerações herdarão o fardo de resgatar uma dívida pública maior é rechaçado com o exemplo da economia americana no pós-guerra. Os baby boomers nasceram devendo muito, mas ainda assim viveram um longo período de prosperidade que diluiu o ônus da dívida pública emitida pela geração que os antecedeu.

Bruno Carazza* - No que vai dar a crise?

- Valor Econômico

28 anos depois, a mesma pergunta e as mesmas opções

A capa da revista “Veja” de 1º de julho de 1992 trazia uma pergunta que voltou a circular no Brasil desde sexta-feira: “No que vai dar a crise”? As opções eram as seguintes: a) impeachment; b) renúncia; c) parlamentarismo já; d) Collor continua, forte; e) Collor continua, fraco. Àquela altura dos acontecimentos, a revista cravava a última alternativa como a mais provável.

A despeito das fortes denúncias de corrupção envolvendo o então presidente e seu tesoureiro de campanha PC Farias, a princípio pouca gente acreditava que a CPI criada para investigá-los realmente levaria ao fim prematuro do governo.

Desde que seu irmão Pedro o acusou, Collor articulava nos bastidores para encontrar uma saída. Uma trama de negociações começou a ser costurada com os poderosos Antonio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen (caciques do PFL, atual DEM), Ulysses Guimarães (presidente do PMDB, hoje MDB) e Mário Covas (líder do PSDB) e tudo parecia indicar que fechariam um acordo: lançariam PC Farias aos leões da CPI e da opinião pública, enquanto Collor seria poupado, loteando seu ministério à coalizão formada pelos maiores partidos de então.

Nas últimas três semanas Bolsonaro movimentou-se intensamente na direção de partidos que podem lhe dar proteção para enfrentar a crise. De acordo com sua agenda oficial, divulgada na página do Palácio do Planalto na internet, o presidente recebeu recentemente lideranças do PP (Ciro Nogueira), Republicanos (Marcos Pereira), PSD (Gilberto Kassab), Democratas (ACM Neto), MDB (Eduardo Braga e Baleia Rossi) e PL (Jorginho Mello). Dada a frequência das visitas dos deputados Fábio Faria (PSD-RN) e Arthur Lira (PP-AL), ambos herdeiros de famílias tradicionais de políticos, Bolsonaro está buscando não apenas uma conexão com o Centrão, mas também com os clãs nordestinos.

Alex Ribeiro - Saída de Moro deve limitar corte de juro

- Valor Econômico

Foco do Banco Central deve ser a inflação para além do curto prazo, dizem especialistas

O pedido de demissão de Sergio Moro fez o mercado financeiro rever as expectativas - alimentadas pelo próprio Banco Central - de um corte mais forte de juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem. Mas a aposta é que, ainda assim, a Selic cairá.

Um experiente operador compara a situação atual com maio de 2017, o chamado “Joesley Day”, quando o jornal “O Globo” revelou que o empresário Joesley Batista, da JBS, havia gravado um diálogo comprometedor com o presidente Michel Temer. Nos dias anteriores ao escândalo, o Banco Central vinha indicando a aceleração do ritmo de distensão monetária. O mercado de juros futuros precificava 73% de chance de um corte da Selic superior a um ponto percentual. Já havia consenso dentro do Banco Central para um corte de juros de 1,25 ponto percentual. O mercado reagiu no “Joesley Day” de uma forma muito semelhante à notícia da demissão de Moro, com uma forte inclinação da curva de juros futuros. O Banco Central divulgou uma nota dizendo que não havia “relação direta e mecânica com a política monetária” e “as informações recentemente divulgadas pela imprensa”. Nos dias seguintes, o mercado se acalmou um pouco, e o Banco Central cortou os juros em um ponto percentual, mesmo ritmo das reuniões anteriores.

Na sexta-feira, o mercado de juros futuros precificava majoritariamente um corte de juros de 0,5 ponto na semana que vem, para 3,25% ao ano. Menor do que a baixa de 0,75 ponto que, anteriormente, era dada como certa e bem distante de um estímulo monetário de um ponto percentual que os mais otimistas sonhavam.

O argumento em favor de fazer uma baixa de juros, ainda que menor, é o Banco Central evitar colocar mais gasolina na crise. Manter os juros reforçaria a percepção de que o governo Bolsonaro acabou. Também desestabilizaria o mercado, que estava fortemente posicionado numa baixa mais forte da taxa Selic.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Olhando com otimismo para 2021

- Valor Econômico

As três maiores economias entrarão em ciclo de crescimento, e garantindo a emergentes a saída da recessão

Estamos entrando em uma segunda fase da crise mundial provocada pela covid-19, com os efeitos da quarentena social chegando de forma agressiva às economias nacionais. O primeiro impacto, provocado pelo pânico que atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo, está controlado pela ação conjunta dos bancos centrais.

A lição de 2008 foi aprendida e desta vez o protocolo definido após 2008 não foi só rapidamente aplicado, como expandido por outras medidas ainda mais heterodoxas.

Para o enfrentamento desta segunda fase as lições do passado não foram suficientes pela natureza diferente do choque negativo que atingiu simultaneamente a operação de empresas e a renda dos salários de trabalhadores e arrecadação de impostos dos governos.

Felizmente a leitura deste choque feito por economistas e governos nacionais foi rápida e correta ao identificar o verdadeiro apagão de renda que iria ocorrer nas economias de mercado pelo tempo em que o afastamento social durasse. Em pouco tempo construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que se seguiria.

As aprovações das medidas deste protocolo estão ainda em andamento na maioria das democracias, mas será uma questão de tempo para que seja mitigado o impacto deflacionário que vamos sofrer nos próximos meses evitando uma verdadeira depressão econômica. Os primeiros dados já conhecidos na Europa e Estados Unidos não deixam dúvidas sobre a intensidade da queda da atividade que vamos viver pelo menos até o terceiro trimestre deste ano. Queda de mais de 6% do PIB, em muitas das maiores democracias, não parece ser previsão muito pessimista.

José Graziano da Silva* -Desigualdade, vírus da segunda onda

- Valor Econômico

A pandemia provavelmente tornará todas as regiões do Brasil vulneráveis à fome

Empregos informais e instáveis, muitos deles dependentes do movimento das ruas; crianças e adolescentes dependentes da merenda escolar para assegurar uma refeição diária e saudável; saneamento básico deficitário, com acesso intermitente à água corrente; condições precárias de habitação, que abrigam famílias numerosas em espaços reduzidos. A desigualdade endêmica do nosso país será o verdadeiro vírus a atingir a “segunda onda” de infecção, a da economia global e sua imediata consequência, o crescimento da miséria e da fome no mundo.

Vale recordar que a desigualdade social no Brasil é estrutural. Lembremos que, em 1974, ao criticar as políticas praticadas pela ditadura militar, o economista Edmar Bacha se referia à “Belíndia” como um país dividido entre os que moravam em condições similares à Bélgica e aqueles que tinham o padrão de vida da Índia. Tal desigualdade brasileira, estabilizada em nível tão alto, se explica pela alta e histórica concentração de riqueza, especialmente do patrimônio imobiliário, pela falta de um imposto mais taxativo para herança, especificamente a da propriedade de terra rural que é extremamente concentrada.

No início do novo milênio, milhões de brasileiros conseguiram se ver livres da fome e da pobreza extrema - em menos de 10 anos. Isso só foi possível graças à implementação de uma política de segurança alimentar e programas de transferência de renda - aliados à iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar, de acesso à alimentos e de articulação e mobilização social - a partir do primeiro governo Lula da Silva.

Infelizmente, a partir da década passada, com o acirramento da crise econômica e a desaceleração dos investimentos sociais, a pobreza no Brasil voltou a ter aumento significativo. Segundo relatório do Banco Mundial do ano passado, quase 21% da população brasileira vivia em situação de pobreza entre 2014 e 2017, contra 17,9% daqueles registrados em 2014. No mais, segundo a Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad) do IBGE, a desigualdade dos rendimentos autodeclarados entre 2012 e 2018 cresceu significativamente a partir de 2016 até 2018.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Não é ‘esculacho’, é a lei – Editorial | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro vê as investigações contra o filho Flávio como 'esculacho'. A Nação conta com a Justiça para impedir que 'esculachada' seja a igualdade de todos perante a lei

No início do mês passado, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) requereu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a suspensão das investigações sobre a prática de “rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Para relembrar o caso: em dezembro de 2018, o Estado revelou que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentação financeira “atípica” nas contas bancárias de Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro e ex-assessor do filho mais velho do presidente da República quando o chamado “01” era deputado estadual no Rio. Para o Ministério Público Estadual, Queiroz gerenciava um esquema urdido no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro para confiscar parte dos salários dos servidores, a tal “rachadinha”, espécie de pedágio a ser pago pelas nomeações.

Poesia | Fernando Pessoa - Poema V de O Guardador de Rebanhos

O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
[...]