sábado, 30 de maio de 2020

Opinião do dia – Fernando Gabeira*

Na conversa que tive com o amigo disposto a lutar a última luta da vida, chegamos à conclusão de que é preciso apenas um núcleo que saiba contornar as bobagens dos que só pensam no poder e consiga estimular a criatividade social, diante dessa ideia de que a democracia não pode morrer no Brasil.

Não adianta ficar reclamando que o Congresso e o Supremo não conseguem frear a marcha totalitária. Isso depende de nós: é só querer. Na verdade, milhares hoje dão sua pequena contribuição, criticando, resistindo, às vezes até ridicularizando pelo humor.

Todo esse esforço molecular está, na verdade, ligado entre si. O que às vezes impede a consciência dessa união é o desprezo pela política, compreensível pelo que ela se tornou no Brasil.

Mas não se trata de aderir a um partido, militar no sentido clássico. A luta contra o coronavírus, por exemplo, é uma ampla frente pela vida que vai do carregador de maca ao cientista. As pessoas estão unidas pela urgência do presente, sem perguntar de quem é a culpa pelo vírus.

Da mesma forma, não interessa agora saber de quem é a culpa pela marcha do obscurantismo. É preciso detê-la.

*Fernando Gabeira é jornalista. “Algumas notas para resistir”. O Estado de S. Paulo, 29/5/2020.

Merval Pereira - E daí?

- O Globo

A proximidade excessiva, quase obscena, de Aras com o presidente Bolsonaro traz o descrédito ao corpo de procuradores

O procurador-geral da República, Augusto Aras, não consegue nem mesmo entrar no elevador cheio na sede de Brasília da instituição que preside, tamanho o desconforto que está provocando entre seus pares.

A proximidade excessiva, quase obscena, com o presidente Bolsonaro, a quem cabe a Aras julgar no caso da interferência na Polícia Federal, traz o descrédito ao corpo de procuradores. Não é por acaso que surgiu o abaixo-assinado, com assinaturas de mais da metade dos componentes do Ministério Público, para tornar lei a praxe de o presidente da República ter que escolher de uma lista tríplice o ocupante do cargo.

Aras colocou-se à margem da corporação, não participando da disputa, atitude que agradou a Bolsonaro. Mesmo assim, a revolta interna o atinge, a ponto de ter havido uma reação branca dos procuradores, que se recusaram a ajudá-lo a escrever a manifestação da PGR contra o inquérito das fake news.

Em Brasília, já há quem o chame de procurador-geral do Bolsonaro. Ou quem diga que o governo tem hoje três pessoas exercendo o cargo de advogado-geral da União: o próprio, José Levi, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Ascânio Seleme - Mirando o passado

- O Globo

Que importância têm PT, PSOL, PCdoB? Nenhuma. No momento, nem oposição fazem corretamente. No futuro, talvez, mas terão de rebolar muito para conseguirem voltar a ter a preponderância que culminou nas eleições de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Então, por que Bolsonaro, seus filhos, seus ministros mais engajados e toda a ala ideológica do governo não param de falar nesses partidos? Porque não têm mais desculpa para o fracasso político do chefão. O presidente, que poderia ter governado em paz, mesmo tocando aqui e ali sua tresloucada pauta conservadora, perdeu completamente o rumo e a liderança quando os escândalos de seus filhos começaram a bater em sua porta. E então apontou seus canhões para o passado.

Os alvos de Bolsonaro e sua turma passaram a ser os partidos de esquerda, sobretudo o PT, do qual o presidente se julga o verdadeiro antagonista. Por isso, todas as vezes que se vê confrontado parte para cima do que já passou, do que virou história. Discurso contra a bandeira vermelha é de uma obviedade sem limites. Atacar os governos de Lula e Dilma virou quase um bordão na boca do presidente e de seus aliados. O que eles fazem é explorar o sentimento de rejeição ao PT que transbordou pelos quatro cantos do país depois da desilusão provocada pelos escândalos do petismo.

Tem o mesmo valor o continuado discurso anticorrupção do clã, que também motiva a militância bolsonarista. Não há um dia em que Bolsonaro, um de seus zeros, um de seus ministros ou um aliado importante não fale que a era da corrupção acabou no país. Em seus monólogos para sua claque e alguns microfones na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não se cansa de repetir: “querem a volta da corrupção”; “perderam a boquinha e querem a mamata de volta”; “estou há 500 dias no governo e não há nenhum caso de corrupção contra mim”. Claro que combater a corrupção é importante, mas não é tudo.

Geraldo Tadeu Monteiro* - A politização da morte

- O Globo

Governo Bolsonaro não é feito para governar

Como em todo evento cataclísmico, a exemplo de guerras e terremotos, espera-se que uma pandemia mortal seja encarada pelas forças políticas e sociais como o inimigo comum. Os mortos e os doentes são fatos, não versões. No Brasil, pelo contrário, o que se viu foi um comportamento negacionista extremo por parte do presidente da República, com graves consequências. Desde o início, Bolsonaro escolheu politizar a pandemia. E isso por dois motivos.

O primeiro é a boa e velha estratégia da “cortina de fumaça”. Com uma economia já estagnada em 2019, o impacto econômico da pandemia ameaçaria os planos de reeleição. A solução? Politizar a Covid-19. De um lado, colocam-se os que “querem trabalhar”, os “defensores da economia” e dos que “prescrevem” a cloroquina; do outro, os que “querem ficar em casa”, os “defensores da vida” e até os “céticos”, que não prescrevem cloroquina. Uma polarização perfeita que coloca a crise como responsabilidade dos outros.

O segundo é que, de quebra, tal posição o coloca, para delírio da militância, em confronto com o Congresso, o STF, a mídia, os governadores, a intelectualidade, os cientistas e até com a própria OMS, reforçando a ideia de que há um complô do “sistema” contra o líder.

Andréa Pacha - Negacionismo constitucional

- O Globo

A sociedade organiza frentes para impedir que a violação ao estado democrático de direito avance

O reduzido grupo que confronta a Ciência, estatísticas e a realidade representada por 27 mil mortos é o mesmo que rejeita a democracia, em exibições de negacionismo constitucional. Enfrentamos a maior crise sanitária da humanidade, submetidos a provocações no ambiente tóxico das redes e a crises políticas, potencializadas por quem deveria zelar pelo bem comum. Mal temos direito à tristeza e ao luto. Somos sistematicamente bombardeados por ameaças e hashtags que não matam, como o vírus, mas nos assombram, em tensão permanente, exigindo esforço para resistir à insanidade.

O que se viu, na reunião de ministros, em meio a esse cenário de sofrimento, além das violações aos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade, foi a absoluta indiferença para com a dor alheia. Oportunismo de baixo calão, quebra de decoro de empatia, e um silêncio eloquente e revelador do descaso para com o caos que assola o país. Nenhum projeto de prevenção ou tratamento. Nenhuma orientação ou informação. Nenhuma palavra para as famílias dos mortos, e para os que esperam vagas em hospitais e UTIs. Seguimos sem um ministro da Saúde, que se responsabilize pela condução da crise.

Se as instituições e os controles democráticos não funcionassem, não incomodariam tanto, a ponto de um ministro sugerir, pasmem, que se aproveitasse a oportunidade da tragédia para não se submeter a eles.

Míriam Leitão - A grande queda e o que vem depois

- O Globo

PIB caiu 1,5% no primeiro trimestre e pode recuar 10% no segundo tri. Governo tem que parar de fabricar crises e focar na recuperação

Uma queda do PIB trimestral de 1,5% é forte, mas foi só um tropeço perto do que vem por aí. No segundo trimestre, neste que estamos vivendo, de abril a junho, o país está em queda livre que pode superar 10%. A recessão de 2020 será a maior da nossa história. Em agosto, o país pode ter 20 milhões de desempregados, me diz uma fonte do próprio governo. O que parou a economia foi o coronavírus, mas o presidente Jair Bolsonaro piorou tudo ao não exercer o papel de liderar a resposta e ainda criar uma crise por dia. Suas atitudes afetam a economia. Que investidor virá para um país em que o presidente ameaça a suprema corte e seu filho diz que uma “ruptura” é questão de tempo? Bolsonaro é também um problema econômico porque investidor detesta crise institucional. Eles querem segurança jurídica.

A nota técnica do Ministério da Economia diz que os sinais são de que a crise pode causar perdas permanentes, ou seja, a devastação que está havendo em empresas, principalmente nas micro e pequenas, pode não ser reversível. O auxílio emergencial evitou queda maior da renda, as medidas para o emprego atingiram 8,2 milhões de trabalhadores. Mais da metade teve a suspensão do contrato de trabalho, que é a hipótese mais dura de todas as reduções de salário do programa. Esses 8,2 milhões estão hoje em situação mais precária, apesar de permanecerem empregados, mas a população ocupada caiu em quase cinco milhões de pessoas. No Brasil, é caro demitir, ao contrário dos Estados Unidos. Se as empresas não se recuperarem, esses trabalhadores vão perder o emprego. Se as linhas de crédito formuladas para as micro e pequenas empresas continuarem não funcionando, elas não retornarão dessa queda. O cálculo de um integrante da equipe econômica é que em agosto pode haver 20 milhões de desempregados no país, um número jamais visto.

Ricardo Noblat - O otimismo de Paulo Guedes em forma de “V”

- Blog do Noblat | Veja

Como o Brasil poderá furar as ondas que o ameaçam

Nas últimas 24 horas, ganhou contornos o pior dos mundos para o futuro do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo.

O Brasil ultrapassou a Espanha e tornou-se o 5º país do mundo com o maior número de mortos pelo Covid-19.

O PIB – ou seja: a produção de riquezas no país -, encolheu 1,5% no primeiro trimestre em comparação com o último trimestre de 2019.

Enquanto o pico da pandemia está previsto para julho, o isolamento social mingua em alta velocidade por toda parte.

O número real de infectados e de mortos pelo vírus é 111 vezes maior do que o número registrado pelo Ministério da Saúde.

A contração da economia entre janeiro e março está muito distante da contração a ser verificada no final de junho.

O tombo está sendo estimado em 10% ou mais. O país entrará na maior recessão econômica dos últimos 120 anos.

Hoje, a legião de desempregados está perto da casa dos 13 milhões. Em agosto, poderá ser de 20 milhões. Nunca se viu nada igual.

Marco Antonio Villa - A agonia do governo Bolsonaro

- Revista IstoÉ

O mercado financeiro tolerava Bolsonaro, era considerado boquirroto, tosco, ignorante

A escalada bolsonorista contra o Estado Democrático de Direito continua de vento em popa. Desde 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro age frontalmente contra as instituições. É o cavaleiro das trevas do reacionarismo. O autoritarismo explícito, a falta de decoro, o uso de instituições de Estado como instrumentos da sua vontade, tudo era relevado. Afinal, o importante seria o programa econômico e as reformas estruturantes repetidas ad nauseam pelos porta-vozes do mercado.

Era o que interessava. Seria o preço a ser pago pela reestruturação do processo de acumulação capitalista. Já que os partidos tradicionais tinham dificuldade de empolgar o eleitorado, desgostoso com os escândalos sucessivos de corrupção, restou ao grande capital apoiar um desconhecido, meio exótico para os padrões da Faria Lima, mas que parecia amestrado no campo econômico. O mercado não via em Bolsonaro alguém com um projeto próprio de poder. Era encarado como um boquirroto, tosco, ignorante.

Hélio Schwartsman – Autocomplacência pandêmica

- Folha de S. Paulo

Países muito mais pobres que o Brasil se saem bem melhor na pandemia

É claro que um país pobre, repleto de favelas e com uma população pouco instruída como é o Brasil não poderia ter se saído muito bem no enfrentamento da Covid-19. Há algo de autocomplacente nesse raciocínio.

É verdade que alguns fatores pesam contra nós. O alto índice de informalidade da economia dificulta manter as pessoas dentro de casa. Muita gente se vê compelida a sair para conseguir renda para alimentar os filhos, que ficaram sem a merenda escolar. A grande densidade demográfica das favelas e suas condições precárias transformam o isolamento de doentes em um experimento natural de contaminação dos familiares.

Não são dificuldades pequenas. O fato, contudo, é que países muito mais pobres que o Brasil estão se saindo bem melhor.

Julianna Sofia - Falta dinheiro

- Folha de S. Paulo

Não deveriam restar dúvidas sobre a necessidade de mantê-lo por mais três meses

O governo Jair Bolsonaro faz malabarismos na busca de uma fórmula para estender o auxílio emergencial de R$ 600 para além dos três meses que se encerram em junho. Quase 58 milhões de pessoas já receberam o beneficio, e o número de elegíveis segue em ascensão. Um custo mensal de R$ 51,5 bilhões para remediar a perda de renda de informais impossibilitados de trabalhar durante a pandemia.

Falta dinheiro não só a eles e aos cofres do Tesouro, que prevê um dispêndio de 2% do PIB com o auxílio no período, como papel-moeda em circulação para suprir a demanda por saques. Isso provocou restrições a retiradas e o uso de ferramentas digitais para o pagamento das famílias.

Dados o frangalho das contas públicas e a pirambeira abaixo da atividade econômica, trata-se de uma discussão complexa, que passa pela fundamental transparência dos dados —com a divulgação da lista dos beneficiários— para inibir fraudes. Não deveriam restar dúvidas, no entanto, sobre a necessidade de manter o auxílio nos padrões atuais por mais três meses —sob Luiz Henrique Mandetta, o Ministério da Saúde estimava que só em setembro haveria queda acentuada na curva de transmissão do vírus.

Alvaro Costa e Silva - A mentira escancarada

- Folha de S. Paulo

Cinismo considera 'liberdade de expressão' o gabinete do ódio instalado dentro do governo

Ao longo de 50 anos de jornalismo, 30 deles atuando como comentarista político, Carlos Castelo Branco, o Castelinho, enfrentou duas ditaduras —a de Vargas e a dos militares— e nunca ouviu do presidente da República, mesmo que este fosse um general de maus bofes, gritos de “Cala a boca!” e “Acabou, porra!”. Em compensação, em mais de 8.000 colunas publicadas no Jornal do Brasil, ele jamais tratou de Bolsonaro. Ô sorte!

O centenário de nascimento de Castelinho, no dia 25 de junho, coincide com mais uma grave crise institucional no país, que envolve diretamente a imprensa. Não é novidade que déspotas agem para controlar a mídia. Quando não conseguem, espumam de ódio e usam todo tipo de método para alcançar seu objetivo: intimidação, censura, estrangulamento financeiro, prisão e até assassinato.

A morte do filho de Castelinho, Rodrigo, num acidente de carro em Brasília, em 1976, gerou no jornalista a desconfiança de que o desastre fora premeditado pelo Serviço Nacional de Informações, um aviso e uma vingança contra seus artigos de opinião.

Demétrio Magnoli* - Não repara a bagunça

- Folha de S. Paulo

Nossa epidemia seguirá crepitando, enquanto o mundo vira uma página

Na bandeira, substitua-se o lema positivista “Ordem e Progresso” por “Não repara a bagunça”, a inevitável saudação brasileira às visitas, escrita assim mesmo, do jeito bagunçado que as pessoas falam. A sugestão irônica, triste e afetuosa, circulava entre nós, nos tempos de faculdade. Hoje, 40 anos depois, a crise do coronavírus revela sua atualidade.

Um presidente negacionista decidiu que a Covid é “uma gripezinha”, recusou-se a organizar o respaldo econômico à emergência sanitária, fechou o Ministério da Saúde, engajou-se em atos de sabotagem das regras de distanciamento social.

O STF reagiu transformando o país numa confederação de 27 entidades territoriais mais ou menos independentes. Na ausência de coordenação nacional, governadores, prefeitos e até juízes intrometidos costuraram uma colcha de retalhos de medidas sanitárias incongruentes.

A bagunça esvaziou menos as ruas que o sentido das palavras. Do Maranhão ao Ceará, quarentenas parciais ganharam o nome de “lockdown”.

O governo paulista anunciou uma “quarentena inteligente”, confessando involuntariamente que experimentamos dez semanas de quarentena burra. Na etapa da burrice, fechou-se às pressas a economia de centenas de cidades do interior quase livres da epidemia. Na da inteligência, essas áreas serão desconfinadas, justamente na hora da chegada do vírus.

Adriana Fernandes – O PIB do coronavírus

- O Estado de S.Paulo

O ministro da Economia, Paulo Guedes parece ter exagerado nos argumentos de que a economia estava voando antes da economia

O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos três primeiros meses do ano, divulgado nesta sexta-feira, 29, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a economia brasileira nem de longe estava “decolando” antes da pandemia do coronavírus.

Sem surpresas, o instituto informou que a economia brasileira encolheu 1,5% no primeiro trimestre de 2020 em comparação ao quarto trimestre do ano passado com cerca de um sexto do período afetado pelos efeitos da paralisação das atividades da pandemia no Brasil, a partir da segunda quinzena de março.

Como reconhece a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, em documento divulgado nesta sexta-feira para comentar o PIB, a economia apresentava “sinais” de retomada, após dados fracos de atividade no último trimestre de 2019. Eram, portanto, sinais ainda não consolidados, com os meses de janeiro e fevereiro marcados por “bons” resultados nos indicadores de arrecadação, mercado de trabalho e atividade. Nada excepcional a comemorar.

Marcus Pestana - Precisamos conversar sobre o Parlamentarismo

A história republicana brasileira, e já se vão 130 anos da Proclamação da República, não foi propriamente um céu de brigadeiro ou um mar de almirante em termos de estabilidade política e institucional. Assemelha-se mais a uma montanha russa.

Já no nascedouro a República foi marcada por uma confusa ruptura com a monarquia, a partir da ação das Forças Armadas. Em 1930, tivemos outra quebra da ordem constitucional, após a dissolução do pacto de governabilidade da República Velha e do seu pilar, a famosa política do café com leite. Getúlio Vargas, liderando uma aliança com Minas Gerais e o Nordeste brasileiro, instalou a República Nova e o Governo Provisório. Pressionado pela Revolução Constitucionalista de 1932, capitaneada por São Paulo, foi obrigado a convocar uma Assembleia Constituinte que gerou a Constituição de 1934, de curta vida. Em 1937, aproveitando a instabilidade provocada pelas movimentações integralistas e pela Intentona Comunista de 1935, tendo como biombo o fantasioso Plano Cohen, Getúlio dá um golpe institucional, fecha o Congresso e outorga a quarta Constituição do Brasil, a terceira da República, conhecida como a Polaca, em 10 de novembro de 1937. Mais uma vez, as Forças Armadas tiveram papel preponderante. Contemporâneos a esses acontecimentos avaliam que o golpe viria com ou sem Getúlio. A nova ordem do Estado Novo era baseada em forte centralização do poder na União, nacionalismo, intervencionismo estatal e anticomunismo. Durou até 1945, quando a vitória dos aliados na Segunda Grande Guerra impôs a volta à democracia.

De 1946 em diante, tivemos também grande instabilidade política com o suicídio de Vargas em 1954, as conspirações contra JK, a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a frustrada experiência parlamentarista de 1962, a radicalização extrema no governo João Goulart e como consequência o golpe militar de 1964, os Atos Institucionais e a nova Constituição de janeiro de 1967, interrompendo a experiência democrática anterior e que persistiria até 1985.

Raul Jungmann - Homicídios em alta

- Capital Político

Em meados de 2017 o índice nacional de homicídios, ascendente por décadas, principiou a desacelerar e, no ano seguinte, surpreendentemente, caiu pela primeira vez em cinco anos. Ao final de 2018 a redução tinha sido de 10%, um feito a comemorar. Em 2019, a tendência se manteve e a queda foi maior, de 19%, numa redução de 10.000 mortes a menos.

Surgiram então as mais diversas teorias e explicações para tal queda. Para uns, teria sido a redução dos massacres dentro do sistema prisional. Para outros, as razões seriam: a ocorrência de mudanças nas dinâmicas do crime, uma maior articulação entre as polícias, os centros de operação e inteligência integrados – saldo dos grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) e, por fim, a mudança demográfica em curso, com a redução de jovens e adolescentes vulneráveis.

Da minha parte defendi que a queda dos índices fora fruto da ação dos governos estaduais, face à proximidade das eleições de 2018. Sabiam os governadores que teriam no julgamento da população sobre a segurança pública um aspecto chave para o seu sucesso nas eleições. Com a chegada do atual governo federal ao poder, o discurso de imediato foi o de chamar para si a queda nacional dos homicídios. Ela seria fruto da transferência de alguns líderes de facções criminosas de penitenciárias estaduais para unidades federais e de uma maior atuação da Polícia Federal no combate às drogas etc.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Governo Bolsonaro é de minoria – Editorial | O Globo

Eleito com 39% dos votos totais, presidente perde apoio, entre outros fatores, pela epidemia

Carregado em saguões de aeroportos por militantes que o recepcionavam com gritos de “mito”, o pré-candidato Jair Bolsonaro parecia ser mais um desses exóticos concorrentes ao Planalto. Mas ganhou o segundo turno em 2018, com a ajuda da rejeição ao PT e da incapacidade do centro, à direita e à esquerda, de encontrar um nome que enfrentasse um populismo de extrema direita que também avançava em outros países.

Um ano e cinco meses de poder depois, Bolsonaro continua sendo apoiado por aqueles fanáticos que o carregavam nos ombros, e que estão no grupo de um terço do eleitorado que se mantém fiel ao presidente, apesar de todas as crises.

Pesquisa do Datafolha apurada na segunda e terça-feira, publicada ontem na “Folha de S. Paulo”, tem leitura pró-Bolsonaro e contra. A favorável chama a atenção para a solidez deste apoio de 33%, já verificada na sondagem anterior; a preocupante para o bolsonarismo é que o seu presidente, com 43% de avaliação negativa, já é o inquilino do Planalto mais mal avaliado desde a redemocratização, com um ano e meio de governo — entre Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Poesia | Nicolás Guillén* - Um poema de amor

Não sei. Ignoro.
Desconheço o tempo que andei
sem novamente encontrá-la.
Talvez um século? Acaso.
Talvez um pouco menos: noventa e nove anos?
Ou um mês? Poderia ser. De qualquer forma,
um tempo enorme, enorme, enorme.
Ao fim como uma rosa súbita,
repentina campânula trêmula,
a notícia.
Saber logo
que iria vê-la outra vez, que lá teria
perto, tangível, real, como nos sonhos.
Que trovão surdo
rodando-me nas veias,
estalando acima
em meu sangue, em uma
noturna tempestade!
E o achado, em seguida? E a maneira
que ninguém compreendera
ser nossa própria maneira?
Um toque apenas, um contato elétrico,
um aperto conspirativo, uma visão,
um palpitar de coração
gritando, gritando com silenciosa voz.
Depois
(Sabes mesmo desde teus quinze anos)
esse tatear de palavras presas,
palavras de olhos caídos,
penitenciais,
entre testemunhas e inimigos,
todavia
um amor de “te amo”
de “você”, de “bem quisera,
mas é impossível…” De “não podemos,
não, pense melhor…”
É um amor assim,
é um amor de abismo em primavera,
cortês, cordial, feliz, fatal.
A despedida, logo,
genérica,
na tempestade de amigos.
Vê-la partir e amá-la como nunca;
segui-la com os olhos,
e já sem olhos seguir vendo-a longe,
bem longe, e ainda segui-la
mais longe todavia,
feito a noite,
de mordidas, beijos, insônia,
veneno, êxtase, convulsões,
suspiro, sangue, morte…
Feita
dessa matéria conhecida
com que amassamos uma estrela.

*Nicolás Guillén (1902-1989) poeta cubano