segunda-feira, 1 de junho de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Ainda temos democracia. Está sendo destroçada, atacada. É responsabilidade do presidente velar pela democracia? Sim. Está velando por ela? Não. Está dizendo coisas que não são apropriadas ao chefe de Estado”.


*Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República. Do Blog do Noblat

Luiz Werneck Vianna* - A resistência ao fascismo tabajara

Soam por toda parte os sinais de perigo e os toques de reunir. Forças malévolas que nos sitiavam, espreitando nossos movimentos e confiantes na pandemia que nos obriga, em defesa da vida, a evitar as manifestações nos espaços públicos, um recurso importante do nosso repertório defensivo, calcularam ter chegado a hora do assalto às nossas posições. Não há por que tergiversar, o risco é real e seu nome é fascismo – tabajara, mas fascismo – que nos ronda desde os anos 1930, derrotado por duas vezes, em 1945 e 1985, mas nunca erradicado, entranhado como está em nossa história de modernização capitalista autoritária.

Fernando Gabeira, em iluminado artigo no Estado de São Paulo na edição de 29 do corrente mês, a rigor um manifesto, bendiz o dom de receber na derradeira fase da sua bela trajetória pessoal a missão de lutar pela democracia. Tal missão a todos, de todas as gerações, é confiada nesse momento difícil em que a sociedade se vê acuada pelo flagelo de uma epidemia letal. Hegel dizia que a escravidão somente era possível quando o bem da vida se punha acima do bem da liberdade. Nosso caso não é tão dramático, mesmo confinados contamos com espaços de liberdade e recursos para uma livre comunicação por meio da internet, conquista civilizatória ao alcance de todos.

Gabeira está consciente disso e dos limites que nos atam diante dos imensos recursos das forças que nos sitiam, mas os homens pensam e criam, e os desafios que nos confrontam exigem imaginação e inventividade. O caso da favela paulista Paraisópolis e de outras comunidades populares nos servem como paradigmas exemplares, a organização por conselhos, por sovietes, formas clássicas presentes em lutas populares, bem celebradas na obra de Hanna Arendt, ensinam caminhos a serem percorridos.

Fernando Gabeira - Acabou, acabamos

- O Globo

Ao aceitarem que caiam no seu colo milhares de mortes, Forças Armadas mostram que topam tudo por seu capitão

Acabou, porra! Esta frase de Bolsonaro, dita na porta do Palácio da Alvorada, me lembrou uma outra frase de um personagem de “Esperando Godot, peça de Samuel Beckett: “Acabou, acabamos.”

Esta lembrança surgiu porque há alguns dias fizemos uma live, eu e o querido embaixador Marcos Azambuja, cujo título era: “Esperando Godot, a tempestade perfeita.” Nesse encontro, promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais, defendi a tese de que a tempestade perfeita no Brasil era produzida pela associação da pandemia com a presença de Bolsonaro no poder. Há outras combinações no mundo: nos EUA, por exemplo, coronavírus e racismo.

Bolsonaro disse esta frase porque não quer respeitar as decisões do STF, onde, no momento, tem duas preocupações: um inquérito sobre sua interferência na Polícia Federal e outro sobre a máquina de fake news montada por gente muito próxima a ele.

Filho de Bolsonaro, Eduardo entra no nosso ônibus e diz: eu poderia estar fritando hambúrguer nos Estados Unidos, mas vim avisar que haverá uma ruptura, não é questão de se, mas de quando acontecerá.

Juristas ultraconservadores acham o artigo 142 como saída. Se Bolsonaro não aceita as decisões do Supremo, as Forças Armadas têm de funcionar como Força Moderadora, obrigando o Supremo a aceitar tudo o que faz Bolsonaro.

Marcelo Trindade - Hora de concertação

- O Globo

O risco para a democracia cresce

O pior é que pouco havia de verdadeiramente novo no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Assistimos sem tarjas ao que já sabíamos. Palavrões, preconceito, ofensas pessoais, platitudes, autoritarismo e bajulação. Até os raros momentos de sensatez constrangeram, ditos apenas para os próprios ouvidos, ignorados pela plateia enfadada e incapaz da compreensão.

No dia da revelação do vídeo a novidade veio mesmo na nota do ministro Augusto Heleno, e na recusa antecipada de Bolsonaro ao cumprimento da eventual ordem de entrega de seu telefone celular. Ambas avançaram mais uma casa rumo à confrontação da ordem constitucional, passando para a ameaça explícita.

O risco para a democracia cresce de braços dados com a estratégia do discurso populista e chulo, na pretensão, até agora bem-sucedida, de alcançar o cidadão comum, farto da sofisticação do dito establishment e do cinismo da política. Negar essa realidade, ou combatê-la com a velha retórica e expressões enojadas, não surtirá nenhum efeito. Tampouco longas e rebuscadas decisões do Supremo Tribunal, recheadas de latim, motivarão o povo, preso em quarentena, a deter o avanço da boiada oportunista e atenta.

Demétrio Magnoli – Arapuca

- O Globo

Militares pagam, agora, o preço de posicionar suas tropas em terreno incógnito

A fogueira acendeu-se no 19 de abril, Dia do Exército, quando Jair Bolsonaro e seus devotos manifestaram-se diante do QG do Exército, em meio a faixas pela restauração do AI-5, contra o Congresso e o STF. Suas labaredas espalharam-se um mês depois, no rastro da demissão de Sergio Moro.

Sexta, 22 de maio, o general Augusto Heleno, chefe do GSI, divulgou uma “nota à Nação brasileira” classificando como “interferência indevida de outro Poder” o ato burocrático do ministro Celso de Mello de encaminhar para análise um pedido de apreensão do celular do presidente. Nos dias seguintes, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, apoiou o gesto de Heleno, e 89 oficiais da reserva, quase todos coronéis, ameaçaram o STF com o espectro de uma “guerra civil”. A artilharia verbal seguiu, com o agradecimento “emocionado” de Heleno à carta dos coronéis e uma “carta aberta” do Clube Naval repudiando a “arbitrária decisão” de Celso de Mello de divulgar a gravação da reunião ministerial tarja-preta de 22 de abril.

Os militares caíram na arapuca no 5 de agosto de 2018, data em que o então candidato Bolsonaro anunciou o nome do seu companheiro de chapa. Hamilton Mourão, o vice, uma das figuras icônicas da geração de oficiais formados durante a “lenta, gradual e segura” abertura política de Geisel, selou a aliança entre as Forças Armadas e o ex-capitão turbulento, rejeitado pelo Exército por indisciplina. O pacto rompeu a fronteira que, desde 1985, separava os quartéis da política. O vírus da anarquia militar, moléstia crônica do Brasil República, voltou a circular na caserna.

Cacá Diegues - O Ministério de Ontem

- O Globo

Está tudo tão antigo, tão ligado a ideias que pareciam mortas e enterradas, a ações já tentadas e vencidas em outros tempos

Tem dias que a gente acorda meio molenga, dá uma olhada nas notícias on-line, lê umas coisas nos jornais e fica tentando descobrir em que ano estamos. Está tudo tão antigo, tão ligado a ideias que pareciam mortas e enterradas, a ações já tentadas e vencidas em outros tempos, que, durante uns segundos, a gente pensa que segue amarrado a um sonho que não termina. Sonho, não. Pesadelo.

Corre pelo mundo uma pandemia danada, matando gente em tudo que é continente. Na China, onde o vírus primeiro apareceu, parece que está tudo sob controle. O que não acontece ainda na Europa, que está quase chegando lá. No Sudeste Asiático e na Nova Zelândia estão os heróis da humanidade, intrépidos vencedores do vírus diabólico. Ele é o único inimigo que devíamos estar enfrentando com empenho, todos juntos, unidos e inseparáveis, porque pode acabar com todos nós, sejamos de que partido formos. De direita, de esquerda ou de todas as tendências de centro. O vírus só reina onde não se tem nenhuma consciência política disso, ali está a crise aguda.

Carlos Pereira - O homem que fala demais

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro arrisca os limites institucionais, pois precisa blefar para alimentar seu núcleo duro

A atual composição do Supremo Tribunal Federal é fruto de indicações de seis diferentes presidentes. Este processo gerou uma Corte composta de preferências políticas e ideológicas muito distintas. Apesar dessas diferenças, percebe-se que as últimas decisões da Suprema Corte têm mostrado uma unidade incomum entre seus onze membros, especialmente em se tratando de um plenário tão diverso. Será que as heterogeneidades ideológicas e políticas entre seus membros foram diluídas?

As decisões unânimes da Suprema Corte podem estar diretamente relacionadas com os discursos e ações belicosas do presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores mais fiéis, que têm confrontado de forma polarizada e plebiscitária as instituições democráticas, em especial o próprio Supremo, mas também o Congresso Nacional.

Precisou que o Supremo “pagasse para ver” ao demonstrar seu compromisso firme com a democracia, por meio de decisões consistentemente unânimes e contrárias às preferências do presidente, para que, mesmo timidamente, os céticos e temerosos com a solidez das instituições democráticas brasileiras percebessem que as ameaças autoritárias do presidente Bolsonaro não passam de um blefe.

Celso de Mello vê momento igual da ascensão do nazismo

Decano vê busca por ‘ditadura militar’

Celso de Mello, relator do inquérito que investiga se presidente tentou interferir na PF, afirma que bolsonaristas ‘odeiam a democracia’

Rafael Moraes Moura | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, comparou o Brasil à Alemanha de Hitler e, em mensagem reservada enviada a interlocutores no WhatsApp, disse que bolsonaristas “odeiam a democracia” e pretendem instaurar uma “desprezível e abjeta ditadura”. Procurado, o ministro alegou ao Estadão que a manifestação foi “exclusivamente pessoal”, “sem qualquer vinculação formal ao STF”.

Celso de Mello é o relator do inquérito que investiga as acusações, levantadas pelo ex-ministro Sérgio Moro, de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. O ministro se aposenta em novembro, quando completa 75 anos, abrindo a primeira indicação que Bolsonaro poderá fazer para o tribunal.

O tom usado pelo decano surpreendeu colegas do STF, que apontam que a fala deu munição ao Palácio do Planalto e abriu brecha para o presidente da República apontar até mesmo a suspeição do ministro na condução do caso.

O comentário de Celso de Mello foi disparado na véspera de um protesto de aliados do presidente que contou com faixas que pediam “intervenção militar”.

“Guardadas as devidas proporções, o ‘ovo da serpente’, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (19191933), parece estar prestes a eclodir no Brasil!”, escreveu o decano do STF.

Entrevista | Marcos Nobre: ‘STF tomou ação efetiva para barrar projeto autoritário’

Presidente do Cebrap diz que saída para crise política exige negociação com as Forças Armadas e o vice Hamilton Mourão

Guilherme Evelin | O Estado de S.Paulo

Para o cientista social Marcos Nobre, professor de Filosofia Política na Universidade de Campinas (Unicamp) e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a fidelidade do presidente Jair Bolsonaro a suas “convicções autoritárias” o levaram a instituir um “governo de guerra” durante a pandemia do coronavírus e provocar a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Nobre acaba de lançar o e-book “Ponto Final- A Guerra de Bolsonaro contra a democracia” (Editora Todavia, 80 páginas, R$ 30,00), com um diagnóstico e propostas de saída para a crise institucional brasileira.

Segundo ele, a ação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra integrantes do chamado “gabinete do ódio”, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi a reação mais efetiva tomada pelas instituições, até aqui, para barrar esse “projeto autoritário”. Nobre diz também que não há saída democrática sem uma negociação com as Forças Armadas e o vice-presidente Hamilton Mourão. “Ponto Final” é uma alusão a uma das expressões favoritas de Bolsonaro e também ao nome de uma lei de 1986 na Argentina que pretendeu, mas não conseguiu, interromper processos que levaram à prisão agentes da ditadura no país vizinho.

• No livro, o senhor sustenta que o presidente Jair Bolsonaro segue uma lógica política racional e que o método dele é caos. Que lógica é essa?

Todas as reações de Bolsonaro à pandemia têm a ver com a fidelidade dele a suas convicções autoritárias. Nisso, ele é um político. Normalmente, no início, políticos autoritários não são levados a sério. São tomados como bufões, burros, loucos até que fazem o estrago quando conseguem implantar o autoritarismo que perseguem. Chamá-lo de burro ou louco reforça o Bolsonaro, na medida que o projeto dele é desobrigar as pessoas de pensar. Também o desresponsabiliza, porque um burro ou um louco não é responsável pelos seus atos. Por fim, reforça a imagem que o Bolsonaro tenta passar de ser um não-político. Eu tento demonstrar no livro que ele segue uma racionalidade política, mas tétrica. A gente precisa fazer um esforço para entender essa racionalidade para tentar combatê-la.

• Que racionalidade orientou o presidente a instituir o que é caracterizado no livro como um “governo de guerra”, em vez de um “governo de união nacional”, como fizeram líderes de outros países?

Marcus André Melo* - Onze ilhas ou continente?

- Folha de S. Paulo

Não há surpresas no hiperprotagonismo do STF

No início do governo Bolsonaro, apresentei duas conjeturas sobre o STF. A primeira era que o seu suposto hiperprotagonismo ainda estava por vir, porque era em larga medida epifenômeno da agenda do governo e de eventos externos (escândalos de corrupção etc.). A previsão feita foi que "o STF terá enorme protagonismo no governo Bolsonaro. Será o ator com efetivo poder de veto sobre a agenda iliberal do governo: contrariando iniciativas na área comportamental e de segurança pública e coibindo abusos e violações da separação de Poderes. Essas pautas do governo encontrarão uma virtual unanimidade antagônica no STF".

Em outras palavras, assistiríamos à contenção da agenda iliberal do governo, além do que Hirshl chamou de "judicialização da megapolítica", e que caracteriza as supremas cortes nas democracias atuais. Teríamos assim uma normalização de nossa suprema corte. Sob Bolsonaro, com o fim da polarização causada pela atuação do STF como corte criminal, as críticas ao hiperprotagonismo sofreram radical inversão, mudando de sinal ideológico.

Celso Rocha de Barros* - Democratas vs. Golpistas

- Folha de S. Paulo

É preciso fazer uma frente contra o autoritarismo de Bolsonaro, e, se ela for feita, ela vai vencer

Os bolsonaristas falaram mais de golpe de estado na semana passada do que esta coluna no último ano e meio, o que é um feito admirável. Do “Acabou, porra” de Bolsonaro ao “não é questão de se, é de quando” de Eduardo Bolsonaro, passando por Olavo de Carvalho pedindo a execução de Alexandre de Moraes, o jogo está cada vez mais aberto.

Bolsonaro nunca teve tantos motivos para dar um golpe. Seja pelos atentados à democracia, pela sabotagem à saúde pública ou pelo aparelhamento da Polícia Federal, é difícil imaginar um cenário em que o Brasil continue tendo lei e Bolsonaro não tenha problemas. Ainda tem ideologia, ainda tem projeto de poder, mas agora o golpe é para fugir da polícia.

As chances de sucesso de um golpe bolsonarista já foram maiores: quando tinham Moro e o lavajatismo na mão, quando tinham o dobro de aprovação popular, quando a reeleição de Trump parecia certa, quando ainda havia quem acreditasse em Paulo Guedes, quando Bolsonaro ainda não havia sido o pior governante do mundo no combate à pandemia.

Mas mesmo um golpe fraco pode ser bem-sucedido se não encontrar resistência.

Vinicius Mota - Não vai ter golpe, vai ter jogo

- Folha de S. Paulo

Adversários precisam fazer mais política se quiserem barrar projeto autoritário

Não vai ter golpe, mas vai ter jogo. E o time dos brucutus, que decerto preferiria o golpe, começou a jogar faz um tempinho com a enorme vantagem de estar sentado na estrepitosa máquina do Executivo federal. Eis o que parece hoje o teatro de operações da política nacional.

Nesse tabuleiro, ameaçar com as baionetas, mesmo quando elas não passam de peças decorativas que aludem a um passado obtuso, traz benefícios menores para o grupo no poder. Hipnotiza, com aroma artificial de pólvora, a turma da testosterona e talvez intimide algum adversário.

Mas a retórica do arreganho produz seu maior efeito, para o situacionismo, quando leva muitas forças que poderiam estar trabalhando na concretude da política para isolar e enfraquecer o bolsonarismo a preocupar-se mais com a preservação do enquadramento do regime e menos com o que ocorre em seu miolo.

Leandro Colon - Bolsonaro busca o impasse com o STF

- Folha de S. Paulo

Presidente busca desqualificar Supremo porque sabe que tribunal pode ser a origem de sua derrocada

Agrava-se a pandemia do coronavírus e Jair Bolsonaro não está preocupado. Agrava-se a crise política e o presidente da República não se comporta como quem deseja o seu distensionamento.

Ele não se constrange em andar a cavalo na Esplanada e passear de helicóptero às custas do dinheiro público para forjar cenas de apoio popular.

Os lampejos de diálogo que sinaliza num dia esvaem-se em seguida quando prestigia um protesto antidemocrático. Mais uma vez, Bolsonaro foi o protagonista de um ato anti-STF na Praça dos Três Poderes.

A única preocupação do presidente hoje é estimular o impasse com o Supremo porque sabe que o tribunal pode ser a origem de sua derrocada.

Manifestos pró-democracia buscam recriar clima de Diretas Já após ataques de Bolsonaro

Textos defendendo Constituição e separação de Poderes unem adversários ideológicos

Fábio Zanini | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Uma profusão de manifestos em favor da democracia após ataques do presidente Jair Bolsonaro a instituições tomou as redes sociais e as páginas de jornal nos últimos dias, buscando recriar um certo clima de Diretas Já.

Se a comparação com o movimento de 1984 ainda pode soar um tanto exagerada, há um paralelo evidente entre os dois momentos.

O principal, a união de adversários ideológicos contra um inimigo comum, associado ao autoritarismo. Em geral, contudo, não há defesa explícita do afastamento do presidente.

A maior iniciativa é o Movimento Estamos Juntos, lançado no sábado (30) e que resgata a cor amarela —símbolo do Diretas Já. No fim de semana, arrebanhou assinaturas online ao ritmo de 8.000 por hora e reunia mais de 150 mil até a noite deste domingo (31).

“Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”, afirma o texto.

A lista de signatários vai de apoiadores do socialismo a defensores do Estado mínimo. Os manifestantes afirmam representar mais de dois terços da população, referindo-se ao apoio de cerca de 30% a Bolsonaro registrados em pesquisas do Datafolha e outros. Há até mesmo um movimento chamado “Somos 70 porcento”, que ganhou as redes sociais.

No entanto, entre os nomes mais reconhecíveis, parecem raros os conservadores e dissidentes do bolsonarismo —o músico Lobão é um deles.

O texto não cita o presidente, mas manda recado claro a ele ao cobrar respeito à Constituição e à separação dos Poderes.

Bruno Carazza* - 70 contra 30

- Valor Econômico

Impasse estatístico imobiliza e leva o país ao confronto

Em 11 de outubro de 2013, poucos meses após as manifestações de rua que sacudiram o país, o Datafolha foi a campo para mapear o perfil ideológico dos brasileiros. Naquele momento, 29% dos entrevistados consideravam que possuir uma arma deveria ser um direito de todo cidadão para se defender da violência e 46% acreditavam que a pena de morte seria a melhor punição para indivíduos que cometessem crimes graves.

O mesmo levantamento ainda indicava que 33% associavam a pobreza à preguiça de quem não queria trabalhar. E 26% defendiam que a homossexualidade deveria ser desencorajada por toda a sociedade.

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 porque soube como ninguém captar o sentimento da maioria do eleitorado quanto à corrupção revelada pela Lava-Jato, à enorme recessão de 2015/2016 e aos temores gerados por um eventual retorno do PT ao poder.

O que muita gente esquece de levar em conta - ou teima em não reconhecer - é que a chegada do ex-capitão ao Palácio do Planalto foi a vitória, sobretudo, de uma parcela de 25% a 30% da população que comunga plenamente com sua visão conservadora e autoritária - um contingente expressivo de pessoas que defendem o uso da força militar para manter a ordem, prega a defesa da “moral e dos bons costumes” e é contrária às políticas de proteção social e redistribuição de renda.

Gustavo Loyola* - O mal da ignorância

- Valor Econômico

Quaisquer medidas que enfraqueçam a capacidade do setor bancário de ofertar crédito prolongarão a crise econômica

A severa crise econômica e social desencadeada pela pandemia da covid-19 tem estimulado o surgimento no Congresso Nacional de propostas com medidas cujos resultados podem vir a ser muito mais desastrosos do que o próprio mal que se pretende combater. O setor bancário, em particular, tem sido especialmente visado por iniciativas legislativas que, se levadas adiante, terão efeitos extremamente nocivos na economia, tanto no curto prazo quanto no longo prazos.

Uma principais alavancas para a recuperação da economia brasileira no pós-covid terá que ser necessariamente a expansão do crédito para famílias e empresas. Desse modo, quaisquer medidas que enfraqueçam a capacidade do setor bancário de ofertar crédito terão como consequência inevitável o prolongamento da crise econômica, agravando o desemprego e a crise social.

Os bancos e por consequência o mercado de crédito têm sido vítimas costumeiras de um tripé formado pela ignorância, pelo preconceito e pelo oportunismo. No Brasil, a história demonstra que a prevalência desse tripé - notadamente em situações de crise econômica - trouxe à luz políticas públicas de péssima qualidade que apenas contribuíram para comprometer o desempenho da economia.

Sergio Lamucci - O desolador cenário para o consumo

- Valor Econômico

Situação do mercado de trabalho é muito complicada e nível de endividamento é elevado, uma combinação negativa para o principal componente do PIB pelo lado da demanda

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda sonha com uma recuperação em “V” da economia brasileira, passado o impacto mais forte da pandemia, mas a aposta nessa trajetória exige grandes doses de otimismo. As perspectivas para o investimento são muito negativas, num país em que o combate à pandemia é desorganizado, há uma grave crise política e existe enorme capacidade ociosa. Além disso, o consumo das famílias vai sofrer muito, tendo um cenário extremamente complicado pela frente. O panorama para o mercado de trabalho é preocupante e os consumidores deverão sair ainda mais endividados do quadro atual.

Em resumo, o consumo privado, com peso de dois terços no PIB pelo lado da demanda, não deverá ser o motor da retomada, o que tampouco tende a ocorrer com o investimento. A política fiscal atuará neste ano de modo contracíclico, com expansão de gastos e de crédito dos bancos públicos, atenuando em alguma medida o tombo do PIB, mas a situação difícil das contas públicas é um grande obstáculo para as despesas governamentais sustentarem a atividade.

O setor externo pode trazer algumas boas notícias, com as exportações de produtos agrícolas em alta e o efeito do câmbio desvalorizado. As vendas externas, porém, têm um peso relativamente pequeno no PIB.

Ricardo Noblat - De volta às ruas, outra vez em defesa da democracia ameaçada

- Blog do Noblat | Veja

O conluio entre o capitão e os generais

Quando será mesmo que o general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, emitirá mais uma nota oficial para dizer em nome das Forças Armadas que elas não apoiam o governo do capitão que expulsaram dos seus quadros por indisciplina e conduta antiética, mas que apoiam, sim, a Constituição e a ela continuarão fieis?

Nos últimos 40 dias, ou menos do que isso, foram três notas oficiais com esse mesmo teor, cada uma mais vaga e ambígua do que a outra. O problema é que Azevedo e Silva virou um militante político bolsonarista, de resto como os demais generais ministros do governo, alguns postos originalmente ali para deter os excessos do presidente acidental.

Diga-se: os excessos e a fome de poder do mau militar, assim classificado pelo ex-presidente Ernesto Geisel, que no passado, planejou atentados à bomba contra quarteis para reivindicar aumento de salários para a soldadesca. Às escondidas dos seus superiores, ele complementava o seu soldo associando-se a garimpeiros no antigo Estado do Mato Grosso.

Agora, às claras, sob o estímulo da farda que um dia avacalhou com seus atos, Bolsonaro subverte a ordem que as Forças Armadas dizem que prezam, semeia o ódio entre os seus devotos e tenta abastardar as demais instituições da República. Nos fins de semana, a Praça dos Três Poderes, em Brasília, transformou-se em palco exclusivo dos seus delírios.

Míriam Leitão - A rua não tem dono

- O Globo - 31/05/2020 • 17:21

Não existe o dono da rua. O presidente Jair Bolsonaro se comportava como se a rua fosse dele. O que este domingo mostrou é que o país tem várias vozes. As que o apoiam estão se aproximando perigosamente do que há de pior na extrema direita, o movimento supremacista branco. A manifestação de ontem à noite em frente ao STF, com pessoas de máscara branca, tochas e formação paramilitar, ainda que pequena, trouxe de volta a lembrança do racismo extremo da Ku-Klux-Klan.

Neste domingo Bolsonaro voltou a usar os símbolos das Forças Armadas, de helicóptero da Força Aérea à cavalgada ao lado da Polícia Militar, participou de manifestações, nas quais minutos antes, entoava-se que a “toga vai virar pano de chão”. Nos últimos meses, sempre que foi aconselhado pelos seus ministros a não incentivar nem participar de manifestações, Bolsonaro respondeu: “eu só tenho as ruas”.

As ruas pareciam unânimes porque os que discordam do presidente estão tentando respeitar as normas de segurança de não fazer aglomeração para não espalhar ainda mais o coronavírus. O presidente se aproveitou desse afastamento forçado e estimulou seus apoiadores. A cada domingo, Bolsonaro se apresenta em frente ao Planalto para receber os abraços de manifestantes que gritam palavras de ordem, ou carregam faixas, contra o STF ou o Congresso. Até ontem, nada havia em sentido contrário, exceto o bater de panelas nas janelas das pessoas em quarentena.

Gustavo Krause - A estupidez

- Blog do Noblat | Veja 

O leitor vai ficar intrigado

Trata-se de conceito unificador das múltiplas formas que afetam o comportamento humano.

Em 1976, Carlo Cipolla (1922-2000), historiador e economista, escreveu precioso ensaio em inglês, língua que, segundo ele, era a única a permitir a apreciação de sua obra. Somente em 1988, aceitou a ideia da versão italiana, Allegro ma non tropo, que torna disponível a primeira edição de As Leis Fundamentais da Estupidez Humana (Ed. Planeta, 2020) traduzida da versão original. (ATENÇÃO: qualquer semelhança com fatos, situações e pessoas é mera coincidência)

Primeira Lei: “Todo mundo subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação”. Este número é uma constantede estúpidos, a fração B’.

Segunda Lei: “A probabilidade de uma pessoa ser estúpida independe de qualquer outra característica dessa pessoa”. Constatação subversiva: os homens não nascem iguais. Sem conversa mole de “padrões culturais”. O ser nasce estúpido por obra da Providência. E as pesquisas comprovaram (é evidência científica!) que a constante B’ está presente nas pessoas, independente de sua condição social. Na Universidade, por exemplo, a fração B’ está presente entre o pessoal da limpeza, PhDs e vencedores dos prêmios Nobel.

Gaudêncio Torquato - Mentiras, versões e lorotas

- Blog do Noblat | Veja

Fake

De onde parte essa onda de fake news, versões, simulações e dissimulações que se espraia durante a epidemia? Nunca se ouviu tanto disse me disse, essas invencionices pelas redes sociais, gravações de conversas, vídeos editados, vazamentos de mensagens, envolvimento de policiais, de juízes e procuradores.

Fragmentos dos últimos dias: Bolsonaro tentando interferir na PF; uma desastrada reunião, farta de palavrões; hordas bolsonaristas agredindo jornalistas e portando faixas contra Legislativo e Judiciário; pedidos de prisões para ministros do Supremo; ações policiais sob viés político, uma profusão de informações e falsidades.

Onde estará a verdade? Ou, o que é verdade?

O fingimento faz parte da nossa cultura e se expande com a polarização. Mas fingir parte de nossa índole. Nosso folclore político, por exemplo, é farto em matéria de esperteza.

Sebastião Nery narra um exemplo: “José Maria Alkmin, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A Alfândega quis saber.

– Água milagrosa de Fátima.

– Mas tudo isso, doutor Alkmim?

– Sim, o pessoal de Minas acredita muito nos milagres de Fátima.

– O senhor pode desenrolar?

– Pois não, meu filho.

– Mas, deputado, isso é uísque.

– Ué, não é que já se deu o milagre?

O que a mídia pensa - Editoriais

• É urgente a união pela defesa da democracia – Editorial | Valor Econômico

O momento exige prudência e pleno respeito ao Estado democrático de direito

Semana após semana, sucessivos indicadores traduzem em números a pavorosa situação provocada pela pandemia de covid-19 no país. O registro de mortes causadas pelo novo coronavírus beira os 30 mil, a pobreza aumenta e milhões de brasileiros aguardam que as medidas adotadas pelo governo tenham efeito. Algumas das principais autoridades do país, contudo, parecem se esforçar para que uma crise institucional se instale e deteriore um cenário que já é muito preocupante.

O momento exige prudência e pleno respeito ao Estado democrático de direito. A História não perdoa os homens públicos que fogem de suas responsabilidades em momentos de crise. E é implacável com aqueles que, em nome de projetos pessoais de poder, contribuem para a falência da democracia.

O ideal seria que um primeiro passo em direção à pacificação institucional fosse dado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Infelizmente, isso parece estar longe de acontecer. Depois de entrar em choque com o Congresso Nacional e alguns governadores, Bolsonaro agora entende que está sendo indevidamente tolhido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Acredita que algumas decisões dos ministros da Suprema Corte estariam usurpando seus poderes, avançando sobre atribuições do chefe do Poder Executivo e prejudicando seus aliados.

Poesia | Mario Quintana - Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…