sábado, 6 de junho de 2020

Supremo deve firmar seu peso constitucional – Editorial | O Globo

Julgamento do inquérito sobre as fake news serve para a Corte alertar Bolsonaro sobre seus limites

Não se deve tirar a importância de acenos de trégua de Bolsonaro para o Supremo. Um motivo para o presidente abaixar o tom é que tramitam no Judiciário assuntos de seu interesse. Um deles, o inquérito das fake news, aberto no STF, é conduzido por Alexandre de Moraes, e terá seu destino julgado na quarta-feira, em um processo instaurado a pedido do partido Rede, que questiona a forma como as investigações foram abertas: por decisão do próprio presidente da Corte, sem ouvir o Ministério Público, tendo designado Alexandre de Moraes, sem sorteio, para presidi-las.

Toffoli se valeu do regimento interno do Supremo para tomar essas decisões, a fim de averiguar ataques à Corte e ameaças aos ministros em redes sociais, meio em que o bolsonarismo radical trafega. A situação esdrúxula de uma Corte investigar, denunciar e julgar levou o Rede a recorrer contra o inquérito por “vícios” na sua abertura, também contestada pelo MP. Mas a crise institucional cresceu, e no avanço de Bolsonaro contra a Constituição foi ficando claro que a usina de fake news e a provável adesão de empresários a este projeto de “ruptura”, como diz o deputado Eduardo, o “03”, poderiam sinalizar a existência de uma organização criminosa: blogueiros, disparadores de notícias falsas contra pessoas e instituições, manifestações periódicas pela volta da ditadura, todo um complexo financiado por gente que tem dinheiro. Seja como for, os primeiros mandados de busca e apreensão expedidos por Moraes irritaram o Planalto. Visaram a blogueiros e deputados bolsonaristas, e a empresários próximos ao presidente (Luciano Hang, um deles). E o novo aliado do presidente, Roberto Jefferson (PTB), ex-mensaleiro e ex-presidiário.

Merval Pereira - Os tropeços de Bolsonaro

- O Globo

Seu desapego às consequências da pandemia tira-lhe mais apoios do que a insistência em reabrir a economia

A compostura do presidente Bolsonaro não é nem de uma pessoa normal, quanto mais a de um presidente da República. Não falar sobre a nossa tragédia sanitária no dia em que chegamos a um morto por minuto, mesmo ao inaugurar um hospital de campanha construído para enfrentar a pandemia, é sinal de desumanidade incomparável. Tropeçou física e metaforicamente nos seus próprios erros.

O que ele não entende é que seu desapego às consequências da pandemia tira-lhe mais apoios do que a insistência em reabrir a economia, supostamente preocupado com os que precisam trabalhar para ganhar a vida. Mas o risco de aumento do número daqueles que perdem a vida por estarem na rua trabalhando na informalidade é muito maior do que a alegada possibilidade de morrerem de fome.

O absurdo é que o governo não esteja totalmente mobilizado para essa tragédia nacional. E não temos nem ministro da Saúde. O próprio presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, espelho para Bolsonaro, criticou a maneira como o Brasil está enfrentando a pandemia da Covid-19, dando como exemplo do que não deve ser feito a Suécia, elogiada por Bolsonaro, e o nosso país.

Trump fez uma conta aterradora. Disse que se os Estados Unidos tivessem agido como o Brasil, milhões de americanos teriam já morrido. Isso num país em que mais de cem mil pessoas já morreram, mais do que em todas as guerras em que os Estados Unidos se meteram depois da Segunda Guerra Mundial.

Míriam Leitão - Os desafios e a resistência

- O Globo

Índios fazem isolamento. O desmatamento pode causar novas pandemias. Há resistência contra o desmonte. As ideias de um debate

Os índios estão se afastando das aldeias e entrando mais profundamente na floresta para fazer o isolamento social. Foi o que o fotógrafo Sebastião Salgado contou. O desmatamento pode liberar outros vírus e bactérias que hoje vivem em equilíbrio no ecossistema da Amazônia, por isso, preservar a floresta é proteger a humanidade contra novas pandemias. Foi o que disse o cientista Paulo Artaxo, da USP. Temos o que celebrar na área ambiental: a resistência do ambientalismo, da comunidade científica, da sociedade brasileira. É o que pensa a ex-ministra Marina Silva.

Ontem, eu mediei um debate entre os três aqui no jornal, pelo dia do meio ambiente. Cada um de sua casa, como convém nos tempos atuais. De Paris, Sebastião Salgado está em contato direto com o solo da Amazônia. Ele disse que das comunidades indígenas saem as informações mais precisas do que ocorre na floresta. Perigos imensos rondam os povos indígenas.

— Na terra Yanomami há 22 mil garimpeiros, e eles podem levar a Covid-19, além da destruição ambiental. No Vale do Javari, onde vivem os isolados Korubo, há também os garimpeiros. É conhecido que os indígenas não têm as defesas imunológicas que nós temos. Na Amazônia há a maior riqueza cultural do planeta, mais de 300 tribos que falam quase 200 línguas, há 120 grupos que nunca foram contactados. Pode haver um genocídio — diz Salgado.

Ascânio Seleme - ‘Vou chamar o Pires’

- O Globo

Não é a primeira vez que acontece de um presidente acuado ameaçar a nação com a convocação das Forças Armadas

Não é a primeira vez que acontece de um presidente acuado ameaçar a nação com a convocação das Forças Armadas. Jair Bolsonaro é mestre em citar os militares como salvadores da pátria sempre que se encontra em situação difícil, causada normalmente por ele mesmo em razão de declarações estapafúrdias ou gestos politicamente equivocados. O último general-presidente da ditadura iniciada em 1964, João Figueiredo, repetiu inúmeras vezes a frase “Olha que eu vou chamar o Pires”, sempre que um fato o incomodava. O Pires de Figueiredo era o carrancudo Walter Pires, ministro do Exército.

A frase de Figueiredo queria significar uma volta ao passado, à linha-dura. Embora Figueiredo tenha sido o último presidente do regime, a ditadura vivia seus estertores. O presidente tinha ainda poderes excepcionais, como o decreto-lei, uma espécie de Medida Provisória de sinal trocado. O decreto passava a valer no ato da sua publicação e só perdia a validade se o Congresso o derrubasse. A MP cai se o Congresso não a apreciar. Mas o famigerado Ato Institucional número 5 havia sido revogado. E aos poucos o país voltava à normalidade com a Anistia de 1979, a volta dos exilados e a libertação de todos os presos políticos

Nos últimos anos do governo Figueiredo, fora os extraordinários problemas econômicos, o Brasil só queria eleger o próximo presidente e desenhar uma nova Constituição para substituir a Carta escrita pelos militares. O primeiro objetivo foi enterrado com a derrota da emenda Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta, mas o substituto do último ditador seria o civil Tancredo Neves, adversário da ditadura. E a nova Constituição democrática, que o deputado Ulysses Guimarães batizou de “Constituição Cidadã”, era só uma questão de tempo.

Nau sem rumo - Editorial | Folha de S. Paulo

País bate marca de 1 morte/minuto por Covid-19, sem ministro e com dado atrasado

Uma morte a cada minuto —eis o saldo trágico de brasileiros tombados pela Covid-19 na quinta-feira (4). Completados cem dias desde o primeiro diagnóstico da doença, o país anotou 1.473 vidas perdidas em 24 horas e cruzou a marca das 34 mil, a maior parte delas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pará e Pernambuco.

Ultrapassou ainda a quantidade de mortes contabilizadas na Itália, figurando hoje somente atrás de Reino Unido (40 mil) e EUA (107 mil) nesse ranking lúgubre.

Já os casos confirmados passam de 600 mil, soma inferior apenas à registrada nos Estados Unidos. Tais número, por horripilantes que sejam, revelam apenas parte da realidade. A subnotificação grassa no país, alimentada pela escassez de testes e por estratégias equivocadas de identificação dos enfermos.

Ao contrário do que ocorre em outras nações recordistas, no Brasil a curva de contágios ainda se encontra ascendente, alertam especialistas, e não atingimos ainda o pico de casos diários.

Enquanto a economia continua se agravando, acentuam-se pressões sobre prefeitos e governadores para o afrouxamento das medidas de quarentena, principal instrumento de controle à mão até que haja vacinas e remédios eficazes.

Julianna Sofia - Paz, amor e cargos

- Folha de S. Paulo

Ministério da Saúde se divide entre fisiologismo político e burocracia militarizada

Jair Bolsonaro entregou mais um anel ao centrão na bufonaria que promove com cargos públicos para tentar blindar seu mandato. Nomeou para a Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde —área nevrálgica no combate à pandemia— um afilhado político dos partidos com os quais negocia verbas e postos-chave em troca de apoio.

Mais de uma dúzia de posições foram franqueadas pelo Palácio do Planalto a essas legendas desde que as fagulhas do impeachment passaram a chispar mais alto. Outras secretarias da própria Saúde são objeto da cobiça, e a presidência da Funasa foi parar nas mão do PSD.

(Aliás, sob a interinidade do general Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde passa por uma extravagante mutação e adquire feições híbridas entre o fisiologismo político e a burocracia militarizada. Já são ao menos 26 fardados no órgão.)

Alvaro Costa e Silva - A ressaca de Bolsonaro e Witzel

- Folha de S. Paulo

Produtos da 'nova política', o presidente e o governador do Rio agem como o roto falando do esfarrapado

Além de chamá-lo de “estrume” no furdunço ministerial de 22 de abril, Jair Bolsonaro mandou um recado a Wilson Witzel: “Brevemente, já sabe onde ele deve estar”. Com sua bola de cristal e seu português estropiado, o que o presidente quis dizer? Que o governador sofrerá impeachment? Ou que será preso, tal e qual cinco ex-ocupantes do cargo (Pezão, Cabral, os Garotinhos, Moreira Franco)? Ou que irá direto para o pelotão de fuzilamento?

Alvo de dez pedidos de impeachment desde que foi deflagrada a Operação Placebo (comemorada pelo presidente e apelidada por deputados bolsonaristas de Operação Covidão), a qual investiga irregularidades na área da saúde durante a pandemia, WW ainda teve as contas de 2019 rejeitadas pelo TCE.

Para diminuir a pressão dos deputados e das investigações criminais que também envolvem a primeira-dama Helena Wizel, ele fez uma limpa no governo, trocando seis secretários, entre os quais seu braço direito, Lucas Tristão, que comandava a Secretaria de Desenvolvimento Social e Econômico. Tristão tinha um relacionamento próximo com o empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito.

Alessandro Vieira* - Mais transparência

- Folha de S. Paulo

Não há interesse real dos provedores em proteger a sociedade

É inegável o impacto das chamadas fake news na sociedade. Um dos mais perversos se dá na vida e na saúde das pessoas. Hoje, diante da pandemia de Covid-19, a OMS e a ONU conclamam o mundo a, além de combater o novo coronavírus, lutar contra o fenômeno da desinformação em massa, a “infodemia”.

Outro efeito perverso da “desinformação” massiva é a radicalização política do país, com consequências graves à democracia. Neste ano haverá eleições municipais e, se nada for feito, é provável que, numa atividade criminosa, a livre escolha do cidadão continue sujeita à manipulação.

É certo que precisamos identificar e penalizar infratores ou grupos organizados que têm como fonte de renda e método de trabalho a criação e disseminação de notícias falsas, valendo-se de robôs e contas inautênticas nas redes sociais. Mas também o intermediário da informação, as plataformas, pode e deve contribuir no combate ao problema.

O modelo bilionário de negócio dos monopólios de comunicação em massa, que são as plataformas de redes sociais e de mensagens, é baseado em engajamento —medido por cliques, curtidas, compartilhamentos. Estudos mostram que o conteúdo radicalizado, chocante e que causa indignação, é mais lucrativo. Logo, não há interesse real dos provedores em iniciativas para proteger a sociedade em detrimento de seus lucros. É isso que precisa mudar.

Eugênio Bucci* - O problema é outro (e pior)

- Folha de S. Paulo

Tal vigilância prévia é incompatível com a natureza das redes

Na sanha legiferante de sapecar uma lei que opere o milagre de varrer as fake news das terras brasileiras, os (as) parlamentares podem agravar a doença da desinformação que já está inoculada na democracia. No furor legifobético, embarcam em ideias tóxicas como se fossem soluções mágicas. Na pressa legifuribunda, sucumbem à tentação de exigir das plataformas sociais, como o Facebook, que passem a exercer sobre os conteúdos de suas páginas um controle estrito, como se essas plataformas fossem veículos jornalísticos.

Querem que as empresas armazenem o RG e o CPF de cada usuário, além do endereço certinho, para entregar às autoridades quando elas requisitassem. Querem que as empresas saibam, entre os bilhões de postagens diárias, quais carregam discursos interessados ou maliciosos e quais são meramente informativos. Querem que elas tracem a linha divisória entre a verdade e a mentira. Simples assim. A legifrenia se acha mais poderosa que Deus e produz mais maldades que o diabo.

É lógico que esse negócio vai dar errado. Pedir às plataformas que filtrem textos, áudios e imagens não apenas é algo que não se pode pretender, como é algo que não se deve impor. No mais, é algo que não vai adiantar.

Expliquemos. Não se pode pretender uma coisa dessas porque tal grau de vigilância prévia é incompatível com a natureza das redes. É mais ou menos como se um delegado de polícia quisesse, durante uma final de campeonato de futebol, no meio de uma torcida inflamada de dezenas de milhares de fanáticos batendo bumbo e pulando nas arquibancadas, gravar imediatamente o que grita cada torcedor, em cada segundo. A não ser que vivamos num pesadelo distópico, é inviável.

Oscar Vilhena Vieira* - Primavera americana

- Folha de S. Paulo

O uso da violência interdita a constituição do negro como sujeito de direito

Os edifícios da democracia liberal norte-americana, assim como de nossa incompleta República, foram construídos sobre o holocausto indígena e da população negra, arrastada em grilhões a este continente.

O fim da escravidão não foi capaz de colocar termo ao racismo e à discriminação, assegurar a igualdade formal, criar condições mínimas de igualdade no plano político e econômico entre os que compõem essas nações, muito menos de reparar todo o mal que lhes foi infligido ao longo dos séculos.

Os avanços promovidos pela democracia têm se mostrado lentos e insuficientes, como apontam os mais diversos indicadores sociais e econômicos. Lá e cá, negros recebem menos educação, têm menos acesso a serviços e bens públicos. Consequentemente, suas oportunidades, remuneração, expectativa de vida e bem-estar ficam abaixo da dos brancos. A manutenção dessa subordinação econômica e social não são acidentais, mas sim constitutivas do “bom” funcionamento de sociedades hierárquicas e injustas e o conforto dos que as dominam.

O racismo que estrutura nossas sociedades legitima a exclusão das populações negras e indígenas dos espaços de poder, dos ambientes corporativos, das profissões mais valorizadas e mesmo da esfera cultural, assim como naturaliza suas presenças no trabalho doméstico, na limpeza pública, na construção civil, no campo e em tantas outras atividades menos rentáveis.

Demétrio Magnoli* - De King a Floyd, meio século perdido

- Folha de S. Paulo

Nos EUA, o racismo saiu dos códigos legais, mas não das consciências

Martin Luther King foi assassinado em abril de 1968. No rastro do tiro fatal, manifestações pacíficas e atos de vandalismo misturaram-se em dezenas de cidades. Richard Nixon venceu as eleições, seis meses depois, prometendo restabelecer a "lei e ordem". Trump inspira-se no roteiro de Nixon para matar King pela segunda vez.

A Lei dos Direitos Civis (1964), obra de King, inscreveu a igualdade dos cidadãos na letra da lei. Mas o racismo institucional sobreviveu à derrota, instalando-se principalmente na casamata do sistema judicial e policial. "Não consigo respirar": negros temem circular nas ruas, pois são alvos prioritários da brutalidade policial, e enfrentam tribunais que usam réguas diferentes para punir violações similares. George Floyd é a vítima mais recente de uma barbárie perene.

Nixon inaugurou os programas de preferências raciais no serviço público e nas universidades. As ações afirmativas, na linguagem de alguns, ou racismo reverso, na de outros, tornaram-se um programa bipartidário, adotado por democratas e republicanos, durante três décadas. Sob o manto delas, a cisão racial perdurou, como uma âncora que prende os EUA à areia grossa da "nação de colonos".

O engodo e o embuste na vida pública – Editorial | O Estado de S. Paulo

Além de desqualificar opositores no plano moral, uma prática fascista, Bolsonaro acusa os que protestam contra ele de ser inimigos da liberdade

Na vida política, as mentiras costumam ser mais plausíveis do que a realidade, uma vez que o mentiroso tem a vantagem de saber de antemão o que a plateia deseja. Ele prepara sua história para consumo público, de modo a torná-la crível. Com isso, a verdade tende a desaparecer da vida pública, corroendo a estabilidade democrática. Esta é a conclusão de um dos ensaios mais discutidos no final da década de 1960, sobre o uso da mentira na política.

De autoria da filósofa alemã Hannah Arendt e incluído no seu livro Crises da República, o ensaio discute o embuste e a falsidade deliberada como meios que determinados políticos utilizam para alcançar fins imorais e torpes. Também analisa as estratégias de vazamento de informações e a construção de narrativas que permitam interpretação deturpada dos fatos antes mesmo de eles acontecerem. “A veracidade nunca esteve entre as virtudes políticas. A capacidade de mentir e a capacidade de agir devem sua existência à mesma fonte: imaginação”, diz Arendt.

Escritas há cinco décadas, essas palavras são de uma atualidade preocupante quando relidas à luz do que disse o presidente Jair Bolsonaro na quinta e na sexta-feira passadas, sobre os atos convocados por diferentes órgãos da sociedade civil para protestar contra as manifestações semanais de bolsonaristas em favor de uma ditadura militar por ele chefiada. Nas lives de que participou e nos discursos que fez nesses dois dias, Bolsonaro comportou-se como se o ensaio de Hannah Arendt tivesse sido escrito com base em suas falas.

Miguel Reale Júnior* - Ação afirmativa

- O Estado de S.Paulo

A sociedade civil resolveu vir à tona para proclamar a defesa da democracia

Vive-se contínuo desassossego em tempos de Bolsonaro, fonte única de uma crise política que não tem outra razão de ser que não sua personalidade conflituosa.

Tem-se a impressão de estar a fazer viagem no trem fantasma ao percorrer o Palácio do Planalto: na primeira curva encontra-se a figura da viúva do coronel Ustra com um retrato do marido com dizeres em letra grande: Herói Nacional. Logo em seguida, tromba-se com o Major Curió em cadeira de rodas sendo homenageado. Depois de pequena reta, surge o rosto encaveirado de Roberto Jefferson vociferando contra os vagabundos do Supremo Tribunal Federal. Um longo túnel retrata os grupos dos domingos presidenciais antidemocráticos, bolsonaristas carregando faixas clamando pelo fim do Congresso Nacional. No final da viagem encontra-se, bem sentado numa poltrona, sorridente, o ex-deputado Valdemar Costa Neto.

Em face de investigação pelo Supremo sobre as fontes das fake news, com determinação de busca e apreensão em endereços de apoiadores do presidente que constituem a origem da indústria de notícias falsas, veio uma reação desmedida, com a pregação da possibilidade até mesmo de guerra civil por dezenas de coronéis, com aviso nesse sentido pelo ministro do GSI e o comentário do deputado Eduardo, o filho 03, reconhecendo inafastável a ruptura, bastando saber quando ocorreria.

Bolívar Lamounier* - Elegia para um país à deriva

- O Estado de S.Paulo

Triste como se comporta um presidente, que deveria contribuir para desarmar os espíritos

Em janeiro de 2019 Jair Messias Bolsonaro subiu a rampa do Palácio Planalto convencido de que seus eleitores lhe haviam outorgado um mandato para fazer o que bem entendesse. É um fato comum no sistema presidencialista de governo.

O eleito tende a pensar que dezenas de milhões de eleitores compareceram às urnas com um único pensamento. Sabiam exatamente os objetivos que o candidato de sua preferência deveria perseguir, e por que deveriam fazê-lo. Uma parte deles por certo se lembrava de que, na democracia, o poder é exercido dentro de limites estipulados na Constituição e nas leis, e também pela existência do “outro”, ou seja, dos adversários, que foram derrotados, mas não deixaram de existir.

Embora típico do sistema presidencialista, no caso de Bolsonaro o sentimento de onipotência a que acima me referi apresenta riscos adicionais de suma importância.

Primeiro, ele vê aquela enorme massa de votos como a voz do “povo” - de todos os brasileiros - e a escolha dele entre os diversos candidatos como um reconhecimento dos méritos que supostamente possui. Ora, ninguém ignora que a maior parte de sua votação se deveu à rejeição generalizada ao PT e ao desastroso legado dos governos petistas; e, complementarmente, ao péssimo desempenho dos partidos de centro, que não conseguiram se unir em torno de uma candidatura e de símbolos apropriados ao tenso momento sob o qual o Brasil tem vivido já há vários anos.

Uma pequena parcela do eleitorado intuiu que o candidato pretendia fazer reformas. Designado com antecedência, Paulo Guedes sinalizava uma orientação liberal na economia, e ele mesmo, Bolsonaro, falava em acabar com a “velha política”, expressão tão vaga como o “contra tudo o que aí está” dos primórdios do PT. A cereja do bolo - quero dizer, a parte mais esdrúxula do imaginário mandato bolsonarista - ficou a cargo do sábio da Virgínia. Seria o combate a um moinho de vento por ele denominado “marxismo cultural”.

Adriana Fernandes - Velha política

- O Estado de S. Paulo

O futuro de Guedes está atrelado ao apoio do Centrão nas próximas votações

A queda relâmpago de Alexandre Borges Cabral, o indicado pelo Centrão para a presidência do Banco do Nordeste (BNB), mostrou falhas e atropelos no ritual de checagem dos nomes apresentados pelas lideranças dos novos aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. O “sistema de informação” do presidente não funcionou bem.

Não foi uma boa estreia para a “nova-velha” política de coalizão que Bolsonaro busca com o casamento com as lideranças do Centrão que, aliás, já deu resultados em votações importantes para o governo nas últimas semanas.

Cabral caiu menos de 24 horas após sua posse, no rastro da revelação pelo Estadão de que era alvo de uma apuração conduzida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre suspeitas de irregularidades em contratações feitas pela Casa da Moeda durante sua gestão à frente da estatal, em 2018. O prejuízo é estimado em R$ 2,2 bilhões.

A indicação acabou não passando pelas checagens que costumam ser feitas pela Secretaria de Governo do Palácio do Planalto, que podem vetar a indicação. Com isso, não houve o alerta interno das investigações em curso contra Cabral no TCU, o que gerou a decisão de sua exoneração.

A queda foi rápida; porém, nada tem a ver com algum tipo de resistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, em ceder cargos do seu vasto ministério, com cinco bancos públicos e outras tantas estatais.

Sérgio Augusto - Só o ódio não é fake

- O Estado de S.Paulo

Livro reconstitui a evolução da ideia fixa de que comunistas planejam dominar o Brasil

A editora Todavia acaba de entrar em alto estilo no mercado de livros eletrônicos, com uma coleção de ensaios meditados e produzidos durante a pandemia por intelectuais do calibre da economista Laura Carvalho e dos cientistas políticos Marcos Nobre e Conrado Hubner. São e-books com, em média, 100 páginas (ou telas), todos fulcrados no inacreditável governo Bolsonaro e à venda em plataformas como Amazon e Apple. O primeiro da série, Ponto-Final, de Nobre, está na rede desde o último dia 29.

No fim deste mês, a editora Caminhos lança Guerra Cultural e Retórica do Ódio: Crônicas do Brasil, de João Cezar Castro Rocha, em formato tradicional. Castro Rocha é professor de literatura comparada da Unerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e um obstinado estudioso do iracundo obscurantismo bolsonarista desde quando todo mundo só tinha olhos para a Lava Jato e a agenda econômica do Posto Ipiranga.

Os dois livros, inteligentes, bem argumentados e sem ressaibo acadêmico, nos ajudam a compreender com consistência e sutileza o pesadelo que passamos a viver depois da eleição do mais ignorante, grosseiro e nefasto presidente da história da República. São duas análises complementares, sem ordem preferencial de leitura, embora por enquanto apenas Ponto-Final, por sorte o de maior amplitude, esteja disponível.

Hubner trata da guerra de Bolsonaro contra a democracia em suas várias instâncias, o que inclui, evidentemente, sua guerra contra a cultura. Ainda durante as eleições de 2018, Hubner rotulou o futuro presidente de “o candidato do colapso”, labéu paulatinamente justificado nos primeiros 14 meses de seu mandato. A pandemia pode apressar a derrocada.

O capitão não governa, só sabe hostilizar, ameaçar, agredir, cortar verbas, destruir. “Ele transformou a devastação em estilo de governo”, diz Hubner. Em seu governo, só o ódio não é fake. Cercado de ministros civis e militares de inauditas incompetência e sabujice, ele não preside, ele comanda uma guerra. Civil. Prometida reiteradas vezes. E é por isso que se empenha em armar a população, como se dela, armada, precisasse para se proteger dos 70% que não o apoiam. Mas as milícias precisam renovar seu arsenal, certo?

João Gabriel de Lima - Na praia com o tubarão

- O Estado de S.Paulo

O mundo do conhecimento, tal qual no enredo de ‘Tubarão’, ganhou prestígio na pandemia

Soa a música tenebrosa de duas notas: mi-fá. Mi-fá. Mi-fá-mi-fá. Mi-fá-mi-fá-mi-fá-mi-fá... O sol ilumina as águas, e elas se tingem de sangue.

Quer uma dica de filme para a quarentena? Tubarão, velho clássico de Steven Spielberg (tem no Netflix). Toda vez que o tema de John Williams toca, o espectador se arrepia. É o prefixo do oceano vermelho. O tubarão não aparece, mas os personagens sentem sua presença na carne. Ou melhor, seus dentes.

Na maior parte do filme, o peixe é um inimigo invisível. Como o novo coronavírus.

O paralelo entre a ficção de ontem e a realidade de hoje se justifica. Principalmente quando se revê (tem no YouTube) uma das cenas mais famosas do filme: o diálogo entre Larry Vaughn, prefeito da cidadezinha de Amity, e o cientista Matt Hopper. O mundo da política e o mundo do conhecimento. Não é bem um diálogo – é briga mesmo.

Depois dos primeiros ataques do tubarão, Hopper sugere ao prefeito que feche as praias, para evitar novas vítimas: “Só há dois jeitos de combater o tubarão. Matá-lo ou cortar seu suprimento de alimentos, as pessoas”. Vaughn, em seu paletó com âncoras estilizadas, teme pela fuga dos turistas em plena temporada de verão.

Entrevista | Gabeira: ‘Generais viram que proposta de Bolsonaro é a guerra civil’

Para jornalista, presidente tornou-se fator de radicalização dos militares e pode recorrer a PMs para dar um golpe

Wilson Tosta | O Estado de S.Paulo

RIO – Um ano atrás, o jornalista Fernando Gabeira tinha críticas ao presidente Jair Bolsonaro, mas avaliava que as instituições eram suficientes para contê-lo, como expressou em junho de 2019 em entrevista ao Estadão, onde é colunista. Não pensa mais da mesma forma. A pregação em favor de armar a população, que o mandatário fez na reunião de 22 de abril com ministros, seus movimentos para atrair as Forças Armadas com verbas e cargos e sua aproximação das Polícias Militares foram decisivos para o jornalista mudar de ideia. Agora, Gabeira defende a mobilização dos brasileiros para neutralizar Bolsonaro até 2022 ou para afastá-lo do cargo definitivamente. Para ele, a ação do presidente sugere o espectro de uma guerra civil ou um golpe de Estado, sem, necessariamente, participação direta das Forças Armadas.

“Muito possivelmente ele pode estar articulando um golpe usando Polícias Militares e neutralizando as Forças Armadas”, diz Gabeira, em nova conversa com o Estadão, nesta quinta-feira, 4. “Ele pode estar até em um ponto em que não precise usar as Forças Armadas. Basta que elas fiquem neutras e deixem a Polícia Militar atuar.”

Gabeira critica a postura dos generais que ocupam cargos no ministério porque na reunião do dia 22 de abril ouviram calados o que considerou a defesa explícita da constituição de milícias com fins políticos. “Para mim é absolutamente novo na história do Brasil: os generais ouvindo a ideia de armamento, armar a população para a sua expressão política, sem terem algum tipo de reação”, afirma.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Há quase um ano, em entrevista ao Estadão, o senhor fez algumas críticas ao governo Bolsonaro, mas se mostrou confiante nas instituições para contê-lo. Recentemente, o senhor passou a defender que os brasileiros, no Brasil e no exterior, se mobilizem para barrar um possível golpe do presidente. O que aconteceu?

O primeiro aspecto da minha confiança eram os contrapesos democráticos, que estavam baseados no Congresso e no Supremo. Esses contrapesos não foram alterados, continuam tentando fazer frente a esse processo. Mas há sobre eles, hoje, uma carga muito intensa, a partir do bolsonarismo e dos seus aliados. As manifestações foram claramente dirigidas ao fechamento do Congresso e do Supremo. Então, o que alterou bastante é que o Bolsonaro não está aceitando muito bem a presença desses contrapesos, pelo contrário, está tentando neutralizar alguns deles. Esse é um fato. Outro é a relação com as Forças Armadas, que sempre (desde a redemocratização) tiveram, aparentemente, um papel democrático, e funcionaram, ao longo desses anos, recuperando a sua imagem. E as Forças Armadas foram muito envolvidas pelo Bolsonaro. Não só através do trabalho orçamentário, mas também pela visão da reforma da Previdência dos militares, pela entrada de 3 mil militares no governo, entende? E sobretudo agora pela aliança que fizeram na Saúde. Praticamente, (as Forças Armadas) estão atraindo, participando ou partilhando uma política que pode trazer para elas uma repercussão nefasta. Então, isso tudo alterou muito o quadro.

• Recentemente, houve algum fato que acelerou a sua mudança de opinião sobre o governo Bolsonaro? Por exemplo, a saída do Sérgio Moro?

Não, a saída do Sérgio Moro, não. Mas aquela reunião do (dia) 22 (de abril), que foi divulgada (por vídeo, liberado por ordem do ministro Celso de Mello, do STF) apresentou alguns fatos alarmantes. O primeiro deles, o mais importante para mim, foi a defesa pelo Bolsonaro do uso de armas. Se você lembrar da campanha eleitoral, o Bolsonaro tinha como (base da) proposta de armamento da população a necessidade de se defender do caos urbano, da violência urbana. Cada pessoa poderia ter uma arma para se defender, eventualmente, de um assalto, de uma invasão da sua propriedade. Mas naquela reunião ficou evidente que ele tem uma visão de armas para a expressão da sua visão política. A pessoa armada teria condições de se expressar politicamente através das armas. Inclusive, sugeriu que isso fosse feito contra a quarentena. Quatro generais do Exército estavam presentes e não moveram uma palha, nem houve uma expressão de surpresa. Isso para mim é absolutamente novo na história do Brasil: os generais ouvindo a ideia de armamento, armar a população para a sua expressão política, sem terem algum tipo de reação.

George Gurgel de Oliveira* - O Brasil insustentável e os desafios da sustentabilidade

A semana do meio ambiente nos coloca a necessidade de refletir sobre as nossas relações com o planeta e as mudanças necessárias para enfrentarmos os complexos desafios da sociedade atual na perspectiva de construção de relações sustentáveis da própria humanidade entre si e com a natureza.

A pandemia, vivida por toda a humanidade, está evidenciando ainda mais a insustentabilidade do mundo em que vivemos. O que podemos fazer frente a esta realidade, durante e pós pandemia, na busca da sustentabilidade?

Desde a Revolução Industrial, quando as máquinas são incorporadas aos processos produtivos, modifica-se radicalmente a escala de produção e de consumo, colocando-se a necessidade de ampliação dos mercados, além do Estado nacional, criando-se novas relações políticas, econômicas e sociais, na vida urbana e rural.

Desencadeou-se um processo vertiginoso de transformação da vida cotidiana, modificando a maneira de ser e agir da humanidade, impactando, como nunca antes na história, os ecossistemas e a biodiversidade do planeta.

Consolidou-se uma lógica de produção e consumo que, histórica e atualmente, mostrou-se insustentável. Coloca-se a necessidade de construir uma outra perspectiva de sociedade, ampliando as formas e os conteúdos da democracia, a partir de novas relações políticas, econômicas e sociais.

Estas as questões estruturais a serem enfrentadas para a construção de uma sociedade sustentável, necessária para a sobrevivência de toda a humanidade e do próprio planeta.

Vamos fazer esta travessia? Ou queremos nos autodestruir, destruindo os ecossistemas do planeta, com o atual modelo de sociedade, responsável pela destruição da vida, tanto nos períodos de guerras quanto nos de paz, excluindo bilhões de pessoas das conquistas sociais modernas?

Quais são os agentes políticos, econômicos, sociais e ambientais que serão responsáveis por tais mudanças?

Entrevista | Prof. Paulo Fabio*: O Brasil vive um perigo político imenso

Rodrigo Aguiar | Jornal A Tarde, de Salvador, 04.06.2020)

• Que cenários vê para as próximas semanas no país, após os protestos de grupos contra o governo no último final de semana?

- Acho complicado prever as próximas horas, quanto mais semanas. Quem disser que não está com a vista turva quer iludir ou se iludir. Da minha parte, o que posso ver é um perigo político imenso. Gente com boa fé ser arrastada a um confronto que, caso se consume nesse momento, não aponta para um desfecho democrático. E diante disso o que posso dizer é que é preciso persistir na busca de unidade de todos os democratas, no espírito do manifesto do movimento “Estamos juntos”, que todo cidadão e toda cidadã precisa assinar e divulgar já! É um respaldo social imprescindível a que lideranças políticas e institucionais possam agir e cumprir seu papel, com ainda mais firmeza e eficácia.

Essa unidade acima de posições políticas tem dois objetivos. Primeiro não deixar que desça ladeira abaixo o que se conseguiu reunir de esforços para combater a Covid. Nada, absolutamente nada, é mais urgente nesse momento. Essa luta é sanitária e política e precisa ser sustentada em três frentes: a do máximo isolamento social possível; a do apoio ao trabalho que vem sendo feito no Congresso para decidir medidas e políticas emergenciais a pessoas vulneráveis, empresas empregadoras e os governos estaduais e municipais para que continuem a enfrentar essa pandemia; e a de denunciar e entregar à Justiça a inaceitável sabotagem do governo federal à execução dessas medidas e políticas.

O segundo objetivo é defender, sem ressalvas ou meias palavras, as nossas instituições democráticas reais (Congresso, STF e imprensa) e quem está à frente delas, de ataques que vêm sofrendo de inimigos da democracia, que invocam seu nome em vão. Reagir com firmeza sabendo reconhecer as armadilhas postas por quem quer nos fazer crer que o problema se resolverá bem na queda de braço.

Marcus Pestana - Estamos #JUNTOS

“Somos cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras e fazemos parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia”.

“Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”.

“Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação”.

Assim é aberto o manifesto “estamos #JUNTOS” assinado por expressivas lideranças da sociedade e de diferentes partidos, artistas, intelectuais e por milhares de brasileiros e brasileiras. É o mais expressivo de outras reações da sociedade civil contra a escalada autoritária e a favor da democracia como o BASTA e o SOMOS 70%.

Os manifestos e algumas manifestações de rua mostram que a sociedade brasileira começa a despertar de uma longa anestesia política e se preparando para os embates futuros. Fica evidente que é uma reação às sucessivas mobilizações pela volta do AI-5 e pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF, pilares da República e da democracia brasileira. Após 35 anos da transição democrática, imaginávamos que teríamos cristalizado a estabilidade política e institucional na vida do país. A realidade está nos mostrando que essa verdade é relativa e, afinal, que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Raul Jungmann* - A responsabilidade que nos cabe



- capitalpolítico

Ao poder político cabe definir a Política Nacional e a Estratégia Nacional de Defesa, os objetivos, estrutura e meios das nossas Forças Armadas. Mas ele, o poder político, não o faz, se aliena. A Política e Estratégia vigentes, elaboradas em 2016 quando era Ministro da Defesa, foram votadas na Câmara e no Senado sem audiências públicas, sem emendas, debates e por voto simbólico.

Política e Estratégia contêm as mais altas decisões referentes à defesa da nação, do seu território, da nossa soberania, povo, recursos e interesses nacionais. Fui o relator da Lei Complementar 136 de 2010, e autor das emedas que introduziram tanto a Política quanto a Estratégia, além do Livro Branco da Defesa Nacional dentre as competências do Congresso, de comum acordo com o então Ministro da Defesa, Nélson Jobim.

Nossa expectativa era a de que com base naqueles documentos, o Congresso Nacional iniciasse um diálogo histórico com a sociedade, os partidos e, sobretudo, com as Forças Armadas, sobre o seu papel, estrutura, composição, organização e formação, vis a vis a defesa da nação e o seu papel em um projeto nacional de desenvolvimento. Isso jamais aconteceu.

Apoio a manifestações de rua amplia as divisões na esquerda

Inicialmente, havia uma consenso entre líderes de que os riscos da Covid-19 e a eventual violência dos atos poderia ajudar a fortalecer o discurso de Bolsonaro

Gustavo Schmitt | O Globo

SÃO PAULO — O apoio do PT e de membros do PSOL às próximas manifestações em defesa da democracia e contra o presidente Jair Bolsonaro aprofundou a divisão nos partidos de esquerda. Legendas como PSB, PDT, Rede, PCdoB e Cidadania aconselharam as pessoas a não irem para as ruas por causa da pandemia.

Inicialmente, havia consenso entre líderes dos partidos de esquerda sobre os riscos da Covid-19 e também de que a eventual violência dos atos poderia ajudar a fortalecer o discurso de Bolsonaro sobre o uso inclusive das Forças Armadas na repressão a atos futuros.

O senador Jaques Wagner (PT-BA), vice líder no Senado, chegou a assinar uma nota conjunta com outras siglas que não recomendavam a participação nos atos. O PT, no entanto, divulgou uma nota posterior apoiando as manifestações. O partido disse que Wagner não tinha conhecimento da posição. Parlamentares afirmam que a legenda acabou cedendo à pressão de movimentos sociais. O PT diz que não irá convocar pessoas e nem participar formalmente, mas defende a legalidade dos atos e apenas recomenda cuidados como a utilização de máscaras.

O presidente do PSB nacional, Carlos Siqueira, criticou a postura do PT:

— É uma posição que me parece equivocada. Nesse momento temos que ter responsabilidade com a vida das pessoas — afirmou.

Na tarde de ontem, o PSB divulgou nota com o alerta de que “não é hora de tomar as ruas” em razão da disseminação da Covid-19.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, foi no mesmo tom.

— O PT tem suas posições. Mas a gente fica incoerente se incentiva as manifestações ao mesmo tempo que cobra do Bolsonaro o respeito ao isolamento social.

Uma das vozes mais contundentes na oposição a Bolsonaro, o governador Flávio Dino (PCdoB-MA) também se disse contrário à presença em atos de rua.

— A nossa posição é de resistência democrática em relação ao governo, mas sabemos que agora não é o momento adequado de ir para a rua — disse Dino.

Governo já entregou mais de 300 cargos a indicações políticas

Dados obtidos pelo GLOBO junto a aliados do governo dão a dimensão da disposição em abrir a administração federal a indicações políticas

Natália Portinari, Naira Trindade e Gustavo Maia | O Globo

BRASÍLIA — O movimento do governo de entregar ao centrão cargos de postos-chave do Executivo expôs a gestão de Jair Bolsonaro a duplo desgaste. Além da fragilidade no discurso pela composição com o grupo político atacado no passado pelo presidente e seus aliados mais próximos, o Planalto agora tem de se submeter a avaliar indicações de políticos envolvidos na Lava-Jato e no mensalão — um dos principais articuladores dessa aproximação, o deputado Arthur Lira (PP-AL) foi denunciado ontem à Justiça por corrupção passiva

Dados obtidos pelo GLOBO junto a aliados do governo dão a dimensão da disposição em abrir a administração federal a indicações políticas. Desde julho do ano passado, parlamentares já pediram a nomeação para mais de 700 cargos federais — em 325 deles, ou 45% dos casos, o pleito foi atendido. Cerca de 200 foram rejeitados pelo governo, e o restante ainda aguarda aprovação.

As nomeações no ano passado costumavam ocorrer para cargos menores. Mais recentemente, o governo ampliou a aproximação com o centrão, permitindo que entrassem nas negociações postos que cuidam de orçamentos mais robustos. No recorte dos últimos dois meses, o governo recebeu 88 pedidos de nomeações de parlamentares, dos quais só 11 deles foram atendidos após análise do Palácio do Planalto.

Algumas delas são emblemáticas. O Banco do Nordeste (BNB), com um presidente que durou um dia nesta semana, é um símbolo dessa relação conflituosa. O PL tentou emplacar três nomes no banco desde o início do governo. Um deles era o analista do Banco Central Flávio Cals Dolabella, acusado por um delator da Odebrecht de receber propina para vazar documentos sigilosos.

O governo acabou nomeando Alexandre Borges Cabral, indicado do PTB. Houve reclamação do ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, que controla o PL. O “Estado de S. Paulo” revelou em seguida que o Tribunal de Contas da União (TCU) investiga suspeitas de irregularidades em contratações quando Cabral presidiu a Casa da Moeda. O governo, então, decidiu pela exoneração um dia após a nomeação.

Ricardo Noblat - Bolsonaro copia Stalin e manda apagar a tragédia do Covid-19

- Blog do Noblat | Veja

Novo modo de luta contra o vírus

Admita-se por uma questão de justiça: tudo o que o presidente Jair Bolsonaro faz de errado (ou seja: quase tudo), ele faz muito bem feito. O caso do combate à pandemia do coronavírus é um exemplo. Bolsonaro poderia ter ignorado o vírus, o que já seria um suicídio político, mas não. Chamou-o de gripezinha, calculou que mataria no máximo 800 brasileiros, como se isso fosse pouco, e declarou que o mais importante seria salvar a economia.

Satisfeito? Não. Demitiu o ministro da Saúde, o mais popular do governo, porque ele era… Era o ministro mais popular do governo, o que o incomodava. Substituiu-o por um médico sem experiência em administração pública e tentou impor todas as suas vontades a ele. O médico pediu demissão em menos de um mês. Foi sucedido por um general com fama de ser especialista em logística. A única coisa que se fato sabe é dizer amém a Bolsonaro.

Bastou? Não. Para completar sua obra quase perfeita, que o imortalizará quando for escrita a história da pandemia que assolou o mundo no começo do século 21, Bolsonaro apelou para um recurso muito usado pelo ex-ditador comunista soviético Joseph Stalin: apagar imagens que o desagradam. Stalin mandava apagar das fotografias oficiais figuras que haviam caído em desgraça por divergirem dele. Antes ou depois, mandava executá-las.

Economista Carlos Lessa morre aos 83 anos de Covid-19

Amante do Rio, intelectual foi reitor da UFRJ, presidente do BNDES e dono de casa de show

- O Globo

RIO - O economista Carlos Lessa morreu nesta sexta-feira, aos 83 anos, no Hospital Copa Star, onde estava internado por causa de uma pneumonia em decorrência do novo coronavírus. A informação foi confirmada pelo filho Rodrigo Lessa, que publicou a notícia do falecimento do pai numa rede social, e pelo hospital, que não divulgou mais detalhes. Ele deixa três filhos e netos.

"Meu amado pai foi hoje às 5h da manhã descansar. A tristeza é enorme. Seu último ano de vida foi de muito sofrimento e provação. O legado que ele deixou não foi pequeno. Foi um exemplo de amor incondicional pelo Brasil, coerência e honestidade intelectual, espírito público, um professor como poucos e uma alma generosa que sempre ajudou a todos que podia quando estava a seu alcance, um grande amigo . Que descanse em paz. Aos que tem afeição por ele, comunicaremos uma cerimônia virtual em função da pandemia".

Pesquisador apaixonado pelo Rio, desenvolvimentista, político, amante da cultura popular e empresário, o economista Carlos Lessa misturava cultura e economia, arte popular e educação.

Como professor, função que exerceu praticamente por toda a vida intercalando com passagens por cargos públicos, elegeu-se em 2002 reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formara em Ciências Econômicas em 1959. Obteve resultado consagrador, 85% dos votos dos 13.453 eleitores, entre professores, funcionários e alunos.

Apesar de apenas seis meses no cargo, deixou uma herança cultural. Criou o bloco Minerva Assanhada, nome escolhido por ele por ser a deusa da sabedoria o símbolo da UFRJ:

— A UFRJ é um celeiro de talentos, mas a cidade nem percebe que ela existe. Eu pensei: como a universidade pode se mostrar à cidade? No seu melhor momento que é o carnaval.

A UFRJ decretou luto de três dias pelo falecimento do economista. "A Reitoria da UFRJ lamenta profundamente a perda de Lessa e presta condolências à família e aos amigos. O Brasil perde um grande Brasileiro, com B maiúsculo", disse a universidade em comunicado.

Depois de assumir o BNDES, no governo Lula, em 2004 Lessa brincava:

— Este é único bloco que tem com patrono um banqueiro que não é do jogo de bicho.

Nascido no Rio em 1936, dedicou-se ao estudo da cidade e à sua revitalização, restaurando mais de 11 prédios antigos no Centro, como a Brasserie Rosário, que fechou em 2018, e no Catete, onde ficava o Casarão Ameno Resedá, de shows, o que lhe deu oportunidade de conhecer o bairro e seu povo. Escreveu um dos livros mais profundos de análise do auge e queda da Cidade Maravilhosa. “O Rio tem quilômetros de crônicas, mas pouca reflexão, análise”, disse em entrevista ao GLOBO, no fim do ano 2000, ao lançar o livro “O Rio de todos os Brasis”.

Poesia | Graziela Melo - Apito final

Silêncio
na alma
medo
no coração!

É
o ponto
final,

a ultima
estação

dos que
nascemos
juntos,

dos que
vivemos
juntos,

da nossa
geração!

O jogo
Acabou,
o juiz
apitou,

sem
prorrogação...

Se foram
os amores
tardios

ficaram
os
recantos
vazios
e
a solidão!!!