terça-feira, 16 de junho de 2020

Opinião do dia – Fernando Gabeira*

Não sei se os militares estão usando Bolsonaro como um bode na sala, para depois se apresentarem como moderadores no pântano que ele criou. Ou se simplesmente se deliciam com o acúmulo de soldos e salários como os militares da Venezuela.


Fernando Gabeira, jornalista. “ó a luta amada evita a ditadura”, O Globo, 15/6/2020.

Raul Jungmann* - Quem fala pelas Forças Armadas é a Constituição

- Folha de S. Paulo

O conflito ou inobservância das leis é resolvido pelo Judiciário

A recente nota à nação, subscrita pelo presidente da República, merece uma exegese das ideias e conceitos que nela constam, em especial o seu terceiro parágrafo, que diz o seguinte: “As Forças Armadas/FAs do Brasil não cumprem ordens absurdas, como por exemplo a tomada do Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos.”

Inicio nossa análise pela primeira das frases. Como as Forças Armadas, pelo artigo 142 da Constituição, estão sob a autoridade suprema do presidente da República e, por iniciativa dos poderes da República, são responsáveis pela garantia da lei e da ordem, de onde viria a “ordem absurda” para a tomada do Poder da República?

Constitucionalmente, de um dos três Poderes. Logo, a nota pressupõe que um ou mais Poderes estariam agindo ou viriam a agir de modo “absurdo”, portanto, inconstitucional. Ainda que abstrata, essa é uma suposição gravíssima e requer que seja demonstrada com fatos e provas à nação. O que não aconteceu.

Na sequência, ao afirmar que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de um Poder por outro Poder”, os signatários elevam as Forças à condição de intérprete e árbitro final de disputas entre Poderes da República.

Algo que não é previsto em nenhum dos artigos da atual Constituição, nem em decisões do Supremo, além de ser essa competência privativa da Corte. A conclusão da frase segue o mesmo caminho: “Ao arrepio das leis ou de julgamentos políticos”.

Merval Pereira - Ópera bufa

- O Globo

O cavaleiro glorioso não passa de um mau soldado seguido por uma vivandeira de quinta categoria

O país virou uma grande ópera bufa, que não termina em tragédia, mas pode se transformar, como aconteceu com o gênero do século XVIII, que começou como um mero entretenimento no intervalo das óperas sérias e acabou ganhando autonomia.

Temos que torcer para que o governo Bolsonaro seja apenas o intervalo, o mais curto possível, que nos levará, aos trancos e barrancos, à peça principal. Os personagens cômicos da ópera bufa sempre existiram, mas saíram do baixo clero para o proscênio nessa quadra de pandemia e pandemônio.

Um Mussolini de hospício surge de repente num cavalo branco emprestado, fantasiado de presidente do Brasil, que mais e mais torna-se mesmo uma republiqueta de bananas. Um personagem do grande Chico Anysio, guiado pelo absurdo, vivia repetindo “Eu odeio pobre”. Pois temos até um ministro, Abraham Weintraub, supostamente da Educação, que disse na fatídica reunião ministerial de abril: “Eu odeio a expressão "povos indígenas”.

Os militares que abundam na estrutura burocrática de nosso serviço público acabam levando ladeira abaixo o prestígio das Forças Armadas que, inertes, não reagem a essa corrosão de imagem que já é registrada em pesquisas de opinião. Por falar nelas, quando, em um país sério, a possibilidade de um golpe militar se transformaria em conversa de botequim (quando os botequins estavam abertos) ?

Hélio Schwartsman - Militares e a democracia

- Folha de S. Paulo

A Costa Rica decidiu livrar-se das Forças Armadas e vive muito bem sem elas

Declarações e notas da elite castrense divulgadas nos últimos dias mostram que alguns de nossos generais ainda não entenderam o que é democracia e menos ainda o papel das Forças Armadas em uma.

Primeiro foi o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, que, em entrevista à revista Veja, afirmou que não há risco de as Forças Armadas desferirem um golpe, mas alertou que o “outro lado” não pode “esticar a corda”. Queixou-se especificamente de comparações de Bolsonaro a Hitler.

Receio que Ramos esteja desatualizado quanto ao nível de liberdades democráticas em vigor no país. Até onde vai a teoria, a oposição sempre pode esticar a corda (o fato de poder não quer dizer que deva), e todo cidadão sempre pode comparar qualquer um a Hitler (também não quer dizer que deva). Aliás, Bolsonaro não fez outra coisa que não esticar a corda desde que assumiu o poder.

Carlos Andreazza - Nada dúbio

- O Globo

O texto situa as Forças não como instituições impessoais do Estado, mas órgãos do governo de turno

A interpretação bolsonarista para o artigo 142 da Constituição merece detido exame, pois sintetiza a mentalidade autocrática que fundamenta o projeto de poder golpista encarnado em Jair Bolsonaro — que tem lastro, como lembra a ameaça de intervenção, ainda em abril de 2018, do então comandante do Exército, general Villas Bôas, à véspera de o Supremo julgar habeas corpus de Lula, e que se expressa tanto em nota formal ou entrevista de militar quanto em ato de grupo extremista atacando o STF (por ora) com rojões.

Projeto de poder impulsionado por um inconformismo essencial: o de o presidente da República, mesmo eleito por 57 milhões de votos, não ter mais poder que os outros Poderes.

As Forças Armadas seriam, pois, o canal por meio do qual resolver, concretamente e para além dos fogos de artifício, essa inaceitação do equilíbrio republicano: a eloquência dos tanques para que a suposta vontade popular fosse respeitada, Congresso e Supremo subjugados por aquele — Bolsonaro — que falaria diretamente ao povo.

O texto constitucional trata da “autoridade suprema” do presidente sobre as Forças — o que passou a ser compreendido como atribuição ilimitada e difundido como explicação de por que haveria hierarquia entre Poderes: o Executivo, sendo o senhor das armas, acima dos demais.

Foi contra essa leitura doente que reagiu Luiz Fux ao explicitar qual seria a delimitação do papel das Forças Armadas. Que não são o quarto Poder. Que não são poder moderador. Que não podem intervir em outro Poder; a prerrogativa do presidente — que o autoriza a empregá-las — não podendo ser usada contra Legislativo e Judiciário.

Bernardo Mello Franco - Revoltados a favor

- O Globo

Os revoltados a favor são úteis ao bolsonarismo. Desde que chegou ao poder, o presidente aposta na mobilização de uma minoria barulhenta para se sustentar

Sara Winter se esforçou. Desde que chegou a Brasília, a militante de extrema direita fez de tudo para atrair a polícia. Montou um acampamento armado na Esplanada, ameaçou agredir um ministro do Supremo, liderou uma tentativa de invasão do Congresso. Finalmente conseguiu ser presa ontem, após semanas de ataques à democracia.

A ex-feminista copiou o codinome de uma espiã britânica que simpatizava com o nazismo. Com a prisão, poderá se vender como mártir da seita radical que apoia o governo. A conversão ao bolsonarismo já tinha lhe rendido um cargo no ministério da pastora Damares. Agora ela pode sonhar com voos maiores. Sua primeira tentativa de se eleger deputada, em 2018, fracassou por falta de votos.

Sara lidera o grupo “300 pelo Brasil”, classificado como “milícia armada” pelo Ministério Público do Distrito Federal. O bando só aponta a mira para o Legislativo e o Judiciário. Sua relação com o Executivo é de fidelidade e devoção, expressada todos os domingos em frente ao Palácio do Planalto.

José Casado - O espetáculo da pobreza

- O Globo

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos

O Brasil avança rápido para completar uma nova “década perdida”. Vai ser o quarto período consecutivo de crescimento econômico obsceno (média anual de 2,1%).

Desta vez, o ciclo será encerrado na tragédia de uma pandemia. Já são mais de 44 mil mortos sob o desgoverno de Jair Bolsonaro na Saúde.

A lupa do IBGE ajuda a entender o que aconteceu com o país na última década, quando a população passou de 196 milhões para 210 milhões, com um crescimento de 7,1%

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos. Eram 6.329 em todo o país, em 2010. Agora são 13.151.

É crescente a favelização das cidades. Em 2010 o muro social era visível em 323 municípios. Foi estendido para 734 cidades — ficou 127,2% maior.

Já são 5,1 milhões de habitações nesses aglomerados subnormais na classificação do IBGE. Eram 3,2 milhões. Aumentou 59% na década.

Ricardo Noblat - Sob pressão do Supremo, Bolsonaro hesita em demitir Weintraub

- Blog do Noblat | Veja

O acordo que Toffoli não poderá cumprir

Dizia-se à época do Brasil Império que fulano ou sicrano não era cavalo que se devesse amarrar à porta. Cavalo bom, de confiança, poderia ficar solto tão logo fosse desmontado. Cavalo ruim, se amarrado à porta, acabava emporcalhando a frente da casa.

Abraham Weintraub, ministro da Educação, não é cavalo que deva ficar amarrado à porta de ninguém. Mas o presidente Jair Bolsonaro amarrou-o à porta do Palácio do Planalto por indicação do filósofo Olavo de Carvalho. E agora está com um problema.

Olavo ficará furioso se mais um dos seus discípulos for demitido do governo. Os três filhos políticos de Bolsonaro, Flávio, senador, Carlos, vereador, e Eduardo, deputado, são contra a demissão. Os bolsonaristas de raiz nem querem ouvir falar disso.

Por outro lado, os ministros militares são a favor de mandar o cavalo ir pastar ou fazer porcaria em outro lugar. E é grande a pressão de ministros do Supremo Tribunal Federal para que assim seja. Se não for, ameaçam prender Weintraub, que os ofendeu.

Míriam Leitão - Futuro do ajuste no pântano político

- O Globo

Saída de Mansueto Almeida é mais uma perda num projeto econômico que periga pelas fraquezas e inconsistências do governo Bolsonaro

Mansueto Almeida é um desfalque grande para a equipe econômica, em um momento que será necessário ter firmeza na questão fiscal, capacidade de diálogo com o Congresso e os governadores, conhecimento da máquina e destreza técnica em contas públicas. O economista é um quadro do setor público e era o único, dentro da equipe, que já estava no cargo desde o governo anterior. Por característica pessoal e por essa história, sempre teve mais independência para dizer o que fosse necessário internamente.

Bruno Funchal, que vai substituí-lo, vem da melhor experiência fiscal estadual que é a do Espírito Santo, o único estado com a nota de crédito A. Funchal substituiu Ana Paula Vescovi quando ela deixou o estado para ser secretária do Tesouro no começo do governo Temer. Depois, ela virou secretária-executiva do antigo Ministério da Fazenda, e Mansueto foi ser secretário do Tesouro.

Pablo Ortellado* - Essenciais e desassistidos

- Folha de S. Paulo

Entregadores por aplicativo lutam por direitos em vácuo regulatório.

Entregadores por aplicativo que estão se mobilizando por melhores condições de trabalho marcaram para 10 de julho uma paralisação e um boicote. Eles pedem melhor remuneração, seguro de vida, seguro contra roubos e acidentes e equipamentos de proteção contra a Covid-19.

As reivindicações de entregadores encontram-se emparededas entre os aplicativos que consideram que não têm obrigações, pois os entregadores seriam autônomos, e os defensores das antigas proteções do trabalho, que querem enquadrá-los como trabalhadores assalariados.

O trabalho por aplicativo tem características mistas, que, por um lado, lembram o trabalho autônomo (não há jornada e os trabalhadores são proprietários dos meios de trabalho), e, por outro, se assemelham ao trabalho assalariado (aplicativos definem os protocolos e estabelecem a remuneração).

Às vezes é tentador assistir essa nova forma de trabalho com as proteções consagradas do trabalho assalariado, mas, na maioria dos casos, ela simplesmente mataria esse novo mercado de trabalho, que se baseia na flexibilidade da jornada e na redução do custo do serviço.

Com a pandemia e os riscos associados a sair de casa, entregadores se tornaram um trabalho essencial, mas completamente desprotegido.

Cristina Serra* - A caminho do abatedouro

- Folha de S. Paulo

Estamos diante de um mal disfarçado projeto de eugenia e assistindo à oferta de carne fresca ao vírus

No auge da pandemia no Brasil, o que fazem governadores e prefeitos? Jogam a toalha, vencidos por pressões econômicas e pela campanha de sabotagem permanente empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Relaxam a quarentena —que sempre ficou longe do ideal— e oferecem carne fresca ao vírus insaciável.

Como chegamos até aqui? O roteiro foi escrito pelo sabotador-geral da República. Alguns exemplos: “gripezinha”, “resfriadinho”, “todos nós iremos morrer um dia”, “e daí?”, “quer que eu faça o quê?”, “não faço milagre”, “vai morrer muito mais se a economia continuar sendo destroçada por essas medidas”, “um bosta do prefeito faz a bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse (sic) armado [o povo], ia para a rua”. Por fim, a incitação ao crime: “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar”.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O dilema do bom servidor

- Folha de S. Paulo

Saída de Mansueto Almeida ilustra dilema imposto a quadros técnicos do governo

O ajuste fiscal sai enfraquecido com a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Bruno Funchal será um sucessor digno, mas só o teste da prática dirá se ele é igualmente capacitado no plano técnico, hábil na relação com Congresso e imprensa e determinado no propósito fiscalista.

E ainda assume —ao contrário de seu antecessor— em um momento no qual conter gastos está muito longe das preocupações do país.

Mansueto insiste que os fiadores do ajuste eram Paulo Guedes e Bolsonaro. Mas eles se beneficiavam da credibilidade que Mansueto trazia ao governo. A agenda Guedes, agora, também se enfraquece.

Isso significa, portanto, reforço para ambições da agenda de investimento público do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e dos militares, que demanda mais liberdade de gastos do que o fiscalismo estrito recomenda.

Quem também deve estar animado com a possibilidade de mais gastos são as legendas do centrão.

Ninguém cimenta relações com ajuste fiscal. Para quem ainda acredita nas perspectivas da agenda Guedes, cabe perguntar: se o Ministério da Economia entregou resultados tão modestos em 2019, quando tudo estava a seu favor, por que esperar resultados melhores agora, com circunstâncias externas (epidemia), pressão do Congresso, divergências internas e desfalque de quadros todos jogando contra?

Eliane Cantanhêde – Ordens absurdas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro é contra ‘ordens absurdas’, mas são dele as ordens e declarações mais absurdas

Tem um probleminha a mais na nota em que o presidente Jair Bolsonaro fala em nome das Forças Armadas e avisa que elas não cumprem “ordens absurdas”: é exatamente dele, do presidente da República, que partem as ordens, os projetos, as decisões e as declarações mais absurdas.

Na campanha de 2018, o então deputado do baixo clero já exigia que a realidade e as pesquisas se adaptassem às suas vontades. Se não confirmavam o que ele achava que tinha de ser, acusava os institutos de fraude e só parou de brigar com eles quando a realidade e a sua vontade convergiram e sua candidatura disparou.

Na eleição, Bolsonaro e seu entorno disseram, ameaçadoramente, que só havia uma alternativa: a vitória ou a vitória. Só respeitariam o resultado se ele ganhasse; se perdesse, seria roubo. Um ano depois, já presidente, Bolsonaro fez algo nunca visto no mundo: acusou de fraude a eleição que ele próprio venceu. Acusou, mas não comprovou.

No governo, Bolsonaro manteve a toada. O desmatamento não é o que ele quer? Demite o presidente do Inpe. O desemprego não é conveniente? Cacetada no IBGE. Uma extensa pesquisa mostra que não há uma “epidemia de drogas” no País? Manda a Fiocruz engavetar. Atenção! Estamos falando de Inpe, IBGE e Fiocruz, orgulhos nacionais.

A “ordem absurda” de Bolsonaro que mais teve consequências foi a demissão do diretor-geral da PF, para ele bisbilhotar diretamente as investigações contra filhos, amigos e aliados. Foi por dizer “basta!” e não acatar essa ordem que o ex-juiz Sérgio Moro saiu do governo e deixou uma investigação do Supremo contra Bolsonaro.

José Álvaro Moisés* - Constituição admite reação a agressões contra a democracia

- O Estado de S.Paulo

Não há surpresa na prisão dos responsáveis pelo ataque com fogos de artifício contra o STF, diz professor de Ciência Política da USP

As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e os inquéritos conduzidos pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal em relação às fake news, ataques contra instituições republicanas e contra pessoas são parte normal e importante do sistema democrático. Na democracia, todos estão submetidos às leis e, se há descumprimento das mesmas, investigações e processos são o caminho previsto para determinar se cabem punições.

Não há surpresa, portanto, na reação adotada pelas instituições de controle decretando a prisão dos responsáveis pelo ataque com fogos de artifício contra o STF. A ação contempla o que está previsto no funcionamento de um regime baseado no império da lei. Estranho seria se não houvesse resposta dos organismos de controle em face desses ataques que têm se sucedido e, às vezes, com apoio de autoridades do governo. A legitimidade da reação está na Constituição Federal.

A democracia vem estando em risco no país se se levar em conta as mobilizações de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que atacam instituições fundamentais, estimulados a agirem assim como se se tratasse apenas do direito de expressão ou manifestação. E a participação de autoridades do governo nesses atos é como se o presidente não tivesse em conta o princípio de separação dos poderes republicanos e a sua estrutura tripartite, que assegura a independência e a autonomia de cada um. Por essa razão, não faz nenhum sentido que o chefe de qualquer um deles considere absurda uma decisão da corte constitucional.

É lamentável que alguns cidadãos brasileiros entendam que, para expressar suas críticas a decisões de instituições democráticas, façam ataques dessa natureza. A Constituição e o sistema legal preveem os remédios adequados para quando existe discordância com ações de instituições como o Supremo ou o Congresso. Esses mecanismos podem ser acionados por cidadãos comuns que queiram reclamar. Mas nada disso autoriza agressões à democracia e aos princípios de liberdade e igualdade que ela garante aos brasileiros.

* Professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP)

Para FHC, País vive um ‘momento preocupante’.

Ex-presidente diz que não se pode dar como certo que instituições defenderão a democracia: ‘Não estamos nos EUA ou na Inglaterra’

- Matheus Lara | O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o Brasil vive “um momento preocupante”, com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que não se pode dar como certo que, na democracia, as instituições vão sempre funcionar. “Risco depende das circunstâncias de quem fale em nome da democracia e de quem a defenda”, afirmou em entrevista no Brazil Forum UK 2020, evento da comunidade de estudantes brasileiros no Reino Unido.

O evento ocorre por videoconferência e tem transmissão nas plataformas do Estadão.

“Na questão da democracia, não se deve dar por assente que as instituições vão funcionar. Não estamos nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde as instituições provavelmente funcionam. É verdade que há liberdade de imprensa, Congresso assumindo posições, mas tem um problema: o povo está em casa com medo por causa do coronavírus, não se sente reação popular”, disse o tucano.

Para FHC, o Brasil pode cair no autoritarismo se não houver reação a fatos como os ataques contra o STF no domingo. Perto da meia-noite, cerca de 30 manifestantes bolsonaristas simularam com fogos de artifício um ataque à Corte. Os fogos foram disparados na direção do edifício principal do STF, na Praça dos Três Poderes, enquanto os manifestantes xingavam ministros do tribunal.

Brasil está em curto-circuito, afirma FHC

Ex-presidente disse que país está em terreno escorregadio, que pode dar em autoritarismo

Por Carolina Freitas | Valor Econômico

SÃO PAULO - O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) definiu ontem o Brasil como um país em “curto-circuito". Para Fernando Henrique, o país está em "terreno escorregadio" e há risco de se descambar para o autoritarismo. Apesar de não considerar que o presidente Jair Bolsonaro ou as Forças Armadas tenham projetos autoritários, FHC disse que isso não garante a democracia.

"Não se pode dar de barato que a democracia vai prevalecer. Depende. Estamos vivendo um momento preocupante", afirmou Fernando Henrique no Brazil Forum UK, evento on-line promovido por estudantes brasileiros no Reino Unido e por O Estado de S.Paulo".

"Nem o presidente tem um projeto autoritário mas vai seguindo de maneira atabalhoada e pode chegar lá", disse Fernando Henrique. “Estamos em curto-circuito."

O ex-presidente afirmou que em momentos de dificuldade "as instituições fundamentais são as Forças Armadas". "Não creio que as Forças Armadas tenham, como tinham em 1964, um projeto de segurar a esquerda. Creio que os militares estão ao lado da Constituição, mas o terreno é escorregadio. Pode dar em autoritarismo."

Segundo FHC, o fato de Bolsonaro ter colocado militares em postos estratégicos mostra fraqueza. "Nomear militar é sinal de que não tem apoio. Não tem apoio político nem das bases econômicas."

Andrea Jubé - Os “constituicidas” de Jair Bolsonaro

- Valor Econômico

Incentivadores de ataque ao Judiciário trabalharam no governo Bolsonaro

São quatro minutos e quinze segundos de impropérios, enquanto uma saraivada de fogos de artifício simula um bombardeio ao Supremo Tribunal Federal (STF). O narrador que faz parte do grupo bolsonarista “Os 300 do Brasil” desafia as autoridades e instituições: “Brasília, 13 de junho, 21 e 30 horas. Na frente dos bandidos do STF... Isso aí [os disparos de fogos] é pra mostrar pra eles e pro GDF bandido que não vamos arregar”.

O apoiador do presidente Jair Bolsonaro provoca: “notaram que o ângulo dos fogos está diferente da última vez?” Os fogos estão apontados para a sede do tribunal. “Tá entendendo o recado?” Em seguida, desfia uma sequência de insultos do mais baixo calão ao presidente do STF, Dias Toffoli, e aos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia: “seu cabeça-de-ovo, seu Toffoli medíocre, sua vampira Cármen Lúcia, Lewandowski, seu bosta, Gilmar Mendes, seu bosta”.

É singular, senão espantoso, que pelo menos dois integrantes do “Os 300 do Brasil” tenham tido vínculo oficial com o governo. A líder Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter, presa ontem pela Polícia Federal, é ex-servidora comissionada do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Renan Sena, detido e liberado no domingo pela Polícia Civil do Distrito Federal, e suspeito de ser o narrador desse vídeo, é ex-funcionário terceirizado da mesma pasta. Sara é investigada nos inquéritos das Fake News e sobre o financiamento dos atos antidemocráticos.

A violência e ousadia dos ataques não têm precedentes nos 129 anos de história do STF. Em 1964, o presidente da Corte, Álvaro Ribeiro da Costa, alertou que se ministros fossem cassados, fecharia o tribunal e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto. Então o presidente Castello Branco editou o Ato Institucional n. 2 que ampliou de 11 para 16 os integrantes, recompondo as forças do tribunal. As cassações viriam quatro anos depois, com o AI-5 - com cuja reedição acenou o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - que depôs Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima.

O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto afirma que um atentado com tal nível de insolência contra o STF é o primeiro no regime democrático, enquanto as cassações se deram num estado de exceção. “Um ataque desse atrevimento é inédito”, disse o ex-ministro à coluna. Ele classifica a ofensa como uma “predação institucional constituicida, tal a gravidade do atentado à Lei Maior do Brasil”.

José Júlio Senna* - A fantasia da recuperação em V

- Valor Econômico

Está presente um bom número de fatores inibidores de uma rápida retomada, no Brasil e no exterior

Para a economia global, a crise da pandemia representou extraordinário aumento das incertezas, produziu queda gigante e imediata das vendas, da produção e do emprego, e acarretou abrupta piora das condições financeiras.

As respostas de política econômica vieram em tempo curto, visando não propriamente fornecer impulso keynesiano às economias, mas sim, tanto quanto possível, cuidar da sobrevivência das empresas e da preservação da renda e do emprego das pessoas.

Os governantes criaram e ampliaram variados programas de apoio (uns mais, outros menos eficazes), enquanto os bancos centrais (BCs) cuidaram de suprir liquidez, conceder empréstimos em larga escala, e restabelecer ou reforçar planos de compra de ativos. Onde havia espaço, os juros de política foram levados a zero.

Nas últimas semanas vieram sinais de melhora do quadro econômico. É o que sugerem, por exemplo, os índices de confiança, os PMIs e, talvez principalmente, a rápida e forte (embora com certa volatilidade) virada das condições financeiras. Supostamente, sinais de robusta recuperação econômica logo adiante. A nosso ver, porém, não cabe confiar na veracidade dessa hipótese. E a razão é a presença de bom número de fatores inibidores de uma rápida retomada, tanto aqui, quanto no exterior.

Ataque à democracia não pode ficar impune – Editorial | O Globo

Mecanismos de defesa do regime têm de ser acionados, para evitar que insegurança paralise o país

O bombardeio do prédio do Supremo Tribunal simulado com fogos de artifício na noite de sábado por um grupo de radicais de extrema direita, apoiadores do presidente Bolsonaro, foi acompanhado por xingamentos de ministros e pelo conselho de que entendessem o “recado”. Ele não poderia ser mais claro, partindo dos mesmos que em maio, também à noite, desfilaram em formação pela frente do STF com tochas, numa evocação do racismo da americana Ku Klux Klan e de grupos nazistas na Alemanha de Hitler.

O acúmulo de atos de agressão à democracia, muitos organizados em Brasília, com a nada dissimulada aquiescência do presidente, mereceu enfim uma devida reação de autoridades, necessária para afastar qualquer ideia de que atos de extremistas de direita na capital federal poderiam contar com alguma permissividade.

É o que aconteceu em Brasília, a partir do próprio governador, Ibaneis Rocha, ao exonerar o subcomandante da PM, coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, que nada fez para impedir o lançamento de fogos contra o STF.

Ibaneis, que se mostrava próximo a Bolsonaro, fez o certo ao cumprir a Constituição, e dessa forma deu um exemplo aos demais governadores, para que não permitam que as PMs, permeáveis ao bolsonarismo, deixem de reprimir ilegalidades de seguidores do presidente. Este será um crime militar grave.

Esticando a corda – Editorial | O Estado de S. Paulo

Para o general Luiz Eduardo Ramos, o Judiciário estará provocando uma reação militar se entender que houve irregularidade na campanha de Bolsonaro

O Supremo Tribunal Federal (STF) advertiu que não tolerará mais intimidação por parte do bolsonarismo, originada seja das infectas redes sociais, seja dos movimentos de camisas pardas travestidos de patriotas, seja do primeiríssimo escalão do Executivo.

Ao reagir ao disparo de fogos de artifício contra o prédio do Supremo, feito por bolsonaristas no sábado, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ordenou a responsabilização dos delinquentes, citando uma “eventual organização criminosa”. O resultado da reação do Supremo não tardou, e alguns celerados já foram presos. Se o bolsonarismo estava testando os limites das instituições democráticas, sabe agora que o preço de tanta desfaçatez é a cadeia. É bom, portanto, que os que inspiram esse comportamento delinquente dos camisas pardas saibam que chegará o dia em que terão de responder por isso. Não à toa, o ministro Dias Toffoli, em nota, disse que as atitudes dos bolsonaristas, “financiadas ilegalmente”, têm sido “reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”.

O presidente do Supremo acrescentou que a Corte “se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus ministros e da democracia brasileira”. Isso já está acontecendo: correm no Judiciário investigações sobre inúmeras suspeitas que recaem sobre os liberticidas que chegaram ao poder em 2018, desde o financiamento ilegal de campanha até a organização de uma máquina de destruição de reputações na internet. Perto do que já se sabe a respeito disso, o disparo de fogos de artifício contra o Supremo é traque.

Fora, Weintraub – Editorial | Folha de S. Paulo

Jagunço do bolsonarismo e prócer do golpismo, envergonha a democracia e a pasta

Não há mais a menor condição de Abraham Weintraub continuar ministro de Estado do Brasil. Esse jagunço do bolsonarismo, que parece ter a ambição de superar o chefe nos modos e nos métodos, envergonha a democracia nacional e seguirá arruinando o futuro de uma geração de jovens enquanto estiver no Ministério da Educação.

Se não for demitido pelo presidente Jair Bolsonaro —que o faria não por convicção, mas por mero instinto de sobrevivência—, Weintraub precisa ser processado por crime de responsabilidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Motivos abundam. Se alguém entendia, erradamente, que as ameaças a juízes da corte constitucional na reunião de 22 de abril não poderiam ser usadas como prova em tribunais, por se tratar de encontro reservado e de assunto que não concernia à investigação original, agora perdeu esse argumento.

Ao prestigiar ato com um punhado de golpistas neste domingo (14), em Brasília, Abraham Weintraub reiterou as agressões —inclusive com o mesmo insulto, “vagabundos”— dirigidas a ministros do STF no encontro ministerial de abril.

A falta do uso da máscara, obrigatória no Distrito Federal, rendeu ao capanga estrelado do bolsonarismo uma multa de R$ 2.000. Mas a sua falta de compostura, muito mais grave, foi a gota d’água para que ele seja expelido do cargo.

Programas de renda entram na agenda pós-pandemia – Editorial | Valor Econômico

Avançar na focalização de programas a partir do Bolsa Família poderá ser um caminho menos ambicioso, porém viável a curto prazo

Quando lançou o auxílio emergencial de R$ 600, em abril, o governo federal não imaginava que os efeitos da pandemia do novo coronavírus fossem tão severos e duradouros. De lá para cá, o que se vê são sinais cada vez mais negativos. Depois de prever inicialmente que o Produto Interno Bruto (PIB) ficaria praticamente empatado neste ano, rapidamente o próprio governo passou a projetar uma queda de 4,7% após a paralisação de várias atividades.

Mas o número estimado pelo governo é até otimista. O mercado financeiro espera recuo de 6,5%, enquanto o Banco Mundial conta com queda de 8%. Para a Organização e Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), os efeitos se estenderão ao próximo ano, quando os brasileiros ficarão 8% mais pobres. O mercado de trabalho exibe um dos piores aspectos da pandemia ao elevar o número de desempregados a 12,8 milhões em abril e para 4,9 milhões o total dos que sequer buscam ocupação.

O cenário dramático abriu espaço para pressões a favor do prolongamento do auxílio emergencial e para a retomada do debate a respeito da criação de um programa de renda mínima para os mais carentes, muitos dos quais somente ganharam visibilidade com a pandemia. Após resistência inicial, o governo encampou as ideias mesmo porque entrou em seu radar o impacto positivo do auxílio emergencial na cada vez mais desgastada popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Pesquisa do site Poder 360 constatou aprovação de Bolsonaro por 48% dos que recebem o auxílio ou esperam recebê-lo em comparação com 41% da média dos entrevistados.

Luiz Paulo Costa - Final feliz para um mau governo

- O VALE de São José dos Campos e região

Uma boa parte dos brasileiros ainda acredita que basta a força de vontade do eleito para um bom governo. Voluntarismo não basta! É preciso aliar o poder de articulação política para governar. Evidencia-se que Jair Bolsonaro não tem condições de articulação política, a não ser com os mesmos métodos que já levaram outros eleitos ao impeachment, mau governo ou até à cadeia.

Acrescente-se que o seu autoritarismo pode levar o País para uma ruptura institucional anunciada pelo seu filho, o número 03. Vejamos o que já falou: Eu sou a Constituição! Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas! Eu quero todo mundo armado! E no entorno do “projeto piloto” de Brasília, acampamento com 300 bolsonaristas, lembrando Mussolini ou Chaves, alguns armados “para proteção dos acampados”, alimentam atos por “intervenção militar” contra o Congresso e o STF.

De nada valem declarações de amor à democracia e às liberdades com atos a que comparece mesmo contrariando orientações sanitárias contra a covid-19. E ameaça com o artigo 142 da Constituição convocar as Forças Armadas, sem ler, no entanto, artigos precedentes da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Mesmo decretando o estado de defesa ou de sítio para restabelecer a paz social por grave instabilidade institucional, depende da aprovação do Congresso Nacional para sua execução.

Um final feliz resta ao presidente Jair Bolsonaro: a renúncia e posse do vice Hamilton Mourão, melhor preparado para terminar o mandato popular.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Tecendo a Manhã

1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.