- O Estado de S.Paulo
Cabe ter esperança na ação de uma esquerda que assuma a ideia democrática
Há pouco mais de um ano, não deixou de causar furor e indignação a atitude de Matteo Salvini, o expoente da ultradireita italiana e, na época, a figura mais forte do governo, ao se recusar a celebrar a data de libertação do seu país da ocupação nazista e do despotismo mussoliniano. O 25 de abril, na visão de Salvini, não marcava nenhum renascimento nacional por trazer um vício de origem: independentemente da catástrofe cujo fim aquela data assinala, trata-se de uma contraposição – entre fascistas e antifascistas – já arquivada nos desvãos do passado. O fascismo está derrotado e, por isso, o antifascismo não tem mais razão de ser. E, sobretudo, não tem mais razão de ser porque entre os antifascistas, na primeira fila, estão os odiados comunistas, a quem Salvini, como os demais companheiros de cruzada, não reconhece nenhum papel positivo, em contexto algum.
No entanto, o antifascismo, apesar de Salvini e companhia, é um termo que tem atravessado gerações, redefinindo-se em diferentes conjunturas críticas. Seus símbolos, suas palavras de ordem e até canções, como a Bella Ciao, que os jovens voltam a entoar nas manifestações em várias línguas, mostram que ali, naquele termo, há matéria de memória e de reflexão, especialmente por quem, considerando as frentes antifascistas um tema relevante ainda hoje, nem por isso se abstém de enfrentar contradições muitas vezes dilacerantes no próprio campo.
O comunismo, por exemplo. Onde quer que tenha havido fascismo, ou arremedo dele, como no Brasil do Estado Novo, os comunistas lutaram o bom combate. E a URSS staliniana foi um componente essencial da aliança com as democracias ocidentais que afastou o pesadelo de um Reich de mil anos. Mas é forçoso reconhecer que, lutando pela democracia, os comunistas no poder construíram Estados repressivos e, para falar com franqueza, totalitários; na oposição, ao contrário, tornaram-se pouco a pouco fatores importantes de várias democracias, moderando-se ao longo do tempo num sentido social-democrata e dando origem ao proverbial “reformismo” legalista dos velhos PCs. Eles, em tais contextos, sempre menos antissistêmicos e mais preocupados com a integração dos “de baixo”, eram meios para a expansão virtuosa das democracias, e não para a explosão revolucionária, o que ia ao encontro dos interesses de toda a sociedade.