terça-feira, 23 de junho de 2020

Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna*

A sociedade adoeceu. Diante da ameaça do fascismo, Brasil precisa de um artista, um político que seja senhor da arte de tecer algo comum.

Por: Patricia Fachin | IHU On-Line, 23 Junho 2020

Para compreender o momento presente e as crises políticas e sociais que o Brasil enfrenta, o sociólogo Luiz Werneck Vianna costuma dar um passo atrás em busca das causas. O abismo político e social diante do qual o país se encontra hoje, assegura, é consequência da política praticada nos últimos anos. A eleição do presidente Bolsonaro e os sucessivos atos antidemocráticos que reivindicam o fechamento do Supremo Tribunal Federal - STF e do Congresso Nacional em defesa de um governo autoritário, são indicativos de que a sociedade brasileira adoeceu porque a política praticada nas últimas décadas não favoreceu a organização da cidadania. “Não quero arrumar culpados, mas fomos todos que perdemos uma herança importantíssima; deixamos que se dilapidasse diante dos nossos olhos a Carta de 88, que é de inspiração social-democrata – é débil, mas é uma social-democracia e tinha possibilidade de desenvolvimento futuro. Para que isso ocorresse, precisávamos ter entendido que democracia política e democracia social deveriam andar juntas. No entanto, a partir de determinado momento, a esquerda hegemônica, no caso o PT, conduziu o tema do social sem política, sem amparar o social em instituições democráticas e sem fortalecer a democracia”, afirma.

As consequências de uma política “desamparada de sustentação cidadã” podem ser vistas nas diferentes tentativas do governo atual de levar adiante a expansão irrestrita do capitalismo, removendo todas as barreiras sociais, e tentando remover as instituições democráticas, como o STF e o Congresso. Entretanto, adverte, remover as “trincheiras democráticas”, “nas circunstâncias do mundo atual, não é fácil, ainda mais sem a reeleição de Trump”.

Enquanto a sociedade brasileira agoniza diante da crise pandêmica, do aumento do desemprego e da falta de perspectivas para o futuro, no meio político busca-se um "replantio", ou seja, restabelecer "caminhos já percorridos, como o da Frente Ampla, que fazem com que o diverso possa se encontrar, independentemente das suas diferenças". A questão, contudo, é ver se a iniciativa "frutifica".

Segundo ele, apesar de não ter surgido uma liderança política que possa fazer frente ao fascismo tabajara do governo Bolsonaro, iniciativas populares de auto-organização se fortaleceram durante a pandemia nas periferias carioca e paulista. “As coisas estão fermentando, aparecendo, mas é claro que no mundo da política são necessárias outras qualidades: é preciso de alguém com perfil de estadista, que pense a partir da ciência, mas tenha a arte de realizar as suas concepções, que seja ouvido, capaz de ter audiência. Isso está nos faltando, mas vai aparecer. Sempre aparecem esses personagens”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Vianna analisa os últimos acontecimentos da conjuntura nacional, como a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, preso na última quinta-feira. Queiroz, comenta, “faz parte do tipo de gente que veio com este governo: a ralé, o mundo das milícias. Deixamos a sociedade tão vulnerável, que ela não só foi apropriada por essa gente que está no governo, como criamos espaço para a penetração das milícias no meio popular”.

Apesar do contexto atual, o sociólogo acredita que a crise pandêmica poderá gerar mudanças significativas no Brasil e no mundo. “A ideia de cooperação, de uma sociedade mais solidária, igual, está se impondo por força das próprias circunstâncias que vivemos hoje. Os limites da sociedade conhecida já foram dados. Vivemos o fim de uma época e estamos no limiar de outra, que já nasce com algumas percepções fortes: cooperação, igualdade, solidariedade, ciência”, conclui.

Confira a entrevista.

• IHU On-Line – O seu diagnóstico é o de que a democracia está em risco não somente por causa do governo, mas porque a sociedade adoeceu, perdeu-se de si mesma. Desde quando estamos doentes política e socialmente?

José Murilo de Carvalho* - O grande mudo

- O Globo

A doutrina da mudez política do Exército não prosperou entre nós

O jornalista Larry Rohter, que acaba de publicar excelente biografia de Rondon, citou com admiração em sua coluna na revista “Época” uma frase dita pelo marechal em 1956: “O Exército deveria ser o grande mudo”. Zuenir Ventura, aprovando, repercutiu a citação em sua coluna do GLOBO. Como o assunto é atual, vou espichá-lo um pouco.

A frase chegou ao Brasil em 1920 com os componentes da Missão Militar Francesa, chefiada pelo general Gamelin, que fora contratada pelo ministro Calógeras, o único civil a comandar o Exército na República. Existia na França a expressão: L’Armée est la grande muette, referindo-se, naturalmente, a seu caráter apolítico. Antes, entre 1906 e 1912, por sugestão do barão do Rio Branco, três turmas de jovens oficiais brasileiros tinham estagiado no Exército alemão, que adotava o mesmo princípio. De volta ao Brasil, criaram a revista “Defesa Nacional”, de caráter exclusivamente profissional e que lhes valeu o apelido de jovens turcos. A revista só se referiu uma vez à primeira revolta tenentista de 1922. O autor, um oficial da Missão, insistiu em que a neutralidade política dos oficiais era a marca das democracias liberais. Rondon, então com 55 anos, estava no Rio nessa época e foi seguramente quando tomou conhecimento da expressão que transmitiu a Rohter.

Merval Pereira - Um outro lado

- O Globo

Flávio Dino acha que, se a eleição fosse hoje, o centro político ganharia, diferentemente do que aconteceu na eleição que Bolsonaro venceu

A visão do governador do Maranhão, Flavio Dino, de que a eleição municipal pode se transformar, pelo menos nas capitais, num plebiscito sobre o governo Bolsonaro, sem necessariamente significar com isso que a esquerda possa ser considerada vencedora, mostra bem a abertura política de seu pensamento.

Ao falar ontem na live promovida pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) em uma grande concertação das lideranças nacionais a favor da democracia, mostrou-se respeitoso em relação ao ex-presidente José Sarney, principal líder político maranhense cujo grupo derrotou nas eleições de 2014 e 2018, depois de décadas de prevalência sarneysista no Estado.

O governador Flávio Dino colocou Sarney como presença certa na mesa de negociações, juntamente com outros ex-presidentes da República, dando a seu adversário político regional a dimensão nacional que tem e a que ele, Dino, pode ser alçado como expoente da nova esquerda nacional, que se desvincula da relação carnal com o PT que marcou a trajetória do PC do B até a eleição de 2018, quando apoiou Fernando Haddad.

O petismo, no entanto, não pretende abrir mão da parceria com o PC do B, mais especificamente de Flavio Dino, a quem o líder petista José Dirceu já atribui o papel de vice-presidente “numa chapa imbatível” com o petista governador da Bahia Rui Costa na cabeça da chapa, naturalmente.

Carlos Andreazza - Anjo do anjo

- O Globo

Será Wassef o Queiroz do futuro?

Quem ouvir o senador Flávio Bolsonaro terá de repente a impressão de que nunca foi deputado estadual e de que o gabinete na Alerj era de Fabrício Queiroz. Não era; isto embora — justiça seja feita — fosse mesmo o ex-policial quem trabalhasse à vera ali. Nada a ver com a atividade parlamentar.

Quem ouvir, nos próximos dias, a família Bolsonaro terá de repente a impressão de que o destituído Frederik Wassef nunca foi advogado de Flávio e Jair Bolsonaro, e de que sua presença nos palácios onde mora e trabalha o presidente da República jamais houve. Houve; isto embora — justiça seja feita — nada de errado haja em cliente se reunir com defensor, tanto mais sendo este um amigo daquele.

Junta-se o útil ao agradável; assim se ergueu o patrimonialismo neste país.

O destino já uniu Queiroz e Wassef, o novo ex. Tudo a ver com o fato de este ter escondido aquele. Será Wassef o Queiroz do futuro? E quem seria, no caso, o Wassef de Wassef? Wassef deseja saber. Como Queiroz no passado, o advogado manda recados. Não quer ser abandonado. Teria até celular exclusivo para contatos com a família. Verbaliza mesmo a fé — pura mensagem — de que armariam contra ele para atingir o presidente. A acusação de armadilha é gentileza para com Bolsonaro; mas não turva a clareza da missiva: “eu sou você”.

Funcionou com Queiroz — logo lhe apareceu o anjo. Quem será o anjo de um anjo falador que — debatendo-se contra o fado — não parece ter vocação para Queiroz?

José Casado - Entre parentes e milicianos

- O Globo

Vínculos a Queiroz e ao falecido capitão do Bope Adriano da Nóbrega levaram o clã Bolsonaro a introduzir o submundo das milícias na rotina do Planalto e do Congresso

Resumir o atual governo talvez não venha a ser difícil para historiadores. Há 20 meses a prioridade de Jair Bolsonaro tem sido a mesma de três décadas na política, proteger a parentela, nutrida no orçamento público. “Defendemos a família”, escreveu no domingo 7 de outubro de 2018, no epílogo da primeira etapa da campanha. “Tratamos criminosos como tais e não nos envolvemos em esquemas de corrupção.”

Lá se foram 80 semanas, e o presidente continua refém da agenda que aprisionava o candidato.

Ela começa no uso do erário para acolher parentes e amigos. Vício antigo. Nos últimos 28 anos, ele e seus filhos parlamentares abrigaram mais de uma centena de pessoas com parentesco ou relação familiar.

Somaram a afinidade com lobbies de armas e de cassinos, neste caso refletindo a disputa entre grupos americanos, como o de Sheldon Adelson, e asiáticos, como o Shun Tak. Na campanha Bolsonaro se reuniu com Adelson, financiador do Partido Republicano. Entrou no hotel pela cozinha.

Bernardo Mello Franco – Anjo no purgatório

- O Globo

Até outro dia, a família Bolsonaro se preocupava em esconder Fabrício Queiroz. Agora também precisa sumir com Frederick Wassef, o advogado que albergava o ex-PM em Atibaia.

Wassef é um personagem peculiar da corte bolsonarista. Falastrão, gostava de frequentar palácios e ostentar influência no governo. Virou porta-voz do presidente para rolos diversos, da facada na campanha à rachadinha na Alerj. De tanto vender proteção ao clã, ganhou o apelido de Anjo. Agora seus métodos pouco ortodoxos podem arrastar o chefe para o purgatório.

Na quinta passada, o advogado desfilava entre autoridades no salão nobre do Planalto. Na manhã seguinte, acordou com a notícia da captura de Queiroz. Wassef falou muito, mas não conseguiu explicar o inexplicável. De escritório de advocacia, sua chácara só tinha a placa na porta. Parecia um cativeiro, definiu um investigador.

Míriam Leitão - Direito em tempo da pandemia

- O Globo

O ministro Luiz Fux negou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha tirado do governo federal a responsabilidade pelas políticas de combate à pandemia. “Não o eximimos de responsabilidade, pelo contrário, reforçamos a competência dos executivos”, disse. “O Supremo não exonerou o executivo federal de suas incumbências.” Isso derruba a tese do presidente Jair Bolsonaro de que o STF entregou o assunto a estados e municípios. Ele tem dito isso tantas vezes que não pode ser apenas confusão de interpretação, mas sim estratégia para fixar uma versão.

Num evento feito por este jornal, o ministro Fux explicou que, quando a Constituição diz que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, ela o faz de forma genérica. O que o STF fez foi fortalecer “os executivos” num estado federativo como o brasileiro, ou seja, os três níveis administrativos. O tribunal reconheceu o direito de os estados e os municípios estabelecerem as medidas protetivas, até porque ouviu os especialistas que dizem que distanciamento social e isolamento, em alguns casos, são necessários, mas isso não tirou poderes nem deveres do governo federal:

— A União continuará com as suas obrigações, mas o STF tem o dever nesses momentos de pandemia de evitar que aquelas pessoas que são anticiência possam violar um dos direitos fundamentais que é o da saúde. O que não é razoável, o STF intervém.

Luiz Carlos Azedo - Mortes em vão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro limitará o auxílio aos “invisíveis” a apenas mais R$ 600, parcelados em três vezes; sem recursos, como 36 milhões poderão permanecer em casa?”

Para o sanitarista Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fiocruz e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a metáfora da guerra não é a mais adequada para abordar os desafios da saúde. Segundo ele, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere. “O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” Por essa razão, cabe à ciência “responder com vacinas, medicamentos e o que mais estiver ao seu alcance ou que ainda venha a desenvolver de conhecimentos e tecnologias”.

Enquanto isso não ocorre, a melhor alternativa continua sendo o isolamento social, o rastreamento dos casos e o tratamento adequado aos infectados, o que pressupõe restrições de atividades econômicas e circulação de pessoas, testes em massa e um serviço médico operacional e capacitado. É que o conceito de guerra impõe decisões estratégicas nas quais as prioridades não são necessariamente as vidas humanas, ou seja, o tratamento daqueles que precisam de assistência médica, mas outros objetivos, no caso, o retorno das atividades econômicas e/ou os interesses eleitorais, como estamos assistindo. A morte é apenas o efeito colateral. O fato de já não se restringir aos grupos de risco é mera consequência. A maior vulnerabilidade da população de baixa renda nas favelas, periferias, grotões e aldeias indígenas, reflexo de nossas desigualdades, é considerada uma contingência contra qual nada se pode fazer, quando deveria ser exatamente o contrário.

Pablo Ortellado* - Confusão legislativa

- Folha de S. Paulo

Falta de coordenação entre Câmara e Senado prejudica tramitação e debate de PL que quer regulá-las

Deve ser votada no Senado, ainda nesta semana, uma nova versão do projeto de lei que regulamenta as mídias sociais e os aplicativos de mensagens privadas (um pouco equivocadamente apelidado de 'PL das Fake News').

No momento em que escrevo (tarde da segunda-feira), não conhecemos ainda o texto definitivo que vai para votação na quinta-feira e que já passou por mais de cinco versões diferentes entre as formais e as informais.

A tramitação acelerada do projeto se deve à urgência de enfrentar as campanhas de desinformação nas mídias sociais e no WhatsApp, sejam aquelas relativas a temas políticos, sejam as relativas à crise da Covid-19.

O texto inicial do projeto foi apresentado em conjunto por Tábata Amaral e Felipe Rigoni na Câmara e por Alessandro Vieira no Senado. Na Câmara, o texto foi colocado em consulta pública, passou por análise minuciosa e recebeu propostas da universidade, da sociedade civil e do meio empresarial.

Enquanto o texto recebia colaborações na Câmara, começou a tramitar em paralelo no Senado, com o senador Alessandro Vieira incorporando em múltiplas versões do texto críticas e sugestões. No debate, formou-se um consenso parcial de que o texto não deveria definir desinformação e não deveria regular as agências de verificação e que deveria adotar medidas amplas para promover a transparência das plataformas com respeito a moderação e impulsionamento de conteúdos. Menos consensuais foram as medidas de ampliação dos tipos penais e a introdução da rastreabilidade de conteúdos virais em aplicativos de mensagens.

Cristina Serra* - Uma retumbante banana ao STF e ao Brasil

- Folha de S. Paulo

Esse foi o último ato de Abraham Weintraub ao escafeder-se na calada da noite

Em um ano e quatro meses na cadeira de ministro da Educação, o que fez Abraham Weintraub? Boneco de ventríloquo de um astrólogo de araque, dedicou-se a atacar os pilares da universidade genuinamente democrática: a inclusão, a diversidade e a autonomia de gestão. Cortou verbas, programas, bolsas de pesquisa. Tentou nomear interventores, iniciativa felizmente anulada.

Antes de escafeder-se na calada da noite, revogou portaria que reservava cotas para negros, índios e portadores de deficiência em cursos de pós-graduação. E deixou no Congresso o mal formulado projeto de lei “Future-se”, que muda a forma de financiamento do ensino superior. Por vício de origem, tal “legado” merece apenas um destino: a lata do lixo.

Ricardo Noblat - Por que não te calas, Frederick Wassef?

- Blog do Noblat | Veja

O hospedeiro de Queiroz é um péssimo contador de histórias

Nas últimas 72 horas, o advogado Frederick Wassef, afastado da defesa em vários casos do presidente Jair Bolsonaro e do seu filho Flávio, disse uma coisa, depois disse outra e, por fim, disse o contrário do que havia dito pela primeira vez. Melhor que se cale para sempre. Ou então que só volte a falar se for para esclarecer fatos novos, não para confundir.

Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro há mais de 30 anos, escalado por ele para cuidar de Flávio como deputado estadual no Rio, foi preso na manhã da última quinta-feira na casa de Wassef em Atibaia, interior de São Paulo. Estava ali há mais de um ano. Depois de passar um dia fugindo de jornalistas, Wassef reapareceu para negar que Queiroz estava escondido na sua casa.

Sim, foi isso o que ele teve o desplante de dizer. Contrariou o que o país viu na televisão e nas redes sociais, e, como se não bastasse, contrariou o que Bolsonaro revelara na noite da quinta-feira em sua live semanal no Facebook. O presidente afirmou que Queiroz estava em Atibaia porque se tratava de um câncer em um hospital perto dali. Em seguida, foi desmentido pela direção do hospital.

Como Queiroz poderia ter-se hospedado na casa de Atibaia onde foi preso sem que o dono da casa soubesse? Wessef respondeu que no futuro daria explicações satisfatórias. O futuro foi ontem. Em entrevista ao jornal do SBT, Wassef alegou “questão humanitária” para ter abrigado Queiroz de quem nunca foi advogado. E voltou a repetir que jamais informou Bolsonaro sobre isso. Nem Flávio.

Hélio Schwartsman - 50 mil mortos

- Folha de S. Paulo

Demos enorme realce a números que sabemos estarem errados

Todos os jornais deram com destaque que o Brasil ultrapassou a funesta marca de 50 mil mortos e 1 milhão de infectados.

Entendo perfeitamente a necessidade de transmitir para o público a dimensão da tragédia, especialmente quando as autoridades federais se empenham em diminuí-la, mas a iniciativa esconde uma contradição, que, penso, vale a pena explorar nesta coluna.

O problema básico é que demos enorme realce a números que sabemos estar errados, o que vai contra o ideal de precisão perseguido pela imprensa. Com efeito, dia sim, dia também, jornais publicam reportagens sobre o fenômeno subnotificação, que afeta tanto o total de infectados como o de óbitos.

No que diz respeito ao número de pessoas que já entraram em contato com o vírus, uma das melhores formas de estimá-lo são os inquéritos sorológicos, em que se testam os anticorpos de amostras representativas da população.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Palavras de morte

- Folha de S. Paulo

Justiça das redes sociais preocupa mais que discursos que ela busca enquadrar

Em novembro do ano passado, após o STF decidir contra a prisão após condenação em segunda instância, a advogada Claudia Teixeira Gomes publicou em sua conta no Facebook: “Que estuprem e matem as filhas dos Ordinários Ministros do STF.” Ela responde a processo disciplinar na OAB e está sendo investigada no inquérito do Supremo contra fake news.

Em abril, a atriz Maria Flor publicou um vídeo no Youtube em que fala, em tom de deboche, de sua vontade de matar o presidente Jair Bolsonaro. “Eu queria só poder pegar o Bolsonaro e esfregar a cara dele no asfalto quente, entendeu?” Ela e seu marido, parceiro de canal, passaram a receber xingamentos e ameaças nas redes sociais e se viram obrigados a publicar um vídeo de desculpas e explicação alguns dias depois.

Agora em junho, o escritor João Paulo Cuenca publicou, em seu Twitter, uma reedição do clássico bordão iluminista radical: “O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”. Além dos xingamentos e ameaças de praxe, ele teve sua coluna na Deutsche Welle prontamente cancelada e diz-se que será processado por pastores da Universal.

Luiz Guilherme Piva* - A intransigência da retórica liberal

- Folha de S. Paulo

Não cabe agora discurso ortodoxo da futilidade, da perversidade e da ameaça

A pandemia de Covid-19 está agravando o já alarmante quadro brasileiro, de mais de 12 milhões de desempregados, de 40 milhões de trabalhadores informais, de 6.000 mortes anuais por fome, de 5 milhões de desnutridos e de 24 milhões vivendo em extrema pobreza.

Além disso, milhares de pequenas e médias empresas estão fechando, e boa parte das grandes, quebrando ou entrando em recuperação judicial, com perda de produção e riqueza.

Antes da pandemia, os economistas liberais ortodoxos já se posicionavam, por princípio, contrariamente a ações públicas. Isso porque creem que a obtenção de superávits primários é a panaceia que infunde confiança nos atores privados e os faz agir para suprir as necessidades sociais de investimentos, bens e serviços —daí a pregação pelo Estado mínimo.

Com a destruição vinda com a pandemia, tendo surgido proposições de atuação governamental, até com apoio de economistas liberais, muitos deles, não obstante, reiteraram sua resistência. Faz sentido. Vários dos economistas dessa linha acreditam que, frente a um problema complexo, se ninguém fizer nada, tudo dará certo.

Tal resistência abriga o que o economista Albert Hirschman (1915-2012) denominou retórica da intransigência, associada à aversão a mudanças. Ela contém três teses: a da futilidade, segundo a qual tentativas de promover mudanças são inúteis (porque, no caso aqui tratado, o mercado é quem traria a solução estrutural); a da perversidade, que advoga que elas só agravam o quadro existente (no nosso quadro, piorariam o desemprego, a miséria e a desigualdade); e a da ameaça, que esgrima que o custo de mudanças é elevado e compromete conquistas já obtidas (no caso em tela, os gastos públicos arruinariam o ajuste fiscal, entornando o remédio e seus benefícios).

Eliane Cantanhêde - Medo e barbeiragem

- O Estado de S.Paulo

De erro em erro, Bolsonaros embolam Queiroz, Adriano, Wassef e demonstram medo

Nesse oceano de pessoas e fatos inacreditáveis, destacam-se as barbeiragens da família Bolsonaro ao tratar do amigão Fabrício Queiroz e de todas as questões nebulosas, e sob investigação do Ministério Público, que envolvem o agora senador Flávio Bolsonaro e resvalam perigosamente para o próprio presidente Jair Bolsonaro.

Tudo começa com a rachadinha operada por Queiroz no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, chega a funcionários fantasmas ali e também no gabinete de Jair na Câmara em Brasília, evolui para suspeita de lavagem de dinheiro e traz à tona as ligações de Jair, Flávio e Queiroz com um líder da milícia fluminense, o capitão Adriano, morto pela polícia. Engrossa esse novelo Frederick Wassef, falastrão, exibicionista e longe de ser um criminalista com dimensão para representar um senador, quanto mais o presidente.

Não bastasse a barbeiragem de abrir as portas dos palácios da Alvorada e do Planalto a Wassef, que tal permitir (ou pedir?) que ele escondesse Queiroz na sua casa de Atibaia? Não foi Queiroz que se meteu lá. Logo, meteram o Queiroz justamente na casa do advogado do presidente da República e do seu filho senador. Equivale a jogar Queiroz definitivamente no colo de Bolsonaro e Flávio. Coisa de gênio.

Rubens Barbosa* - Relações entre civis e militares

- O Estado de S.Paulo

Seria importante comandantes das FFAA se dissociarem de atos contra as instituições

As relações entre civis e militares ao logo da História republicana nunca foram bem resolvidas. O pensamento e as atitudes de cada lado se aproximam ou se distanciam por interesses comuns ou por questões ideológicas momentâneas.

Não faltam exemplos de cada uma dessas situações, a começar da Proclamação da República, passando pelo tenentismo, pelo período Vargas, pelo movimento de 64 e, agora, com a forte presença militar num governo civil eleito democraticamente. Nos últimos 35 anos, cabe ressaltar, as Forças Armadas cumpriram exemplarmente seu papel constitucional, mas não se pode negar a ocorrência de tensões, de tempos em tempos, em grande medida por desconhecimento da sociedade civil de suas atividades, prioridades e ações.

No tocante à política interna, do lado militar ainda não foi claramente resolvida a diferença da ação política entre militares da ativa e da reserva. Do lado civil, para ficar nos tempos mais contemporâneos, desde as “vivandeiras de quartéis” até hoje, com os que pedem a intervenção das Forças Armadas e o fechamento do Congresso e do STF, prevalece a tentativa de ignorar os limites do papel dos militares na política. 

Do lado militar, não está explicitada claramente a separação entre o profissionalismo das Forças Armadas como instituição do Estado, sem manifestação de apoio a partidos ou grupos políticos, e a atuação política de militares que, ao passarem para a reserva, incorporam valores civis e deixam de representar a instituição. 

Do lado civil, Congresso e sociedade deveriam ter maior presença nas discussões sobre questões de interesse das Forças. A Estratégia e a Política Nacional de Defesa, que deverão ser submetidas a exame do Congresso, deveriam ser discutidas em profundidade e merecer a atenção da classe política, ao contrário de até aqui. 

A ideia de um centro para o estudo das relações civis e militares, de defesa e segurança, sugerida pelo ministro Raul Jungmann e apoiada pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), viria a preencher uma lacuna com a criação de um fórum privado para exame e discussão de temas relacionados com a despolitização das Forças Armadas, fortalecimento do controle civil e papel dos militares no processo decisório do Estado brasileiro.

Armando Castelar Pinheiro* - As Grandes Incertezas

- Valor Econômico

É hora de considerar seriamente a possibilidade de diferentes futuros e mobilizar energia para evitar os piores

Em uma semana, o segundo trimestre de 2020 chegará ao fim, encerrando a “recessão do coronavírus”. De fato, o pior momento da recessão já ficou para trás, com a atividade econômica tendo melhorado em maio e junho. A previsão é que esse processo ganhe força daqui para a frente, com uma forte recuperação no período julho-setembro, seguida de altas mais modestas nos trimestres seguintes.
Qualitativamente, há bastante concordância sobre esse cenário, ainda que com divergências quantitativas. A estimativa mediana de mercado, computada pelo Boletim Focus do Banco Central, é que o PIB tenha contraído 12,2% no segundo trimestre, em termos dessazonalizados, na comparação com o período janeiro-março, e que no terceiro trimestre o PIB cresça 6,5%, com altas mais modestas nos trimestres seguintes.

Pessoalmente, acredito em uma queda mais moderada no segundo trimestre, na faixa de 10%, e uma recuperação mais contida no resto ano, com o PIB fechando 2020 com retração de 5,5%, melhor que os 6,5% de queda que projeta o analista mediano do mercado. Concordo com este, porém, em que provavelmente apenas em 2024, ou depois, veremos o PIB brasileiro voltar ao nível de 2014.

Andrea Jubé - Começam as baixas na caserna

- Valor Econômico

Prisão de Queiroz amplia desconforto no Exército

Apesar de esforços de vários atores em várias frentes para arejar a cena política, a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), aumentou a tensão em todos os ambientes, inclusive em uma das bases mais caras de Jair Bolsonaro: as esposas dos oficiais militares.

Uma evidência do derretimento da popularidade do presidente é a progressiva perda de apoio nesse segmento, refletida nos vários grupos de WhatsApp em que as mulheres dos oficiais da ativa e da reserva trocam impressões sobre os fatos políticos. A prisão de Queiroz e as circunstâncias que a envolveram provocaram uma debandada nesse grupo, inclusive de defensoras obstinadas do presidente.

Nem a saída do ex-juiz Sergio Moro do governo nem a postura negacionista de Bolsonaro sobre a pandemia - e a indiferença diante das mais de 50 mil vítimas fatais da covid-19 - haviam espantado essas apoiadoras.

Mas o esconderijo no escritório do advogado Frederick Wassef, que não saía dos dois palácios, Planalto e Alvorada, é visto como um detalhe estarrecedor. Ainda que Wassef tenha deixado a defesa do senador, até ontem suas digitais estavam lá, próximas da família, e suas declarações para tentar blindar o presidente são consideradas artificiais.

Um golpe que passa do delírio à farsa – Editorial | O Globo

Com a descoberta de Queiroz, devem ganhar nitidez ligações perigosas do clã Bolsonaro com o submundo das milícias

Os delírios golpistas do bolsonarismo que surgiram com ares de tragédia se aproximam da farsa. O fraseado do ex-capitão, modulado nos 28 anos de baixo clero na Câmara, em favor de torturadores do ciclo de chumbo da ditadura militar, as ameaças ao Supremo, as palavras de ordem de pequenos grupos por um novo regime de exceção verde-oliva gritadas em manifestações bolsonaristas, mantendo o ex-capitão no Planalto, prenunciavam um impossível retorno ao início dos anos 1960, sem Guerra Fria e sem comunistas escondidos em todos os lugares, mas prontos para conseguir o que não foi possível no levante fracassado de 35, a Intentona.

Ainda houve tentativas de criá-los usando redes sociais e seus robôs. Sem sucesso, porque não há mais União Soviética e nem existe o comunismo. A verdade é que não se sustenta algum discurso pretensamente civilizado para justificar o estrangulamento da democracia. Uma das virtudes inalcançáveis deste regime é que ele pode ser aperfeiçoado sem cataclismos políticos, econômicos, sociais, humanitários. No Brasil, o golpe bolsonarista, se fosse possível, implicaria um regime de força, truculento, isolado no mundo, com uma economia já conectada a mercados globais, em um país com mais de 200 milhões de habitantes, repleto de desníveis sociais, mas com todas as condições de reduzi-los dentro das liberdades constitucionais.

Bolsonaro sempre foi transparente ao pregar inconstitucionalidades. Não deveria surpreender. Na crise da saída de Moro, afirmou que desejava fazer trocas na sua “segurança” — era na Polícia Federal, nunca se teve dúvida —, porque queria “interagir” com o comando da PF, a diretoria-geral e a superintendência do Rio, área sensível para o presidente e família — sabe-se cada vez mais por quê —, sempre preocupado com que investigações e denúncias pudessem ser feitas contra “amigos” e filhos.

Confundindo as coisas – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro enviou três representantes graduados para conversar com o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes na sexta-feira passada. Consta que foi um gesto político de Bolsonaro para tentar construir um canal de diálogo com o Supremo, depois de sucessivos reveses judiciais de bolsonaristas, do próprio presidente e de seus familiares.

Bolsonaro parece, mais uma vez, confundir as coisas. Talvez imagine que seus dissabores no Judiciário tenham sido motivados por ressentimento dos magistrados diante dos constantes reptos que há tempos lança contra o Supremo – inspirando inclusive seus seguidores e até um ministro de Estado a defender explicitamente o fechamento da Corte e a prisão de seus ministros.

Talvez não passe pela cabeça do presidente que os problemas que ele e os bolsonaristas enfrentam na Justiça sejam na verdade fruto de consistentes suspeitas de malfeitos diversos, que devem ser devidamente investigadas. Bolsonaro parece julgar que um gesto seu de apaziguamento seria suficiente para interromper esses processos, que os bolsonaristas entendem ser “políticos”.

Nesse sentido, a escolha do ministro Alexandre de Moraes para receber a visita dos emissários de Bolsonaro tinha o objetivo específico de afagar aquele que hoje concentra alguns dos mais espinhosos casos envolvendo bolsonaristas no Supremo. Não se sabe se o ministro Alexandre de Moraes se deixou comover pela atitude de Bolsonaro, mas é improvável que a embaixada bolsonarista tenha o efeito desejado pelo presidente.

Tampouco há notícias de que o ministro pretenda mudar o curso dos processos que preside depois que Bolsonaro, como suposta prova de disposição ao diálogo, sacrificou seu ministro mais bolsonarista, Abraham Weintraub, porque este havia ofendido os integrantes do Supremo.

Aceno ao STF – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro ensaia uma trégua com a corte, que dependerá da aceitação de limites

Depois de insistir em uma inglória refrega com os outros Poderes, acirrada em plena emergência sanitária e econômica do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro deu agora sinais mais concretos de ter acordado para a necessidade de diálogo institucional.

O envio na sexta-feira (19) de três ministros da área jurídica do Executivo —da Justiça, da Advocacia-Geral da União e da Secretaria-Geral— para uma conversa com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, sugere que uma nova estratégia pode ser ao menos tentada.

Nas mãos de Moraes estão inquéritos centrais para os interesses do bolsonarismo, o das fake news e o dos atos antidemocráticos.

Ele não cuida do caso do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, que envolve o filho mais velho do presidente e é objeto do Ministério Público do Rio. Bolsonaro, contudo, vinha tratando todas as apurações contra si como parte de uma ofensiva coordenada. Para ele e suas hostes, Moraes era inimigo.

Congresso tenta mais uma vez aprovar marco do saneamento – Editorial | Valor Econômico

A cada R$ 1 investido em saneamento, economiza-se R$ 4 em gastos com saúde, segundo a OMS

Deve ser votado pelo Senado nesta semana o novo marco regulatório do saneamento. A pandemia do novo coronavírus recolocou o assunto na ordem do dia. Os índices de saneamento do país são lamentáveis. Cerca de 100 milhões de habitantes, praticamente metade da população, não têm acesso a rede de esgoto, e muito pouco do que é coletado é tratado. Outros 35 milhões não recebem água tratada. Para vastas camadas da população é simplesmente impossível observar os cuidados mínimos de higiene que o combate à pandemia exige.

Apesar disso, alguns partidos resistem a retomar o assunto, que vem sendo discutido desde o ano passado nas duas casas legislativas. Os motivos são variados. Há objeção da parte dos líderes do PSB, PSD e PT que criticam a inserção do tema na pauta das sessões virtuais, estabelecidas no início da crise para se tocar à distância temas relacionados à pandemia e ao estado de calamidade. O líder do PSD, senador Otto Alencar (BA) chega a não ver relação do “projeto com a pandemia, mas com as doenças veiculadas pela água”, e pede “apuração maior, estudos e audiências das partes envolvidas”.

Do lado do governo e dos partidos que apoiam o projeto, a expectativa é que ele seja um dos estimuladores da retomada dos investimentos no pós-pandemia. O novo marco regulatório, previsto para entrar em vigor em 2021, abre espaço para investimentos estimados em R$ 700 bilhões até 2033 com o estímulo dado às privatizações e concessões dos serviços.

Poesia | Graziela Melo - Poema para o filho morto

(Dedicado ao nosso filho, José, falecido, no exílio, em 23/6/1972)

O filho
perdido
na noite
da eternidade
estranha
sem
que possa
guardá-lo
no colo

vive,
no meu
desconsolo

como um
condor
desgarrado
no alto
de uma
montanha

Voa!!!
À noite
as estrelas
são
ternas
brilhantes
e belas!!!

Voa
pequeno
Condor!!!

Na infinita
eternidade
nas asas
da minha
saudade

nas nuvens
do meu amor
nas pedras
da minha dor!!!

Santiago, ago./1972