segunda-feira, 6 de julho de 2020

Luiz Werneck Vianna: "A má política condenou o Rio a essa decadência"

Por Sidney Rezende - | O Dia

O cientista social Luiz Werneck Vianna, do alto dos seus 82 anos continua sendo um dos intelectuais mais lúcidos do país. Ele é o responsável pela formação de muitos brasileiros que foram seus alunos no IUPERJ e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Nós procuramos para saber qual a explicação para cruel decadência do Rio de Janeiro. 

A resposta não foi otimista: "O Rio de Janeiro precisa de muito tempo para se recondicionar, se refazer, se constituir, para uma vida democrática, civil. O Rio caiu na barbárie. Criminalidade à solta, crime organizado atuando de forma quase livre. É uma tragédia nacional. Tantas expectativas se acumularam no Rio de Janeiro, como farol do Brasil, mas está empobrecido, envelhecido, rebaixado. 

É preciso que haja um esforço de todos. Das elites econômicas, culturais, científicas, da vida popular, para reerguer o Rio de Janeiro, econômica, social e politicamente. Foi a má política que condenou o Rio a essa decadência que ele vive. Em eleições à vista, pode ser que as coisas a partir delas comecem a apresentar um horizonte melhor. Mas, por hora, o ressurgimento do Rio de Janeiro social econômico e político ainda é fora do horizonte. Ainda temos que lutar muito para chegar perto dele".

Fernando Gabeira - Também sou brasileiro

- O Globo

Estamos tentando segurar a onda dessa grotesca vulgaridade do governo

As noites de quarentena são marcadas por sonhos. Quem conta com eles para melhor se conhecer, acorda tentando recompor lances, faces, atmosfera, interpretando, enfim.

Esse esforço ontológico se amplia no café da manhã, aurora da dura realidade cotidiana: não importa quem eu seja, também sou brasileiro.

Os jornais dizem que brasileiros não podem entrar nos Estados Unidos. Não podem entrar na Europa. Em tempos de pandemia, isto significa que não soubemos cuidar da vida. Dizem também os jornais que 29 fundos de pensão ameaçam não investir no Brasil enquanto continuar o processo de devastação da Amazônia. Isto quer dizer que não cuidamos dos nossos recursos naturais, não nos importamos com a vida dos índios, das plantas e dos bichos.

Paulo Guedes disse que nossa imagem negativa é produzida pela ação de alguns brasileiros. Esqueceu-se de um deles, Jair Bolsonaro. A visão de mundo de Bolsonaro, sua política ambiental e seu desprezo pela gravidade da pandemia são alguns dos fatores que arrasaram nosso prestígio no exterior.

O Brasil sempre exalou vida, alegria, música exuberante e talentosos intérpretes. O próprio Guedes e Bolsonaro participaram de um espetáculo devastador para nossa imagem: uma live em que é tocada no acordeom a “Ave Maria” de Schubert.

Isso correu mundo. Em Portugal, foi tema de debate num programa de TV. Um dos debatedores, consternado com a qualidade do espetáculo, disse: qualquer brasileiro com mais de cem de QI deve estar envergonhado. A hipocrisia da homenagem aos mortos na pandemia, a qualidade do intérprete, a própria live, eram uma visão rastaquera do Brasil.

Marcus André Melo* - 'Avanzar sin transar'

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro no modo sobrevivência e sua estratégia

A expressão que dá título a coluna foi utilizada por Carlos Altamirano, secretário-geral do Partido Socialista Chileno (PS), e tem sido objeto de intensa controvérsia.

Muitos atribuíram-lhe a debacle do governo Allende. Seguir sem negociar teria resultado em tragédia. Mas a expressão capta um dilema crucial das democracias presidencialistas multipartidárias.

O partido presidencial —o PS— tinha apenas 10% das cadeiras (15 em 150) na Câmara dos deputados e sua coalizão também era minoritária: os sete partidos da Unidade Popular detinham apenas 32%. A ascensão de Allende havia sido viabilizada por uma negociação com o maior partido —o partido democrata cristão (PDC)— para a eleição pelo Congresso, entre os dois mais votados —Allende (PS), 36%, e Alessandri (PN), 35%—, já que nenhum candidato obtivera maioria absoluta no primeiro turno.

O apoio do PDC foi obtido através de um Pacto de Garantias Constitucionales com o PS, pelo qual o presidente se comprometeria a respeitar artigos específicos da Constituição. Com a escalada do conflito, o PDC acusou-o de violar o pacto e foi para a oposição. As relações Executivo-Legislativo são pautadas pela “recusa à transação” pelo governo minoritário, mas tem elementos universais: o Chile é uma espécie de laboratório de embates Executivo-Legislativo. Se não, vejamos.

Em 1922, o impasse presidente-Congresso levou à intervenção militar e destituição de Arturo Alessandri (1920-24), pai do ex-presidente Jorge Alessandri (1958-64), adversário de Allende. E, antes dele, conflito semelhante já ocorrera. Seu desenlace foi o suicídio do presidente —episódio analisado por Joaquim Nabuco em seu “Balmaceda” (1895) — e a adoção do parlamentarismo no país por três décadas.

Presidentes minoritários têm duas opções: negociar apoio parlamentar e compartilhar o poder; ou “avanzar sin transar” —opção maximalista.

Celso Rocha de Barros* - O Aprendizado de Paulo Guedes

- Folha de S. Paulo

Ministro não está entre os que aderiram ao bolsonarismo para moderá-lo

Em 2018, Paulo Guedes disse à jornalista Malu Gaspar, da revista Piauí, que Bolsonaro havia se tornado “um animal completamente diferente”. Foi a pior avaliação de risco zoológico desde a do cara que não cozinhou direito o morcego.

Guedes não está entre os que podem dizer que aderiram ao bolsonarismo para moderá-lo. Aderiu cedo, quando Bolsonaro ainda era fraco, e serviu de álibi para que a elite o apoiasse. “Álibi”, não “razão”: pouco depois do impeachment, pesquisas mostravam Bolsonaro muito melhor entre os ricos do que entre os pobres. Paulo Skaf, a Sara Winter da burguesia, está aí para provar o quanto foi fácil convencê-los.

Mas digamos que, depois da eleição, Guedes tivesse conseguido moderar Bolsonaro e aplicar seu programa com sucesso. Teria sido preciso reconhecer que jogou certo.

Pois é, não.

Guedes como moderador de Bolsonaro foi um fracasso. Digo-lhe o mesmo que já disse para os militares: se isto aí é a versão moderada, o que foi que vocês apoiaram em 2018? Guedes ficou lá durante as ameaças de golpe, subestimou a pandemia junto com Bolsonaro (“com 4 ou 5 bilhões a gente derrota”) e talvez tenha perdido a última chance de sair com alguma aparência de dignidade quando não se demitiu com Moro.

Leandro Colon – De pai para filho

- Folha de S. Paulo

Guinada de tom do presidente após prisão de Queiroz não deve ser apenas por causa de Flávio

Desde a prisão de Fabrício Queiroz, Jair Bolsonaro baixou a guarda, moderou sua verborragia, e, num sinal de inflexão, buscou reduzir a tensão com os demais Poderes.

Segundo as investigações do Ministério Público do Rio, Queiroz era o homem chave do esquema das "rachadinhas" do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia.

Descobriu-se um cheque de R$ 24 mil de Queiroz à primeira-dama, Michelle. Bolsonaro, em sua defesa, diz que o dinheiro é parte de um empréstimo de R$ 40 mil que fez ao ex-assessor do filho.

O presidente nunca explicou direito essa tal dívida nem as razões que levaram Michelle a receber o cheque.

Queiroz conhece Bolsonaro desde 1984. O PM aposentado seria muito mais ligado a ele do que ao filho Flávio.

Mathias Alencastro* - O impasse no PT

- Folha de S. Paulo

A centro-esquerda está saindo renovada e fortalecida da era populista

Poucos discordam que a sequência marcada pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e a detenção de Lula em 2018 definiu o atual projeto do Partido dos Trabalhadores. Todavia, outra dinâmica não menos importante, comum a outras formações de centro esquerda, também influenciou esse processo.

Os anos 2015-2020 são caracterizados pela ascensão e queda de novas formações de esquerda como o espanhol Podemos, a França Insubmissa e, mais importante ainda, pela tomada de poder de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista britânico.

Todos defendiam uma estratégia de acirramento da contestação política e de mobilização apaixonada das bases.

Eles ofereceram o respaldo teórico e prático ao PT para dar uma guinada programática depois de treze anos no poder. Naquela altura, a prioridade do partido era evitar ser ultrapassado pela esquerda.

O que resta dessa experiência? Dirigido por uma tirania familiar, o Podemos virou uma muleta ineficiente do governo Pedro Sánchez.

A França Insubmissa fracassou na sua tentativa de capturar o eleitorado de esquerda órfão do Partido Socialista. Os trabalhistas sofreram algumas das suas mais humilhantes derrotas sob o comando de Jeremy Corbyn.

Ruy Castro* - Do Sputnik ao hot dog

- Folha de S. Paulo

Os EUA acolheram Sergei Khrushchov; eles não acreditam em comunismo

Morreu em Rhode Island, aos 84 anos, Serguei Krushev. Era um cientista russo, radicado nos EUA e, desde 1999, cidadão americano. Krushev? Sim, o dr. Serguei era filho de Nikita Krushev, secretário-geral do Partido Comunista e premiê da URSS de 1955 a 1964, o pior período da Guerra Fria. Para quem matou aquela aula, Guerra Fria era o tênue equilíbrio mantido por EUA e URSS para não mandar o mundo pelos ares com suas armas nucleares. Dois grandes filmes foram feitos a respeito em 1964: "Dr. Fantástico", de Stanley Kubrick, e "Limite de Segurança", de Sidney Lumet.

Nikita não era mole. Assim que assumiu, denunciou os crimes de seu lendário antecessor, Josef Stálin, como os expurgos e execuções em massa de supostos inimigos, o que abalou a fé dos comunistas em toda parte. Mas também esmagou uma revolta liberal na Hungria, internou dissidentes em hospícios e bateu com o sapato na mesa numa reunião do Conselho de Segurança da ONU —o mesmo sapato com que quase deu na cara de Mao Tsé-tung.

Seu filho Serguei era engenheiro do programa espacial soviético, que, em 1957, lançou o satélite Sputnik, e uma autoridade em mísseis —deve ter apontado pelo menos um contra Nova York. Mas Serguei estava com Nikita quando este visitou os EUA, em 1959, a convite do governo americano. Contou depois que, até para seu pai, era como "estar em Marte" —arranha-céus, estradas, supermercados, hot dog. Foram até apresentados a Marilyn Monroe! E só não visitaram a Disneylândia, para decepção de Nikita, por questões de segurança.

O comunismo acabou em 1989 e, dois anos depois, Serguei foi para a América, para trabalhar no programa de... mísseis. Não era um dissidente, era um técnico. Os americanos lhe abriram seus segredos. Não se arrependeram.

Tivesse vindo para o Brasil, Serguei Krushev morreria desempregado. Por aqui ainda há quem acredite no comunismo.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Ricardo Noblat - No ar, a nova versão de Paulo Guedes redescobrindo o Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Uma guinada e tanto...

Em entrevista, ontem à noite, à CNN Brasil, o ministro Paulo s anunciou uma radical mudança na política econômica do governo Jair Bolsonaro. Sai de cena o que chamou de “buraco negro fiscal”. No seu lugar entrarão emprego, renda e saúde. É uma guinada e tanto, a conferir nos próximos meses se será assim mesmo.

“Nossa preocupação essencial, hoje, não é mais o buraco negro fiscal como até um ano atrás, mas sim emprego, renda e saúde”, garantiu Guedes. Segundo ele, a pandemia de covid-19 desnudou a realidade “perversa” de 38 milhões de brasileiros na informalidade que ficaram sem dinheiro para suas necessidades básicas.

Em face disso, o Brasil terá de assistir ao aumento da dívida pública para ajudar empresas e pessoas físicas na fase atual da pandemia. O plano agora é criar uma “rampa de ascensão social” para a população mais vulnerável, de modo que ela consiga se reinserir no mercado de trabalho.

No fim de semana, Guedes foi mordido por um cão de sua família e obrigado a vacinar-se. Mas isso nada teve a ver com o seu novo modo de ver as coisas. Para quem, há três meses, ainda falava em aprovação de “reformas estruturantes” e achava que 5 bilhões de reais bastariam para atravessar a pandemia, é de louvar-se.

Cacá Diegues - Onde estamos agora

- O Globo

Aglomeração nos bares é um elogio à irresponsabilidade de quem mandou e à ignorância de quem foi para as ruas

Estou convencido de que, se as atividades sociais diminuíram ou simplesmente desapareceram com a Covid, as responsabilidades pessoais cresceram muito nesse novo tempo. Não nos interessam mais, às vezes até odiamos, certos gestos e compromissos coletivos de “antigamente”; mas somos fiéis a comportamentos relativos a um caso ou a uma pessoa, que nem sempre precisam de nós. Aos primeiros, já sabemos recusar sem culpa, não participamos deles sem precisar montar desculpas mirabolantes. Aos segundos, atendemos sem vacilação, como se o esforço ou o sacrifício pessoal fossem virtudes naturais. Continuamos seres sociais, mas agora preocupados e dedicados a um outro de cada vez.

Claro que pensamos e discutimos política, por exemplo. Mas a contrariedade com o governo não vem mais de um programa para a nação, mas de uma forma de pensar o ser humano e, portanto, agir sobre seu destino. Mesmo não sendo e nunca tendo sido de direita, podemos até admitir, muito serenamente, que os direitistas devam fazer parte do poder, desde que respeitem o pensamento e o programa do outro, a eventual maioria que não pensa como eles. Nos velhos tempos de hegemonia marxista, socialista ou apenas trabalhista, aqui ou em outros países, isso era impensável. No mínimo, uma traição à verdadeira luta popular, traição merecedora de uma Sibéria ou de um PSDB qualquer.

Ana Maria Machado - Nota, corda e tom

- O Globo

Temos é que caminhar lado a lado pela democracia

Entre notas e entrevistas recentes, ficou no ar a frase do general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, advertindo o outro lado a não esticar a corda.

O problema de dividir a gente brasileira em dois lados é que todos passamos automaticamente a ser o outro lado para alguém. Então há uns 70% achando que quem estica corda é o lado do governo. Mas não vou discutir lados, estou farta disso. Acho que temos é que caminhar lado a lado pela democracia no Brasil. Prefiro refletir sobre a corda. E sobre a necessidade de esticá-la. O tom de advertência do ministro é de quem vê corda como um cabo de guerra, puxado com força até rebentar ou derrubar gente. Mesmo essa, se não for esticada, não permite brincadeira.

Mas há outras. De paz. Corda bamba da esperança equilibrista, por exemplo. Se não for esticada, o tombo é fatal, e o abismo espreita.

Geraldo Brindeiro* - A Constituição e a defesa do regime democrático

- O Estado de S. Paulo

Os ministros do STF são os guardiães da vontade do povo expressa na Assembleia Constituinte

A Constituição estabelece que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por intermédio de representantes eleitos ou diretamente. A soberania popular é norma constitucional. E o voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea. Na democracia representativa, contudo, as maiorias são eventuais. Daí a importância da preservação das liberdades e dos direitos fundamentais – não apenas no período eleitoral, mas durante todo o mandato dos eleitos. O eleitorado – sobretudo as novas gerações de eleitores – precisa ter garantida a plenitude das liberdades e do acesso às informações dos governantes para avaliar seu desempenho e votar livremente nas eleições seguintes.

No regime presidencialista – adotado no Brasil desde o início da República, nos moldes do presidencialismo originário dos Estados Unidos da América – a maioria elege o presidente da República e os membros do Congresso Nacional para exercerem o poder durante os respectivos mandatos. Na República e na democracia, portanto, por definição, o poder político é temporário e limitado. Deve ser exercido, durante o mandato eletivo, com o devido respeito à Constituição e às leis do País e observado o princípio da separação dos Poderes – que é também cláusula pétrea, assim como a Federação e os direitos e garantias individuais.

Na célebre obra De l’Esprit des Lois, em 1748, Montesquieu criou a doutrina da separação dos Poderes exatamente para evitar a concentração de poder e preservar as liberdades e os direitos fundamentais. E nos The Federalist Papers, escritos durante o período de realização da Convenção de Filadélfia, que deu origem ao presidencialismo e à Constituição americana de 1787, James Madison foi além e preconizou a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para realizar o controle recíproco dos Poderes no exercício de suas funções constitucionais, evitando abusos e excessos do que denominou majority tyranny (Federalist n.º 51). Finalmente, Alexander Hamilton observou ainda que a garantia da supremacia da Constituição é responsabilidade do Poder Judiciário em razão da natureza de suas funções: “... the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the Constitution” (Federalist n.º 78).

Denis Lerrer Rosenfield* - Os valores e a nova normalidade

- O Estado de S.Paulo

Medo da morte, medo da insegurança social e econômica. Como viver sob tais circunstâncias?

Talvez não nos tenhamos dado conta devidamente de que o mundo mudou. O que vivíamos antes não se faz mais presente senão sob o modo da lembrança e do anseio, enquanto o que nos espera está sendo apenas vislumbrado. Falamos uma linguagem fruto de nossa condição anterior, como quando verbalizamos a nossa situação sob o modo da pré e da pós-pandemia, como se este período atual fosse passageiro, a ser apenas atravessado.

Se há, estrito senso, um pós-pandemia, ele se situa posteriormente à descoberta, industrialização e distribuição maciça de uma nova vacina, capaz de controlar esta doença, se é que não teremos no futuro outros eventos do mesmo tipo.

Religiosos diriam que voltamos a ter pandemias, tempestades, pragas bíblicas como a dos gafanhotos e mortes que se acumulam em escala planetária. Moralmente, as relações humanas estão mudando, seja na quarentena, seja no desrespeito a regras que sejam melhores para a saúde de todos. A transgressão não deixa de ser um reconhecimento de que há uma nova normalidade, por mais que possamos ter dificuldades de admiti-la.

Seria tentado a dizer que antes de um “pós-pandemia” viveremos ainda bons meses, nãos se sabe quantos, de um lento e doloroso processo de saída, em que os caminhos a serem trilhados estão sendo somente vislumbrados. E nesta travessia as relações humanas estão sendo transformadas, comparecendo outros valores e formas de comportamento. A pandemia nos põe diante dos limites da condição humana e do seu próprio significado.

Bruno Carazza* - ‘O povo’ contra Zuckerberg

- Valor Econômico

Redes sociais enfrentam resistência regulatória

Durante a segunda metade da década de 1990, a internet se popularizou e um mundo de possibilidades parecia se abrir. O índice Nasdaq, a bolsa de valores onde a maioria das pequenas e médias empresas de tecnologia emitiam seus títulos, saltou de 1.288,37 em janeiro de 1995 para 7.092 pontos cinco anos depois, quando nos demos conta de que o mundo não havia acabado por causa das profecias religiosas e nem pelo bug do milênio. Mas logo depois a bolha pontocom estourou.

Uma série de motivos levou a uma forte desvalorização das ações de empresas de tecnologia, como o aperto monetário promovido pelo Fed entre 1999 e 2000, a conscientização dos investidores de que muitas daquelas startups não tinham fôlego para transformar em lucros as promessas miraculosas de valorização e escândalos corporativos em que empresas forjavam seus resultados para atrair novos aportes de recursos.

A primeira menção ao Facebook nas páginas do Valor Econômico foi numa reprodução de uma reportagem da BusinessWeek que tratava justamente do renascimento das empresas do Vale do Silício. O texto trazia uma lista de novas firmas que poderiam ser alvo de aquisições pelas gigantes da época, como Microsoft, HP, SAP e (veja só!) Yahoo. Nele, especulava-se que “o site Facebook, especializado em confraternização de estudantes universitários, poderia ser atraente para uma empresa como a News Corp”.

Mark Zuckerberg e seus colegas de quarto em Harvard haviam lançado o TheFacebook em 4 de fevereiro de 2004. Quando o Valor publicou essa matéria, em setembro de 2005, a empresa havia acabado de perder o “The”, e o que se viu nos anos seguintes foi a pequena “rede social de estudantes” passar de caça a predadora, lançando-se numa sequência de aquisições de mais de 80 negócios, sendo as mais famosas o Instagram (2012) e o WhatsApp (2014).
Movimento similar foi realizado pelas outras quatro tech giants (Google, Microsoft, Apple e Amazon), que deglutiram criações promissoras como YouTube, Skype, Waze, LinkedIn, Picasa e GitHub. Somando essas incorporações aos produtos desenvolvidos internamente, esses conglomerados controlam hoje a forma como nos informamos, comunicamos, consumimos e até mesmo nos movimentamos por aí.

Gustavo Loyola* - A prioridade do emprego

- Valor Econômico

Faz todo sentido reformar os programas sociais do governo e caminhar na direção de sua unificação

O IBGE divulgou recentemente a pesquisa Pnad Covid que busca monitorar as condições do mercado de trabalho após a eclosão da pandemia da covid-19. Seus resultados são muito preocupantes.

Considerando o trimestre encerrado em maio, a pesquisa indica uma redução de 7 milhões de pessoas ocupadas em relação ao mesmo período de 2019. No momento, dos 170 milhões de brasileiros em idade de trabalhar, somente 83,7 milhões (49,3%) estão ocupados, segundo estimativas da instituição. Os números mais recentes do Caged vão igualmente na mesma direção. No trimestre encerrado em maio, houve uma perda de cerca de 1,5 milhão de empregos formais.

Vale recordar que no período anterior ao surgimento da covid-19, o mercado de trabalho ainda não havia se recuperado completamente do choque recessivo de 2015-2016. Vinha apresentando alguma reação, mas de maneira lenta, até porque a economia brasileira cresceu apenas cerca de 1% ao ano no triênio 2017-2019, ainda longe de se recuperar da forte queda do PIB em 2015 e 2016. Os números do Caged indicam que, no quinquênio 2015-2019, houve a perda de 1,7 milhão de vagas formais no mercado de trabalho.

Ou seja, dois impactos de alto poder destrutivo atingiram o mercado de trabalho, no curto período de apenas seis anos. A consequência dessa catástrofe em dose dupla tem sido o aumento generalizado da pobreza, não apenas pelo desemprego em si, mas também pelo aumento da informalidade no mercado de trabalho. Foram perdidos praticamente todos os avanços que o país havia obtido na década anterior, no que tange à melhora dos indicadores de renda.

Alex Ribeiro - BC avalia a força da volta da economia

- Valor Econômico

Questão no fim do ano é se a demanda crescerá sem ajuda

O ponto mais relevante na decisão sobre os juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, no começo de agosto, será a força com que a economia está retomando depois do baque do coronavírus. Mais para o fim do ano, entraremos em uma nova etapa: será a vez de examinar como a economia estará caminhando com as próprias pernas, quando saírem de cena os programas de transferência de renda do governo.

“Pensando na próxima reunião [do Copom] e onde está o olho do comitê, é na atividade econômica agora”, disse o diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanczuk, em uma live do Banco Safra. “O Copom está mais de olho nos dados de atividade do que esteve nos meses anteriores.”

O Banco Central está agora na terceira fase da sua resposta à pandemia. Na primeira, em meados de março, quando ainda havia muita incerteza sobre o tamanho do choque que atingiu a economia, concentrou-se em injetar liquidez no sistema financeiro, com um programa de R$ 1,2 trilhão. Na segunda fase, em maio, o BC já foi capaz de dimensionar melhor o impacto no Produto Interno Bruto (PIB), que passou de uma alta de 2% para uma queda de 6,4% neste ano. Nessa etapa, o Copom estimou o grau de estímulo monetário que seria preciso para compensar a queda da economia e baixou a Selic em dois pontos percentuais.

Mario Vargas Llosa* - Casa de loucos

- O Estado de S.Paulo

Livro de Bolton fala o que sabíamos: Trump carece de preparo para ocupar o cargo

Embora a Casa Branca tenha tentado de todas as formas impedir a publicação das memórias de John Bolton, que foi conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump, entre abril de 2018 e setembro de 2019, o livro, intitulado The Room Where It Happened (A sala onde tudo aconteceu, em tradução livre), acaba de ser lançado nos EUA, logo após ser autorizado por juízes.

Trata-se de um ensaio volumoso no qual Bolton narra com riqueza de detalhes sua experiência de trabalhar por um ano e meio com Trump e o critica severamente, dando exemplos abundantes do que todos já sabíamos. O presidente dos EUA carece da preparação mais elementar para ocupar o cargo que tem e os erros e as contradições que comete a cada dia, por essa mesma razão, apesar da popularidade que conquistou nos primeiros anos de seu governo e parece ter perdido. Segundo as últimas pesquisas, o democrata Joe Biden venceria as eleições de novembro.

A expectativa que o livro suscitou nos EUA e no mundo se deve, sobretudo, ao fato de Bolton ser um ultraconservador, mas culto e bem instruído, que colaborou em cargos importantes com os governos de Ronald Reagan e George Bush, dos quais foi embaixador na ONU.

Tanto em seus trabalhos públicos como em seus comentários na Fox News, Bolton sempre defendeu as opções mais extremas - como, por exemplo, no caso de Israel, tornar Jerusalém a capital do Estado sionista, a ocupação militar da Cisjordânia e, agora, sua anexação. Desde que ganhou as eleições presidenciais, Trump sinalizou que ele teria um cargo importante em seu governo.

De fato, foi nomeado conselheiro de Segurança Nacional, encarregado de orientar diariamente o presidente em questões internacionais, acompanhá-lo em suas viagens e junto ao secretário de Estado, de coordenar e dar uma direção coerente à política internacional dos EUA.

*César Mortari Barreira e Marcelo de Azevedo Granato - Tolerância

- O Estado de S.Paulo, 05/07/2020

Do ponto de vista democrático, é a opção pelo debate, pela argumentação...

Em recente manifesto, centenas de profissionais do Direito de diferentes orientações políticas e ideológicas acusam o presidente da República de “arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito, contra a saúde dos brasileiros”. O manifesto, que abre com um “Basta!”, é antecedido por citação de Karl Popper de que a tolerância ilimitada pode acarretar o desaparecimento da tolerância, isto é, uma sociedade tolerante que não se defenda dos ataques dos intolerantes acabará por ver “a destruição dos tolerantes e, com eles, da tolerância”.

Mas o que é ser tolerante? Não há uma resposta única a essa pergunta. Pode-se dizer, de início, que ser tolerante com alguém é mais do que suportar, por motivos pragmáticos, a conduta de determinada pessoa. Essa seria uma tolerância “negativa”: atura-se o suposto erro de uma pessoa por conveniência, como um mal menor, já que a alternativa de persegui-la por causa desse erro é ainda pior.

A distinção entre tolerância “positiva” e “negativa” aparece na obra de Norberto Bobbio, para quem a tolerância em sentido positivo se funda no convencimento de que a pluralidade de opiniões, em concorrência entre si, é condição essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento de uma sociedade democrática.

Isso não quer dizer que a tolerância suponha a renúncia das próprias convicções: o tolerante não deixa de pretender o triunfo da sua posição, crê apenas que o caminho até lá não pode excluir as demais posições. Ser tolerante não é ser indiferente.

De um ponto de vista jurídico, a tolerância associa-se ao princípio da igualdade. Segundo o artigo 5.º da Constituição, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Assim, ele prescreve que todos somos iguais perante a lei, ainda que tenhamos características que nos diferenciam uns dos outros, em termos de raça, gênero, sexualidade, crença, convicções, etc.

Governo acena ao Legislativo com um novo pacote – Editorial | O Globo

Ministro Paulo Guedes informou que apresentará propostas de reformas após período emergencial

O ministro da Economia, Paulo Guedes, informou ao Congresso que possui um novo portfólio de propostas reformistas para apresentar “assim que acabar o período emergencial”.

Indicou a decisão governamental de instituir a renda mínima, que chamou de Imposto de Renda negativo. Ela viria acompanhada de desonerações “da mão de obra mais simples”.

Haveria, também, um programa de difusão do microcrédito, complementado por um “bônus de adimplência”, espécie de prêmio fiscal aos micro, pequenos e médios empreendedores — desde 2002 existe lei (nº 10.637) com objetivo similar aplicável a pessoas jurídicas, com base no lucro real ou presumido.

No pacote ao Legislativo, disse o ministro, também devem constar medidas para “aperfeiçoamento do marco regulatório” de alguns setores. Listou: “Cabotagem, setor elétrico, gás natural e petróleo — este para sair da (fórmula atual de) partilha para concessão.”

Confrontado por parlamentares preocupados com sinais de corrosão na confiança dos investidores estrangeiros, Guedes tergiversou: “Não existe obsessão de trazer capital estrangeiro, não. Não acho que salvação é capital estrangeiro, não. A salvação é investimento. Nós vamos fazer e vamos criar os empregos.”

O Senado e o Supremo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Cada uma dessas cortes foi concebida para assegurar um país livre e democrático

Desde o fim da 2.ª Grande Guerra no final da primeira metade do século 20, os países desenvolvidos moldaram suas cortes supremas conforme suas tradições jurídicas. Na França, os presidentes da República, do Senado e da Câmara escolhem um terço dos ministros do Conselho Constitucional cada um. Na Itália, o presidente, o Parlamento e os tribunais superiores indicam um terço da Corte Constitucional cada um. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal é dividido em duas turmas integradas por oito ministros e metade das indicações é feita pela Câmara e metade pelo Senado. Para neutralizar pressões políticas e garantir a neutralidade da corte, ela está instalada em Karlsruhe, a 700 quilômetros da capital, Berlim. Nos Estados Unidos, os ministros são indicados pela Casa Branca e só são nomeados depois de serem rigorosamente sabatinados e aprovados pelo Senado.

Cada uma dessas cortes foi concebida para assegurar um país livre e democrático. Além disso, quase todas são integradas por operadores jurídicos oriundos do Ministério Público, da advocacia e das faculdades de direito, e não só por juízes. Não se ater a requisitos vinculados a uma carreira do próprio Judiciário foi o modo encontrado para assegurar a indicação de profissionais destacados e dotados de reputação ilibada, notável conhecimento jurídico, experiência profissional e credibilidade. E como em toda discussão constitucional sempre há uma convergência entre o direito e a política, esse também foi o modo como esses países procuraram neutralizar as pressões partidárias e dotar a corte suprema de uma visão pluralista, capaz de respeitar as forças sociais majoritárias e as minorias sociais. É por isso que a indicação de um ministro não é um ato de escolha exclusiva de um presidente, mas um processo de construção de consenso.

Correção incerta – Editorial | Folha de S. Paulo

STF precisa encerrar insegurança em torno de atualização de dívidas trabalhistas

Não bastassem as incertezas econômicas e sociais advindas da pandemia, o país continua convivendo com o agravante da insegurança jurídica em temas de grande impacto para empresas e trabalhadores.

É o que se vê na discussão sobre o mecanismo de correção monetária de dívidas trabalhistas, que se arrasta há anos nos tribunais.

A disputa envolve a correção pela TR (taxa referencial definida com base na Selic e um fator redutor) ou pelo IPCA-E (um índice de preços ao consumidor). Além da atualização monetária, incidem sobre os débitos juros de 12% ao ano.

Até 2015, a Justiça do Trabalho aplicava a TR, que tende a ser mais vantajosa para os empregadores. Desde que o STF considerou inconstitucional o uso da taxa, em favor do IPCA-E, para a correção de precatórios, contudo, a tese de que o mesmo se deve aplicar aos débitos trabalhistas ganhou força.

A insegurança aumentou em 2017, quando a reforma da CLT estabeleceu a TR como fator de correção, o que vem sendo ignorado com frequência nos julgamentos. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já formou maioria pela aplicação do IPCA-E, mas não chegou a concluir o julgamento.

O capítulo mais recente é a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para a suspensão das decisões judiciais relacionadas ao mecanismo de correção monetária.

Na prática, até a decisão da corte sobre duas ações diretas de constitucionalidade em favor do uso da TR, a Justiça do Trabalho está impedida de alterar o critério.

Maior transferência de renda precisa indicar fonte de recursos – Editorial | Valor Econômico

O grande debate se dará no Congresso, pois a ampliação do programa de transferência de renda necessitará de alterações constitucionais e legais

A pandemia de covid-19 desnudou para uma parte significativa da população brasileira uma realidade social de grande desigualdade e de pobreza no país. O quadro já era conhecido de muitos, mas ele ficou mais evidente para todos quando a mídia revelou que um grande número de cidadãos não dispunha sequer de água e sabão para higienizar as mãos e, com isso, proteger-se do novo coronavírus.

O desconhecido de quase todos foi o universo de brasileiros sem qualquer amparo do Estado, muitas vezes sem identificação civil. Foi essa a impressionante realidade revelada pelo auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores informais. Muitos ambulantes, domésticos e aqueles que fazem pequenos “bicos” para sobreviver não conseguiram o auxílio oferecido pelo governo simplesmente porque não tinham o RG (Registro Geral). Ou seja, não existiam para o Estado. Os cidadãos “invisíveis” passaram a ser identificados, pela primeira vez.

A injusta realidade brasileira incomodou a consciência nacional e muitas pessoas - economistas, sociólogos, empresários e cidadãos de várias profissões - passaram a defender a execução de uma política de transferência de renda pelo Estado que garanta um mínimo de dignidade a esses brasileiros.

São numerosas as propostas que surgiram, que vão desde a duplicação do programa Bolsa Família até a concessão de uma renda mínima a cada brasileiro. Em recente estudo feito para o Insper, o economista Marcos Mendes estimou que o custo adicional dos programas de transferência de renda varia de R$ 33 bilhões por ano a mais de R$ 900 bilhões por ano.

Poesia | Goethe - Mignon

Conheces o país onde os limões florescem
E laranjas de ouro acendem a folhagem?
Sopra do céu azul uma doce viragem
Junto ao loureiro altivo os mirtos adormecem.
Conheces o país?

É onde, para onde
Eu quisera ir contigo, amado! Longe, longe!

Conheces o solar? O teto que descansa
Nas colunas, a sala, os quartos luminosos,
E as estátuas a olhar-me, os mármores zelosos:
Que fizeram a ti, minha pobre criança?
Conheces o solar?

É onde, para onde
Eu quisera ir contigo, amigo! Longe, longe!

Conheces a montanha e a vereda de bruma,
A alimária que busca a enevoada senda?
Nas grutas ainda vive o dragão da legenda,
A rocha cai em ponta e à roda a onda espuma,
Conheces a montanha?

É onde, para onde
Nosso caminho, pai, nos chama. Vamos. Longe.