quinta-feira, 16 de julho de 2020

Ascânio Seleme - A turma de Bolsonaro

- O Globo

Colocar um general comandando o Ministério da Saúde durante uma epidemia foi um erro grosseiro

O deputado Jair Bolsonaro passou 30 anos no Congresso convivendo com o que havia de pior no baixo clero. Seus interlocutores foram parlamentares como ele próprio, gente sem brilho, sem ideias, sem projetos, sem protagonismo. Quando se elegeu presidente num descuido da história, se deu conta de que não iria encontrar naquela turma quadros de bom nível para ocupar as importantes funções públicas que se descortinariam com a sua posse. Onde insistiu com gente da patota, se deu mal. Como é o caso da ministra Damares Alves, ex-assessora do ex-senador Magno Malta.

Conseguiu juntar alguns nomes razoáveis, como os ministros da Agricultura, Teresa Cristina, e da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, porque ouviu conselhos de gente ajuizada. Na Economia encontrou um técnico que faria qualquer coisa para ser ministro. Paulo Guedes ainda ganhou com a ignorância do chefe nos assuntos da sua área, e virou um Posto Ipiranga com muito gosto. Mas a maioria do seu primeiro escalão foi formada por apoiadores ideológicos, puxa-sacos ou militares. Estes últimos ganharam relevo e cada vez mais espaço na medida em que Bolsonaro ia se desvencilhando de civis por ciúmes ou porque não obedeciam às suas ordens absurdas.

O presidente julgou que os militares formavam a sua verdadeira turma. E inflou seu ministério com generais. Foi com tanta sede ao pote da caserna que acabou nomeando generais da ativa, um óbvio equívoco. Mais grave, contudo, foi o fato de as Forças Armadas concordarem com o engano. O primeiro general da ativa instalado no governo, Luiz Eduardo Ramos, ocupou uma função burocrática na Secretaria Geral da Presidência da República, uma espécie de ajudante de ordens de luxo de Bolsonaro, mas ainda assim acabou pedindo transferência para a reserva. O segundo foi pior do que um escândalo. Colocar um general comandando o Ministério da Saúde durante uma epidemia foi um erro grosseiro.

Maria Cristina Fernandes - A armadilha do capitão

- Valor Econômico

No enfrentamento com a toga, generais fazem o jogo de Bolsonaro e arriscam reacender temas como a revisão da Lei da Anistia

Ao mandar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ligar para Gilmar Mendes para explicar sobre a presença de militares e as ações da Pasta, o presidente Jair Bolsonaro realoca para o colo das Forças Armadas aquilo que o ministro do Supremo Tribunal Federal pôs no seu. Era Bolsonaro que o ministro alvejava ao dizer que os militares estavam se associando a um genocídio. Com as instruções a Pazuello, o presidente deixa claro que é no mesmo balaio de responsáveis pelo pandemônio, ao lado de Supremo e governadores, que pretende colocar as Forças Armadas.

Não é de hoje que as Forças Armadas caem nas armadilhas do capitão. Arma-se um vespeiro. A ameaça a Gilmar Mendes com a Lei de Segurança Nacional, tese urdida pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, pode fazer ressurgir dois processos, o julgamento dos embargos de declaração na revisão da Lei de Anistia e a incompetência da justiça militar para crimes cometidos por civis em operações de Garantia da Lei e da Ordem e por militares contra civis em situações não relacionadas com o desempenho de suas atividades.

Ainda que a composição do tribunal tenha mudado desde que a revisão da Lei de Anistia foi negada, é improvável que uma nova leitura se forme sobre o tema. A rediscussão do tema, porém, desagrada sucessivas gerações de militares que buscaram, até aqui, virar a página da ditadura.

Ainda mais porque se daria numa conjuntura em que um ministro do Supremo, ao saber da cobrança do vice-presidente, Hamilton Mourão, de que Gilmar Mendes tem que pedir desculpas aos militares, reagiu: “Antes ele tem que fazer a mesma coisa pelas homenagens a Brilhante Ustra”. O clima de radicalização só serve, como se sabe, às milícias digitais bolsonaristas.

Gabriela Prioli - Estás à beira do abismo

- Folha de S, Paulo

Abismo que cavaste com os teus pés

A crítica incomoda quanto mais encontra eco na nossa insegurança. A recente fala do ministro Gilmar Mendes, sobre o risco de o Exército ser associado ao genocídio em curso, teve peso não tanto pelo uso da eventual hipérbole, mas pela apreensão que evocou.

Não é novidade para ninguém que os militares (e não só eles, diga-se) fizeram uma aposta arriscada ao darem as mãos para Jair Bolsonaro. O barquinho do bolsonarismo só não apresentava um risco óbvio para quem, deliberadamente, olhasse para o outro lado. Havia muita gente diferente a bordo: aqueles preocupados com um Brasil mais liberal, os militares buscando a redenção pelos erros do passado e uma ala ideológica buscando algo que ninguém sabe direito o que é, mas sabe que é ruim… talvez a borda da terra plana. Todos, com a aparente exceção dos últimos, dispostos a concessões perigosas.

Luiz Carlos Azedo - Cai fora, cai fora!

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Passou da hora de o general Pazuello, interino na Saúde, voltar para o seu comando na 12ª Região Militar, que cuida dos suprimentos, embarcações e hospitais do Exército na Amazônia

O pior acidente aéreo de todos os tempos aconteceu em 1977, na Ilha de Tenerife, na Espanha. No dia 27 de março daquele ano, uma bomba explodiu no aeroporto de Gran Canaria, umas das Ilhas Canárias, e todos os voos foram desviados para o aeroporto de Los Rodeos, na ilha de Tenerife. Por conta da confusão no controle de pousos e decolagens, dois Boeing 747, um da KLM Royal Dutch Airlines, holandesa, e outro da Pan América Word Airways, norte-americana, se chocaram próximo ao solo do aeroporto. Morreram 583 pessoas, 248 passageiros da KLM e 335 dos 396 passageiros da Pam Am, cujo copiloto sobreviveu. Da cabine de seu avião, enquanto taxiava para decolar, o comandante americano Victor Grubbs viu outra aeronave vindo em sua direção, acelerando para levantar voo, em meio às névoas que cobriam a pista. “Esse filho da mãe está vindo para cima da gente!”, disse. “Cai fora, cai foral!”, gritou Robert Bragg, o copiloto que escapou da tragédia, com mais 60 pessoas.

O Brasil registrou 1.261 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas, isso é mais do que dois acidentes de Tenerife juntos. Se formos considerar os acidentes ocorridos no Brasil, o número de mortos é seis vezes maior do que o da queda do Airbus A-320 da TAM em Congonhas, na noite chuvosa de 17 de julho de 2007. Vinda de Porto Alegre, a aeronave ultrapassou a pista principal do aeroporto durante o pouso, passou sobre a Avenida Washington Luís, colidiu com o prédio da TAM Express e explodiu, matando todos os 187 passageiros e tripulantes a bordo e mais 12 pessoas em solo. O total de 75.523 óbitos por coronavírus registrado na pandemia equivale a 403 acidentes de Congonhas, ou um avião caindo no Brasil a cada três dias, se considerarmos que a primeira morte ocorreu em 17 de março.

Ricardo Noblat - Bolsonaro que se vire para explicar o fracasso do combate ao vírus

- Blog do Noblat | Veja

Essa conta, os militares não querem pagar
Por que o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde há dois meses, não foi efetivado no cargo pelo presidente Jair Bolsonaro? Á época de sua designação como ministro interino, mais de uma vez desde então, e ontem em mensagem postada nas redes sociais, Bolsonaro elogiou o desempenho de Pazuello.

Então por que de interino o general não passou a titular? Simples, e até os apontadores de jogo do bicho que circulam pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, conhecem a resposta. Bolsonaro quis fazer de Pazuello o sucessor de fato e de direito dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Mas…

Mas, os atuais ministros militares e os comandantes das Forças Armadas foram contra. Pazuello seria mais um militar em cargo importante da administração pública, o que reforçaria as críticas sobre o envolvimento das Forças Armadas com o governo. E logo no Ministério da Saúde, posto máximo do combate ao Covid-19.

Desgastaria a imagem do Exército se, no futuro, o resultado do combate fosse mal avaliado. Uma coisa são as Forças Armadas fazerem tudo ao seu alcance para ajudar a deter o avanço da doença – e elas fazem. Outra bem diferente, ocupar o principal papel na linha de frente do combate. Tal papel cabe ao governo.

É por isso que Pazuello voltará ao quartel. Foi como missão que recebeu o convite para ser secretário-geral do Ministério da Saúde, cuidando, ali, da logística de distribuição de remédios, de equipamentos e de testes para o Covid-19. Não deu conta do recado, mas jamais seus colegas de farda admitirão que não deu.

Fará um favor ao Exército se der sua missão por concluída e retomar sua carreira. Certamente será promovido e haverá um bom posto esperando por ele. Que Bolsonaro, mais tarde, explique porque seu governo comportou-se tão mal no enfrentamento da pandemia. As Forças Armadas não tiveram culpa, talkey?

Merval Pereira - Caiu a ficha

- O Globo

Governo está mandando sinais positivos diante das críticas, que anteriormente eram respondidas com grosserias e atitudes arrogantes

O vice-presidente Hamilton Mourão define sua presença à frente do Conselho da Amazônia como demonstração da preocupação do governo com o meio-ambiente.
Como ele também diz que pretende deixar até 2022 um sistema que reduza o desmatamento e as queimadas na região, é sinal de que caiu enfim a ficha do governo Bolsonaro, mesmo que o presidente ou seu (ainda) ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles não tenham mudado de ideia sobre o tema.

Acredito que não haja mais espaço para Salles neste momento do governo, em que o presidente Bolsonaro se curva às pressões internacionais dos investidores, à opinião pública nacional e internacional. A indicação do vice-presidente Hamilton Mourão para a Comissão da Amazônia mostra que o ministro não é a pessoa correta para estar na posição neste momento.

Mesmo que ambientalistas continuem achando a visão do governo restrita e inadequada, o fato é que ele está mandando sinais positivos diante das críticas, que anteriormente era respondidas com grosserias e atitudes arrogantes.

Nos depoimentos no Congresso, e nas entrevistas que deu à Globonews no J10 e ontem depois da segunda reunião do Conselho da Amazônia, Mourão disse claramente que o presidente mudou de posição, entendeu que não dá para não preservar a Amazônia e para não fazer uma política sustentável de meio ambiente.

Míriam Leitão - Governo paga a conta dos erros

- O Globo

O Governo pintou e bordou na área ambiental, agora, na crise fundos ameaçam não investir e empresas querem mudanças de postura

A ironia é que o governo Bolsonaro errou durante um ano e meio na área ambiental e agora, quando tenta dar o meia-volta volver, encontra uma lei do governo Lula. O Terra Legal permite a regularização fundiária que eles tanto falaram e não fizeram. Não precisa de nova lei, muito menos aquela ideia do projeto inicial da MP da grilagem. Todos os sinais que eles deram provocaram um enorme prejuízo e, neste momento, indígenas correm risco, a Amazônia perdeu milhares de quilômetros de floresta para a grilagem e para o fogo, servidores públicos foram impedidos de fazer o seu trabalho no Ibama, ICMBio e Funai.

A média de titulação de terra desde a lei que permitiu o projeto Terra Legal é de 3 mil por ano. No governo Dilma, teve picos de até 10 mil num ano. Em 2019, houve a concessão de apenas seis títulos de terras. A informação desse fiasco foi conseguida por organizações através da Lei de Acesso à Informação. Aliás, lei do período Dilma.

Maria Hermínia Tavares* Apagada e vil tristeza

- Folha de S. Paulo

Impossível nos dias que correm não lembrar do fim daquele governo

Os mais velhos hão de se lembrar dos dois últimos anos da presidência José Sarney. O governo acabou, mas não o exótico mandato de cinco anos, arrancado aos constituintes pelas patranhas da pequena política. A esperança de dar cabo da inflação se foi quando o ministro Bresser-Pereira deixou a Fazenda, no começo de 1988, depois de ver seu plano naufragar e pouco antes do advento da Constituição Cidadã.

A partir de então, o presidente ficou quase só, agarrado ao “centrão” —sim, a coisa já estava lá —, sem política e sem propósito até que a primeira eleição direta em 28 anos definisse o seu sucessor.

Foram dois longos anos de desencanto e desassossego, durante os quais a inflação fora de controle ia roendo o otimismo nascido da luta contra o autoritarismo. O país pagou caro pelo definhamento precoce do seu primeiro governo civil. A economia rateou, o desemprego cresceu, os pobres ficaram mais pobres, a sociedade, mais desigual. O Brasil que se democratizava viu o tempo passar pela janela, e levaria alguns anos para se aprumar.

Fernando Schüler* - Céticos ou infalíveis: quem somos nós?

- Folha de S. Paulo

Só a ideia de que somos infalíveis justifica a morte em nome de uma ideia

Não discuto aqui o texto e muito menos o direito que o jornalista tinha de escrever um artigo desejando a morte do presidente. Inúmeras vezes defendi nesta coluna a cultura da primeira emenda e não seria diferente agora.

O que me impressionou foi a quantidade de gente que veio depois do artigo para racionalizar o desejo de morte. Não se tratava de vociferar na internet sobre prender e arrebentar. Eram discussões aparentemente sérias sobre uma possível “solução lógica”, isto é, para além da paixão política, para justificar o fim de um desafeto político.

Por óbvio, o desafeto poderia ser qualquer um. O raciocínio aqui independe de preferência política. E o ato de matar apenas uma vontade. Ninguém tem (ao menos ainda) a prerrogativa de realmente liquidar o outro. Em um episódio de “Black Mirror” criaram umas abelhinhas que faziam o trabalho. Por aqui, imagino, seriam outros bichos.

Lendo essas coisas tive a nítida intuição de que havíamos chegado ao fundo do poço. Fim da linha de um tipo obsessivo de polarização política. Talvez o extremo do que fala Bari Weiss em sua carta de renúncia ao The New York Times.

A diferença é que aqui fomos muito além da “autocensura” ou da negação do outro. Nos colocamos a especular sobre sua simples eliminação.

Mariliz Pereira Jorge - Mamadeira de piroca reloaded

- Folha de S. Paulo

O presidente distorce as questões sobre a pedofilia pela própria ignorância ou em clara oposição ao que diz a ciência

Jair Bolsonaro sabe que o melhor remédio para uma crise de popularidade é mamadeira de piroca. Nada como requentar uma mentira que envolve sexo e servir ao eleitorado, como fez nesta terça (14) ao afirmar que a esquerda quer “descriminalizar a pedofilia, transformando-a em uma mera doença ou opção sexual”.

O resultado foi imediato. Seguidores sedentos por um biscoito para alimentar sua fome contra inimigos políticos responderam com engajamento muito maior do que o presidente tem em suas redes sociais quando faz de conta que governa. Nem os tuítes em que mente sobre o uso da cloroquina rendem tanto.

Vinicius Torres Freire – A ciência do Brasil contra o coronavírus

- Folha de S. Paulo

Cientistas inventam aparelhos e estudos contra a doença e a barbaridade que ocupa o poder

O Inspire, o ventilador pulmonar criado na Universidade de São Paulo, foi para o hospital: já vai ajudar a salvar 40 vidas no Incor, do Hospital das Clínicas da USP, em uma primeira fase. Foi uma iniciativa e um projeto original de engenheiros da Escola Politécnica, desenvolvido com auxílio da Faculdade de Medicina da universidade e da Marinha do Brasil, que vai fabricar os aparelhos em seu Centro Tecnológico em São Paulo. Deve custar um décimo do preço dos aparelhos comerciais.

Por esses dias, o Sirius mostrou as moléculas de uma proteína do novo coronavírus, um alvo possível para remédios contra a Covid-19.

O que é o Sirius? É o maior projeto da ciência brasileira, um acelerador de partículas (faz elétrons correrem quase à velocidade da luz dentro de um tubo de uma circunferência de mais de 500 metros de diâmetro, por exemplo). É uma espécie de imensa máquina de raios X, que permite enxergar até átomos de células em funcionamento (na verdade, o Sirius emprega vários tipos de radiação, além da “X”). Permite pesquisas muito avançadas em biologia, medicina, engenharia de materiais, química, eletrônica, agronomia, combustíveis, uma lista imensa e ainda a descobrir.

O Sirius é uma versão mais avançada, na ponta mundial, do equipamento que opera desde 1997 no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, que fica em Campinas (SP). Nesta semana, abriu inscrições para pesquisadores que queiram estudar o novo coronavírus.

E daí?

Ribamar Oliveira - Só reforma reduz benefícios tributários

- Valor Econômico

IVA prevê crédito presumido para benefício tributário

Não é possível fazer uma redução ampla e linear dos atuais benefícios tributários com medidas isoladas, que possam ser adotadas ao longo dos próximos anos. A redução dos benefícios deve ser tratada no contexto da reforma tributária. Esta é uma das conclusões de nota técnica feita pela Receita Federal do Brasil (RFB), encaminhada ao Congresso Nacional em novembro do ano passado, mantida em sigilo desde então e revelada na edição de terça-feira pelo repórter Murillo Camarotto, deste jornal.

Na terça-feira, o Ministério da Economia informou que os subsídios tributários registraram “queda sutil” de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 para 4,2% do PIB em 2019. A diminuição do gasto tributário é considerada essencial para elevar a receita disponível e melhorar a situação das contas públicas.

A nota técnica da RFB foi uma resposta à lei de diretrizes orçamentárias (LDO) válida para 2019, que determinou ao presidente da República encaminhar ao Congresso um plano de revisão de despesas e receitas para o período de 2019 a 2022, inclusive de benefícios de natureza tributária, financeira ou creditícia, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas dos respectivos impactos financeiros anuais.

Eugênio Bucci* - Enganos e desenganos na lei das ‘fake news’

- O Estado de S.Paulo

Caminho certo é coibir os abusos. Errado é definir por lei o que é verdade ou mentira

Aprovado no Senado Federal no dia 30 de junho, o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, começou a tramitar na Câmara dos Deputados. Apelidado de lei das fake news, o projeto abriu a semana sendo discutido em painéis públicos organizados pela própria Câmara. Melhor assim. Como alertou editorial do Estado publicado na terça-feira (Prudência com as fake news), “é essencial que a Câmara faça uma profunda e serena discussão a respeito do texto aprovado pelos senadores”. O editorial advertiu também que “o açodamento e o populismo podem causar grandes estragos”.

De saída, reconheçamos que durante a tramitação no Senado o PL melhorou. Delírios corporativistas como o de punir quem “ridicularizasse” os políticos caíram fora. Medidas que afrontavam direitos fundamentais foram expelidas. O índice de maluquices diminuiu, mas o PL ainda não está bom.

Algumas passagens assombram como portais das trevas. Há trechos que dão a impressão de que, na implantação da lei, virá uma autoridade (ou uma autoridade delegada) com poderes para arbitrar sobre o que é verdade e o que é mentira. O artigo 4.º, inciso II, fala em diferenciar o que é humor do que não é. Sejamos francos: quem vai estabelecer a distinção entre uma fraude informativa e uma piada de mau gosto? O artigo 6.º, parágrafo 1.º, tenta resguardar “a manifestação artística, intelectual ou satírica” das ações que vedarão as “contas inautênticas”. Ora, quem dará a palavra final sobre o que é o quê?

William Waack - Desastre anunciado

- O Estado de S.Paulo

O quadro eleitoral americano parece confirmar as previsões para nossa política externa

Profissional de carreira que é, pode-se assumir que o embaixador brasileiro em Washington já cultive contatos com os democratas que provavelmente vão assumir junto com Joe Biden. Talvez áreas do governo como Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, além das pastas militares, possam ajudá-lo. O pessoal da área internacional “pura” do atual governo só tem os números da turma ligada a Trump.

Se as eleições fossem hoje Trump estaria fora, e as relações do Brasil com Washington em precária situação. A opção preferencial pela pessoa do Trump feita por Jair Bolsonaro configura-se um desastre de proporções inéditas na história da nossa política externa. Não há exemplo de “alinhamento automático” tão mal conduzido. Mesmo na Guerra Fria o regime militar brasileiro levou nossos negócios em relação aos EUA de forma mais autônoma.

Cristalizaram-se nos últimos dias dois dilemas geopolíticos que se tornaram ainda piores devido ao apego de Planalto a Trump. O primeiro é o fato de que Joe Biden, o candidato democrata que hoje derrotaria Trump apresentou um ambicioso programa de recuperação econômica dos Estados Unidos baseado na “economia verde”, o que inclui a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris (que o Brasil, macaqueando Trump, maltratou).

Zeina Latif* - Mudanças do vento

- O Estado de S. Paulo

Haverá o recrudescimento da atual tendência nacionalista ou uma mudança de rumo?

Como será a ordem econômica mundial no pós-pandemia: haverá o recrudescimento da atual tendência nacionalista ou uma mudança de rumo? Há razões para acreditar no segundo cenário. Afinal, como diz Delfim Netto, “a história é escrita por acidentes”. Acidentes causam inflexões.

A crise global de 2008, fruto de erros de governantes, trouxe muito descontentamento social e despertou sentimentos nacionalistas e antidemocráticos, alimentando políticos de perfil populista.

Nos EUA, como aponta Luigi Zingales, a bronca veio dos que se sentiram deixados para trás, penalizados por desemprego e execução de hipotecas, em meio à visão de que o mercado financeiro, o causador da crise, saíra ileso. Não foi diferente na Europa.

O descontentamento se espalhou entre os países emergentes com maior fragilidade interna, conforme a perda de ímpeto do comércio mundial e o fim do ciclo de commodities reduziram seu ritmo de crescimento. O maior símbolo foi a Primavera Árabe.

Celso Ming - Fogo na Amazônia e o governo deixa queimar

- O Estado de S.Paulo

Não há um plano integrado de desenvolvimento para a Amazônia e é muito pouco apenas aumentar o monitoramento, como quer Mourão

Não dá ainda para admitir que o governo Bolsonaro mudou sua postura diante do alastramento das queimadas na Amazônia.

O que há é o reconhecimento tardio e flácido do descontrole sobre o que se passa por lá. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, coordenador de um organismo inoperante chamado Conselho da Amazônia, reconhece que “nossos mecanismos de monitoramento são péssimos”, mas não diz como nem sob que condições nem com que objetivo é preciso passar do péssimo para algo aceitável.

Em todo caso, essa é uma postura diferente porque até agora o governo se limitava a repelir as denúncias internacionais que condenavam a destruição por não passarem, como vem afirmando o presidente Bolsonaro, de tentativas de atropelar a soberania nacional na região ou de justificar práticas de chantagem destinadas a solapar as exportações brasileiras de produtos agropecuários.

Pelo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Amazônia teve 20% a mais de focos de queimada em junho deste ano em relação ao mesmo período de 2019 (veja o gráfico). A devastação beneficia grupos que se apropriam do patrimônio nacional e que quase nada acrescentam à renda dos brasileiros.

Luiz Fernando Verissimo - Os limites

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Botar um pastor evangélico como ministro da Educação não nos ajuda a conhecê-lo

Santo Agostinho disse que, entre todas as tentações do homem, a pior era a “doença da curiosidade”. Ela nos levava a especular sobre as razões da existência e os mistérios do Universo, ou sobre tudo que estava além da compreensão humana e só a fé explicava. Antes de Agostinho, outra autoridade, Deus, já advertira Adão e Eva a não comer o fruto da árvore do saber, para não contrair a doença da curiosidade e perder para sempre o paraíso da ignorância satisfeita. Deus, Agostinho e outros tentaram nos convencer a aceitar os limites da fé como os limites do conhecimento. Tentar compreender mais longe só traz perplexidade e angústia.

Bernardo Mello Franco - “Não sou ladrão”

- O Globo

Enrolado em investigações de corrupção, o ex-juiz Wilson Witzel informou em vídeo: “Não sou ladrão”. A frase deve marcar sua passagem pelo governo do Rio

Richard Nixon já estava com o mandato por um fio quando pronunciou a frase mais célebre de seus 2.027 dias na presidência dos EUA. Numa entrevista em novembro de 1973, ele disse que nunca havia obstruído a Justiça ou embolsado dinheiro público. “I’m not a crook”, afirmou. Em português: “Eu não sou um vigarista”.

Ontem o governador do Rio, Wilson Witzel, repetiu o número do republicano. Em vídeo gravado com o próprio celular, ele alegou que “todas essas acusações levianas que estão sendo feitas contra mim é (sic) por parte de gente que não quer um juiz governando”. “Não sou ladrão”, arrematou. O pronunciamento foi divulgado nas redes sociais. Pelo tom das respostas, não convenceu.

Antes de recitar as três palavras mágicas — Nixon precisou de cinco — o governador fez uma breve autobiografia. “Fui juiz federal por 17 anos. Na minha carreira, tive uma vida ilibada. Fui considerado linha dura”, disse. O discurso pode não combinar com os fatos, mas explica por que sua imagem derreteu tão velozmente.

Pensando o futuro – Editorial | O Estado de S. Paulo

No vácuo de liderança governamental, tranquiliza ver a ação de setores da sociedade civil

Um programa sério e abrangente para o enfrentamento da pandemia de covid-19 não se limita ao atendimento das necessidades imediatas de cidadãos e empresas, como o suporte médico aos doentes, o pagamento do auxílio emergencial àqueles que perderam sua renda de uma hora para outra e a ajuda financeira a empresários com dificuldade para manter seus negócios, sobretudo os micros e pequenos. Estas são apenas as ações mais urgentes. Há muito mais do que isso a ser feito pelo bem do País.

Para poder dizer que lidou minimamente bem com os desafios impostos pela pandemia, o governo do presidente Jair Bolsonaro também precisaria mostrar capacidade de antever os impactos vindouros da covid-19 em diversas áreas, definir objetivos claros e alinhados ao interesse nacional para cada uma delas e mobilizar as forças da sociedade, em constante diálogo com o Congresso Nacional, em torno de projetos que preparem o Brasil para um futuro de desenvolvimento econômico e social sustentável. E isto, claro, sem descuidar de outras pautas igualmente importantes para o País. O que se vê, no entanto, é o oposto, a quase inação, como se a covid-19 fosse desaparecer num passe de mágica e com ela seus efeitos.

Diante do vácuo de liderança governamental, é tranquilizador ver a mobilização de setores da sociedade civil em torno de uma agenda voltada para a reorganização do Estado, pois a pandemia há de passar, mais cedo ou mais tarde, e a Nação não pode perder de vista a tramitação de projetos que são absolutamente vitais para o País.

Coordenadas pelo Centro de Liderança Pública (CLP), organização suprapartidária de mobilização social e formação de líderes públicos, dezenas de instituições se engajaram em uma ação conjunta de diálogo com o governo federal e o Poder Legislativo a fim de aprovar, até o final deste ano, 28 projetos de lei que estão em tramitação no Congresso Nacional. O CLP classifica como “vital” essa união de esforços para que as propostas sejam aprovadas e o País, enfim, possa voltar a trilhar o caminho do crescimento econômico e do desenvolvimento social.

Batalha inglória – Editorial | Folha de S. Paulo

Mais que contestar críticas, militares deveriam deixar o comando da Saúde

O ruidoso e desnecessário entrevero que opôs o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e a ala militar do governo Jair Bolsonaro serviu ao menos para trazer de novo à tona o absurdo de um Ministério da Saúde sob comando interino e fardado —há dois meses inteiros— em plena emergência sanitária mundial.

Talvez por se darem conta do problema insolúvel que têm nas mãos, representantes das Forças Armadas no primeiro escalão do Executivo federal reagiram com intensidade exagerada a declarações de fato inapropriadas, mas não tão relevantes, do magistrado.

Não é de hoje que ministros da mais alta corte brasileira deixam de lado a discrição recomendada pelo posto e se aventuram em manifestações de natureza política. Gilmar participava de videoconferência quando, no sábado (11), criticou com arroubo retórico a participação dos militares na ruinosa condução do combate à pandemia.

“O Exército está se associando a esse genocídio”, disse na ocasião.

Apesar do termo hiperbólico, que se presta às diatribes das redes sociais, a assertiva possivelmente não seria lembrada por muito tempo —como outra fala anterior de Gilmar em tom similar— se o Ministério da Defesa não tivesse anunciado representação contra o magistrado pela acusação “irresponsável e sobretudo leviana”.

A difícil missão da defesa do meio ambiente – Editorial | O Globo

Hamilton Mourão precisa superar vários obstáculos na proteção da Amazônia, e o mais difícil é Bolsonaro

Pela posição hierárquica, o conhecimento que tem da região e a capacidade de dialogar, o vice-presidente Hamilton Mourão era a pessoa mais indicada que Bolsonaro poderia escalar para gerenciar a maior ameaça já havida de retaliações contra o Brasil decorrentes de crimes ambientais cometidos na Amazônia.

Hamilton Mourão, que, general da ativa, comandou tropas de combate na selva em São Gabriel da Cachoeira (AM), assumiu a presidência do Conselho da Amazônia e é deste posto que tem mantido contatos com representantes de grandes empresas internacionais e nacionais, preocupadas com os danos que a destruição da floresta pode causar em seus negócios de exportação de grãos e carnes, alvos a serem atingidos por boicotes disparados por fortes movimentos de defesa do meio ambiente. O Planalto não deve ter sido alertado de que os partidos verdes são dos que mais crescem na Europa. Se foi avisado, não levou a sério.

O vice-presidente tem uma difícil missão, porque precisa convencer grandes e bem informadas empresas globais de que o mesmo governo que tem patrocinado um ciclo de alta destruição será capaz de fazer justo o contrário. Em maio, por exemplo, os alertas de desmatamento na Amazônia acionados por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) abrangeram 829 quilômetros quadrados, a maior área já registrada nos cinco anos da série histórica do indicador. Havia crescido 12% em relação a maio do ano passado.

Efeitos colaterais do excesso de militares no governo – Editorial | Valor Econômico

Sob ordens de Bolsonaro, Ministério da Saúde se tornou irrelevante quando mais era necessário

O presidente Jair Bolsonaro está calado, depois da prisão de Fabrício Queiroz e isolado, depois de infectado pelo coronavírus. As duas coisas deram uma trégua na sucessão de crises diárias criadas por Bolsonaro, inesperadamente rompido por frase desajuizada de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal. “O Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável”, disse, referindo-se ao morticínio provocado pelo coronavírus -mais de 74 mil vítimas até ontem. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, em nota assinada pela primeira vez no atual governo pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, criticou a fala de Gilmar e encaminhou representação contra ele na Procuradoria Geral da República, o caminho institucional, por instigação de animosidade contra as Forças Armadas e crime contra a honra.

O alvo específico da crítica do ministro do STF foi a militarização do Ministério da Saúde, há dois meses sem titular e comandado interinamente pelo general da ativa Eduardo Pazuello, que para lá levou mais 28 militares. Pazuello não tem formação médica, assim como a maior parte de seus auxiliares fardados. Durante seu interinato, as mortes ultrapassaram o nível de 1 mil por dia e se mantêm nesse patamar.

Pazuello, especializado em logística, foi enfiado goela abaixo do então ministro Nelson Teich, que chegou, viu o ambiente e saiu correndo do pandemônio do ministério em menos de um mês. Bolsonaro disse em junho que Pazuello faz um trabalho “excepcional” e justificou seu ingresso ao lado de Teich: “um médico dificilmente é gestor”. Com igual razão, um gestor não é um médico e militares cumprem ordens. As ordens vieram de cima, do presidente da República e condenaram o ministério a se tornar irrelevante quando ele era mais necessário no combate à pandemia. As ordens foram cumpridas à risca.

Pazuello estreou no lugar de Teich propondo nova forma de contabilizar vítimas e infectados, suspendendo a divulgação de relatórios diários, regular até então. Atendeu às manias do chefe e criou um novo protocolo recomendando o uso da cloroquina desde a fase inicial da infecção, quando não há qualquer comprovação científica da eficácia do remédio, mas várias sobre seus males.

Poesia | Fernando Pessoa - Eu

Sou louco e tenho por memória
uma longínqua e infiel lembrança
de qualquer dita transitória
que sonhei ter quando criança.

Depois, malograda trajetória
do meu destino sem esperança,
perdi, na névoa da noite inglória,
o saber e o ousar da aliança.

Só guardo como um anel pobre
que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre

como um céu dossel de mendigo,
na curva inútil em que fico
da estrada certa que não sigo.