sábado, 18 de julho de 2020

Opinião do dia - G.W.F. Hegel*

Aliás, não é difícil ver que nosso tempo é um tempo de nascimento e trânsito para uma nova época. O espírito rompeu com o mundo de seu existir e de seu representar, que até hoje durou; está a ponto de submergi-lo no passado, e se entrega à tarefa de sua transformação.

Certamente, o espírito nunca está em repouso, mas é concebido sempre num movimento progressivo. Mas, assim como na criança, depois de longo período de nutrição tranquila, a primeira respiração - um salto qualitativo - interrompe o lento processo do puro crescimento quantitativo; e a criança está nascida.

Do mesmo modo, o espírito que se forma lentamente, tranquilamente, em direção à sua nova figura, vai desmanchando tijolo por tijolo o edifício de seu mundo anterior. Seu abalo se revela apenas por sintomas isolados; a frivolidade e o tédio que invadem o que ainda subsiste, o pressentimento vago de um desconhecido são os sinais precursores de algo diverso que se avizinha. Esse desmoronasse gradual, que não alterava a fisionomia do todo, é interrompido pelo sol nascente, que revela num clarão a imagem do mundo novo.

*G.W.F. Hegel(1770-1831), “Fenomenologia do Espírito”, 2ª edição p. 23, Prefácio. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1992. (Texto escrito em 1807)

Merval Pereira - A realidade que se impõe

- O Globo

Há dois meses como interino, o general Pazuello aumentou para 1.249 o número de militares na Saúde, subindo em 94,55%

A divulgação dos dados atualizados dos militares em atuação no governo Bolsonaro, obtidos por uma ação do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU) preocupado com o possível “desvirtuamento do papel das Forças Armadas”, uma militarização do governo que está sendo criticada, mostra uma participação muito maior do que se imaginava.

O número com que todos os analistas lidavam, cerca de 3.515 militares em diversas áreas, se refere ao ano passado. Neste 2020 da pandemia, esse número teve um acréscimo de 2.942 militares em relação a 2019, num total de 6.157. A média de 3 mil militares foi mantida desde 2016, o que quer dizer que era um número historicamente aceitável, e não alto como se presumia.

No primeiro ano, a suposta militarização se revelava pelo número de ministros oriundos da área militar no primeiro escalão do governo, além, claro, da atuação do próprio presidente, que se dedicou mais a comparecer a festas e cerimônias militares do que aos hospitais para consolar os doentes da Covid-19, hoje na casa de 2 milhões de pessoas, com mais de 75 mil mortos já contabilizados.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso já havia advertido em entrevista que uma militarização do governo poderia tirar a credibilidade das Forças Armadas, que são uma instituição do Estado e não podem ser compreendidas como parte de um governo, seja ele de que tendência for.

Ricardo Noblat - Um governo, o de Bolsonaro, cada vez mais militarizado

- Blog do Noblat | Veja

Nunca antes na história democrática deste país...
O que terá dito Jair Bolsonaro ao general Eduardo Villas Boas para que cessasse a resistência do Estado Maior do Exército à sua candidatura a presidente a partir de meados de 2018? Villas Boas era o comandante do Exército. E à época, o general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo, era o único membro do Alto Comando que defendia com entusiasmo o apoio a Bolsonaro, ex-paraquedista como ele, e seu amigo de longa data.

A conversa de Bolsonaro com Villas Boas, hoje lotado no Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, é um segredo que os dois juraram guardar para sempre. Mas é razoável supor que, entre outras coisas, o ex-capitão – afastado do Exército por conduta antiética -, tenha garantido ao general que, uma vez eleito, trataria as Forças Armadas como nenhum presidente jamais o fizera desde o fim da ditadura militar de 64.

Em parte, procederia assim por dever de gratidão, pois embora o enxergassem com maus olhos, em momento algum os generais barraram a infiltração do bolsonarismo nos quartéis. E, também em parte, porque precisaria de quadros para governar, sua maior carência. Fora até então um deputado federal inexpressivo. A imprensa não lhe dava atenção. Mantinha-se distante dos partidos. E sua relação com o mundo civil era quase zero.

Justiça se lhe faça – Bolsonaro entregou o que prometeu, e ainda pretende entregar mais. Entregou, por exemplo, uma reforma da Previdência feita sob medida para os militares. Em meio à pandemia, entregou um reajuste de salários para os oficiais, a que se seguirá um reajuste de salários para o resto da tropa. E, no Orçamento da União do próximo ano, o Ministério da Defesa deverá ser contemplado com um substancial aumento de verbas.

A ligação umbilical de Bolsonaro com a caserna ganhou números mais completos com o levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a quantidade de militares da ativa e da reserva que ocupam cargos civis no governo federal. Ela simplesmente mais do que dobrou nos dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro. Em 2018, eram 2.765 militares. Em 2019, 3.515. Este ano, até aqui, 6.157. Um aumento de 122%.

Ascânio Seleme - Dois PTs

- O Globo

No partido há dois grupos: o de Lula, que manda, e que entende que é urgente um entendimento entre as forças políticas democráticas

A coluna de sábado passado, em que defendi o perdão ao PT e a sua reinclusão no debate político nacional, sem ressentimento e sem ódio, gerou uma enxurrada de mensagens e comentários que chegaram por e-mail, WhatsApp e outros meios digitais ou foram publicados em sites e blogs. Muitos deles partiram de uma premissa errada, de que o meu texto representava a opinião do GLOBO. Como obviamente não é este o caso, não precisam ser comentados. Mas o que a maioria revelou, de ambos os lados do espectro político, é que uns não querem ser perdoados e outros se recusam a perdoar.

Claro que não se trata de uma amostragem confiável, que represente a média brasileira. Ao contrário, os que se manifestaram são sobretudo militantes ou pessoas engajadas que redistribuem tudo o que recebem nas suas timelines sem refletir um pouco mais. Mas são formuladores, influenciadores, que de um modo ou de outro acabam contaminando o resto do seu segmento político. Nenhuma surpresa na reação dos que apoiam cegamente Bolsonaro. Destes, o que se viu foram respostas iradas, agressivas e grosseiras que melhor alinham seus emissores ao perfil patológico do presidente.

Mas houve também eleitores do capitão, mesmo os arrependidos, afirmando que só se pode perdoar quem mostra arrependimento e pede perdão. E este não foi o caso do PT, que, segundo eles, jamais fez um mea-culpa e nunca tentou se alinhar às forças políticas democráticas. Embora seja exagerado, faz muito sentido esse raciocínio. Grande parte dos petistas, a começar pela sua presidente, deputada Gleisi Hoffmann, entende que o PT não cometeu crime algum para ser perdoado. Eles afirmam que Dilma Rousseff foi derrubada por um golpe e que Lula foi preso sem provas. Não admitem que houve desvios bilionários da Petrobras, e por segurança nem tocam no assunto, e afirmam que o mensalão foi uma invenção da direita e da mídia.

Se o Partido dos Trabalhadores se organiza internamente através de algumas tendências políticas que lutam pelo poder na legenda, do lado de fora se consegue ver apenas dois PTs distintos. Um deles é o de Lula, o que manda, e tem entre seus expoentes Gleisi Hoffmann e José Dirceu. Estes não querem nem ouvir falar de entendimento político, de frente contra Bolsonaro. Apostam na ruptura como única forma de retomar o poder. Entendem que um alinhamento com as demais forças do campo democrático pode resultar na eleição de um não petista. Além disso, afirmam que se a rejeição ao PT acarretar a reeleição de Bolsonaro, esse será um problema do Brasil, não do partido.

Mas há um outro PT, tão de esquerda quanto o de Lula, ou até mais do que este, que entende que é urgente superar a etapa do “nós contra eles” e que um grande entendimento entre as forças políticas democráticas não é apenas necessário, é urgente. Essa turma, liderada pelo ex-ministro, ex-prefeito de São Paulo e ex-candidato a presidente Fernando Haddad, já reconheceu publicamente os erros do PT e se mostrou pronta para reconstruir e reerguer o partido. Esse grupo não tem as amarras populistas de Lula e companhia, é mais moderno, pensa no futuro e não se contenta apenas com o atendimento de interesses imediatistas e corporativistas.

Oscar Vilhena Vieira* - Estado de mal-estar social

- Folha de S. Paulo

Não é preciso ser Piketty para saber quem ganha com a concentração de renda

O estado de bem-estar social, que teve sua origem na Europa, foi uma resposta direta à eclosão da “questão social”, no final do século 19. O medo da revolução, a preocupação em assegurar a coesão nacional, associada à crescente indignação com as condições de vida dos trabalhadores, levou liberais, progressistas e mesmo conservadores, como Bismarck, na Alemanha, a uma inesperada convergência. Era necessário transferir ao Estado maiores responsabilidades para regular a economia e propiciar a melhoria das condições de vida de uma massa de trabalhadores dilacerada pela Revolução Industrial.

Com a cisão entre sociais-democratas e marxistas, no início do século 20, e o afastamento dos democratas cristãos do fascismo, após a Segunda Guerra, a coordenação democrática dos conflitos distributivos, com o objetivo de gerar o pleno emprego e o bem-estar da população, tornou-se o modelo predominante nas economias desenvolvidas.

Esse consenso começa a esmorecer em meados dos anos 1980, em face de suas diversas contradições internas, mas também do fim da ameaça comunista e do surgimento de uma nova ideologia que se tornaria dominante entre as elites globais, pautada nas virtudes míticas do individualismo e do livre mercado.

Demétrio Magnoli* - Meu chapa, o genocida

- Folha de S. Paulo

Banalizar o genocídio é uma forma de vestir a omissão com os andrajos do radicalismo retórico

Carl Jung escreveu que “contemplar o mal absoluto é uma rara e avassaladora experiência”. Genocídio é Auschwitz, o mal absoluto. Gilmar Mendes não tem o direito moral —nem mesmo a pretexto de formular uma crítica urgente, justa e necessária— de mobilizar frivolamente o conceito.

Genocídio é a figura histórica e jurídica que tipifica a operação deliberada, conduzida pelo Estado ou por forças em armas, de extermínio físico de uma população singular inteira. Contam-se, no século 20, além do Holocausto, três grandes eventos genocidas: o armênio, o do Camboja e o de Ruanda.

O Tribunal Penal Internacional (TPI), estabelecido para processar crimes contra a humanidade, classificou os massacres de muçulmanos bósnios no enclave de Srebrenica, em 1995, como “intenção de genocídio” e indiciou o ex-presidente sudanês Omar Bashir por crimes de genocídio cometidos na Guerra de Darfur, a partir de 2003. A invocação do crime dos crimes para fazer referência às imposturas do governo Bolsonaro diante da pandemia tem graves implicações filosóficas e práticas.

Julianna Sofia – Fora do front

- Folha de S. Paulo

Um exército de 112 mil servidores federais encontra-se afastado do local de trabalho devido aos impactos da pandemia

Um exército de 112 mil servidores federais encontra-se afastado do local de trabalho devido aos impactos da pandemia. Dentre eles, o mais alto integrante da administração pública, o próprio presidente Jair Bolsonaro. Infectado, isolou-se desde o último dia 7 no Palácio da Alvorada, apesar da retórica trevosa e negacionista sobre os efeitos da doença e em prol do relaxamento das regras de quarentena.

Levantamento feito por esta Folha aponta que, se considerados os quase 280 mil funcionários das universidades e institutos enclausurados em casa em razão da suspensão das aulas presenciais, quase 70% da mão de obra federal mantém-se ausente do front.

Cumpre destacar que o isolamento social é medida fundamental para o controle do contágio –enquanto não há tratamento comprovado para a cura da doença ou vacina disponível. São várias as experiências auspiciosas de países que adotaram restrições rígidas à circulação de pessoas para achatar as curvas de infecção.

Entrevista | Thomas Piketty: Elite brasileira comete erro histórico ao não impulsionar distribuição de renda

Segundo Piketty, a concentração de fortunas inibe a inovação e um crescimento econômico maior, já a redução da desigualdade permite mais prosperidade

Por Assis Moreira | Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

GENEBRA - O francês Thomas Piketty ficou mundialmente conhecido ao aprofundar o tema da desigualdade e concentração de patrimônio no debate internacional com seu livro “O Capital no Século 21” (2013), traduzido para 40 línguas e com 2,5 milhões de exemplares vendidos.

Reconhecido como um dos economistas mais influentes de sua geração, Piketty, de 49 anos, volta agora com um novo livro, “Capital e Ideologia” (Intrínseca), de 1.056 páginas na versão brasileira, em que põe ênfase nas ideologias que procuram justificar as desigualdades nas sociedades e a propriedade privada.

Professor da Escola de Economia de Paris, Piketty constata que as sociedades podem mudar rapidamente de trajetória, dependendo do rumo político que tomarem. Desta vez, ampliou as pesquisas para sociedades como Índia e Brasil. Sobre o Brasil, sua conclusão é a de que o país, do ponto de vista de repartição de renda, é ainda mais desigual do que a Europa de antes da Primeira Guerra. Acha que as elites brasileiras cometem um erro histórico ao não impulsionar uma melhor distribuição de renda, o que poderia aumentar o crescimento econômico.

Piketty reconhece avanços nos governos do PT (2003-2016), mas nota que, no geral, o resultado do partido foi pouco expressivo na luta contra a desigualdade. Considera que as políticas sociais foram financiadas pela classe média e não pelos mais ricos, nos governos petistas, que não levaram adiante uma reforma tributária para estabelecer impostos mais progressivos.
O economista francês considera o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) um “Trump piorado” e sugere ao atual governo alterar seu rumo para estabelecer uma verdadeira política social.

Afirmando-se mais otimista do que no livro anterior, Piketty se diz convencido de que é possível superar o capitalismo e a propriedade privada e adotar uma política baseada no que chama de socialismo participativo. Por esse novo modelo, defende imposto sobre os mais ricos para permitir dar a todo mundo uma herança de €120 mil (R$ 717 mil) aos 25 anos de idade.

Trechos da entrevista feita pelo Skype:

Valor: Após “Capital no Século 21”, em seu novo livro o senhor coloca a ideologia no centro da discussão. Por quê?

Thomas Piketty: Minhas pesquisas me levaram à conclusão de que isso é a mais importante determinante das desigualdades. No livro anterior, eu já apontava a importância do fator político na redução das desigualdades no curso do século XX. A novidade no novo livro é que ampliei o estudo sobre desigualdades além dos países ricos. Estudo países no resto do mundo, como Índia e, em parte, o Brasil - sociedades escravagistas, coloniais. E todos esses novos dados me levaram à conclusão de que, se tentamos explicar os diferentes níveis de desigualdade na história com fatores estritamente econômicos e tecnológicos, culturais às vezes, não vamos muito longe.

Valor: Por quê?

Piketty: Não conseguimos explicar essa diversidade incrível, as transformações que observamos na história. Há países que passaram de muito desiguais para se tornar muito igualitários, como a Suécia, que há um século era ainda mais desigual que o Brasil de hoje. As coisas podem mudar muito rapidamente. É um livro talvez mais otimista do que o anterior, em que insisto que há movimento de longo prazo na direção da redução das desigualdades. Há uma forma de aprendizado da justiça na história. A redução das desigualdades permitiu também mais prosperidade econômica, mais crescimento. Todos os países que ficaram ricos chegaram a isso reduzindo suas desigualdades durante o século XX. Ao mesmo tempo, insisto que não é um processo determinista, a situação pode virar, depende de mobilização política, ideológica, das sociedades.

Valor: Ou seja, a desigualdade é ideológica e política, e não realmente econômica ou tecnológica?

Piketty: Exato. Mas especifico que, quando digo isso, não quero dizer que é fácil reduzir as desigualdades e que a igualdade absoluta seria a solução. Penso que vamos sempre ter um certo nível de desigualdade, simplesmente porque as pessoas são diferentes, tem projetos diferentes. É complicado encontrar o bom nível de igualdade ou desigualdade. É por isso, para mim, que o termo ideologia no livro não é forçosamente negativo.

Valor: Por quê?

Piketty: Às vezes tem ideologia que vai longe demais para justificar a posição de certos grupos em relação a outros, notadamente da parte de grupo dominante. A abordagem no meu livro é de que as sociedades humanas precisam de ideologia, porque precisam tentar dar sentido ao nível de suas desigualdades, de suas estruturas sociais em geral. Não há sociedades na história em que os ricos se contentam em dizer que eles são ricos e os outros são pobres, e é sempre assim. Na verdade, os grupos dominantes vão sempre tentar explicar que são ricos, mas é do interesse dos mais pobres, porque é isso que permite manter a ordem nas sociedades de propriedades, manter a estabilidade social, inovação técnica. Os diferentes discursos são às vezes em parte hipócritas, mas são também em parte plausíveis. Tento dar a parte de verdade a esses diferentes discursos ideológicos para tentar tirar lições em seguida.

Pesquisa | O que pensam os bolsonaristas

Grande parte dos eleitores do presidente apoia intervenção do Estado na economia e descarta golpe militar, mostra pesquisa

Por Carlos Rydlewski | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - O que pensam os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um grupo estável de seguidores, que corresponde a cerca de 25% a 30% do eleitorado? Boa parte da resposta a essa questão está presente em uma pesquisa realizada pelo Instituto Travessia, de São Paulo, com exclusividade para o Valor. Inédito, o levantamento promove um mergulho na mente do chamado “bolsonarista raiz”.

Esse grupo é bem menos liberal e antidemocrático do que se supunha até aqui. Consultados se são a favor da intervenção do Estado na economia, por exemplo, 45% deles responderam “sim” e 42%, “não”. A turma que apoia um maior peso estatal na vida econômica do país é formada, majoritariamente, por mulheres, moradores do Nordeste, jovens entre 16 e 24 anos e pessoas com renda média na base da pirâmide social (até dois salários mínimos mensais). Em termos de poder aquisitivo, eles compõem os estratos mais pobres da sociedade.

Com um placar apertado, a maioria endossa políticas de transferência de renda dos cofres públicos para os bolsos da população. Do total entrevistado, 42% são a favor e 38% contra esse tipo de benefício estatal. Os maiores entusiastas dessas medidas residem no Nordeste, o grande reduto do Bolsa Família, e aufere renda de dois mínimos por mês. “O bolsonarista que encontramos não é o estereótipo, o agitador radical de redes sociais”, diz o analista Renato Dorgan Filho, sócio do Instituto Travessia. “Ele é um eleitor fiel, conservador, mas que vive os problemas do dia a dia. Em muitos sentidos, principalmente entre os mais pobres, é mais prático do que ideológico.”

De acordo com a pesquisa, o retrato do bolsonarista padrão é o seguinte (veja quadros nesta edição): homem, morador do Sudeste, com idade a partir de 45 anos, renda acima de dez salários mínimos (a maior faixa definida pelo IBGE) e evangélico. Mas as diferenças entre alguns desses segmentos é pequena. No caso do gênero, por exemplo, 55% são homens e 45%, mulheres. Na divisão por idades, à exceção dos jovens entre 16 e 24 anos (10% do total), todas as outras faixas apresentam percentuais muito próximos. Para Dorgan Filho, o aspecto religioso é o que mais se destaca. “São 54% de evangélicos”, aponta. “É uma concentração muito alta. Em segundo lugar, bem atrás, vêm os católicos, com 24% do total.”

Para identificar os bolsonaristas, foram feitos contatos por telefone, entre os dias 9 e 10 de julho, em todo o país. Os entrevistados responderam em qual candidato votariam, caso a eleição presidencial ocorresse hoje. Para obter as respostas, não foi apresentado nenhum estímulo, como o nome de possíveis concorrentes à disputa. “A escolha foi espontânea, o que representa um voto muito mais fidelizada”, observa o analista do Travessia. “Depois disso, o questionário foi aplicado somente àqueles que optaram pelo nome de Jair Bolsonaro. Com isso, selecionamos quem de fato o apoia e já tem o nome do presidente na cabeça para as eleições de 2022.”

A enquete mostrou ainda que o ideário político da média dos bolsonaristas está longe de ser tão pontiagudo como se poderia crer. A maioria (62%), por exemplo, disse ser contrária às manifestações de apoio a golpes militares no Brasil. Isso ainda que uma parcela de 33% tenha afiançado a grita pró-autoritarismo. Nessa mesma linha, 83% defenderam a realização de protestos a favor da democracia no país.

Existe um espaço de diálogo com os eleitores de Bolsonaro, que pode aproximá-los de um campo mais progressista, segundo José Álvaro Moisés
Em contrapartida, a sondagem traz dados que soam contra instituições cruciais para o funcionamento da democracia. E eles expressam uma quase unanimidade entre os eleitores do presidente. Por exemplo: 95% não aprovam a atuação do Congresso Nacional. Em outra questão, 90% criticam o Supremo Tribunal Federal (STF).

Marcus Pestana - O eterno retorno à questão previdenciária

O Brasil precisa urgentemente olhar para o futuro. A retomada no pós-pandemia não será nada fácil. Mas, para rasgarmos horizontes melhores temos, inevitavelmente, que acertar as contas com os fantasmas do passado.

A aprovação da Reforma da Previdência, em 2019, passou a equivocada percepção de que o problema tinha sido equacionado. O Congresso Nacional avançou muito no sistema geral do INSS e no Regime Próprio da Previdência da União. Infelizmente, em decisão política altamente questionável, foram excluídos dos efeitos da reforma os Estados e os Municípios. Ficaram fora de seu alcance as 27 unidades estaduais da federação e 2.108 municípios que possuem regime próprio de previdência. Para esses, a bomba relógio da previdência continuou armada.

Recentemente, ficamos sabendo que apenas 13 Estados aprovaram reformas previdenciárias substantivas, entre eles São Paulo e Rio Grande do Sul. Oito unidades da Federação simplesmente aumentaram as alíquotas, o que é claramente insuficiente, já que a manutenção das antigas regras frouxas para concessão de benefícios reafirmará a perspectiva de aumento acelerado do déficit previdenciário. E pior, seis Estados nada fizeram, o principal deles é Minas Gerais.

João Gabriel de Lima - O que o Brasil tem de melhor

- O Estado de S.Paulo

A sociedade civil é o que o País tem de melhor. Cabe a ela pressionar o poder público

As eleições presidenciais de 2002, que opuseram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), foram sacudidas por dois crimes – e cada um incomodou uma candidatura. O assassinato do prefeito Celso Daniel, em janeiro, chamou atenção para a cidade paulista de Santo André, um foco de corrupção petista. O outro crime ocorreu num Estado, o Espírito Santo, cujo governador havia sido eleito pelo PSDB. O advogado Marcelo Denadai, que investigava crimes de corrupção, foi morto em abril com três tiros, na Praia da Costa, em Vila Velha.

O assassinato de Denadai foi o auge de um processo de deterioração das instituições capixabas. A corrupção generalizada afastou empresas como a Xerox, que decidiu se retirar do Espírito Santo em 2001. A criminalidade atingiu níveis alarmantes. Os dois principais líderes políticos locais, o governador José Ignácio e o presidente da Câmara, José Carlos Gratz, acabaram condenados pela Justiça numa infinidade de processos.

Passados 18 anos, o Espírito Santo é um Estado com dinheiro em caixa e criminalidade em queda, e foi a unidade da Federação que mais avançou no Ideb, o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica, entre 2013 e 2017. Qual a razão do milagre?

A resposta está no livro, ainda inédito, Decadência e Reconstrução, de autoria de Carlos Melo e Milton Seligman, professores do Insper, e da jornalista Malu Delgado. Se fosse possível resumi-la em duas palavras, elas seriam: sociedade civil. Cidadãos capixabas de diferentes áreas e correntes políticas se uniram para resgatar o Estado.

Sergio Amaral* - E se Biden ganhar?

- O Estado de S.Paulo

Descompasso com um governo democrata nos EUA ampliaria o isolamento do Brasil

Ao início do ano, as chances de vitória de Joe Biden pareciam remotas. Hoje elas se tornaram plausíveis, sobretudo em decorrência dos sucessivos reveses de Donald Trump na gestão da crise do coronavírus, na deterioração da economia e na mobilização da sociedade contra o racismo.

Não que a vitória de Trump esteja afastada. O desemprego pode sinalizar uma melhora ou a vacina contra o vírus começar a ser distribuída. Mas o fato é que a melhora de Biden nas pesquisas é consistente. As sondagens conferem ao candidato democrata uma dianteira de cerca de dez pontos na média nacional e uma vantagem de 279 delegados para o colégio eleitoral, contra 188 para Trump. O próprio perfil de Biden, conciliador, moderado, propenso à convergência e à busca de união, em vez da divisão, vai-se mostrando apropriado para presidir as transformações profundas na sociedade.

O que seria um governo democrata? No plano interno, sobressai o desafio de retomar a economia e de acomodar expectativas de duas correntes relevantes para a vitória nas eleições: os aguerridos eleitores de Sanders e a comunidade afrodescendente.

A ala de Bernie Sanders sustenta duas bandeiras principais: a extensão do Obamacare a todos, isto é, aos 30 milhões de americanos que não contam com nenhuma cobertura de saúde; e o chamado Green New Deal, que traria maior participação do Estado na indução do crescimento e na inclusão social, associada ao compromisso com a causa ambiental.

Adriana Fernandes - Reforma tributária na crise

- O Estado de S.Paulo

Debate acontece num momento em que todos os envolvidos na reforma estão com nervos à flor da pele

A arrecadação dos principais impostos cobrados pelo governo federal, Estados e municípios levou um tombo de 2,5 pontos porcentuais do PIB no primeiro semestre, marcado pela crise econômica provocada pela pandemia da covid-19.

O Termômetro Tributário Mensal coletado pela equipe do economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), antecipado à coluna, indica que é preciso ainda muita cautela na avaliação dos indicadores recentes de melhora da economia, comemorados pelo governo depois do “fundo do poço” do impacto da covid-19 registrado em abril.

Os dados do IDP apontaram que, em junho, a arrecadação total desses tributos recuou 27,7% em relação ao mesmo mês de 2019. A queda nas receitas de impostos dos Estados chegou a 29,3%, e nos municípios, a 19,4%. O recuo no governo federal foi de 27,4%, e só não foi maior devido à influência da arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que teve a data de ajuste anual da declaração transferida de abril para junho justamente por causa da crise.

Em outra face da mesma moeda, a pesquisa “Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas” do IBGE revelou que 1,221 milhão de empresas adiaram o pagamento de impostos. Entre elas, 587 mil (48,1%) declararam que o fizeram sem apoio governamental.

O maior agravante foi que a pesquisa do instituto do governo mostrou, segundo reportagem da última quinta-feira da repórter Daniela Amorim, do Estadão, que a maioria das empresas que adotaram alguma ação em resposta à covid-19 não percebeu o apoio governamental.

Os dados do Termômetro Fiscal do IDP combinados com os do IBGE sinalizam que o quadro econômico é ainda de muita fragilidade. E mais: ainda há muitos problemas relacionados aos “remédios” aplicados pelo governo para o enfrentamento da covid-19. Uma agenda incompleta.

Míriam Leitão - Difícil caminho fiscal do Brasil

- O Globo

Reforma tributária seria simples se o governo colocasse a sua proposta na mesa e parasse de dizer que debate está sendo interditado

O Brasil tem que aproveitar a janela de oportunidade dada pelos juros baixos, o único item de despesa que diminuiu. Todas aumentaram, inclusive a previdência, que terá uma alta do déficit de mais de 1% do PIB neste primeiro ano da reforma. A janela pode ficar aberta por alguns anos, mas esse tempo pode se encurtar e ser apenas de alguns meses se o país cometer erros. Aproveitá-la é usar o tempo para conduzir um diálogo político e construir consensos. Isso é muito difícil com um governo espinhoso como este.

O Brasil entrou num período de déficit primário em 2014 e não tem chance de sair dele durante todo este mandato. A dívida terminará este ano em 98%, e o déficit primário, em 12% do PIB, um rombo gigante de R$ 800 bilhões. A ideia dentro do próprio governo é que, se não recuperar parte da arrecadação que vai perder, o país só verá a volta do superávit primário no fim do próximo governo, do presidente que ainda não foi eleito, e isso mesmo cumprindo o teto de gastos.

Na imagem que o ministro Paulo Guedes criou, ele é um conquistador de torres. Costuma repetir a história de que ele “derrubou a primeira torre, dos juros altos, e depois derrubou a segunda torre, da previdência”. A vida real é diferente das metáforas de Paulo Guedes.

Os juros foram derrubados no governo Temer. De 14,25% para 6,5%. Isso tornou a dívida bem mais barata. Essa queda continuou com Bolsonaro e agora despencou por causa da crise. Mas se o governo não mostrar capacidade de enfrentar os problemas fiscais brasileiros os juros subirão.

A política e os municípios – Editorial | O Estado de S. Paulo

É de enorme relevância a eleição de prefeito e vereadores. Muito se avança quando a escolha recai em pessoas competentes e honestas

Ao contrário do que às vezes se pensa, o município é um âmbito fundamental da vida política do País. Poucas esferas do Estado têm tanto impacto direto sobre a vida do cidadão como o Executivo e o Legislativo municipais. Dessa forma, é de enorme relevância a eleição do prefeito e dos vereadores de cada cidade. Muito se avança quando a escolha para esses cargos recai em pessoas competentes e honestas, com prioridades e projetos alinhados com as necessidades de cada localidade. Nunca é demais, portanto, relembrar a importância do voto consciente de cada cidadão. Mas não basta pedir responsabilidade ao eleitor para que se consiga um preenchimento minimamente satisfatório desses cargos. Há uma condição – para se votar bem é preciso antes ter bons candidatos.

Não é possível que, entra eleição, sai eleição, a escolha do voto continue sendo com base no critério do “menos pior”. Não se avaliam as propostas e as possibilidades de realização de cada candidato. Com os candidatos mal escolhidos pelos partidos, a tarefa do eleitor concentra-se em descobrir, de forma um tanto precária, com alta margem de erro, quem apresenta menos riscos, quem é menos desonesto ou quem pode derrotar com mais facilidade determinada opção política. Não é a escolha de uma causa, de um projeto. O processo de definição do voto, nessas condições, é essencialmente negativo, exercício de rejeição. Diante desse quadro, pode-se entender o grau de alheamento do cidadão com o político eleito. Muitas vezes, a rigor o eleitor não o escolheu. Apenas rejeitou de forma mais contundente os outros candidatos.

Para norueguês ver – Editorial | Folha de S. Paulo

Mourão reconhece perdas com política ambiental, mas apela para diversionismo

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, encarregado de pôr cobro ao desmatamento, demonstra alguma clareza sobre a incumbência titânica. Enfim alguém do governo Jair Bolsonaro parece despertar para o prejuízo à imagem e às exportações do Brasil.

Saído de reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal, que preside, o general afirmou que o governo será julgado pela eficácia de suas ações, e não pela nobreza das intenções. O retrospecto das ações (para não dizer da inação e da incúria) obriga a contar com o pior.

Será trabalhoso reverter a erosão de credibilidade perpetrada por manifestações de descaso e sabotagem do presidente e pela política de desmonte do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Investidas de relações públicas não convencerão investidores, compradores e governantes estrangeiros.

Três dias depois de o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrar novo recorde de desmate em junho, o governo exonerou a chefe do setor de monitoramento por satélite. Impossível não lembrar os ataques presidenciais ao instituto e a suspeita de interferência para manipular dados.

Funcionários do Inpe, de resto, denunciam estrutura paralela criada pelo diretor interino, um militar, para ficar à frente no concurso de busca por novo dirigente.

Novo ministro da Educação assume com bom discurso – Editorial | O Globo

Por isso é previsível que tenha dificuldades com os setores mais radicais do bolsonarismo

Haver quatro ministros da Educação em um ano e meio de governo não estimula expectativas otimistas. Convertido em plataforma de apoio à atuação de ideólogos bolsonaristas na “guerra cultural” sem fim que travam contra tudo aquilo que consideram de esquerda, o MEC está imobilizado, mesmo com uma agenda sempre estratégica para o país, agravada pelos efeitos da Covid-19 no sistema de ensino. Mas neste ambiente, o novo ministro, Milton Ribeiro, assume pelo menos com um discurso animador, se for considerado tudo o que aconteceu e deixou de acontecer na pasta desde a posse de Bolsonaro.

Pastor presbiteriano, com formação acadêmica ligada à religião e à educação, tendo sido vice-reitor da Universidade Mackenzie, Milton Ribeiro chega ao Ministério com alguma experiência na área. O mais animador, porém, foi, no discurso de posse, o novo ministro propor um “grande diálogo para ouvir acadêmicos e educadores, que, como eu, estão entristecidos com o que vem acontecendo com a educação no país”. E fez referência às más colocações crônicas dos estudantes brasileiros no teste internacional Pisa.

Uma conversa afetiva com Sergio Cabral sobre Elizeth Cardoso

Jornalista de 83 anos, que escreveu a primeira biografia da cantora, relembra histórias da 'Divina' em seu centenário

Rosa Maria Araujo, especial para O Globo

RIO — O centenário de Elizeth Cardoso (na última quinta-feira, 16) está sendo celebrado ao longo desta semana da maneira que ela merece, com relançamentos de discos importantes e shows virtuais. A data me fez pensar em Sergio Cabral, jornalista que escreveu a biografia da cantora, revelando muito do que se sabe sobre ela hoje. Nada me pareceu mais saboroso neste momento do que conversar com ele sobre “a divina”.

Na verdade, Sergio é responsável por muito do que se sabe sobre música brasileira. Fundador de “O Pasquim”, editor de vários jornais e revistas por décadas, ele é autor de mais de 20 livros, entre eles as biografias de Pixinguinha, Almirante, Nara Leão, Ary Barroso, Tom Jobim, Ataulfo Alves.

Somos amigos há três décadas. Ao longo deste tempo, conversamos muito sobre nossas paixões em comum — já que sou historiadora e ex-diretora do Museu da Imagem e do Som do Rio. Companheiros no amor pela criatividade carioca, fomos parceiros na criação de musicais como “Sassaricando: e o Rio inventou a marchinha”, que ficou dez anos em cartaz no Brasil, indo até Portugal.

Longe das entrevistas há cerca de seis anos, Sergio saiu de sua reclusão nesta conversa. Aos 83, ele já andava fora do circuito cultural bem antes da quarentena por Covid-19 se impor. Apesar de bem disposto e bem-humorado, tem alguns problemas de saúde típicos da idade, e certas dificuldades com memória recente. Mas as lembranças do passado, sobretudo as que dizem respeito a suas pesquisas para os livros, seguem calibradas.

Sergio segue também muito interessado em futebol e cultura. Ao lado de Magaly, sua incansável companheira, assiste a concertos e shows, curte netos e bisnetos, aprecia um bom cozido, e não rompeu com o whisky. O médico permite uma dose, de quando em vez, bem como campari, seu drinque favorito.

Como Sergio e Magaly toparam a empreitada da conversa, fui reler “Elisete Cardoso: uma vida” (o livro, lançado pela editora Lumiar em 1996 e reeditado em 2010, traz a grafia com “s” e “te” porque Sergio dizia “que respeita a língua portuguesa”). E partimos para este papo, por Skype, cada um de sua casa.

Poesia | Guilherme Figueiredo(1915-1997) - Poema da moça caída no mar

Mário de Andrade, depressa
A moça caiu no mar
A MOÇA CAIU NO MAR!
Não estão ouvindo vocês?
Vamos todos, vamos todos.
Venha quem quer ajudar.
Murilo põe na vitrola
Um concerto de Mozart,
Sobral Pinto mande cartas,
Brigadeiro desça do ar,
General chame os amigos
Que a moça caiu no mar.

A moça caiu no mar,
Já sente gosto de sal,
Seus cabelos estão feios,
Chamai Tristão pra rezar.
Vêm os peixes fluorescentes
Comer-lhe os dedos da mão;
Vem doutor Getúlio Vargas
Devorar-lhe o coração;
Vem os peixinhos do DIP,
Os peixes dos Institutos,
Peixões da Coordenação.

Chico Campos, Góis Monteiro
Receitam constituição
De 37 – não, não!
Se ela não morre afogada
Morrerá dessa poção.
Marcondes Filho oferece
Uma complementação.
Ah que vontade que eu sinto
De dizer um palavrão.

Amigos por que esperais?
A moça caiu no mar!
Palimércio, Palimércio,
Traze a tua legião,
Ressuscita Castro Alves,
Vejam todos quantos são,
João que chame Maria,
Maria chame João,
Venha o homem pequenino,
Que mora numa prisão,
Venha também meu irmão,
Meu pai, você nem precisa
Fazer mais revolução.

Chamem todos os meninos,
Homens, feras, militares,
Doutores, gênios, muares,
Professores, funcionários,
Sujeitos que não têm carne,
Mulheres que não têm pão,
Pretos, brancos e mulatos,
Venham todos, venham todos,
Aqueles que têm razão,
Prostitutas, engraxates,
Estudantes, marinheiros,
Carpinteiros, fazendeiros,
Operários, bailarinas,
Donzelas, estivadores,
Pobres e ricos, pois não,
Vamos todos dar a mão
Que a moça caiu no mar!
Chiquinha toca o abre-alas
Que nós queremos passar;
Não posso esperar mais não,
A moça caiu no mar.
Ah! quem a pode salvar?
Santo Onofre, São João,
Companheiros, camaradas,
Venham todos ajudar,
Que a moça está se afogando,
A moça caiu no mar!