segunda-feira, 20 de julho de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci (homens-massa ou homens-coletivos)

Nota I. Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual e o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica e a consciência daquilo que é realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem analise critica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise.

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, volume 1, p. 94. Civilização Brasileira, 2006

Fernando Gabeira - A política da negação

- O Globo

A máscara é uma imposição do coronavírus que ameaça Bolsonaro com a impotência

Há anos que não se fala mais esta frase: Freud explica. No entanto, infelizmente, em 1936, Freud contou numa carta a história que explica a terrível passagem da pandemia de coronavírus pelo Brasil.

De acordo com a lenda, quando o rei Boabdil recebeu a notícia de que a cidade de Alhambra, capital de seu reino, estava para ser dominada pelo inimigo, ele queimou a carta e decapitou os mensageiros.

Freud afirma que, ao queimar a carta e decapitar os mensageiros, o rei Boabdil negou uma realidade desagradável: a queda de sua cidade. Um fator determinante no comportamento do rei era a necessidade de combater um sentimento de impotência. Ao queimar a carta e decapitar os mensageiros, ele tentava mostrar seu poder absoluto.

Quando o coronavírus chegou ao Brasil, Bolsonaro afirmou que iria abalar a economia e arruinar o seu governo. O coronavírus transfigurou-se numa gripezinha.

Numa live com o querido embaixador Marcos Azambuja e Mary Del Priore, a historiadora me lembrou que o termo negacionista em história surgiu quando, depois da Guerra, alguns intelectuais de extrema direita negaram a existência dos campos de concentração e do Holocausto.

Uma das vantagens da quarentena é ficar perto dos livros. Encontrei na estante um livro em que dois intelectuais americanos revisam a história moderna dos EUA usando o conceito da negação.

Michael Milburn e Sheree Conrad, em “Políticas da negação”, revivem episódios como a Tempestade no Deserto e o Massacre de My Lai, em que morreram 400 vietnamitas.

Como estão no campo da psicologia, analisam também o comportamento de figuras-chave na política americana, Ronald Reagan, por exemplo, a partir de sua tendência a negar a realidade.

Cacá Diegues - Depois do vírus

- O Globo

‘Novo normal’ talvez seja a descoberta do outro como indispensável

Já saiu no Brasil, traduzido para o português, o novo livro de Thomas Piketty, economista francês, autor do best-seller de uns seis anos atrás “O capital no século XXI”. Esse novo livro, “Capital e ideologia”, além de vender a ideia do autor para um “socialismo participativo”, procura refletir sobre as consequências da praga do novo coronavírus.

Virou irresistível tentação intelectual pensar e prever como será o mundo depois da pandemia. A síndrome é genérica, se fala nisso nas palestras acadêmicas, mas também nos papos de bar ou em festas clandestinas dos que não temem a Covid-19. E é natural e justo que seja assim. De tanta decepção, a Humanidade anda viciada em futuro, não quer saber do passado, e o presente se tornou um assunto cafona, para quem não tem imaginação. Um assunto de pobres de espírito.

A economia será sempre um fator importante na organização social da humanidade. Mas penso que ela não é mais o fator decisivo nas tendências de um tempo. Assim como a religião foi claramente determinante do que nos aconteceu durante a Idade Média; assim como consagramos a razão como leme e critério a partir do Renascimento; a economia comandou o juízo do mundo desde finais do século XVIII, até terminar o XX. Nesse período, o ser humano se fartou de autoglorificação pela capacidade de acumular, de autoconfiança por não lhe faltar nunca o que vender, de autoindulgência por ser capaz de produzir tudo de que precisávamos para mudar o mundo. Penso que o fim desse regime chega com a criação e exacerbação do capitalismo financeiro, onde a produção de bens não é mais a chave da história, mas um sistema de trocas que só absorve a quem já tem e vira desesperança para o resto — os outros.

Rosiska Darcy de Oliveira - Invisível aos obtusos

- O Globo

O governo brasileiro fez um estrago

A negação do avanço do desmatamento da Amazônia e o flagelo das fake news que propagam o ódio não passam impunes aos olhos do mundo. Os fatos falam por si e por múltiplas vozes.

O governo brasileiro fez um estrago. Arrogantes e ignorantes, não perceberam que meio ambiente e verdade na informação são temas incontornáveis no debate público global.

A Amazônia é, ao mesmo tempo, um tesouro do Brasil e um patrimônio da humanidade. Os brasileiros, mais do que todos, são os maiores interessados em sua preservação.

Os ecologistas ganharam as eleições municipais na França replicando a vitória dos Verdes alemães nas eleições para o Parlamento Europeu. É possível que em breve governem os dois principais países da Europa continental.

Um fundo de investimento multibilionário ameaça desinvestir do Brasil por conta da política ambiental desastrosa. Grandes empresários escreveram uma carta de alerta sobre o risco de prejuízo às exportações brasileiras. Ex-ministros da Fazenda exprimiram a mesma preocupação.

Não há nenhum complô contra o Brasil. Há indignação e o sentimento patriótico de brasileiros que gritam para impedir que o país se suicide.

Ricardo Noblat - Por que Bolsonaro defende mais armas para todos

- Blog do Noblat | Veja

Um exército particular para correr em seu socorro

Deitados em berço esplêndido, por leniência ou cumplicidade, os militares assistem o presidente Jair Bolsonaro armar o país, pois é disso que se trata. Em 2009, segundo levantamento do jornal GLOBO, 8.692 armas foram registradas por cidadãos comuns.

No ano passado, o número saltou para 61 mil. Este ano, até abril, 33.776. A manter esse ritmo, o ano fechará com mais de 100 mil novas armas registradas. Dos 27 Estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, só houve queda no Amazonas.

Tantas armas nas mãos de civis para quê? Segundo o candidato Bolsonaro, para que defendam a própria vida. Seria uma obrigação do Estado, como está escrito na Constituição… Mas, e daí? Como o Estado falha e o crime avança, cada um que se vire.

Bolsonaro presidente passou a dizer que o povo deve se armar para defender sua liberdade. Mas liberdade de quê? Liberdade de expressão, que Bolsonaro invoca quando se fala das fake news que rolam nas redes sociais? Ora, existem leis que asseguram isso!

Na célebre reunião ministerial de 22 de abril último, o presidente alegou que o povo precisa armar-se para desobedecer ordens absurdas como a de um soldado que algemou uma mulher porque ela se recusou a respeitar o isolamento social em São Paulo.

Marcus André Melo* - Instituições defeituosas

- Folha de S. Paulo

As instituições de 'checks and balances' não possuem obuses nem torpedos

A fraude era grosseira. O registro das eleições presidenciais no Maláui fora alterado com fluido de correção e foi anulado.

Coube recurso à Suprema Corte, mas o governo resolveu intimidar seu presidente decretando seu afastamento imediato, sob alegação de que teria que cumprir férias acumuladas após o que alcançaria a idade de aposentadoria compulsória. Não adiantou. A corte manteve a decisão e estabeleceu nova data para o pleito, vencido pela oposição na semana passada. A frágil democracia prevaleceu.

Resultado diverso ocorreu no Quênia, quando fraudes levaram à anulação da eleição presidencial. Na véspera da decisão da Suprema Corte sobre o assunto, o carro do vice-presidente da instituição foi alvejado. Nenhum dos juízes compareceu à sessão.

Em contraste com o controle judicial, o controle parlamentar do Executivo (ex. impeachments e as CPIs) se move por uma lógica distinta. Para ser efetivo mesmo nas democracias maduras, pressupõe que o Executivo não tenha maioria congressual. Caso contrário, pode neutralizá-lo sem violação de regras, o que gera um senso de disfuncionalidade institucional. Senão vejamos.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonorao deu nó nos militares

- Folha de S. Paulo

Militares parecem ter achado que desfrutariam das vantagens de ser governo sem assumirem as responsabilidades

Em 1986, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que atuava clandestino dentro do PT, tentou assaltar um banco em Salvador. Presos, os militantes disseram que seu objetivo era arrecadar fundos para a Revolução Nicaraguense.

Foi um enorme constrangimento para o PT, que imediatamente expulsou os radicais e passou os 15 anos seguintes tentando provar que havia moderado suas posições o suficiente para presidir a República. Moderaram, presidiram.

Agora imaginem o tamanho do erro que o PT teria cometido se, em 2002, depois de todos esses anos dando mostras de moderação, decidisse lançar para presidente não o Lulinha paz e amor, mas um dos assaltantes de Salvador que nunca tivesse dado qualquer sinal de arrependimento.

Imagine o desastre que seria o governo do maluco, os esforços diários que os dirigentes petistas teriam que fazer para tentar impedi-lo de distribuir as armas do Exército para os centros acadêmicos de ciências sociais. Imagine o problema para o PT se o fã dos sandinistas resolvesse adotar o mesmo descaso que Daniel Ortega vem demonstrando diante da pandemia na Nicarágua.

Mais ou menos na mesma época do assalto de Salvador, ocorreu mais um ato tardio de extremismo político no Brasil. O capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro foi acusado de planejar explodir bombas em unidades militares no Rio de Janeiro.

Leandro Colon – Intocáveis

- Folha de S. Paulo

Eduardo Siqueira é tão servidor público quanto o guarda municipal que cumpriu sua missão ao multá-lo

O desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, não foi o primeiro nem será o último magistrado que se sente diferenciado, com permissão para ignorar regras impostas aos cidadãos.

Siqueira deu carteirada e humilhou um guarda municipal de Santos, que o multou por estar infringindo o decreto local sobre o uso obrigatório de máscaras para combater o coronavírus.

O juiz é só mais um entre 360 (!) desembargadores do TJ-SP. É tão servidor público quanto o guarda que cumpriu sua missão ao multá-lo.

O episódio de Santos reforça a imagem de que o Judiciário brasileiro atua como uma classe de intocáveis.

É um Poder que não vê, por exemplo, problema algum no fato de filhos enriquecerem advogando no mesmo tribunal onde o pai ou a mãe julga, como ocorre no STJ e em outros tribunais superiores.

Ruy Castro* - Nomes para impor respeito

- Folha de S. Paulo

Deve-se pensar bem antes de chamar alguém pelo apelido de infância. Ele pode achar coisa de viado

Outro dia escrevi que há muito deixei de me referir ao atual ocupante do Planalto como “Presidente Fulano de Tal”. Passei a tratá-lo apenas pelo nome e sobrenome e sem o “Sr.”, dispensável nas estrebarias. Da mesma forma, nunca me ocorreria citá-lo apenas por “Jair”. É uma intimidade que, por questões higiênicas, dispenso. E escrevi também que não me atreveria a chamar um de seus filhos, Carlos, de “Carluxo”, como fazem alguns. O nome sugere alguém humano, simpático, inofensivo. Não me parece aplicável ao personagem.

Houve tempo em que, diante da violência que começava a tomar o país, alguns jornais soltaram normas recomendando à Redação que evitasse chamar bandidos pelos apelidos com que eram conhecidos entre seus pares. Fernandinho Beira-Mar, Marcelinho Niterói e Lulu da Rocinha, por exemplo, soavam como nomes doces, quase cômicos. Outros pareciam ter saído de um programa de humor da TV ou de um desenho animado —Escadinha, Marcola, Bem-Te-Vi, Julinho Carambola. Não correspondiam à ferocidade de seus portadores e ao terror que infligiam às comunidades.

Bruno Carazza* - A Carta

- Valor Econômico

A agenda sustentável precisa ir além das boas intenções

As bem traçadas linhas do manifesto dos ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central por uma economia de baixo carbono são uma bem-vinda convocação feita por economistas de diferentes orientações teóricas e vinculações políticas por uma política econômica ciosa dos impactos ecológicos e comprometida com a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Desde sua posse, o governo Bolsonaro tem provocado a união de lideranças políticas e personalidades contra seus desatinos e retrocessos, numa sequência de cartas abertas e notas de repúdio.

Em vez de simplesmente criticar os erros da atual gestão, a “Convergência pelo Brasil”, assinada por aqueles que conduziram a economia brasileira entre os mandatos de José Sarney e Michel Temer, inova por ter um caráter prospectivo, voltando-se para os desafios e as oportunidades que se abrem num mundo cada vez mais consciente dos riscos associados à mudança do clima.

Os signatários da carta colocam-se à disposição para contribuir para a construção de uma agenda concreta para tornar o “futuro mais sustentável, inclusivo e próspero para a atual e as futuras gerações”. Porém, como diria Álvaro de Campos, uma das várias personas do poeta Fernando Pessoa, “todas as cartas de amor são ridículas”.

Apesar de ser extremamente louvável ver figuras ainda centrais no debate público assumindo uma firme posição em prol da transição para uma “economia verde”, faltou aos dezessete subscritores do manifesto admitir que eles próprios contribuíram, por ação ou omissão, para a atual crise ambiental do país.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - A destruição criativa no pós-pandemia

- Valor Econômico

A pandemia provocará a passagem para outro mundo - virtual e digital - uma fase extraordinária para o investimento privado

Volto à linha do tempo proposta por mim para acompanhar a crise econômica. Nos últimos 60 dias, os principais eventos que ocorreram no combate à pandemia e na atividade econômica consolidaram as minhas expectativas sobre o futuro próximo: uma grande recessão neste ano, seguida de uma recuperação no final de 2020 e em 2021. A consolidação da volta do crescimento cíclico nas principais economias de mercado somente se dará em 2022. Com exceção da China é claro!

Ganhei, na semana passada, importante referência para este cenário quando a OCDE formalizou a sua linha do tempo para a economia nos seus países membros em 2021. Em seguida o Fed, em sua reunião periódica, reforçou o quadro traçado pela OCDE para a economia dos Estados Unidos.

Diz o relatório da OCDE que “a economia global sofrerá a maior contração em tempos de paz em um século”. Para seus técnicos, a economia global se reduzirá em 6% este ano e se recuperará parcialmente em 2021 com crescimento de 5,2%. Nos EUA, a OCDE espera que a economia tenha contração de 7,3% este ano, e alta de 4,1% no próximo e, para a zona do euro, queda de 9,1% do PIB em 2020 e recuperação de 6,1% em 2021.

Para a China, o organismo prevê uma contração de 2,6% este ano, seguida de uma expansão de 6,8% em 2021. Será a única das grandes economias do mundo a ter, neste período de dois anos, um saldo positivo médio de crescimento econômico. No Brasil os números esperados são um crescimento negativo de 7,4% em 2020 e um crescimento de 4,2% em 2021.

Fareed Zakaria - O plano econômico ambicioso dos democratas

- The Washington Post / O Estado de S. Paulo

Com a pandemia ofuscando a nossa realidade, às vezes nos esquecemos de que estamos em plena campanha presidencial. O que permite compreender melhor por que, nas duas últimas semanas, a mídia prestou pouca atenção quando Joe Biden divulgou seus planos para combater a mudança climática e reanimar a economia.

O plano ambiental é ambicioso e mostra uma grande visão do futuro, mas o mais interessante é o plano econômico, que promete garantir que o futuro chegue a “toda a América”. O que soa como o slogan “A América em primeiro lugar”, o que fez o presidente Donald Trump acusar Biden de roubar as suas ideias. Mas, na realidade, embora o programa seja inteligente do ponto de vista político, por avançar diretamente no terreno do nacionalismo econômico de Trump, é muito melhor do que a estratégia do presidente.

A primeira coisa, a mais importante, é o que o programa não faz. Não se trata de uma insistência mercantilista na aplicação de tarifas e em guerras comerciais, as marcas registradas da presidência. Trump falhou neste ponto em todos os sentidos. A evidência é tão clara que, quando a campanha de Biden divulgou um anúncio inflamado afirmando que Trump “perdeu” a guerra comercial com a China, a única crítica do Politifact em relação a esta afirmação foi que ele deveria ter usado o tempo presente “está perdendo”.

Entrevista | Marina Silva: ‘Bolsonaro é o Jim Jones da destruição do meio ambiente’

Entrevista com Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente

Ex-ministra compara presidente a líder de seita que provocou centenas de mortes no final dos anos 70

Vera Magalhães | O Estado de S.Paulo

A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-presidenciável Marina Silva (Rede) afirma que não adiantará nada o vice-presidente Hamilton Mourão apresentar belos powerpoints para convencer investidores do compromisso do Brasil com a preservação da Amazônia se Jair Bolsonaro mantiver sua agenda de “insanidades” na área ambiental.

Como exemplos de absurdos cometidos pelo presidente, ela citou a insistência do presidente em culpar indígenas e pequenos agricultores por queimadas na Amazônia e em minimizar a gravidade do desmatamento. “Bolsonaro é o Jim Jones da destruição ambiental”, disse Marina, comparando o presidente ao líder de uma seita que levou ao suicídio e assassinato em massa de centenas de seus membros na Guiana, no final dos anos 1970.

Leia a seguir a entrevista concedida por ela na sexta-feira, 17, ao Estadão.

• Os mapeamentos da Amazônia apontam para um aumento em 2020 do desmatamento e das queimadas, sendo que no ano passado ambos já estavam em alta. Qual é a sua avaliação sobre a situação na região hoje?

A situação é gravíssima, porque o que aconteceu no ano passado está se repetindo, e de uma forma bem pior. Diferentemente de outras partes do mundo, em que a floresta entra em combustão pelas próprias condições climáticas, no Brasil a floresta entra em combustão pela perda de umidade graças às derrubadas criminosas. Neste ano essa realidade é pior que em 2019. Uma coisa é o que é mostrado pelo vice-presidente em powerpoints para investidores, e outra é o que ocorre na Amazônia. Este governo não tem estatura política nem competência técnica para resolver o que está acontecendo na ponta, no território.

• O presidente, na semana passada, voltou a negar os dados e a minimizar o desmatamento.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles estão cumprindo o que anunciaram desde a campanha: o desmonte de um processo de gestão ambiental que funcionou bem e foi sendo aprimorado ao longo de sucessivos governos, com acúmulos importantes. Esse governo não tem compromisso com a gestão ambiental e nem capacidade técnica. É por isso que não há discurso, não há powerpoint do vice-presidente que resista a insanidades como essas que Bolsonaro repete.

• Ele inclusive comparou a Europa a uma seita ambiental.

O movimento mundial pelo fim dos desmatamentos e das queimadas criminosas e pelo respeito aos povos indígenas não vai cessar. Essa é uma agenda que veio para ficar. Mas não podemos nos iludir: este governo não vai fazer o dever de casa. Se quisesse fazer, teria de montar um novo plano de preservação e controle do desmatamento, remontar o ICMBio, montar um plano de inteligência com a Polícia Federal e articular uma coordenação política com os governadores.

• Vê alguma chance de isso ser feito, no âmbito do novo Conselho Nacional da Amazônia?

Não é simples. Na nossa época, a montagem do plano de preservação e controle envolveu três ministérios trabalhando juntos, inibimos 35 mil propriedades ilegais, tomamos ações efetivas para criminalizar toda a cadeia produtiva que começa na extração ilegal de madeira, única forma de frear a expansão predatória sobre a floresta, fizemos a interdição de qualquer acesso a crédito por parte de quem desmatasse, aplicamos mais de 4 bilhões de reais em multas, foram presas mais de 700 pessoas em operações conjuntas da Polícia Federal e do Ibama. Adotamos uma ação firme contra a grilagem, ao não criar nenhuma expectativa de que áreas griladas fossem regularizadas mais à frente.

Denis Lerrer Rosenfield* - Medo e insegurança

- O Estado de S.Paulo

Há um sentimento muito importante de perda de dignidade humana, de abandono

O cenário da pandemia é o da incerteza, não se sabe exatamente quando será o seu fim e, quando vier, como se voltará ou não à normalidade anterior. E mesmo lá a experiência atual ainda se fará fortemente presente, veiculando seus próprios valores. Neste meio tempo, estamos vivendo uma situação que, apesar de ser dita transitória, está se constituindo numa nova normalidade. É o aprendizado de algo novo.

Na vivência desta nova normalidade, os valores estão sofrendo profunda mutação. Os fatores são múltiplos: 1) as pessoas estão mais reclusas, isoladas, voltadas para seus núcleos familiares, matrimoniais ou de amizade; 2) enquanto a vida familiar e matrimonial é presencial, a vida profissional é virtual, estabelecendo dois tipos de comunicação e de relacionamento; 3) ao saírem, as pessoas usam máscaras, mantêm distância umas das outras, o que significa que o outro é uma ameaça, alguém que pode transmitir a doença e, talvez, a morte; 4) a própria noção de consumo sofre forte transformação, porque a atenção se volta para o necessário para viver nestas circunstâncias, e não para o que passa a ser considerado supérfluo; 5) as pessoas passam a se vestir mais simplesmente, com menor preocupação com a aparência, estabelecendo uma distinção entre a vestimenta presencial e a virtual, ou mesmo uma tomando o lugar da outra.

José Goldemberg* - ‘Negacionismo’ e políticas públicas

- O Estado de S.Paulo

O próprio presidente é um ‘negacionista’, o que causa grandes prejuízos na saúde e na economia

“Negacionistas” são pessoas que se recusam a aceitar a realidade, adotando posições que não têm validação ou experiência histórica. A História está, de fato, cheia de exemplos de “negacionistas”.

Se os reis da Espanha e Portugal fossem “terraplanistas” – como era a Igreja Católica na época –, não teriam financiado a viagem de Cristóvão Colombo que descobriu a América ao tentar atingir o Oriente, nem Cabral teria descoberto o Brasil.

Apesar disso, no Brasil está surgindo um número inquietante de negacionistas. Um deles é o próprio presidente da República, que – nas palavras insuspeitas do seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro – é um “negacionista” no que se refere à pandemia do coronavírus, descrevendo-a como uma “gripezinha”, mesmo diante da evidencia aterradora de mais de mil mortes por dia. Além disso, encontra pretextos para argumentar que os números de mortes são “exagerados” e manipulados pelos opositores políticos.

A realidade é bem outra, como se sabe: morrem no Brasil por ano cerca de 1,3 milhão de pessoas por todo tipo de doenças, como câncer, problemas cardíacos e outras, além de acidentes de trânsito, homicídios e suicídios. Isso significa cerca de 3.500 mortes por dia. A covid-19 aumentou esse número para cerca de 5 mil óbitos por dia.

O óbvio nem sempre é óbvio – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se o governo está realmente interessado em manter o teto de gastos, terá que ser mais criativo ao modernizar o sistema tributário e mais firme ao reformar o Estado

O novo secretário do Tesouro, Bruno Funchal, deu esclarecedora entrevista a este jornal, publicada no dia 17 passado. Nela, Funchal defendeu com vigor a manutenção do teto de gastos e disse, com razão, que um eventual abandono desse mecanismo de controle da despesa pública destruirá empregos em vez de gerá-los. É o exato oposto, portanto, do que advogam os partidários da gastança disfarçada de “política anticíclica”; para estes, apenas o aumento sem limites dos gastos estatais será capaz de estimular a economia abalada pela pandemia de covid-19 e dar o impulso necessário à retomada das contratações.

Como explicou o secretário, da maneira mais didática possível, só se pode falar em políticas de estímulo econômico “num país consolidado fiscalmente”, que gere “confiança no longo prazo”. Antes do estabelecimento do teto de gastos, em 2016, os investidores que se dispunham a comprar títulos brasileiros “não conseguiam fazer as contas, projetar as despesas futuras” do governo. “Isso é um componente de risco e refletia nos juros”, isto é, o prêmio pelo investimento tinha de ser mais alto para compensar essa incerteza referente ao equilíbrio fiscal. “Agora todo mundo sabe fazer a conta com o teto”, explicou Bruno Funchal.

Todo mundo mesmo, a começar pelos próprios cidadãos, que devem ser envolvidos na discussão democrática sobre as reais prioridades orçamentárias do País. O problema, contudo, é que o governo, como reconhece o próprio secretário, precisa explicar melhor os benefícios do teto e reiterar que os limites para os gastos públicos não prejudicam políticas sociais – ao contrário, são esses limites que asseguram a sustentabilidade de tais políticas e também dos investimentos indispensáveis para impulsionar a economia.

Reforma tributária leva governo a negociar projeto – Editorial | O Globo

Parlamentares debatem o tema desde o ano passado, a partir de textos produzidos na Câmara e no Senado

As últimas três décadas foram marcadas por sucessivas tentativas de mudanças no sistema tributário. Todas frustradas.

O Congresso chegou a analisar, no período, iniciativas dos presidentes Fernando Henrique Cardoso, em 1995; Lula, em 2008; e Michel Temer, em 2017. As três propostas de emenda constitucional naufragaram na Câmara, sem votação.

Há pelo menos 18 meses o governo Jair Bolsonaro anuncia o envio de seu projeto. O ministro Paulo Guedes, da Economia, diz que está “pronto” e promete apresentá-lo amanhã, mesmo parcialmente.

Parlamentares debatem o tema desde o ano passado, a partir de textos produzidos na Câmara (PEC nº 45/19) e no Senado (PEC nº 110/19 e seu substitutivo). Nas duas Casas a premissa é não aumentar a carga tributária, hoje no patamar de 33,6% do Produto Interno Bruto.

O objetivo comum é simplificar o pagamento de impostos para reduzir os custos das empresas com a unificação de tributos num Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Faz sentido a decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de acelerar a discussão, em acordo com o Senado, mesmo antes do retorno à normalidade nas comissões mistas do Congresso, suspensas devido à pandemia. Se já eram urgentes antes da disseminação do vírus, com a devastação da economia as mudanças no sistema tributário se tornaram vitais.

Correto, mas inábil – Editorial | Folha de S. Paulo

Embora justificável, veto de Bolsonaro em lei do saneamento gera insegurança

A nova lei do saneamento permitiria que empresas estatais e o poder público renovassem por 30 anos contratos de prestação de serviços de água e esgoto. Jair Bolsonaro eliminou tal possibilidade, entre outros vetos ao marco regulatório aprovado pelo Congresso.

Como de costume, o presidente provocou tensão política. Corre agora o risco de ver seu veto derrubado, de atrair para si mais má vontade parlamentar e, no limite, de suscitar um processo de judicialização que tende a atrasar a urgente reforma do setor.

Em si mesmo, o artigo vetado era carta branca para governos adeptos do imobilismo. Na prática, poderia evitar a abertura de concorrência para a prestação de serviços de saneamento e, assim, barrar a entrada de empresas privadas.

Entretanto senadores apontam que se tratava de uma condição para que fosse aprovado o novo marco regulatório, um ponto de acordo chancelado por lideranças parlamentares do governo Bolsonaro.

Negar o desmatamento é contra o interesse nacional – Editorial | Valor Econômico

Dar novo fôlego a uma postura negacionista é insistir num erro com consequências potencialmente prejudiciais

Caiu como um balde de água fria sobre o governo a divulgação, no fim da semana passada, de um estudo publicado na revista "Science" segundo o qual até 22% das exportações que saem da Amazônia e do cerrado brasileiros para a União Europeia podem ter áreas desmatadas ilegalmente como origem. O Ministério da Agricultura logo se prontificou a avaliar e responder cada conclusão do documento - uma iniciativa muito bem-vinda neste momento em que o governo deve empenhar todos os esforços para combater a destruição do meio ambiente, ao mesmo tempo em que trabalha para evitar que se criminalize a agropecuária brasileira.

Entitulado “The Rotten Apples of Brazil’s Agribusiness” (“As maçãs podres do agronegócio do Brasil”, na tradução para o português), o estudo utilizou dados da safra entre 2016 e 2017 e cruzou informações de 815 mil propriedades rurais. Os autores sustentam que, a partir desse cruzamento de dados, é possível identificar quais fazendas em áreas desmatadas ilegalmente exportaram para a União Europeia. Segundo o documento, 2 milhões de toneladas de soja produzidas em áreas desmatadas ilegalmente podem ter chegado aos portos europeus nesse período. Desse total, 500 mil toneladas teriam sido produzidas em fazendas localizadas na Amazônia.

O estudo apontou ainda que cerca de 4,1 milhões de cabeças de gado negociadas com frigoríficos que exportam para a UE teriam sido criadas em propriedades que podem ter sido alvo de desmatamento ilegal.

Deve-se aguardar o contraponto da área técnica do governo para que os resultados da pesquisa possam ser analisados com maior frieza e objetividade, também a partir de informações oficiais pormenorizadas. De qualquer forma, a divulgação do estudo acabou por colocar novamente o governo na defensiva.

Poesia | Pablo Neruda - Tu eras também uma pequena folha

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.