quarta-feira, 29 de julho de 2020

Merval Pereira - Caminho do meio

- O Globo

Faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em nova alternativa

Se não houvesse outras indicações, a saída de DEM e MDB do bloco do Centrão que apóia o governo seria, por si só, uma importante inflexão parlamentar em busca de “independência regimental”. Isso quer dizer que os dois partidos não querem estar formalmente ligados às decisões da liderança do governo no Congresso.

Na prática, já estavam distanciados, o que a votação do Fundeb demonstrou, impondo uma derrota acachapante ao Governo e a seu líder oficioso Arthur Lira. Os movimentos de aproximação do novo PSDB sob o comando do governador de São Paulo João Doria, e o DEM se tornaram evidentes desde a escolha do relator da reforma da Previdência, com os tucanos ganhando um posto chave na questão mais central da política daquele momento, uma decisão que coube ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, do DEM.

As conversas entre PSDB e DEM têm a participação também do PSD de Kassab, para se fundirem um único partido, ou trabalharem em conjunto na direção da centro-direita e se opor aos radicalismos de esquerda e de direita. Maia, embora se dê muito bem com a esquerda parlamentar, não quer uma coligação “de centro- esquerda”. Muito menos o governador Dória, que levou o PSDB para a centro-direita.

Kassab foi secretário do governador Doria, e agora ganhou espaço maior no governo Bolsonaro, que um dia o chamou de “desgraça”, com a indicação de Fabio Faria para o ministério das Comunicações, que tem ligação forte com o presidente da Câmara. A aproximação de Bolsonaro com o Centrão, que parecia lhe dar suporte político no Congresso, foi fragilizada com a saída de DEM e MDB, ao mesmo tempo em que se fortaleceu uma antiga ideia de formação de um bloco de centro-direita que possa se opor aos extremos políticos, PT e bolsonarismo.

Vinicius Torres Freire - Começa a eleição da governança do país

- Folha de S. Paulo

Disputa pelo comando da Câmara move partidos e deve redefinir 'parlamentarismo branco'

O que existe de governança do Brasil é uma resultante do desgoverno de Jair Bolsonaro, de um anteparo na Câmara e de surtidas do Supremo contra desbordamentos do bolsonarismo. Diga-se “governança” por conveniência e brevidade, para dar um nome ao que resulta do salseiro. Não é governo, que inexiste, nem equilíbrio de Poderes. É uma bruxa inacreditável, mas que existe.

Esse esquema de governança improvisada, por informe, gelatinoso e variável que seja, deve mudar a partir do começo do ano que vem com a eleição dos novos (ou não) presidentes da Câmara, em especial, e do Senado. Vai definir se a Câmara continua como um anteparo das exorbitâncias do governo e dar uma medida mais precisa do apoio que Bolsonaro tem no Congresso (se é que quer mesmo algo assim, tão normal).

Essa eleição começou. Ou, melhor, começa o rearranjo de blocos partidários que vão apoiar este ou aquele candidato. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o MDB fizeram questão de se separar do bloco formal de partidos que incluía a geleia do centrão. Com eles, o PSDB deve compor uma troica, embora outras adesões sejam possíveis. Os três partidos juntam 74 dos 513 deputados.

Parece pouco, mas não é lá bem assim. O grupo de parlamentares tidos como mais à esquerda não tem o que fazer a não ser aderir a quem não seja bolsonarista ou ficar fora do jogo (uma estupidez sem sentido prático, político ou interesseiro, pois teriam ainda menos poder de ocupar qualquer posição de relevância na Câmara). Juntam uns 140 deputados, por aí. A troica e a “esquerda” somam, pois, mais de 210 parlamentares.

Ricardo Noblat - O congestionamento de candidatos do centro poderá marcar a eleição

- Blog do Noblat | Veja

A esquerda agradece. Bolsonaro se preocupa

No primeiro momento, a saída do DEM e do MDB do conglomerado de partidos conhecido pela alcunha de Centrão tem a ver com a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro do próximo ano.

Indica que DEM e MDB pretendem formar um bloco junto com o PSDB e partidos de oposição ao governo para eleger o sucessor de Rodrigo Maia. Ou reeleger Maia, caso se aprove uma emenda à Constituição para tornar possível o que hoje não é.

O Centrão aliou-se ao governo atraído pela oferta de cargos, liberação de dinheiros e outras sinecuras que o presidente Jair Bolsonaro dizia antes abominar. Conversa para enganar eleitor. Bolsonaro já foi filiado a quase todos os partidos do Centrão.

Está interessado, agora, em valer-se dos votos do Centrão para barrar a abertura de um processo de impeachment contra ele, aprovar projetos do governo e pôr no lugar de Maia um presidente da Câmara mais confiável. Foi aí que o bicho pegou.

Rosângela Bittar - O errado perfeito

- O Estado de S.Paulo

A grande aliança que solucionaria os problemas de Bolsonaro voou pelos ares

O DEM e o MDB eram a alma dupla do Centrão. Davam consistência, história, peso político, acesso ao empresariado e à sociedade, ao paquiderme dominante do espaço parlamentar, agora imbuído de uma nova missão, a de salvar Jair Bolsonaro. No entanto, estavam em baixa. Ao declararem independência do governo e se retirarem do bloco, na última segunda-feira, os dois partidos viraram o jogo e passaram a liderar novamente o processo.

Golpearam, ao mesmo tempo, o projeto do presidente Jair Bolsonaro de usar o grupo como principal braço da sua articulação política no Congresso. E derrubaram o arranjo do escolhido para representar o governo nas negociações, o líder Arthur Lira, que esperava ser premiado com a sucessão à presidência da Câmara, sem esforço.

Sucessão esta que também ficou incerta porque volta a colocar na disputa, com presença notável, o candidato que o presidente da Câmara vier a escolher para suceder-lhe. Não se sabe quem, nem quando será. Por experiência da sua própria eleição, Rodrigo Maia não tem pressa. Quando recebeu o apoio do DEM, seu próprio partido, já era véspera da disputa, e, quando o aliado PSDB se manifestou, já era a manhã do dia D.

Ao se enfraquecer com a saída dos dois principais partidos, o Centrão enfraquece o governo, que nunca acertou na articulação política. O presidente demorou a se decidir pela aliança e, quando o fez, depositou suas esperanças de sustentação em um homem só. A busca de atalhos, na negociação política, nem sempre dá certo.

Vera Magalhães - Antes de 22 vem 21

- O Estado de S.Paulo

Sucessão no Congresso é lance vital para a eleição presidencial

Não adianta nada nomes como Luiz Henrique Mandetta queimarem a largada especulando sobre candidatura presidencial a essa altura do campeonato. Não bastasse haver um vírus à solta que terá matado 100 mil brasileiros até o início de agosto, ceifado milhões de empregos, virado o programa econômico de Paulo Guedes de cabeça para baixo e transformado as eleições municipais em nota de rodapé, isso para ficar só nos efeitos domésticos, outros acontecimentos em Brasília são pressupostos fundamentais para posicionar os corredores na linha de largada.

Eles começam agora, nesse segundo semestre que inicia oficialmente em agosto. Não à toa Rodrigo Maia saiu do silêncio que vinha mantendo para comandar uma dissidência no “blocão” de partidos da Câmara que deu suporte à sua presidência nesses quatro anos. Maia sabe que é vital não apenas para sua sobrevivência como líder político relevante, mas para a construção de qualquer projeto de centro dissociado do bolsonarismo e minimamente competitivo, manter o comando da Câmara no último biênio do governo.

Não que o Congresso tenha sido o protagonista nos atos de contenção a Bolsonaro nesse 2020 em que o presidente resolveu rasgar a fantasia. Esse papel, como se sabe, tem sido exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas é ali, na Câmara, que pode nascer um dos temores maiores da existência do presidente, maior que acabar a cloroquina no meio da noite: a abertura de um processo de impeachment, algo que Maia evitou alimentar nesses dois anos de convivência tensa, mas que é um trunfo à mão de qualquer presidente da Casa, a depender do impulso das ruas, de um motivo jurídico e de combustível dos setores econômicos.

Luiz Carlos Azedo | A volta do “mais do mesmo”

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo está quebrado e não tem recursos para implantar o programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família, menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição”

O governo Bolsonaro perdeu o ímpeto das reformas. É normal, mas após o segundo ano de governo. Entretanto, a pandemia antecipou a inércia. E, se levarmos em conta o papel coadjuvante que representou na reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro nunca teve muita motivação para protagonizar as reformas econômicas. Sua agenda prioritária sempre foi outra, o conservadorismo nos costumes, que também anda encalhado no Congresso, e o fortalecimento do Executivo em relação aos demais Poderes, como fato consumado na política. Se ainda houver alguma reforma este ano, será a tributária, na qual as propostas em discussão na Câmara e no Senado são mais ambiciosas do que o projeto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para embrulhar a recriação do imposto sobre operações financeiras. Uma solução simples para um problema muito mais complexo, que seria modernizar o nosso sistema tributário para torná-lo mais eficiente, equilibrado para os entes federados e mais justo, socialmente.

Entre os economistas, há uma compreensão quase unânime de que a dívida pública, se nada for feito, trará de volta a inflação no próximo ano (o termômetro é o câmbio), que somente não está acontecendo por causa da recessão e do desemprego. Mesmo economistas como Samuel Pessoa e Armínio Fraga, que defendem políticas de austeridade fiscal, já admitem a criação de um novo imposto para evitar o colapso do governo federal no próximo ano. A alternativa que está se discutindo, a partir da proposta de Guedes, é a volta da CPMF. A tese é ampliar a base de arrecadação para ter a menor alíquota do imposto. Com isso, o governo espera resolver seu problema de caixa e evitar a insolvência.

Conrado Hübner Mendes* - A Constituição é antifascista, Mendonça não

- Folha de S. Paulo

A polícia do pensamento comete pelo menos quatro ilícitos

O ministro da Justiça está de olho em você, simpatizante do antifascismo. Atenção policial, professor ou engenheiro civil formado que não pensa ideias corretas: Mendonça sabe quem você é, onde mora e o que anda fazendo no escurinho da quarentena.

Mendonça não é um antiantifa raiz. Ex-entusiasta de Lula, faz qualquer coisa pelo chefe. Se precisar, até oração em cerimônia estatal. Mediocrizou a função de advogado-geral da União e agora a de ministro da Justiça ao se incumbir do papel de sentinela do presidente. Há tempos usa seu cargo para solicitar providências contra críticas pessoais a Bolsonaro.

Na semana passada, descobriu-se que órgão do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) sob sua autoridade monitora policiais e intelectuais em sigilo. Não por suspeita de ilícito (o que justificaria investigação policial, não do Sisbin), mas por suspeita de pensamento com o carimbo "antifascista".

Regimes autoritários adotam um arsenal de ferramentas contra inimigos: ao lado da execução sumária, do desaparecimento, da tortura e da estigmatização pública, a polícia do pensamento é sua forma mais insidiosa de anular o oponente.

A polícia do pensamento, "uma das mais importantes instituições do mundo moderno" (Tucci Carneiro), almeja domesticar e reprimir heterogeneidade. Opera pela técnica da suspeição presumida e da repressão preventiva. Sua finalidade é gerar medo, autocontrole e autocensura. Espera-se que os fichados nos arquivos de Mendonça voluntariamente parem de incomodar, pois a qualquer momento um dossiê pode vir à tona.

O fato não provoca apenas tensão política, que se resolve por conversa e aperto de mão. Pede esclarecimento público e eventual sanção jurídica pelos ilícitos. O ministro parece cometer pelo menos quatro:

1) crime de responsabilidade ("violar patentemente qualquer direito ou garantia individual" - art. 7º, IX, da Lei do Impeachment);

2) crime de abuso de autoridade ("proceder à persecução administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente", art. 30, lei 13.869/19);

3) improbidade administrativa ("praticar ato visando fim proibido em lei" e "atentar contra princípios da administração", como transparência e impessoalidade - art. 11, I, lei 8.429/92);

4) ilícito contra o direito à informação ("utilizar indevidamente informação que se encontre sob sua guarda" e "impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal", art. 32, II e V, lei 12.527/11).

Hélio Schwartsman - Estamos, afinal, numa República

- Folha de S. Paulo

Determinação de Alexandre de Moares impõe um veto prévio a mensagens independentemente do conteúdo

A pedidos, escrevo sobre o bloqueio de contas de bolsonaristas em redes sociais determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Evitei o assunto até aqui por considerá-lo desimportante. Sei que é uma idiossincrasia minha, mas, na condição de alguém que não participa de nenhuma rede social, o banimento do WhatsApp não me emociona.

Moraes exagerou. Não dá para afirmar que ele tenha silenciado os bolsonaristas, já que estes seguem livres para dizer o que quiserem por qualquer outro meio que não as plataformas citadas no despacho. Mas a determinação do magistrado é ampla demais, pois impõe um veto prévio a mensagens independentemente de seu conteúdo.

Pior do que isso é a própria existência do chamado inquérito das fake news, em que o STF atua ao mesmo tempo como vítima, autoridade policial e juiz. É a definição mesma de teratogenia judiciária. Mas, como na democracia quem tem sempre a última palavra em questões legais é o STF, não nos resta senão aceitar suas decisões mesmo que delas discordemos.

Ruy Castro* - Por que só Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

O Tribunal de Haia deveria reservar um lugar também para os executores de sua política

O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, recebeu as acusações contra Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade no contexto da pandemia. Foram levadas por entidades brasileiras que representam mais de um milhão de profissionais da saúde, responsabilizando-o pela morte de milhares no país por sua ação ou omissão. Matar não se limita a um tiro à queima-roupa.

Pode-se escolher entre as práticas de Bolsonaro desde a chegada da Covid: piadas com o vírus, minimização de seu perigo, desinformação deliberada sobre ações de prevenção, desprezo por medidas nacionais que amenizassem a quebra da economia, recusa em aceitar as orientações dos órgãos internacionais, instigação à desobediência dessas orientações, desmoralização dos encarregados por ele próprio de dirigir a saúde e sua substituição por estranhos à matéria, fazer propaganda falsa de remédio, debochar das vítimas da doença, indiferença quanto ao destino da população que jurou proteger. Com tudo isso ao alcance de seu poder, quem precisa de arminha?

Fernando Exman - Meio ambiente na árida pauta legislativa

- Valor Econômico

Governo busca fato positivo, mas desmate ilegal cresce

Primeiro os deputados conquistaram o protagonismo com o Orçamento impositivo e uma agenda de reformas econômicas. Deram, na sequência, impulso a medidas emergenciais de combate aos efeitos da pandemia, por exemplo com a adoção do Orçamento de guerra, e aprimoraram diversos dispositivos enviados pelo presidente Jair Bolsonaro para tentar irrigar a economia com crédito. Logo avançaram nas discussões sobre questões sociais e asseguraram a prorrogação do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a despeito das resistências da equipe econômica. Agora, o risco do governo é ficar a reboque da agenda ambiental da Câmara.

A administração Jair Bolsonaro tenta sair da defensiva, desde que passou a ser alvo de duras cobranças de países aliados, parceiros comerciais, empresários e investidores.

A má notícia, para o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente, é que a reversão das péssimas expectativas em relação aos resultados de suas ações para conter o desmatamento ilegal só se dará com a apresentação de dados positivos e confiáveis. No entanto, as estimativas de autoridades que acompanham de perto o assunto não são animadoras.

Espera-se que os dados de desmatamento de 2020 superem os observados no ano passado, quando satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) captaram sinais de derrubadas na Amazônia em áreas que ultrapassaram 9 mil quilômetros quadrados. Um aumento de aproximadamente 85% em relação a 2018.

Monica De Bolle* - O alcance do pensamento

- O Estado de S.Paulo

Momento atual requer abertura para o questionamento de princípios que deixaram de valer

“A noite cai apenas para aqueles que por ela se deixam encobrir.
Cornelius Castoriadis, The End of Philosophy?

Quis o tempo que eu escrevesse esse artigo para ser publicado na data em que se completam dez anos da morte de Dionisio Dias Carneiro, meu mentor, professor e uma cabeça privilegiada. Dionisio nunca aceitou dogmas de qualquer natureza: ao contrário, sempre questionou princípios da economia. Era um professor sensacional, um grande intelectual público e alguém que tinha a capacidade de incomodar no bom sentido, forçando seus pares a pensar. A noite na epígrafe acima não é, assim, uma metáfora para a morte – ao menos não nesse artigo –, mas uma metáfora para a preguiça de pensar. Deixa-se encobrir pela noite quem perde a curiosidade. Já a curiosidade nos desacomoda da poltrona em que podemos permanecer a contemplar o passado. O espírito dionisíaco, que desacomoda e convida ao prazer de pensar, continua vivo em muitos que conviveram com Dionisio. Não em todos.

Algumas pessoas acomodaram-se no passado. O momento atual requer que o passado passe e dê abertura para o questionamento de princípios que deixaram de valer. A economia não é como as ciências naturais, em que mecanismos metabólicos, ainda que complexos, são governados por estruturas e leis inabaláveis. A glicólise é a glicólise, as diversas vias de sinalização celular dependem da ação inibidora ou ativadora das enzimas. Se algo para de funcionar como deveria, o corpo adoece. A economia é uma construção social, como a política. Suas estruturas têm traços de longa duração, mas também se moldam ao momento.

Míriam Leitão - BB e a relação com o governo

- O Globo

Presidente do conselho do Banco do Brasil garante que desde que assumiu não houve interferência do governo em decisões do banco

O presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil, Hélio Magalhães, garante que desde que ele assumiu “não houve nenhum evento de influência do controlador do banco”. Muitas polêmicas têm cercado a administração do BB, principalmente na área de marketing, várias vezes criticada, inclusive aqui na coluna de ontem. A explicação que ele dá para a publicidade em sites de fake news, ou bolsonaristas, é que a escolha é feita aleatoriamente pela “ferrramenta” do Google. Hoje, está sob o controle de qualquer empresa escolher não anunciar em determinados sites.

A polêmica em torno da publicidade do Banco do Brasil surgiu por bons motivos. Teve o alerta de que os anúncios estavam em sites que divulgavam fake news e discurso de ódio. O primeiro movimento do banco foi de recuo, mas, depois de ser criticado por Carlos Bolsonaro, o BB manteve os anúncios:

— Infelizmente as notícias foram distorcidas. Não houve ingerência alguma, posso garantir como presidente do conselho. O que aconteceu foi que a notícia chegou, o analista da área de marketing tentou tirar do ar, mas aí se viu que nem tem como tirar do ar.

Na verdade, o TCU mandou, em 27 de maio, que o BB suspendesse a publicidade em determinados sites, blogs, portais e redes sociais. O plenário do tribunal referendou uma medida cautelar proposta pelo ministro Bruno Dantas a pedido do procurador de contas Lucas Furtado, que apontava suspeita de interferência do secretário de comunicação do Planalto, Fábio Wajngarten. O secretário chegou a postar — depois da reclamação do filho do presidente — que iria atuar para que o banco voltasse atrás. E o banco de fato recuou.

Jogo jogado – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro terá que trabalhar bem mais se quiser ter uma base razoavelmente sólida no Congresso

O presidente Jair Bolsonaro terá que trabalhar bem mais se quiser ter uma base razoavelmente sólida no Congresso. Se já havia dúvidas sobre a consistência do apoio de partidos movidos a prebendas estatais, como mostraram derrotas dolorosas em algumas votações recentes na Câmara, agora a aritmética também começou a jogar contra.

A anunciada saída do MDB e do DEM do chamado “blocão” – associação de partidos comandada na Câmara pelo deputado Arthur Lira (AL), líder do Progressistas e articulador informal dos interesses governistas – reduzirá de 221 para 158 o número de parlamentares desse grupo que teoricamente sustenta o governo. Isso não chega nem perto dos 172 votos necessários para, por exemplo, impedir o avanço de um processo de impeachment.

No Congresso, partidos podem se juntar em blocos para um propósito específico e esses blocos tendem a se desfazer quando o propósito deixa de existir. O “blocão”, por exemplo, havia se formado no início do ano para ganhar o maior espaço possível na Comissão Mista de Orçamento. Em tese, uma vez alcançado esse objetivo, não fazia mais sentido a existência do “blocão”, mas uma parte considerável dele permaneceu associada – inclusive o MDB e o DEM – sob a liderança do deputado Arthur Lira.

Centro e centrão – Editorial | Folha de S. Paulo

Partidos agem para sucessão de Maia na Câmara, que eleva incertezas

Com a atrofia das principais lideranças pós-redemocratização e a ascensão do bolsonarismo infenso à articulação parlamentar, o conjunto de partidos parasitários do poder conhecido como centrão assumiu um insólito lugar de destaque na cena política nacional.

Outrora meros apêndices numéricos em coalizões encabeçadas pelo presidente de turno, essas legendas desprovidas de identidade programática compõem hoje uma força mais autônoma —embora por natureza dependente da ração de cargos e verbas— e sem rival à altura no Congresso Nacional.

Daí ser digno de nota o movimento anunciado na segunda-feira (27) por DEM e MDB, que deixarão formalmente a aliança circunstancial feita com o centrão para votações na Câmara dos Deputados.

De mais visível, está em jogo a preservação do comando da Casa, presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de sua independência em relação ao governo Jair Bolsonaro, que busca cooptar as siglas fisiológicas, a partir do próximo ano.

Trata-se, ademais, da busca pela sobrevivência das forças centristas (não confundir com o centrão), que incluem ainda o PSDB, esmagadas nas últimas eleições nacionais entre a direita populista e o que restou do lulismo.

Projeto de Bolsonaro com Centrão tem revés na Câmara – Editorial | Valor Econômico

Se DEM e MDB firmarem novo polo de atração, o apoio político do governo continuará problemático

A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de guinar da atitude de ojeriza a formar uma base parlamentar para outra, de forjá-la para fugir de investidas por impeachment, é um caminho acidentado. O material político para colocar essa aliança de pé é movediço e inconfiável, o velho Centrão, que esteve na base dos governos petistas, bandeou-se sem remorsos para apoiar o impeachment de Dilma Rousseff e continuou compondo com os governos seguintes. “O centrão é garantia de estabilidade”, diz o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), o preferido do governo para arregimentar aliados e enfrentar o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ambicionaria um terceiro mandato à frente da Casa.

Lira emula o pai dos articuladores do Centrão, que deu forma a esse aglomerado de partidos sem identidade própria para derrotar o candidato petista à Presidência da Câmara - Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo estado permanente de delinquência rendeu-lhe 15 anos de cadeia, com possíveis novas condenações a caminho. O líder do PP tem cinco processos no Supremo Tribunal Federal, a maioria ligado à Lava-Jato, por corrupção passiva, ativa, formação de quadrilha etc. As circunstâncias de sua empreitada diferem muito, porém, das criadas por Cunha.

Quando Cunha teve sucesso, Dilma Rousseff era uma estrela rapidamente cadente, sem apoio na Câmara nem mesmo dentro do próprio PT. Membros do Centrão, como Gilberto Kassab (PSD), que esperou o fim do processo para no dia seguinte ingressar no governo do sucessor, Michel Temer. Dilma deixara de ter “perspectivas de poder”, as que mais seduzem o Centrão.

Arthur Lira entrou em campo não para se opor a um governo desmoralizado e sem prestígio - o presidente Jair Bolsonaro se esforça, mas ainda não chegou lá -, mas para amparar um que vinha ladeira abaixo, já alvejado por escândalos políticos - ligações suspeitas com Fabrício Queiroz e milicianos, laranjal no PSL nas eleições, rachadinhas e esquemas para difusão de fake news dos filhos etc. O governo, acuado, mostrou-se disposto a fazer o que disse que jamais faria, e aceitou o jogo do Centrão. Precisará pagar na moeda corrente o apoio, mas também criar as condições políticas para que a massa centrista possa mostrar que ampara o governo.

Cresce a perspectiva de regulação mais dura das gigantes digitais – Editorial | O Globo

Depoimento à Câmara é sinal da mudança em Washington diante dos abusos do Vale do Silício

Está marcado para hoje, diante da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, o depoimento dos CEOs de quatro gigantes digitais. Sundar Pichai (Google/Alphabet), Jeff Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple) e Mark Zuckerberg (Facebook) aparecerão por teleconferência para defender seus negócios, acusados de práticas anticompetitivas.

Em 1998, quando a Microsoft corria o risco de ser quebrada pela Justiça, um titubeante Bill Gates depôs também por teleconferência. Não havia pandemia. O depoimento à distância era sinal de que nada de grave aconteceria à empresa, como nada aconteceu. Desta vez, o humor em Washington é outro. A rejeição às gigantes digitais ganhou impulso graças ao papel das redes sociais na eleição de Donald Trump.

O depoimento de hoje tem duas facetas. A primeira é econômica. O entendimento da Justiça americana desde os anos 1980 sobre monopólios — só devem ser quebrados se houver dano ao consumidor, como alta de preços — é questionado até por economistas liberais. O universo digital tornou a questão mais complexa, pois nele o consumidor não paga pelos serviços com dinheiro, mas com dados e atenção. É para ter mais dados sobre cada vez mais gente que Facebook comprou WhatsApp e Instagram — e estende as garras sobre o chinês TikTok.

Witzel e a confusão entre Justiça e política – Editorial | O Globo

Ex-juiz, governador leva processo de seu impeachment para um terreno em que se sente mais confiante

Wilson Witzel não repetiu no governo fluminense o surpreendente sucesso alcançado na campanha eleitoral, quando soube se aproveitar da onda bolsonarista, reforçada pela mística da toga de juiz. Azarão, foi ao segundo turno, andou com Flávio Bolsonaro a tiracolo, e venceu Eduardo Paes, lembrando o convívio do ex-prefeito carioca com o grupo do já encarcerado Sérgio Cabral. O ex-juiz ainda ficou à sombra da imagem moldada pelo bolsonarismo de ser um esteio da boa ética na política. O clã Bolsonaro não demoraria a perder este trunfo, e Witzel se enredaria na malha que grupos corruptos lançaram no estado e na capital fuminense para capturar quem chega ao poder.

Witzel e advogados levaram o processo de seu impeachment, instalado na Alerj, aos tribunais, onde um ex-juiz se sente mais confortável. E já tiveram uma vitória nada desprezível, com a decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de conceder liminar ao governador, que reclama do não cumprimento de regras na instalação do processo de impedimento.

Witzel se beneficia de um amplo espaço de manobra que o Supremo abriu na fronteira entre o Judiciário e o Legislativo, no qual passou a tomar decisões num terreno que seria próprio dos parlamentares. Já foi o tempo em que juízes da Corte, diante de reclamações oriundas dos choques político-partidários naturais na democracia representativa, lavavam as mãos em nome da separação entre os poderes, estabelecida na Constituição, por considerar as desavenças interna corporis assuntos próprios do Legislativo. Mas reclamações de políticos nos impeachments anteriores, de Collor e Dilma, principalmente no desta, criaram entendimentos na Corte que passaram a balizar esses veredictos.

Poesia | Ferreira Gullar - Uma parte de mim

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.