sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Opinião do dia – Cármen Lúcia*

Inteligência é atividade sensível do Estado, mas está posta na legislação como sendo necessária. Arapongagem é crime. Praticado pelo Estado, é ilícito gravíssimo. O agente que obtém dados sobre quem quer que seja fora da legalidade comete crime.

*Cármen Lúcia, ministra do STF, em julgamento, 13/8/2020

Merval Pereira - Abin sob controle

- O Globo

O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a assumir o papel de defensor das liberdades civis ao exigir que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), reformulada para atender ao desejo do presidente Bolsonaro de obter informações, muitas vezes além dos limites legais, precisará de autorização judicial sempre que quiser dados específicos de uma pessoa ou entidade.

A tônica dos votos foi a desconfiança de que o novo órgão seja usado para obter dados de todos os setores de inteligência do governo sem que o “interesse público” esteja em jogo. O futuro presidente do Supremo, ministro Luis Fux, foi direto: “Há justo receio” porque “recentemente se disse que a Abin deveria saber mais do que sabe”, referindo-se à famosa reunião ministerial onde Bolsonaro queixou-se dos órgãos de informação do governo.

A ministra Carmem Lucia, relatora da ação que deu o tom do julgamento, frisou inicialmente que “arapongagem, pra usar uma expressão vulgar, mas no dicionário, essa atividade não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”. Para ela, “qualquer fornecimento de informação, mesmo entre órgãos públicos, que não cumpra rigores formais do direito e nem atenda ao interesse público configura abuso de direito e contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin. (...) Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”.

Míriam Leitão - A renovação da economia

- O Globo

Cinquenta milhões de hectares de pastagens produzem menos da metade do que poderiam produzir porque o solo perdeu qualidade. Isso é território equivalente a dois terços do Reino Unido. Imagine que o país invista em tecnologias simples, como curva de nível? Isso elevaria em R$ 20 bilhões a capacidade de geração de renda da mesma área. A pecuária tem 28% de ineficiência, se ela fosse combatida, o país poderia produzir 10% a mais no mesmo espaço, isso seriam 20 milhões de cabeças de gado. Além disso, deixariam de ser derrubados 15 milhões de hectares de floresta.

Se a gente fizer contas assim chegará a bilhões ou trilhões de reais acrescidos ao PIB brasileiro. Foi isso que o WRI Brasil fez para calcular o quanto o país tem a ganhar se escolher uma nova forma de produzir na retomada da economia. O mundo inteiro está discutindo isso — é o chamado green new deal — e a conclusão mais inteligente é que adotando medidas para converter a economia para novos padrões de baixa emissão o país cresce mais e melhor. E gera mais empregos. O número final impressiona. O PIB pode crescer 38% a mais até 2030, no melhor cenário, o que significa R$ 2,8 trilhões.

— O Brasil tem 200 milhões de hectares de pastagem, 70% das pastagens brasileiras tem algum nível de degradação. Sem proteção básica do solo, a chuva leva todo o fertilizante e é preciso colocar mais. Em vez de recuperar esse solo já ocupado, o país avança sobre a floresta e desmata. De cada 10 hectares de pasto na Amazônia, sete foram de desmatamento dos últimos 35 anos — diz Rafael Barbieri, economista sênior do WRI.

Hélio Schwartsman - O Brasil merece Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Sinais de que as bandeiras do capitão reformado não podiam ser levadas a sério sempre estiveram presentes

Fatalismo é o nome genérico dado às várias doutrinas filosóficas segundo as quais o futuro, por necessidade lógica, determinismo causal ou mais simploriamente pela vontade de Deus, está traçado desde o início dos tempos, de modo que resistir é inútil.

O fatalismo anda de mãos dadas com a ideia, tão cara a algumas vertentes do protestantismo, de predestinação, que, no fundo, diz que cada um recebe o que merece. Meu ponto, e agora eu vou ser cruel, é que o Brasil merece Bolsonaro.

Ele, afinal, foi eleito democraticamente pela pluralidade dos cidadãos que se manifestaram nas urnas. É verdade que o capitão reformado nunca prometeu cometer estelionato eleitoral, mas os sinais de que suas bandeiras não podiam ser levadas a sério sempre estiveram presentes para quem quisesse ver.

Bruno Boghossian – O PT caça suas próprias bruxas

- Folha de S. Paulo

Partido finge não ver problema em candidatura e ainda pode perder tempo com caça às bruxas

O PT preferiu fazer pouco caso diante da adesão de eleitores identificados com o partido à candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo. Afinal, o ex-ministro Celso Amorim não vota no município, e Chico Buarque nem é filiado à legenda, argumentaram dirigentes.

Os petistas fingiram não ver o problema. O partido comandou a Prefeitura por 12 anos em três décadas, mas penou para definir um nome na disputa deste ano. A vaga ficou com Jilmar Tatto, ex-deputado, ex-secretário e integrante de um clã que domina redutos políticos da zona sul.

De saída, a escolha não empolgou. Petistas notórios declararam apoio a Boulos, como o cientista político André Singer, o ex-presidente do PT Tarso Genro e a ex-deputada Bete Mendes, fundadora da legenda.

Ruy Castro* - Criminoso, mentiroso, e daí?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro reage com indiferença às acusações que lhe fazem. Sabe que não levarão a nada

Jair Bolsonaro é chamado de criminoso todos os dias por uma infinidade de veículos, analistas e motivos. Destes, o principal é a acusação de genocídio por sua atuação diante da Covid-19, trabalhando pela disseminação da pandemia para que, quanto mais gente morra, mais depressa venham a imunização e a retomada da economia, essenciais para sua reeleição. Bolsonaro reage ao estigma com “E daí?” e, quando se digna a se defender, diz, sem ruborizar: “Fiz o possível e o impossível para evitar mortes”. Sem esquecer seu desprezo pelos povos indígenas, sujeitos à dizimação pela doença e pela expulsão de suas terras.

A destruição do meio ambiente e o desmonte dos serviços de proteção igualmente se enquadram na categoria crime. Bolsonaro é acusado de praticá-los desde que assumiu, sob olímpica tolerância de uma força que, no tempo do marechal Rondon, era comprometida com sua defesa —o Exército.

Reinaldo Azevedo – Lamento, O governo Bolsonaro funciona

- Folha de S. Paulo

A Amazônia arde e, na Saúde, um general tenta esconder montanha de mortos

Salim Mattar e Paulo Uebel, membros até esta terça-feira (11) da ala dita liberal daquele ajuntamento que toma Brasília, resolveram deixar suas respectivas secretarias. E, então, se falou em crise do governo Bolsonaro. Será mesmo? De qual governo?

Uma ilustração. Nesta quinta, já em campanha eleitoral, o presidente foi ao Pará. Discursou: “[Mandei] a esse estado maravilhoso aqui, mesmo sem comprovação científica, mais de 400 mil unidades de cloroquina para o tratamento precoce da população. Eu sou a prova viva de que deu certo. Muitos médicos defendem esse tratamento. E sabemos que mais de 100 mil pessoas morreram no Brasil. Caso tivesse sido tratado (sic), lá atrás, com esse medicamento, poderiam essas vidas terem (sic) sido evitadas (sic). E mais ainda: aqueles que criticaram a hidroxicloroquina não apresentaram alternativas”.

Emprega-se o advérbio latino “sic”, que significa, em tradução adaptada, “assim mesmo, com exclamação!”, quando uma transcrição traz erros, absurdos, disparates. Reparem que, em seu gramaticocídio homicida, Bolsonaro tentou dizer “vidas poupadas”, mas saiu “vidas evitadas”. Na sua fala, a diferença entre viver e morrer é um lapso.

A primeira tentação é recorrer à metáfora do hospício para definir o que vai em Brasília. Seria um erro. Um ajuntamento de malucos não deve ser coisa bonita de se ver, mas a fealdade, suponho, é algo compensada pela inocência culposa. Fala-se aqui de atos dolosos.

Oportunismos distintos resolveram se combinar na certeza de que dispunham de esperteza o suficiente para instrumentalizar o adversário interno e impor a sua, vá lá, agenda. Amalgamaram-se, assim, o reacionarismo delirante, o liberal-passadismo e o nacional-estatismo de uniforme.

Vinicius Torres Freire - Chororô liberal e o desgoverno Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Fracassos do reformismo se devem à desordem política e administrativa do Planalto

O episódio da “debandada” provocou um chororô dos liberais, além de escancarar intrigas no Ministério da Economia.

Paulo Guedes forçou um recuo dos “fura-teto”, mas tem dificuldade de avançar porque ele mesmo não tem plano organizado, porque o governo não tem iniciativa, programa, competência e está dividido quanto ao que fazer da economia. Se não fosse por um general “fura-teto” e pelo Congresso, Jair Bolsonaro e seus “liberais” estariam com uma corda no pescoço.

Guedes depende de conveniências menores de Bolsonaro e do programa passivo do comando da Câmara. Do pouco que sai do Planalto, Rodrigo Maia e seu grupo vetam ou autorizam o que pode tramitar —não há plano organizado em acordo com uma coalizão no Congresso.

Tais decisões talvez mudem um pouco de figura, pois todos os líderes do governo e da maioria são agora deputados e senadores do MDB e do PP; todos menos um foram ministros de Dilma Rousseff e de Michel Temer, aliás.

Os liberais reclamam que são minoritários, preteridos e tratados como corpos estranhos no malévolo paquiderme estatal. Queixam-se do “deep state”, burocratas que andariam por porões brasilienses a sabotar privatizações etc. Talvez devessem mandar um telegrama de protesto para Guedes, pois em tese o ministro nomeou sua equipe e toma decisões.

Talvez se lembrem também de que os governos “social-democratas” privatizaram mais do que eles, os liberais. Os “comunistas” do primeiro governo FHC, como diz Bolsonaro, quebraram o monopólio estatal do petróleo, venderam a Vale, as teles, ferrovias e uma estatal elétrica, pelo menos. Os de Itamar Franco abriram a economia e venderam a CSN, a Açominas, a Cosipa e a Embraer.

Luiz Carlos Azedo - A fome do Centrão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A vida de Guedes não será fácil: remanejar R$ 5 bilhões do orçamento deste ano, cujo deficit deve chegar a R$ 800 bilhões, para investir em obras públicas nos estados e municípios”

O acordo com o Centrão custará R$ 5 bilhões ao Tesouro da União, em plena pandemia, por causa das eleições municipais deste ano. Esse foi o trato feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente Jair Bolsonaro, para manter o “teto de gastos” e, ao mesmo tempo, atender à demanda de investimentos em obras dos parlamentares do Centrão, que se articulam com os ministros da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e os militares do Palácio do Planalto, entre os quais o general Luiz Ramos, secretário de Governo. A pressão decorre das demandas de prefeitos e vereadores que apoiam os parlamentares que agora integram o esquema de sustentação política de Bolsonaro no Congresso.

O velho toma lá, dá cá renasce das cinzas a cada eleição municipal. O acordo foi sacramentado na reunião de Bolsonaro com Guedes, os ministros e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além dos senadores Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, e Eduardo Braga (AM), líder do MDB; e os deputados Arthur Lira (AL), líder do Progressistas, e Ricardo Barros (Progressistas-PR), novo líder do governo na Câmara. Todas raposas felpudas do Congresso, profissionais da política que conhecem o caminho das pedras das verbas federais e as articulações parlamentares que miram as eleições municipais.

Dora Kramer - Gás paralisante

- Revista Veja

Bolsonaro troca de armas para neutralizar o inimigo eleitoral

Sergio Moro saiu e o mundo não se acabou. A pergunta da hora é se o mundo (vale dizer, o governo) acaba caso Paulo Guedes saia. Não só não acaba como pode até consolidar o recomeço em busca da conquista de novas paragens eleitorais que Jair Bolsonaro ensaia com a falta de cerimônia de quem joga fora no lixo os berloques que o ajudaram a chegar à Presidência contra todos os parâmetros de normalidade em vigor na política até então.

Eram os pilares, dizia-se, indemissíveis. Um já foi e o outro permanece, ao que parece, rebaixado a gerente, uma sombra da representação do Posto Ipiranga que já simbolizou. Se Guedes fica ou sai, depende de a quem o dono do estabelecimento dará a palavra final: aos defensores do controle de gastos ou aos arautos da gastança. No caso de vitória destes, a presença de Paulo Guedes no governo será inútil.

A tal da agenda liberal, da qual Bolsonaro se valeu da boca para fora, está indo para o espaço. Na equipe econômica se estabelece a debandada, para usar a franqueza típica dos exaustos manifestada pelo chefe da turma, e o presidente dá sinais de que prefere investir na reeleição do que fazer o certo. Dilma Rousseff optou pelo mesmo caminho, embora não o tenha feito por necessidade, mas por arrogante convicção.

Ricardo Noblat - Bolsonaro faz barba, cabelo e bigode na nova pesquisa Datafolha

- Blog do Noblat | Veja

Os efeitos do dinheiro no bolso

O que aconteceu entre a última semana de junho passado quando o Datafolha foi a campo para saber a opinião dos brasileiros sobre o governo de Jair Bolsonaro, e esta quando repetiu a dose?

Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado do presidente Bolsonaro e do seu filho Flávio, senador. E, no último sábado, o Brasil atingiu a triste marca dos 100 mil mortos pelo coronavírus.

A devastação da Amazônia seguiu em frente e até cresceu. O Ministério da Saúde completou 3 meses sob o comando de um general. E mal tomou posse, o 4º ministro da Educação adoeceu.

O que explica então que a aprovação de Bolsonaro tenha aumentado e a rejeição caído segundo a nova pesquisa Datafolha? Duas poderosas coisinhas, pela ordem de importância.

A primeira: o auxílio emergencial de 600 reais pago a pelo menos 42% da população para que ela enfrentasse os efeitos da pandemia. A segunda: a mudança de comportamento de Bolsonaro.

O índice dos que acham o governo ótimo ou bom subiu de 32% para 37%. Caiu de 44% para 34% o índice dos que o acham ruim ou péssimo. É a melhor avaliação desde que o governo começou.

Dos 5 pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva, pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos.

César Felício - Um novo tempo?

- Valor Econômico

Bolsonaro terá base, o que precisa é ter programa e cumprir acordos

O preço que Bolsonaro teve que pagar por ser um governo de minoria no Congresso já foi traduzido pelo cientista político Fernando Limongi em planilhas e exposto em artigos científicos e publicações jornalísticas. Bolsonaro converteu-se em um presidente provisório, que envia medidas provisórias para o Congresso e depois se desinteressa da aprovação delas, quando se prenuncia sua desfiguração em um projeto de conversão ou derrota em plenário.

No seu primeiro ano como presidente, Bolsonaro editou 39 MPs e enviou 21 projetos de lei ordinários. Caducaram 11 MPs e um único projeto de lei foi aprovado. De longe é o pior resultado desde 1995, incluindo o primeiro ano dos dois mandatos de Fernando Henrique, Lula e Dilma. O levantamento de Limongi não considerou o governo Temer, que apenas encerrou o período da antecessora. Para efeito de comparação, nenhuma MP perdeu a eficácia no governo Lula e apenas cinco na administração de Dilma, considerando o período do levantamento.

Isso sem contar outras luzes que não chegaram a ser lampejo, como a emblemática indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, jamais concretizada.

Tudo será diferente agora, tempos em que o Bolsonaro da campanha parece esmaecido e o presidente está abraçado com o Centrão e recebendo conselhos de Michel Temer?

Para um dos principais artífices deste novo momento, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), forte candidato à presidência da Casa, a resposta é sim, o jogo está sendo zerado.

Fernando Abrucio* - Como as 100 mil mortes serão vistas no futuro?

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os fatos mostram a falta que faz uma liderança agregadora e com capacidade de diálogo. Não temos agora, e para deixarmos um legado mais positivo a nossos filhos e netos, teremos de encontrar uma que realize essa tarefa em futuro próximo

O número de 100 mil mortes pela covid-19 é uma tragédia sem paralelo. Basta dizer que é o dobro de óbitos do maior conflito armado em que o Brasil participou, a Guerra do Paraguai, que durou mais de cinco anos. O pior é que a pandemia ainda ceifará muitas vidas, porque a doença ainda não entrou em declínio. Mas a gravidade da situação não comove a todos da mesma maneira. Muitos se resignaram, outros reagem com desdém, como o presidente Bolsonaro e seus seguidores. Para quem compreendeu o tamanho da tragédia, a luta pela dignidade da vida humana não deve ocorrer só no presente. O que está em jogo é o que contaremos a nossos filhos e netos.

A disputa pela verdade sobre o combate à pandemia não se esgotará na análise das curvas de popularidade do presidente ou no impacto da covid-19 nas eleições municipais. Claro que são aspectos importantes para serem acompanhados. No presente, é preciso dizer todos os dias, em todos os campos da vida social e na opinião pública, que não podemos esquecer dos mortos e devemos ajudar seus entes queridos. Ademais, é preciso continuar divulgando informações científicas que ajudem a reduzir o impacto da doença. É uma luta cotidiana contra o obscurantismo, o negacionismo e o anti-humanismo.

É um desafio não esmorecer frente à parcela de brasileiros e de líderes políticos que já normalizaram a morte de cerca de mil brasileiros por dia. Mais desafiante ainda será marcar na história do país quais foram (ou têm sido) os principais erros que o Brasil cometeu e como eles podem afetar negativamente nosso futuro enquanto nação.

José de Souza Martins* - O outro lado da moeda

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A nota de R$ 200 é mais do que muitos brasileiros conseguem num mês. Já nasce como símbolo de injustiça social

O Banco Central anunciou uma nova cédula, no valor nominal de R$ 200,00, que se agregará ao elenco das cédulas existentes. Terá como efígie o lobo-guará, nova personagem do nosso zoológico monetário.

Num momento de crise das grandes compras e dos grandes estabelecimentos do varejo, os pequenos pagamentos em dinheiro pedem numerário miúdo nas compras cotidianas.

Os inventores de dinheiro têm razões para o lançamento agora da nova cédula. Uma funcionária da instituição explicou que não saiu ela do bolso do colete de ninguém, nem foi inventada em cima da hora.

Há regras de Estado para isso e até regras internacionais que o Brasil leva em conta antes de fazer um lançamento desses. A nota de R$ 200 vem sendo planejada e desenhada há muito, envolvendo um certo número de profissionais do dinheiro, como os artistas que vão cuidar da cara e da cor que terá. Tudo corre como segredo de Estado e cercado de mistério.

Claudia Safatle - “Governo precisa de um ‘Serjão’ do FHC”, diz Salim

- Valor Econômico

Há uma lista de 11 empresas que não serão privatizadas

Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercado, chegou ao Ministério da Economia às 7 horas. Era janeiro de 2019 e o seu primeiro dia de trabalho no setor público. No prédio, todas as portas estavam fechadas. Ele bateu na porta da entrada privativa, um guarda sonolento abriu e ele foi logo avisando: “Olha, eu chego todos os dias para trabalhar as 7 horas”. O guarda, no dia seguinte, já estava a postos para recebê-lo.

O tempo foi passando e todos os dias, cedo, formava-se uma rodinha de pessoas na entrada do ministério. Salim conta que ficou intrigado com a presença diária de pessoas na portaria e perguntou ao guarda quem era aquela gente. Para seu espanto, o guarda lhe disse que eram curiosos que estavam ali para ver um empresário que tinha largado a sua empresa (Localiza) para vir para o setor público ganhar mal. Para ele foi “como estar no filme ‘O Dia em que a Terra Parou’, quando a nave espacial estaciona no meio da cidade e dela desce um ET”, comparou. “Eu era um ser exótico”, concluiu. A curiosidade, porém, não se traduziu em receptividade.

Eliane Cantanhêde - Mais Brasília, menos Brasil

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro entre Guedes e gastança, liberalismo e grotões, ‘zona de impeachment’ e risco à reeleição

É falso o dilema sobre Jair Bolsonaro ser ou não ser liberal. Ele nunca foi, não é e nunca será liberal, aliás, em nenhum sentido. Ao contrário, é um típico populista, além de corporativista e estatizante como os filhos, a grande maioria dos ministros e os militares do governo. Quanto mais 2022 vai chegando, mais essa essência vai se evidenciando e menos o governo se preocupa em dissimular.

Na atribulada travessia entre 2018 e 2022, Bolsonaro joga ao mar Sérgio Moro e o combate à corrupção; o PSL, os aliados neófitos e o discurso contra a “velha política”; as manifestações golpistas contra Supremo e Congresso; as funções maçantes de presidente da República. Por que não jogar ao mar também Paulo Guedes, o teto de gastos e a promessa de enxugamento do Estado?

O candidato de 2018 foi um, o de 2022 é outro e vai saindo do armário em 2019, 2020, 2021, mas, às vezes, é preciso disfarçar. Foi o que ocorreu na quarta-feira, quando, reencarnando temporariamente a persona presidente, Bolsonaro reuniu presidentes da Câmara e do Senado, ministros, líderes e, tal qual Dom Pedro I, avisou: “Digam ao povo que fico, fico liberal”. Faltou acrescentar: “Por enquanto”.

Simon Schwartzman* - As guerras de hoje e de amanhã

- O Estado de S.Paulo

Precisamos de um setor militar mais próximo do mundo civil, não de sociedade militarizada

Dizem que a França desmoronou ante os alemães em 1940 porque se havia preparado para repetir a 1.ª Guerra, e não para enfrentar a 2.ª Guerra Mundial. A última guerra de que o Brasil participou foi a do Paraguai (não contando a Força Expedicionária nos anos 40). Desde então mantemos uma força militar que hoje custa R$ 113 bilhões ao ano e estamos sendo derrotados pela invasão do coronavírus. Claro que a pandemia não é um problema militar, mas o conceito de segurança nacional, pelo qual o País deveria estar preparado para enfrentar crises e ameaças internas e externas, deve ser muito mais amplo que o da preparação para uma eventual, e cada vez mais improvável, guerra convencional.

Isso coloca pelo menos três questões que precisarão ser aprofundadas na discussão sobre a política nacional de defesa que o Congresso deve considerar proximamente, que prevê a vinculação de 2% do PIB a gastos federais com a área militar, R$ 50 bilhões a mais.

Primeiro, pensar a estratégia militar como parte de uma política mais ampla de defesa nacional, que deve incluir também as áreas de saúde pública, educação, ciência e tecnologia, proteção ambiental, defesa civil e segurança interna. O setor público precisa se capacitar para enfrentar eventuais crises sanitárias, ambientais e sociais com propostas de estratégia e de políticas públicas equivalentes às que o Ministério da Defesa preparou para o setor militar. Os custos de equipar as Forças Armadas, assim como os custos de um sistema adequado de saúde pública e proteção ambiental, são potencialmente infinitos, é sempre possível querer mais. É preciso trabalhar dentro das restrições orçamentárias, que se tornarão extremamente fortes nos próximos anos, combinando os recursos federais com os estaduais, do setor privado e da cooperação internacional.

Elena Landau* - Falando sério

- O Estado de S.Paulo

Ao choro dos descontentes se junta Paulo Guedes, o chefe de Salim Mattar

Salim Mattar deixou a Secretaria de Desestatização com um saldo positivo: uma estatal a mais. Nestes 19 meses que esteve no comando do programa, descobriu que os tempos no setor público são diferentes do privado, que o establishment resiste à venda de estatais e Bolsonaro não gosta de privatização. E os Beatles são realmente os Reis do Iê-iê-iê.

Falando sério. Sair atirando no presidente é fácil. Ao choro dos descontentes se junta seu chefe, Paulo Guedes. Vou usar uma palavra forte. Hipocrisia. Guedes foi fiador do candidato Bolsonaro. Dizia que faria em um ano o que os outros não tinham conseguido em 30. Prometeu trilhões com venda de ativos. Mattar nunca contestou esses números, ainda que não tenha incluído nenhuma estatal relevante no programa de desestatização. Nem Valec!

Na eleição de 2018, havia muitas opções liberais entre candidatos e assessores. Nomes de primeira linha e com experiência comprovada na vida pública, como Henrique Meirelles, Persio Arida e Gustavo Franco. Guedes fugiu de todos os debates. Afinal, era o “liberal dos liberais”. Não precisava dar explicações. Dizia que bastava convicção, o que teria faltado a todos antes dele, para mudar o País.

Celso Ming - Falta gasolina no Posto Ipiranga

- O Estado de S.Paulo

Não faltam nomes para apaziguar o mercado, mas a questão é saber o que Bolsonaro quer

E se o ministro Paulo Guedes também debandar, como certas vezes ameaçou?

Naquela fatídica reunião ministerial de 22 de abril, o ministro abateu com alguns mísseis verbais o tal Plano Pró-Brasil, que os populistas da hora, liderados pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, queriam impor ao governo, como se se tratasse de nova proposta redentora, tipo Plano Marshall. Pareceu, então, que Bolsonaro não estaria disposto a se meter em aventuras.

Mas, de lá para cá, embora siga sendo prestigiado “de boca”, o Posto Ipiranga vai perdendo gasolina, não apenas em sua equipe de notáveis, mas principalmente pela pobre acolhida a sua pauta liberal de reformas. É uma situação esdrúxula que, por si só, encoraja os políticos sempre favoráveis à gastança a aumentar a pressão por políticas supostamente keynesianas, que criariam fartas despesas de cunho desenvolvimentista.

Na última segunda-feira, a maneira inconformada como admitiu “a debandada” de sua equipe mostrou que o ministro Paulo Guedes denunciava a falta de respaldo do presidente ao cumprimento do que prometeu na campanha.

Alguns analistas vêm advertindo que eventual saída de Guedes produziria o caos na economia. Não é por aí. Bolsonaro sempre teria substitutos capazes de amansar o mercado. Poderia convocar o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que vem mostrando compromisso com a ortodoxia. Poderia aderir ao “chama o Meirelles”, que já foi Banco de Boston, governo PT, governo Temer, Grupo JBS, candidato a presidente da República e hoje é secretário do governador João Doria. E há outros. Não faltam nomes que apaziguariam temporariamente o mercado.

Bernardo Mello Franco - Ocultação de cadáveres

- O Globo

O general Eduardo Pazuello resolveu tratar a Organização Mundial da Saúde como seu chefe trata os grupos de zap. Ontem o ministro interino participou de videoconferência com todos os países que integram a entidade. Ao falar da pandemia, omitiu as mais de 105 mil mortes já registradas no Brasil.

Pazuello se limitou a dizer que o país contabiliza 2,3 milhões de sobreviventes da Covid. “Estamos entre os líderes mundiais em pacientes recuperados”, festejou. Ele acrescentou que o número “evidencia o acerto das ações do governo”. Faltou lembrar que o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de mortos e infectados. Só fica atrás dos EUA, que também menosprezaram a doença.

Na reunião, o general declarou que o governo tem “compromisso inequívoco com a transparência de dados” sobre a pandemia. Imagine se não tivesse. Na gestão dele, houve uma operação para maquiar números e esconder cadáveres. O ministério atrasou boletins e deixou de informar o total de mortos. Foi obrigado a voltar atrás por ordem do Supremo Tribunal Federal.

Nelson Motta - Antifa, eu?

- O Globo

Mas podem me chamar de antifascista

A expressão antifascista, naturalmente, nasceu com o fascismo, depois da Primeira Guerra Mundial (1914/18). Já sua redução para antifas aconteceu em 1930, na Alemanha, pelos opositores de Hitler e do fascismo, pela dificuldade de pronunciar antifascista em alemão. Noventa anos depois, Donald Trump se apropriou da expressão, tirando seu caráter libertário e usando-a para designar como terroristas todos os movimentos sociais de protesto, chamando-os de antifas. A palavra é tão boa que parece uma criação do marketing político americano, remete a sonoridades árabes, a “intifada”, é ótima para aterrorizar a base eleitoral de Trump, que nem sabe o que é fascismo. Antifa, com Trump fazendo biquinho, só pode ser coisa ruim. Parece uma doença. Uma organização secreta capaz de provocar uma antifada.

Os antifas de verdade não usam turbante e nem são necessariamente de esquerda, são democratas, liberais, independentes, lutando para recuperar seu significado no campo de batalha das redes sociais contra a apropriação de Trump, que já tem sua versão cabocla de Eduardo Bananinha, fake do fake, que dá a antifas o sentido tosco de terroristas internacionais que querem derrubar o Jair.

Flávia Oliveira - Crime sem trégua, que cansa

- O Globo

Ficamos nós, negras e negros brasileiros, à espera do próximo caso a ser gravado

O racismo não dá trégua. Nunca deu. Por muito tempo, não dará. Na esteira dos protestos nos Estados Unidos pelo assassinato de George Floyd, homem negro asfixiado até a morte por um policial branco, o assunto entrou no raio de visão de uma sociedade, a brasileira, até então acomodada aos antolhos da democracia racial. Dimensões variadas do racismo nacional passaram a ser percebidas e escancaradas e denunciadas. De uma hora para outra, avolumam-se os episódios, num processo assemelhado à multiplicação dos registros de violência doméstica após a Lei Maria da Penha, de assédio sexual a partir da campanha Me Too, de intolerância religiosa depois que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro explodiu em ataques aos terreiros de candomblé e umbanda. Como resumiu o ator Will Smith, sobre os EUA, o crime não aumentou, está sendo filmado. A vocês, preciso confessar: é tão relevante quanto exaustivo.

Para pessoas negras, usando uma expressão da moda, falar de racismo é gatilho. Só falar de racismo, enlouquecedor. Em plena pandemia da Covid-19, o Brasil se mostrou disposto encarar o espelho da desigualdade racial que o forjou. Que bom. É todo dia um 7 a 1. Que péssimo. Ficamos nós, negras e negros brasileiros, à espera do próximo caso a ser gravado, escrutinado, comentado. Os últimos dias foram fartos de exemplos nefastos. Quando fazia uma entrega num endereço em Valinhos, o jovem Matheus Pires sofreu discriminação por raça e classe, dimensão interpessoal do crime, como tão bem cunhou Jurema Werneck, diretora da Anistia Internacional Brasil, na reunião pública organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para tratar de igualdade racial no sistema judicial.

As promessas do presidente – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao fazer pronunciamento para dizer que está comprometido com o teto de gastos, ficou claro que Jair Bolsonaro foi obrigado a dar satisfação a Paulo Guedes

Em tom solene, o presidente Jair Bolsonaro fez anteontem um rápido pronunciamento para dizer que seu governo respeita o teto de gastos e está comprometido com a responsabilidade fiscal. Malgrado o fato óbvio de que a obediência tanto ao limite constitucional para o crescimento das despesas públicas como às leis que demandam o equilíbrio das contas nacionais não é mais que obrigação do presidente, trata-se de uma declaração de princípios que vem em muito boa hora.

Para conferir ares de compromisso sério, o presidente deu as declarações ao lado dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre, e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro havia se reunido com todos eles ao final de um dia tumultuado, sob o impacto da notícia de que dois dos principais assessores do ministro Paulo Guedes haviam pedido demissão alegando frustração com o ritmo das reformas e das privatizações.

Estava claro que Bolsonaro foi obrigado a dar uma satisfação em primeiro lugar não aos cidadãos, mas a seu ministro da Economia. No dia anterior, Paulo Guedes havia dito que o presidente corria risco de impeachment caso insistisse na trilha da irresponsabilidade fiscal, defendida, segundo o ministro da Economia, por colegas da Esplanada os quais apelidou de “ministros fura-teto” – isto é, que insistem na expansão dos gastos públicos, por meio de dribles no teto, para realizar obras de infraestrutura com o objetivo de impulsionar a economia e, por tabela, melhorar o capital eleitoral do presidente.

Bolsonaro em alta – Editorial | Folha de S. Paulo

Presidente se livra do desgaste causado pela pandemia, mostra Datafolha

Depois de ter mantido a aprovação de quase um terço dos eleitores enquanto menosprezava a pandemia e confrontava os outros Poderes, o presidente Jair Bolsonaro obtém agora sua melhor avaliação desde que assumiu o posto, na série de pesquisas do Datafolha.

Levantamento dos dias 11 e 12 deste mês mostra que 37% dos entrevistados consideram o governo ótimo ou bom, uma evolução considerável ante os 32% que externavam a mesma opinião em junho.

A mudança é fortalecida pelo fato de se ter verificado queda ainda mais acentuada na rejeição, que voltou a patamares do início do mandato. Os que classificam o desempenho do governo como ruim ou péssimo encolheram de 44% para 34%, e a gestão passou a ser vista como regular por 27%, fatia acima dos 23% da pesquisa anterior.

Em que pese o avanço ainda acelerado da Covid-19, que já resultou em mais de 100 mil mortes no país, a imagem do governo melhorou em todas as faixas de renda. Entre os mais pobres, com renda até dois salários mínimos, a aprovação agora supera a rejeição (35% a 31%).

A reprovação é mais elevada entre os mais ricos e escolarizados, mas caiu da faixa de 52% e 53% em junho para 47% agora.

Biden fecha chapa inclusiva contra populismo de Trump – Editorial | Valor Econômico

Trump sempre aposta na divisão e na confusão e essa pode ser sua última chance

No início da campanha eleitoral, o presidente Donald Trump governava um país com a economia em boa forma e, favorito, esfregava as mãos de satisfação ao ver que, nas primárias democratas, seus rivais estavam empurrando o partido cada vez mais para a esquerda, o que facilitaria ainda mais sua recondução ao cargo. A 80 dias da votação, tudo mudou: Trump está atrás do democrata Joe Biden até mesmo em Estados nos quais derrotou Hillary Clinton em 2016, a economia americana ainda não se livrou da ameaça do coronavírus, o desemprego supera dois dígitos e os democratas fizeram o caminho de volta ao centro, ainda que não toda ele.

Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama, fez uma escolha politicamente sábia ao indicar para companheira de chapa Kamala Harris, negra, filha de imigrantes, promotora e senadora pela Califórnia. Ela ficou para trás nas primárias democratas, onde suas ideias nem sempre claras não encontraram espaço entre a moderação com viés progressista de Biden e o radicalismo (nos termos da política convencional dos EUA) dos dois candidatos mais conhecidos à esquerda, os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren. Tido como azarão, Biden venceu a indicação democrata sem despertar entusiasmo, mas alívio, no establishment partidário.

Descaso de Bolsonaro com a Amazônia continua a dar prejuízo – Editorial | O Globo

A visão conspiratória impede o presidente de entender a real dimensão da questão ambiental

O meio ambiente continua a ser problema no governo Bolsonaro. A leniência perante os crimes ambientais, em especial na Amazônia, vem desde a campanha eleitoral. A preocupação começou a crescer antes da posse. Entre novembro e dezembro de 2018, grandes empresas do agronegócio já alertavam o futuro presidente para o risco de boicote às exportações de alimentos, devido ao descaso com a preservação ambiental. A participação de Bolsonaro na cúpula de países da região amazônica, na terça-feira, prova que ele nada aprendeu em um ano e meio de governo.

Continua com a mesma percepção equivocada do que acontece na Amazônia. Enquanto o vice, Hamilton Mourão, admitia que a destruição avançou no ano passado, Bolsonaro, no melhor estilo negacionista, tachou de “mentira” que a floresta “arde em fogo”. Os fatos são outros. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou em julho 6.803 focos de incêndio, ante 5.318 no mesmo mês de 2019. Bolsonaro afirmou que o desmatamento retrocedeu em relação a 2019, desprezando o avanço de 34% em 12 meses, o maior em uma década. Não é verossímil acreditar que o mundo vá ignorar o que acontece numa das regiões mais esquadrinhadas do planeta.

Rio precisa de um plano sensato para volta às aulas – Editorial | O Globo

Estudos mostram que afastamento prolongado da escola pode trazer sérios prejuízos para as crianças

Desde que governadores e prefeitos começaram a flexibilizar as medidas de isolamento, em junho, um dos maiores desafios, se não o maior, tem sido a decisão sobre a volta às aulas. Falta consenso, não só entre os diferentes níveis de governo, como entre os atores envolvidos e até entre os cientistas. Talvez isso explique por que grandes cidades, como São Paulo, Rio ou Belo Horizonte, ainda mantenham os alunos afastados. Mas a questão precisa ser enfrentada. Não é pequeno o impacto da falta de aulas presenciais para as crianças. Ficar em casa pode ser pior.

Não se deve imaginar que em casa, mesmo com ensino remoto, elas não tenham prejuízos. Nos Estados Unidos, a Associação Americana de Pediatria (AAP) ressaltou que o tempo longe da escola e a interrupção dos serviços de apoio resultam em isolamento e tornam difícil corrigir dificuldades no aprendizado. Estudo do epidemiologista Wanderson de Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde, mostra que o fechamento de escolas pode pôr em risco a segurança dos alunos, com consequências potencialmente irreversíveis. Cita que 30% das crianças em quarentena desenvolvem critérios clínicos para diagnóstico de um transtorno psíquico conhecido como estresse pós-traumático. A violência doméstica é outra preocupação. No Rio, as denúncias aumentaram 50%. E é indiscutível a falta que a merenda faz.