domingo, 13 de setembro de 2020

Entrevista | Sérgio Abranches: ‘O alarme para o risco à democracia soou nos EUA, mas ainda não no Brasil’

Ao lançar novo livro sobre direita populista, cientista político avalia que pandemia explodiu ideia da ‘austeridade sem limites’ e afirma que isolamento de Bolsonaro aumentará mesmo que Trump se reeleja

Claudia Antunes | O Globo

RIO — O cientista político e sociólogo Sérgio Abranches acaba de lançar mais um livro, “O tempo dos governantes incidentais”, no qual analisa a ascensão de lideranças populistas autoritárias, em geral de extrema direita. Para Abranches, esse fenômeno é fruto da combinação de uma época de mudanças estruturais vertiginosas — provocadas pela globalização financeira e a revolução tecnológica e científica, sob o pano de fundo das mudanças climáticas — com o fracasso das forças políticas democráticas tradicionais em apresentar respostas a elas.

No livro, ele observa que tampouco o nacionalismo autoritário tem um programa para a transição em curso, o que pode indicar que sua ascensão será breve. Em entrevista ao GLOBO, Abranches analisou o cenário global à luz do impacto provocado pela pandemia da Covid-19 e da próxima eleição nos Estados Unidos. Para ele, as forças sociais e políticas de oposição a Donald Trump estão agindo de maneira mais ágil e coordenada diante da percepção dos riscos à democracia representados pelo republicano do que a oposição ao presidente Jair Bolsonaro no Brasil.

• A pandemia trouxe a promessa de equalização, porque o vírus não distingue ninguém, mas aprofundou desigualdades. Ela exige cooperação internacional, mas acentuou nacionalismos. O que vai predominar?

O que a pandemia fez foi acentuar o crescimento da desigualdade que já estava associada à globalização recente, mas isso aumenta a consciência de que há um fosso que precisa ser eliminado. Pessoas que tiveram que recorrer ao mesmo tipo de assistência médica que os pobres viram o que é a vida da maioria. Ela também produziu uma solidão forçada, que não é por escolha individual. Com isso, interrompe o isolamento social voluntário e cria mais laços de solidariedade. Isso ajuda a espanar a polarização ideológica e deixar claro que nem tudo que a esquerda diz que se deve ter, como o gasto público em saúde, é mau. A pandemia torna a sociedade mais amigável a uma outra visão, de oposição a esses governos de extrema direita. Ela também chama atenção para que o isolacionismo não tem cabimento nessa situação. O governo brasileiro vinha memetizando os EUA e rejeitando tudo o que é chinês, e de repente tem que cooperar com a China na questão da vacina. Mas a pergunta é: será que vão surgir lideranças capazes de fazer essa ponte entre a polarização pré-pandemia e a vida pós-pandemia? Aí é uma dúvida, porque os partidos estão todos oligarquizados.

• No livro, o senhor fala em uma polarização positiva, com projetos que disputam o poder, e na negativa...

A positiva é aquela que põe as diferenças dentro de certos limites, que não faz terra arrasada do passado inteiro. Sobretudo porque passamos por mudanças estruturais incontroláveis. Vamos destruir uma quantidade enorme de empregos. Não se vai restaurar os mesmos empregos, é preciso criar novos. Tem uma série de respostas que exigem lideranças que pensem em longo prazo, não as que resistem à mudança por causa do medo, da incerteza, do ressentimento.

• Na pandemia, muitos países abandonaram o que o senhor chama de paradigmas econômicos obsoletos. Ela porá em questão o capitalismo financeiro globalizado?

Isso vai ser objeto de luta política. Mas o próprio capitalismo está se transformando tão rapidamente que essa ideia de uma austeridade radical não vai se sustentar mais. Mesmo no Brasil, onde estamos supostamente com um comando ultraliberal na economia, ficou claro que o consenso pela austeridade sem limites se rompeu. E não é voltarmos ao Estado de bem-estar anterior, porque ele não responde mais à crise da rede de proteção social, que foi pensada para um tipo de trabalhador que está deixando de existir. A rede não alcança esse mundo da economia do conhecimento, que não tem o mesmo vínculo empregatício nem o mesmo horizonte de trabalho que tinha o trabalhador anterior.

Não tem receita. A única coisa que sabemos é que determinadas coisas têm que ser mantidas funcionais porque descobrimos que a previsão científica estava certa, e que teremos mais pandemias no futuro por causa do avanço do mundo construído sobre o natural e pela abertura de fronteiras. Haverá mudanças, e uma delas, mais imediata, é na própria economia. Os países se deram conta que não dá para se livrar das cadeias de suprimento globalizadas, mas que há algumas pontas da cadeia que é preciso controlar, porque um colapso do suprimento produz um colapso nas economias locais e global. A ideia de que você deve investir só no mais barato deixou de fazer sentido, porque com isso você desvaloriza todos os ativos em que o capital está investido. A recessão acaba produzindo perdas para o mercado financeiro também.

Merval Pereira – Sobre as mentiras

- O Globo

Lendo sobre as mentiras do presidente dos Estados Unidos Donald Trump sobre Covid-19 me veio à mente o livro sobre a mentira como instrumento de política internacional de John Mearsheimer, professor de ciência política e co-diretor do Programa em Política de Segurança Internacional na Universidade de Chicago, publicado no Brasil pela Editora Zahar.

Duas conclusões básicas do livro " Por que os líderes mentem" de Mearsheimer são que líderes de países democráticos mentem mais do que os autocratas, pela simples razão de que os ditadores controlam as informações, e os democratas precisam ganhar o apoio dos cidadãos para tomar decisões; e que líderes políticos e seus representantes diplomáticos dizem a verdade mais do que mentem entre si.

O caso de Trump não se enquadra na primeira, pois ele mentiu não para ganhar o apoio dos cidadãos, mas para transmitir informações falsas na tentativa de dar a impressão de um poder que não tinha. Dizia que os Estados Unidos estavam preparados para combater “o vírus chinês”.

Essa é uma posição costumeira em líderes, que usam contra-informações para espelhar uma imagem de força. Mas fazem isso, geralmente, contra adversários políticos, não contra seus próprios cidadãos. Trump alega que não mentiu, mas omitiu informações para não instalar o pânico na população.

Eliane Cantanhêde - De quem é a culpa?

- O Estado de S.Paulo

A crise do Rio confirma que a culpa da descrença na política não é da Lava Jato, é de políticos

Quem tem certeza de que a culpa pela eleição de Jair Bolsonaro, o esfarelamento do PT e a desgraça dos partidos, da política e dos políticos é da Lava Jato e da mídia deve parar, pensar e olhar o que acontece no Rio de Janeiro, um dos três estados mais importantes, que abriga o cartão postal do Brasil no mundo. Ali, não sobra pedra sobre pedra.

A crise no Rio é moral, ética, política, econômica, financeira, social, de segurança, de saúde, de educação... Isso tudo não é resultado da Lava Jato e da cobertura da mídia. Ao contrário, veio à tona exatamente porque houve um mergulho dos órgãos de investigação no que vinha ocorrendo e se eternizando e porque a mídia registrou. Ou melhor, revelou.

Sérgio Cabral não existiu por causa da Lava Jato, mas a Lava Jato existiu por causa dos Sérgio Cabral. Ele virou o que virou pela impunidade, ela surgiu contra a impunidade. A roubalheira ficou tão fácil que foi crescendo a perder de vista, contaminou instituições, dragou belas biografias, operou com quantias de tirar o fôlego. A corrupção no Brasil e no Rio se mede aos muitos milhões, aos bilhões de reais.

Os últimos cinco governadores do Rio estão na cadeia ou passaram por ela, ex-presidentes e líderes da Assembleia Legislativa também, a cúpula do Tribunal de Contas desmoronou. O atual governador, Wilson Witzel, está afastado e toda a linha sucessória comprometida: o vice em exercício, Cláudio Castro, e o presidente da Alerj, André Ceciliano, acabam de ser alvos de busca e apreensão.
Ceciliano é do PT, mas Witzel e Castro são do PSC, da linha de frente de apoio ao governo federal e presidido pelo Pastor Everaldo, que acaba de ser preso, é acusado também de ter ganho R$ 6 milhões para fingir ser candidato a presidente para insuflar a candidatura de Aécio Neves, do PSDB, e foi quem batizou Bolsonaro no rio Jordão, em Israel.

Vera Magalhães - Mudaram as estações

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro pode viver, em plena campanha eleitoral, a ‘ressaca’ do auxílio

O presidente Jair Bolsonaro viveu nos dois últimos meses uma espécie de “primavera” antecipada num ano para lá de tumultuado – em grande parte, graças a ele próprio, como gosto sempre de frisar.

O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 (com exceções que faziam com que pudesse chegar ao dobro) ao longo de cinco meses foi um antídoto à queda de popularidade recorde que ele experimentara graças à pandemia e aos descalabros que cometeu em seu curso. Como a economia é, sempre, o vetor principal para que a população avalie o governante, antes e agora, aqui e alhures, Bolsonaro colheu os frutos de um dinheiro direto na mão de quem mais precisava, que evitou um colapso econômico e social ainda maior do que poderia ter sido ocasionado pela pandemia.

Medida correta, inevitável e, é sempre bom lembrar, fruto em grande parte da decisão do Congresso de contrariar o valor de R$ 200 inicialmente proposto pelo governo. Houve um “leilão” com ganho para os mais desassistidos no qual os parlamentares propuseram R$ 500 e Paulo Guedes arrematou com R$ 600.

Mas sempre se soube que o benefício era temporário e que, principalmente, o valor, polpudo em comparação com os outros benefícios sociais perenes, como o Bolsa Família, que atinge 13,9 milhões de pessoas com valores que variam pela composição familiar, mas não passam de R$ 205, era impraticável no médio prazo.

Pedro S. Malan* - Apesar de tudo, a esperança não morre

- O Estado de S.Paulo

Espero que não nos deixemos abater por desalento, desencanto e excessivo ceticismo

"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço” (Ítalo Calvino, "Cidades Invisíveis"). Angústias acerca do Brasil de hoje me levam a recorrer a Calvino, a quem voltarei ao final deste artigo.

Há mais de 26 anos temos uma moeda dotada de relativa estabilidade de poder de compra. Há mais de 21 anos temos um regime cambial de taxas flutuantes que vem servindo bem ao Brasil, bem como um regime monetário de metas de inflação que também vem servindo bem a este país, que até o Real detinha o desonroso título de campeão mundial da inflação acumulada (do início dos 1960 ao início dos 1990).

Há mais de 20 anos deveríamos também ter um regime fiscal sólido. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada pelo Congresso Nacional em maio de 2000, consolidava relevantes avanços dos anos 90: a renegociação das dívidas de 25 Estados e cerca de 180 municípios, a reestruturação do sistema financeiro por meio do Proer e do Proes, este último voltado para os bancos estaduais, então mais de 30. E a implementação rigorosa do programa fiscal para 1999-2001, anunciado pelo governo federal ainda em 1998.

A LRF foi, desde o início, contestada por aqueles, numerosos, que acreditam que a responsabilidade fiscal é incompatível com responsabilidade social e com crescimento econômico. Trata-se de grave equívoco, traduzido de forma eloquente na famosa expressão “gasto é vida”. É a ideia de que a maior parte do gasto público, na verdade, não é gasto, mas um “investimento no futuro” – ainda que se trate de custeio, salários, isenções, deduções e desonerações de impostos e gastos financiados com créditos subsidiados. É a crença de que a expansão da demanda promovida pelo governo cria sempre sua própria oferta doméstica. Esse caminho foi definido em 2006, acentuado na crise de 2008-2009 e levado ao extremo em 2014 para assegurar a reeleição.

Rolf Kuntz* - Na chanchada populista só faltou cloroquina contra a inflação

- O Estado de S.Paulo

Câmbio também afeta os preços e o maior fator de instabilidade mora no Alvorada

Arroz caro e populismo barato marcaram mais uma semana da grande chanchada política nacional. O presidente pediu patriotismo para conter os preços e perguntou como deter a alta do dólar. O Ministério da Justiça virou fiscal da inflação e prometeu “coibir aumentos arbitrários”, em conflito com os critérios do “posto Ipiranga”. O ministro da Educação lamentou a condição espiritual de jovens descrentes, convertidos, segundo ele, em “zumbis existenciais”. Contaminado pelo coronavírus pouco depois de chegar a Brasília, esse cavalheiro virou garoto-propaganda da cloroquina, curou-se e reapareceu como pregador. Quais seus planos para o setor educacional? Na sexta-feira o Procon de São Paulo também anunciou a disposição de examinar os preços da cesta básica.

Não ficou claro se o pessoal do Procon agirá como fiscal do Bolsonaro, do Doria ou de ambos. No tempo dos fiscais do Sarney a Polícia Federal chegou a caçar animais no pasto. Um dos efeitos do controle de preços, aplicado no final da cadeia, foi tornar o boi magro mais caro que o boi gordo. A maior especulação, comentou o então deputado Delfim Netto, seria levar o boi gordo para a sauna e fazê-lo emagrecer para aumentar seu preço.

Muito mais grotesca é a situação de hoje. Não há mais como levar a sério as velhas políticas de controle, depois de tanta experiência no Brasil, na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos. A última aventura americana ocorreu no governo do presidente Nixon – isso mesmo, um republicano.

Luiz Carlos Azedo - Mais mulheres e negros no pleito

-Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A maior distribuição de recursos do fundo eleitoral para as mulheres e os negros deve aumentar a participação feminina nos espaços de poder e combater o “racismo estrutural”

Não existe tradição política mais forte no Brasil do que as eleições de vereadores. Elas antecederam tudo o que existe institucionalizado em nosso país, a partir da for- mação da primeira Câmara Municipal, em 1532, na Vila de São Vicente. Vêm de uma tradição medieval portuguesa, que foi fundamental para a consolidação de seu império colo- nial, da conquista de Ceuta (1415) à devolução de Macau à China (1999), ao lado das beneficências e santas casas. No caso de São Vicente, foi a alternativa encontrada por Martim Afonso para se- dimentar a presença portuguesa, depois do fracasso de suas expedições à bacia do Prata por terra, na qual desapareceram 70 homens, e por mar. Ele próprio naufragou num baixio, frustrando o objetivo de subir o Rio Paraná e penetrar no continente, como o rei Dom João III ordenara.

Depois que Martim Afonso voltou a Portugal,a vila de São Vicente ficou completamente abandonada por duas décadas. Era um povoado formado por náufragos, degradados e marinheiros, o isolamento fez com que seus moradores adotassem os costumes indígenas e a língua franca tupi-guarani, sem a qual seria impossível o escambo serra acima, em conexão com os caciques Tibiriça, Caiubi e Piquerobi, todos tupi, e os náufragos João Ramalho e Antônio Rodrigues, que comandavam um exército de 20 mil homens pelo sertão adentro, a partir da localidade de Piratininga, às margens do rio Anhembi (Tietê). Tibiriça e os genros transfeririam-se para o campo de São Bento, onde se instalou o Colégio São Paulo, catequizados pelo jesuíta Manoel da Nóbrega, para fundar a maior cidade do país, São Paulo.

Bernardo Mello Franco - O Rio na mira corsários

- O Globo

Completou ontem 309 anos a invasão do Rio pela tropa de Duguay-Trouin. O corsário francês adentrou a Baía de Guanabara em 12 de setembro de 1711. Comandava uma esquadra de 17 navios e mais de 5.800 homens, com ordens do rei Luís XIV para levar o que estivesse ao alcance. Assustado, o governador abandonou a cidade à própria sorte. Os bucaneiros ameaçaram destruir tudo se não recebessem o resgate desejado. Partiram com 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar e 200 bois.

Passados três séculos, o Rio continua a conviver com pilhagens. Os novos corsários falam português e dispensam o uso de fragatas. Acessam o cofre com a permissão do eleitor.

O carioca parece não ter aprendido com os saques de Sérgio Cabral. Já está mergulhado em novos escândalos, com o governador afastado e o prefeito na mira da polícia. Nos últimos dias, três operações ampliaram a sensação de naufrágio da cidade. Elas ocorrem às vésperas da eleição municipal.

Os dois principais candidatos terminaram a semana sob artilharia. Na terça-feira, Eduardo Paes virou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois. O ex-prefeito é acusado de receber R$ 10,8 milhões em repasses ilegais da Odebrecht em 2012. Ele se disse vítima de uma armação eleitoral.

Elio Gasparí - Os e$quemas do $istema $

- O Globo / Folha de S. Paulo

Assim é o Sistema S. Faz homenagens e tem uma bela caixa, pela qual ao longo dos tempos já passou muita gente boa

Em dezembro de 2018, durante aquele doce período que antecede a posse de um governo, o doutor Paulo Guedes disse que era preciso “meter a faca” no Sistema S. Falava daquele conglomerado de instituições que tiram da veia do sistema produtivo até 2,5% do valor das folhas de pagamento das empresas, um ervanário que vai cerca de R$ 18 bilhões anuais.

Esse era o tempo em que Guedes acreditava ser um superministro. Em agosto de 2019 o presidente Jair Bolsonaro foi ao Piauí e inaugurou a Escola Jair Messias Bolsonaro. De quem era a escola? Do Sesc, uma das joias do Sistema S. Valdeci Cavalcante, presidente do Sesc-PI, esclareceu: “Não estamos homenageando o Bolsonaro. Ele é que irá nos homenagear se aceitar colocar seu nome em nossos anais.”

Assim é o Sistema S. Faz homenagens e tem uma bela caixa, pela qual ao longo dos tempos já passou muita gente boa. Em dois anos de ministério, Paulo Guedes não meteu sequer um canivete por esse lado sombrio do andar de cima nacional.

Felizmente, graças à Lava-Jato do Rio, e à colaboração do mandarim Orlando Diniz que começou a mandar na Fecomércio do Rio em 2004, destampou-se um dos panelões do Sistema S no Rio. Ali fraudavam-se contratos com escritórios de advocacia para corromper magistrados, fiscais, e quem estivesse a fim de receber um dinheirinho fácil.

Míriam Leitão - Estados e os nós da reforma tributária

- O Globo

Quem está otimista com a aprovação da reforma tributária deve prestar atenção no que disseram cinco governadores. Ronaldo Caiado, de Goiás, alerta que o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro será “o Judas a ser malhado” e que os impasses começarão assim que o texto for apresentado. Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, diz que o governo federal dificulta a tramitação do projeto, pela sua postura de confronto e má comunicação. Renato Casagrande, do Espírito Santo, acha a proposta da equipe econômica tímida. Helder Barbalho e Rui Costa temem que os estados percam autonomia sobre as suas receitas, com a criação de um fundo único de repasse dos recursos.

São muitos os nós da reforma tributária, e a visão dos governadores, que participaram de um evento promovido pela Febraban semana passada, mostra que o tema continua longe de consenso para votação. Além das dificuldades usuais de se passar uma PEC dessa natureza, há outros agravantes: o texto terá que ser votado em momento de crise, quando todos os entes da federação estão com perda de receitas, o governo federal não enviou sua proposta na íntegra, e uma coleção de projetos de emendas à constituição foi enviada ao mesmo tempo ao Congresso.

— Estamos todos de acordo com a necessidade da reforma tributária. Mas na hora que se redigir a primeira lauda será cada um para um lado. Já não concordo aqui, já não concordo acolá. A disputa começa mesmo quando se coloca no papel — alertou Ronaldo Caiado.

Bruno Boghossian - Presidencialismo de compadrio

- Folha de S. Paulo

Presidente explora relacionamentos para substituir critérios técnicos e respeito à lei

Jair Bolsonaro ainda não tinha ameaçado fechar o STF nenhuma vez quando tentou fazer um aceno a Luiz Fux, em julho do ano passado. “É o futuro presidente do Supremo. Tenho que começar a namorá-lo a partir de agora”, brincou, antes de receber o ministro no Planalto.

O presidente não demonstrou o mesmo afeto por outros integrantes do tribunal nos meses seguintes, mas agora parece interessado em mudar esse padrão. Durante uma cerimônia no interior da Bahia, na última sexta-feira (11), ele reforçou o flerte. “Aos poucos, estamos nos aproximando cada vez mais das autoridades do Judiciário”, anunciou.

Bolsonaro enxerga o exercício de seu poder sob a ótica de uma espécie de presidencialismo de compadrio, em que esses laços se sobrepõem ao respeito institucional. Ele certamente não é o primeiro governante a adotar o modelo, mas transformou essa característica numa marca de suas relações políticas.

Hélio Schwartsman - Zumbis existenciais

- Folha de S. Paulo

Para o filósofo Martin Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor

Para o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros em zumbis existenciais. Segundo o religioso, a ausência de absolutos e de certezas faz com que vivam uma vida sem propósito nem motivações.

Será? Em “This Life” (esta vida), um dos melhores livros que li na pandemia, o filósofo Martin Hägglund (Yale) defende o avesso da posição do ministro. Para Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor. Se pessoas e coisas fossem eternas, aí sim é que não encontraríamos a motivação para nos ocupar delas ou nos importar com seu futuro. A própria ideia de futuro depende da possibilidade de corrupção. A eternidade seria um presente sem fim.

Há, sim, um elemento de fé, já que nos importamos com as coisas que nos são caras mesmo sabendo que elas desaparecerão, mas é o que Hägglund chama de fé secular, que não é compatível com a fé religiosa. Para o filósofo, a fé religiosa tenta nos fazer abandonar a fé secular, convencendo-nos de que nosso objetivo deve ser o de transcender à finitude. Como consequência, esta vida perde seu valor, convertendo-se em estado transicional do qual precisamos ser salvos.

Ruy Castro* - Drama por trás da cortina

- Folha de S. Paulo

Todo o teatro está sofrendo, mas os encarregados das funções invisíveis não podem mais esperar

Há quem prefira rodeios, shows de cantores sertanejos ou carreatas políticas. Para mim, poucas coisas engrandecem tanto a experiência humana quanto o teatro. É exercido por pessoas que, ao se despirem de si mesmas para encarnar outras, falam de cada um de nós na plateia. É assim desde os gregos, há mais de 2.000 anos, e continuará a ser pelos próximos 2.000. Só precisa ser ao vivo, sujeito tanto a um ator hesitar numa fala como a dizê-la de modo fabuloso, inigualável —e, nos dois casos, essa fala se dissipará assim que o ator acabar de dizê-la.

A maioria de nós, espectadores, só tem olhos para os atores. Por serem os únicos à vista, e como queremos acreditar no que estamos vendo, tendemos a achar que só eles importam. São raros os que, às vezes, despertamos dessa ilusão e nos lembramos de que, por trás do palco, há o diretor, os figurinistas, cenógrafos, iluminadores, diretores musicais, diretores de palco, produtores, visagistas, coreógrafos. Sem falar numa figura essencial, cuja inspiração permitiu começar tudo —o autor.

Janio de Freitas – Tumulto será pouco

- Folha de S. Paulo

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal

Em situações de insegurança para o Estado democrático de Direito, a esperança de sustentação da ordem constitucional volta-se para o Supremo Tribunal Federal.

Desde 2018, tal ordem e o próprio Supremo são alvos de ataques que não se fundamentam em críticas, mas em propósitos contrários ao regime democrático. Com essas duas realidades à mão, estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia.

A dimensão das responsabilidades do Supremo não admite a passividade com que, como instituição e ressalvadas algumas atitudes individuais, deixou-se diminuir por agressões reiteradas e crescentes de Bolsonaro e bolsonaristas profissionais ou amadores.

Dias Toffoli enfraqueceu-o mais com sua própria fraqueza, que o levou até a um acordo de pretenso comprometimento do Supremo com Bolsonaro. Não entendeu o que é o Supremo na independência dos Poderes. Não entendeu o seu dever diante dos ataques ao Supremo, à Constituição e à democracia, dos quais teve a mísera coragem de dizer que não os viu, nunca.

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal. Até hoje não mostrou as condições técnicas e pessoais convenientes ao tempo político em que vai presidir o Supremo.

Bolsonaro quer a reeleição. Os militares bolsonaristas querem a reeleição, admitidas ambições particulares de um ou outro. E esse objetivo significa mais do que um plano político, aliás, já com dedicação plena e exclusiva de Bolsonaro.

Vinicius Torres Freire – As duas farsas de Moro e Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Ex-juiz pode interrogar presidente sobre a intervenção na Polícia Federal

Sergio Moro pode interrogar Jair Bolsonaro. O ex-juiz poderá inquiri-lo no processo sobre a intervenção do presidente na Polícia Federal, mas agora como réu, investigado.

A cena faz parte de duas farsas, uma delas obra pronta, outra em progresso. As duas contam um pouco da história da nossa viagem ao fundo da noite.

Na primeira peça, o lavajatista-mor torna-se colaborador do bolsonarismo, é escorraçado do governo feito um bagaço e então tenta refazer a carreira política ao acusar um ataque presidencial à democracia, de modo tardio e oportunista. Bolsonaro, como se sabe, tenta controlar a polícia e a espionagem a fim também de livrar filhos da cadeia.

Na farsa que ainda está sendo escrita, empilham-se indícios de que os Bolsonaro viviam de rachadinhas administradas por Fabrício Queiroz, agregado da milícia.

Esse rinoceronte de evidências esparramou-se no meio da sala, mas a classe dirigente finge que não vê o paquiderme, e dois terços do país parecem ignorá-lo. Tanto faz a cena de Moro ou mais alguém apontar crimes presidenciais.

Luiz Fux* - Mensagem ao cidadão brasileiro

- O Globo

Poder Judiciário deve contas à sociedade

Honra-me servir o nosso país como presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça pelos próximos dois anos, após mais de 40 anos de vida pública, tendo percorrido todos os degraus da carreira da Magistratura.

O sentimento de dever público é redobrado neste momento de soerguimento da vida nacional, em meio a uma pandemia que levou por ora mais de 130 mil vidas humanas, testando a capacidade de resiliência dos brasileiros e de nossas instituições como nunca na história contemporânea, e nos imbuindo de solidariedade para com as vítimas e seus familiares.

O meu sentir, como cidadão e como juiz, é que a nossa Constituição sairá mais fortalecida desta crise. Como o mais importante documento do povo brasileiro, ela permanece a âncora do Estado Democrático de Direito e a bússola que guia as nossas aspirações de presente e de futuro.

À frente do STF, preservaremos a sua função precípua como instituição de jurisdição maior, defendendo a Constituição e conjurando das nossas deliberações temas afeitos aos demais Poderes. Meu norte será a lição mais elementar que aprendi no exercício da Magistratura: a deferência aos poderes Executivo e Legislativo no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e vigilância na tutela dos direitos fundamentais.

George Gurgel* - Chile, 11 de setembro de 1973

O Golpe militar, que culminou com o atentado terrorista ao Palácio de La Moneda, residência oficial do governo chileno, é um dos mais trágicos acontecimentos da vida política latino-americana, no século XX.

O socialista Salvador Allende, eleito democraticamente em 1970, é golpeado pelas forças mais conservadoras da sociedade chilena, apoiadas, como na maioria dos golpes militares acontecidos na América Latina no século XX, pelo governo norte-americano. Refletia as disputas entre EUA e a URSS, em plena Guerra Fria, pela hegemonia política internacional e regional.

O Chile, com a Unidade Popular e a liderança de Salvador Allende, era a possibilidade de construção de uma sociedade socialista, democrática, via eleições , em sintonia com os anseios da maioria da população, respeitando a Constituição e a pluralidade política e social do país.

A vitória eleitoral da Unidade Popular, em 1970, trouxe otimismo e grandes expectativas na América Latina, e em toda parte. O Chile estava cercado de ditaduras, inclusive a brasileira, onde os militares, depois de derrotar a luta armada, voltavam-se contra o Partido Comunista, de maneira seletiva e cruel: prendendo, torturando e matando muitas das lideranças do PCB que ficaram no Brasil, lutando pela democracia.

Eram tempos difíceis, de perseguições, torturas e mortes. As ditaduras militares davam a tônica da vida política, econômica e social do continente.

Salvador Allende e a Unidade Popular, por tudo que representavam, eram a esperança de dias melhores, de um processo político, econômico e social que nos levasse às transformações almejadas pelos chilenos e latino-americanos, por uma sociedade mais justa e fraterna em toda a América Latina.

Das altitudes andinas vinham as boas novas. O sonho podia ser realizado.

A vitória de Salvador Allende colocava uma nova perspectiva política: a relação entre socialismo e democracia, via eleições, era possível.

Os vetos e o processo legislativo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O que os parlamentares decidiram não pode ficar em suspenso, simplesmente porque o esgotamento do prazo não traz agora maiores consequências

No caso das leis ordinárias e complementares, o processo legislativo não se encerra com a aprovação pela Câmara e Senado. “A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará”, dispõe o art. 66 da Constituição. A lei não é, assim, resultado apenas da vontade do Legislativo. O Executivo também participa ativamente de sua produção.

Se o presidente entender que o projeto de lei é, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, pode vetá-lo total ou parcialmente, no prazo de 15 dias úteis, devendo comunicar, em 48 horas, os motivos do veto ao presidente do Senado.

O veto é, portanto, uma forma de controle político e jurídico. Caso o presidente tenha aposto algum veto, o projeto de lei deve retornar ao Congresso, que deliberará em sessão conjunta sobre o óbice presidencial. Para derrubar um veto é preciso a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores.

A deliberação sobre os vetos é etapa tão importante que a Constituição lhe fixou um prazo. “O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de 30 dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores”, diz o texto constitucional, cuja redação atual foi dada pela Emenda Constitucional (EC) 76/2013.

Os desafios do planejamento urbano – Editorial | O Estado de S. Paulo

‘Cidade’ e ‘cidadania’ não podem estar unidas apenas pela sua raiz etimológica

Mais de 50% da população mundial vive em centros urbanos. No Brasil, esse número chega a 85%. No Estado de São Paulo são mais de 95% da população. A cidade de São Paulo, a maior da América Latina, pode ser considerada uma espécie de avatar dos desafios urbanos enfrentados pelas cidades do País. Pensando neles, o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi) congregou uma série de entidades para elaborar um pacote de propostas aos candidatos à Prefeitura. A mera enumeração dos tópicos evidencia a complexidade da questão: reativação da oferta de moradias; requalificação de imóveis; inclusão; economia criativa; saneamento; meio ambiente; mobilidade; e governança.

O ano de 2021 é particularmente importante em vista da previsão de revisão do Plano Diretor. É o momento de corrigir algumas distorções na lei de uso e ocupação a fim de incentivar o adensamento equilibrado do centro expandido. Uma melhor calibragem das restrições de gabarito em Zonas Mistas e de Centralidade; das cotas máximas de terreno em Zonas de Estruturação Urbana; e dos números máximos de vagas de garagem por unidade residencial pode frear a expansão da fronteira habitacional para as periferias, abrindo, ao mesmo tempo, mais espaço para a implantação de áreas verdes.

Rever a estabilidade – Editorial | Folha de S. Paulo

Deve-se restringir benefício ao mínimo, aproveitando onda de aposentadorias

O projeto de reforma administrativa que o governo Jair Bolsonaro finalmente enviou ao Congresso há poucos dias é peça fundamental no sentido de aperfeiçoar o atendimento público aos brasileiros, hoje onerados por uma das maiores cargas tributárias do mundo, e para conter o aumento da segunda principal despesa da União, só menor que os gastos previdenciários.

A proposta alcança Executivo, Legislativo e Judiciário nas esferas federal, estadual e municipal. O Brasil gasta o equivalente a 13,1% do Produto Interno Bruto com pessoal, mais que Chile e México (abaixo de 9%) e acima da média dos países ricos (10,5%), segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Uma das principais críticas dos que esperavam impactos no curto prazo é que grande parte dos efeitos da reforma recairá apenas sobre os servidores que vierem a ser contratados após sua aprovação.

Não mexer com os atuais, encastelados em corporações com influência no Congresso, foi uma promessa de Bolsonaro. Mas procurou-se também evitar disputas futuras e intermináveis, na Justiça, a respeito de direitos adquiridos.

Perigosos e inábeis – Editorial | Folha de S. Paulo

Revelação de que Trump sabia dos riscos do vírus mostra inaptidão de populistas

A ascensão de líderes populistas em democracias mundo afora sempre teve em Donald Trump um ícone. O americano personifica o chamado populismo cultural, usualmente à direita, e serve até hoje de modelo declarado a governantes como o brasileiro Jair Bolsonaro.

Entre tantos traços em comum, os populistas do século 21 bebem nos manuais fascistas e comunistas de outrora: crise boa é crise inventada, por manipulável.

Assim como os inimigos imaginários, sejam imigrantes viciosos nos EUA ou marxistas culturais no Brasil, as emergências também têm de ser engendradas para maximizar os ganhos do mandatário.

Confrontados com uma emergência real na figura da pandemia de 2020, a reação instintiva de parte da turma foi a de buscar ignorá-la.

A revelação feita pelo lendário jornalista Bob Woodward de que Trump sabia desde o começo da crise que o novo coronavírus era mortal e perigoso, e ainda assim preferiu minimizá-lo, prova o dano que esse comportamento gera.

Em vez de combater as queimadas, governo Bolsonaro combate os fatos – Editorial | O Globo

Negar dados sobre aumento dos focos de incêndio na Amazônia não resolverá os graves problemas ambientais

Em agosto do ano passado, depois de o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelar aumento de 88% no desmatamento da Amazônia Legal em junho, a solução encontrada pelo presidente Jair Bolsonaro foi exonerar o presidente do órgão, Ricardo Galvão. Além de questionar os dados, classificados como “estranhos”, Bolsonaro insinuou que Galvão poderia estar a serviço de uma ONG.

Tem sido assim. Os dados não agradam? Detonam-se os dados, não os motivos que levaram a eles. A agonia ambiental da Amazônia, traduzida em queimadas, desmatamentos e extração ilegal de recursos naturais, tem chamuscado a imagem do Brasil no exterior. Prejudica o agronegócio e põe em risco acordos comerciais, como o Mercosul — União Europeia, propenso a fazer água. Mas a visão do governo continua embotada pela fumaça.

Em 11 de agosto, ao participar de uma videoconferência com presidentes de países da América do Sul, Bolsonaro disse que “essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”. Atribuiu as críticas ao fato de o Brasil ser uma “potência no agronegócio”.

Brasil tem urgência na restrição ao foro privilegiado – Editorial | O Globo

Não há espaço para tantos privilégios num país em que todos devem ser iguais perante a lei

Aumenta a pressão para revisão do mecanismo institucional do foro privilegiado. Um grupo de 27 senadores, de 11 partidos, remeteu carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrando votação imediata da proposta de emenda constitucional que restringe o foro especial, limitando-o ao presidente, ao vice-presidente, ao chefe do Judiciário e aos presidentes da Câmara e do Senado. Todos os agentes públicos hoje beneficiados pelo foro passariam a responder a processos criminais na primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Esse projeto (PEC 333) foi aprovado pelo Senado há mais de três anos. Está há 19 meses na Câmara “pronto para apreciação em plenário”. Há 23 pedidos de deputados para urgência na votação.

Ao mesmo tempo, o Ministério Público pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare inválidos os artigos das Constituições de 17 estados que criaram foro especial em tribunais estaduais para inúmeras autoridades. A lista de beneficiários foi ampliada em 63% dos estados nas últimas três décadas, com a inclusão de vereadores, advogados públicos, auditores militares, policiais e reitores de universidades.

Poesia | Jorge de Lima - Banhistas

Este poema de amor não é lamento
nem tristeza distante, nem saudade,
nem queixume traído nem o lento
perpassar da paixão ou pranto que há de

transformar-se em dolorido pensamento,
em tortura querida ou em piedade
ou simplesmente em mito, doce invento,
e exaltada visão da adversidade.

É a memória ondulante da mais pura
e doce face (intérmina e tranqüila)
da eterna bem-amada que eu procuro;

mas tão real, tão presente criatura
que é preciso não vê-la nem possuí-la
mas procurá-la nesse vale obscuro.

- Jorge de Lima, em “Poemas negros”. Rio de Janeiro: Record, 2007, p.168.