segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Protagonizamos uma incompletude: nossa democratização não se estabeleceu de fato, não se concluiu, por mais que tenhamos avançado. A sociedade não a digeriu, não a incorporou ao seu DNA. Jamais nos desgarramos das bases do retrocesso. A “Constituição cidadã”, uma conquista democrática, não chegou a ser propriamente assimilada pelos diversos interesses.

Não é só o governo retrógrado que perturba, nem somente o capitalismo, o desemprego e a desigualdade. Disputas estéreis dividem os democratas. Há muitos problemas em termos de valores, ideias e atitudes. Estamos sem perspectiva. 

Lutar contra essa crise passa por dar murros em pontas de faca. Sangrar sem esmorecer. Resistir, hoje, significa antes de tudo não perder a trincheira do diálogo, da argumentação serena e generosa. Para reunir as forças.

*Professor titular de teoria política da Unesp, “Sangrar sem esmorecer”, O Estado de S. Paulo, 26/9/2020.

Fernando Gabeira - Memórias de um mau brasileiro

- O Globo

O discurso de Bolsonaro é tão mentiroso que talvez nem ele acredite

A tese da conspiração internacional contra o Brasil foi ressuscitada pelo discurso de Bolsonaro na ONU. Ela vem acompanhada de um lamento pela ajuda de maus brasileiros aos que conspiram contra o país.

Modestamente, tenho sido um desses maus brasileiros, ao longo de meio século. Relato algumas memórias, comemorando bodas de ouro.

Na década de 70, a conspiração contra o Brasil consistia em divulgar notícias sobre torturas e assassinatos sob o governo militar. Usávamos lembranças pessoais, relatos dos presídios e até documentos levados ao exterior por abnegados diplomatas.

Com esse material, construímos uma teia na qual a ditadura se enredou, caiu no isolamento e foi estigmatizada. O ponto alto desse trabalho foi o Tribunal Bertrand Russell, em Roma, onde foram denunciadas as agressões aos direitos humanos no Brasil.

Contamos com notáveis conspiradores sul-americanos: o colombiano Gabriel García Márquez e o argentino Julio Cortázar.

As atividades conspiratórias ressurgiram após o assassinato de Chico Mendes. Outros seringueiros morreram antes dele. Chico Mendes era um líder extraordinário, e sua morte coincidiu com uma crescente consciência ecológica mundial e, dentro dela, o reconhecimento do singular papel da Amazônia.

No embalo desse movimento, houve o encontro dos povos indígenas em Altamira. Inúmeros conspiradores internacionais presentes. Entre eles, Sting e Anita Roddick, dona da Body Shop.

O tema: construção da Usina de Belo Monte, mais tarde concluída por um governo de esquerda, sinal de que a conspiração não respeita os parâmetros ideológicos.

Semana passada, em Nova York, em campanha pela Amazônia, Harrison Ford lembrou que o primeiro grande concerto pela Amazônia foi de Sting, há 30 anos.

Ford não mencionou, mas de lá para cá a floresta perdeu 300 mil quilômetros quadrados de vegetação. Novas vozes surgiram espontaneamente: Brad Pitt visitou a Amazônia, Gisele Bündchen pediu pela floresta.

Ana Maria Machado - Suave poder

- Globo

É a cultura que nos mantém brasileiros

Chamam de soft power. Poder suave. Macio. Agindo na maciota. Água mole em pedra dura.

Como agora Caetano, no filme e na entrevista ao Bial. Mais que questionar liberalismo, ele instiga a pensar quem somos, ao resgatar a fé num Brasil criador, oriundo da miscigenação entre negros, índios e brancos pobres nos arraiais. Provoca. Não reduz sua análise ao mito da democracia racial nem ao que chamou de lado americanizado demais, que só vê estupro de senhor branco contra escravizada. Desafia a celebrar nossa mestiçagem cultural. Reafirma o alento que nossos músicos têm trazido nesta pandemia, a confirmar Pixinguinha, Noel, Cartola, Caymmi, Tom e inventar futuros com o vigor da criação, apesar dos que anunciam seu fim.

Não é verdade. Pululam exemplos na Ciência e na arte. Na Fiocruz, no Butantan, no Inpe, na Embrapa, no CNPq. Nos grafites da Zona Portuária. No humor que não se rende. No audiovisual que escancara o que muitos não querem ver. Nas redes que unem têxteis e textos, bordando letras de canções cuja morte foi decretada, mas Mônica Salmaso insiste e canta.

De morte também anunciada, romances seguem a encantar leitores. Busquemos nas livrarias que resistem. Mergulhemos nas fontes de Rosa, Graciliano, Clarice. E na nova ficção que jorra vigorosa, com “A chave de casa”, “O tribunal da quinta-feira”, “Um defeito de cor”, “Marrom e amarelo”, “O crime do Cais do Valongo”. Tantos que nem cabem aqui.

Não pedem o favor de ser lidos: impõem-se com a força do talento. São o Brasil. Apesar da justiça anestesiada, da política corrompida, da mentirada geral e da desfaçatez que campeia. E do crime organizado, cevado na impunidade disso tudo. No país que admite o inadmissível, na cidade que se arrisca a reeleger o inelegível.

É a cultura que nos mantém brasileiros. Teima em exigir uma atitude mais fraterna, uma defesa ambiental implacável diante da emergência climática, uma atenção firme na garantia da democracia. E a fé inabalável em nossos artistas e cientistas.

Cacá Diegues - Vamos cantar até o fim

- O Globo

Outros horizontes surgem diante de nós, com conceitos menos culpados de liberdade

A visão e revisão, na televisão, do espetáculo dirigido por Bárbara Paz, com Lirinha, músico e poeta pernambucano, me levou, por oposição, a algumas ideias sobre a cultura popular cultivada no Brasil, em meados do século passado. Não vou voltar ao rico espetáculo, sobre o qual escrevi na semana passada. Mas ele representou, para mim, alguma coisa que, partindo daquela tradição de mais de 60 anos, nos envia a novos horizontes de uma cultura nacional.

Para os que não sabem ou não se lembram, a cultura popular da segunda metade do século XX se tornou um estilo de criação, como tinha sido o Modernismo, anos antes. Mais que isso, ela foi tratada, por nossos mais finos intelectuais, como instrumento de conhecimento e transformação do país, nos revelando o que não sabíamos sobre nosso povo e servindo de rumo para o que seríamos com o fim à vista do subdesenvolvimento social e econômico. Inventores da poesia neoconcreta se tornavam cordelistas, músicos de vanguarda compunham hinos de mobilização política, gênios do teatro de costumes se dedicavam a esquetes de shows sindicais.

A cultura popular foi, no Brasil daquela geração, o que seria a contracultura nos países do Primeiro Mundo, uma revolução cultural sincronizada ao que acontecia em nossa política partidária e ideológica. Uma troca de Marcuse por Gramsci. O que chamávamos de cultura popular adquiriu tal força de expressão entre nós que se tornou a representação mais generosa do que era e do que pretendia ser o país. Ela não só representava com pertinência o que se passava, como ainda se tornava fundadora de novos costumes capazes de nos organizar como nação.

É claro que, do bolero ao forró, da bossa nova ao tropicalismo, a canção popular exerceu um papel de destaque e, às vezes, de liderança no desenrolar dessa história. Mas a chama da cultura popular pegou fogo nos mais variados formatos e plataformas, das artes plásticas ao cinema, da arquitetura ao teatro, da ficção à poesia. Passando sobretudo pela recuperação de tradições esquecidas, do folhetim e do rádio, das caravanas circenses e do teatro de revista, das quais nós não nos lembrávamos que amávamos tanto e que foram reordenadas pela então recente televisão. Mesmo que houvesse eventuais conflitos entre essas manifestações, cada uma delas se julgava o cerne fértil da sociedade brasileira daquele momento, a origem de uma nova nação.

Sidney Rezende - Os impasses políticos do Cidadania

- O Dia

O partido Cidadania é forte no interior do Rio de Janeiro. Na capital, a legenda optou por apoiar Eduardo Paes, do DEM, à prefeitura. Tudo parecia estar indo bem quando tornou-se pública a nomeação de Comte Bittencourt como novo secretário de Educação do Governo do Estado. Lembre-se que Comte foi vice de Paes na chapa derrotada, em 2018, por Wilson Witzel e Cláudio Castro. O aceite do professor provocou um verdadeiro barata voa dentro do seu próprio partido. Os correligionários não gostaram. E falaram que a própria família de Comte teria sido contra a nomeação dele num cargo considerado de alto risco neste momento.

Esta semana que começa seria de festa com a adesão à legenda do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha, que já se desligou do PSDB. Mas, na verdade, ocorreram mudanças nos planos e o parlamentar optou por só bater o martelo depois das eleições de novembro. "Cumpri rigorosamente o processo de fidelização partidiária. Penso ser bem mais razoável esperar o término das eleições deste ano. Todos sabem que sou um deputado de oposição. Por isso, junto com a deputada Lucinha, eu pedi o impeachment do governador Witzel". Sobre a ida de Comte para o governo, elegante, Luiz Paulo preferiu não comentar. 

Embora ele, já há muito tempo, considera mais prudente quem se elege para o legislativo não aceitar cargos no executivo para manter a isenção da função de fiscalização dos poderes. "Quando se sai do governo, a fiscalização torna-se branda. E, se for demitido, a fiscalização passa a ser raivosa", costuma dizer.

Ricardo Noblat - Dada a largada para a primeira eleição do voto quase facultativo

- Blog do Noblat | Veja

-Nunca se viu nada de parecido

O voto no Brasil é obrigatório há 74 anos. O Código Eleitoral prevê multa de 3% a 10% sobre o salário mínimo da região para os que deixarem de votar e não se justificarem.

Sem a justificativa e o pagamento da multa, o eleitor não poderá obter passaporte ou carteira de identidade e renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo.

Mas como a punição pela abstenção é irrisória, o voto obrigatório é uma ficção. O prazo para justificar a abstenção é de 60 dias. E basta pagar uma multa de R$ 3,50 para que o eleitor fique quite.

Este ano, graças à crise sanitária, não votar e não ser multado ficou ainda mais fácil. Em cartório, o eleitor poderá depois justificar sua ausência dizendo que passou mal no dia da votação.

“Em algum lugar no futuro, idealmente, o voto deverá ser facultativo”, disse a este blog o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Marcus André Melo* - Na eleição norte-americana, o ganhador leva tudo

- Folha de S. Paulo

EUA: polarização nacional, eleições locais

campanha presidencial nos EUA virou um jogo de apostas altíssimas agora que Trump poderá ter maioria estável na Suprema Corte, em um pleito que provavelmente será judicializado. Mas, se o pleito é nacional, de importância inédita, a disputa é fragmentada, estadualizada.

Isso se deve à importância no colégio eleitoral dos "swing states" —estados com muitos delegados e onde há equilíbrio de forças. Espécie de relíquia institucional, tem sobrevivido a 700 emendas constitucionais apresentadas para sua eliminação, que tiveram apoio massivo, como discuti neste espaço.

Países que copiaram os EUA nas suas constituições eliminaram o colégio já no século 19, e outros no século 20, como a Argentina (1995) e o Chile (1920).

A instituição é exemplo de regra majoritária ("winner takes all") aplicada a eleições presidenciais, mas o raciocínio vale para as legislativas.

As chances de vitória no colégio e derrota no voto popular têm origem dupla: a) o ganhador no estado escolhe todos os delegados da jurisdição: uma vitória por uma margem de 1% produz um ganho de 100%; b) o número de delegados em cada estado é a soma do número de deputados federais e senadores, o que favorece os de menor população.

Celso Rocha de Barros* - A história de Mandetta

- Folha de S. Paulo

Em "Um Paciente Chamado Brasil", ex-ministro da Saúde conta história que se encerra com sua saída do governo

O ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta acaba de publicar um relato de sua passagem pelo ministério durante a pandemia de 2020.

Em “Um Paciente Chamado Brasil”, conta a história que começa na reunião de Davos de janeiro deste ano, em que a pandemia começou a entrar na agenda internacional, e termina com sua demissão, voltando para casa ouvindo Jimmy Hendrix no carro.

Mandetta é cotado para ser candidato a presidente ou vice-presidente (talvez em chapa com Sergio Moro) em 2022. Por isso, algum cuidado com a versão que conta sempre é aconselhável.

Mas também é verdade que sua versão bate muito melhor com o que dizem fontes independentes, a ciência e os números da pandemia do que, por exemplo, a versão de Jair Bolsonaro, que também será candidato em 2022 e já fez coisa muito pior para garantir sua reeleição do que escrever um livro.

A trama central de “Um Paciente Chamado Brasil” já é conhecida, mas é muito importante que tenha sido registrada e assinada por um participante-chave da história: Jair Bolsonaro ignorou completamente a pandemia, não demonstrou qualquer interesse em salvar vidas e só se preocupou com o efeito da quarentena sobre suas chances de ser reeleito.

Catarina Rochamonte* - Reeleição e rebaixamento da República

- Folha de S. Paulo

Alcolumbre move-se às claras pela reeleição

Os três Poderes se acumpliciam, mais uma vez, rebaixando o princípio constitucional de independência e harmonia ao nível da dependência e mútua proteção. Nessa República do compadrio, antes do interesse público vêm os interesses particulares dos mandatários, e as práticas do tipo "uma mão lava outra" dos ilustres políticos sequer são camufladas. O senador Davi Alcolumbre, por exemplo, move-se às claras e com desembaraço para garantir sua pretensão de continuar no cargo de presidente do Senado por meio de uma reeleição flagrantemente inconstitucional.

Já avança no Senado, elaborada às pressas pela senadora Rose de Freitas, uma PEC para a reeleição de Alcolumbre. O presidente do Senado, todavia, tendo muitos favores prestados a seus aliados nos outros Poderes, não quis confiar apenas na PEC da Rose, tratando logo de manobrar para que o STF o autorize a atropelar a Constituição. Atropelo esse que, aliás, já conta com o aval da PGR e da AGU, sob a alegação de que se trata de questão regimental, e não constitucional.

Bruno Carazza* - Vai dar liga?

- Valor Econômico

 Surpreendentemente o número de candidatos a prefeito este ano caiu em relação a 2016

Na tabela periódica, de um total de 118 elementos, 94 são metais. Graças à sua estrutura atômica, marcada por uma fraca atração dos elétrons mais externos da camada de valência, os metais apresentam uma tendência de se associarem por meio de ligações iônicas com outros átomos, inclusive não-metais. Essa propriedade também colabora para a sua alta condutividade elétrica e do calor.

Ao longo do tempo, a siderurgia e a indústria em geral foram percebendo que poderiam ampliar enormemente seu potencial caso explorassem essa característica química dos metais. Dependendo do uso, poderia ser melhor associar um metal a outro, formando uma liga que teria dureza, ponto de fusão, maleabilidade e resistência completamente diferentes. Ao se alterar o percentual de carbono adicionado ao ferro, podemos obter um aço que terá uma aplicação completamente diferente caso o demandante seja a indústria automobilística, naval ou aeroespacial – tudo vai depender da composição da liga metálica.

Denis Lerrer Rosenfield* - Imbróglio ambiental

- O Estado de S.Paulo

Se o Brasil está virando um pária internacional, isso se deve à política conduzida pelo governo

A questão ambiental tornou-se uma espécie de faroeste, com mocinhos e bandidos se enfrentando. Os “mocinhos” de ocasião são os ambientalistas, por mais que suas diferenças internas sejam grandes, alguns com históricos esquerdistas, alinhados agora com banqueiros. Os “bandidos” são a agricultura, a pecuária e o agronegócio em geral, como se eles fossem os responsáveis pelo desmatamento, quando são alheios em suas atividades ao que lá acontece, embora haja irresponsáveis nesse campo. A realidade é muito mais multifacetada.

Convém lembrar que o Brasil é um dos países mais preservacionistas do planeta, com cobertura de mata nativa em torno de 64% de seu território. São dados tanto da Embrapa quanto da Nasa, algo que não deveria ser contaminado por discussões ideológicas, expondo um grau de conservação ambiental ímpar em termos mundiais. No caso da Amazônia, os proprietários rurais são obrigados, por conta própria, a preservar 80% de sua área, graças ao instituto da reserva legal, exemplo único no mundo. Qual dos países europeus, que tanto criticam o Brasil, pode ostentar tal grau de preservação? Por que não importam o instituto da reserva legal?

Além do mais, o desmatamento anterior, se é que podemos utilizar esse nome, se deve à abertura de áreas para a agricultura e a pecuária, ou seja, para a produção de alimentos. Ou a humanidade não deverá doravante se alimentar? O Brasil, graças ao investimento em ciência e tecnologia e ao empreendedorismo dos produtores rurais, tornou-se um campeão da produção mundial de alimentos. A área cultivada do País cresce muito menos do que a sua produtividade, o que faz que o mundo hoje dependa da produção nacional de alimentos. E frise-se, isso nada tem que ver com a Amazônia, a produção concentra-se no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. O que se exporta não é cultivado na Amazônia, salvo exceções, em áreas regularizadas. 

Renda de trabalhadores tem queda de até 25% com pandemia

Impacto da pandemia tira até um quarto do rendimento dos trabalhadores no País

Dados do IBGE mostram que prejuízo foi maior para os empregados que não chegaram a completar o ensino médio; na média para todas as escolaridades, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 17% até junho, antes da flexibilização da quarentena

Douglas Gavras | O Estado de S.Paulo

 Mesmo os brasileiros que conseguiram manter seu trabalho durante a pandemia têm sentido no bolso o impacto causado pelo novo coronavírus na economia. E a queda no rendimento dos trabalhadores ocupados foi maior para aqueles que têm menor escolaridade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), organizados pela consultoria IDados.

No primeiro semestre, os trabalhadores que não chegaram a completar o ensino médio tiveram quedas de até 25% em relação ao que costumavam ganhar no mês. Para calcular essa perda, o IBGE perguntou quanto o trabalhador recebia habitualmente naquele mês e quanto, de fato, entrou no seu bolso.

“É o lado sombrio de toda crise econômica: quem estudou menos é mais vulnerável no mercado de trabalho, o primeiro que teve o contrato suspenso e redução de jornada. E é ainda mais grave, ao se levar em conta que são essas pessoas que mais dependem do trabalho para sobreviver”, avalia o economista Matheus Souza, da IDados.

Até maio, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 18% na média de todas as escolaridades. Em junho e julho, com a retomada gradual da economia, a queda foi aliviada, primeiro para 17% e, em seguida, para 13%. 

Apesar de ter metodologia diferente, a Pnad Contínua (que é a pesquisa de referência) mostra que nesses meses nunca houve uma queda assim. “Desde o início da pesquisa, em 2012, a maior queda nesses meses foi de 3%, em 2015”, diz Souza. 

Alex Ribeiro - BC teme que risco fiscal segure consumo

- Valor Econômico

Receio é que uma parcela da população siga poupando por temor de vir a ser chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública

O Banco Central começa a mapear um novo risco à retomada da economia: a política fiscal. O receio é que uma parcela da população siga poupando, abrindo mão de consumir, porque será chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública.

A preocupação é o que os economistas chamam de “equivalência ricardiana”. Essa é uma teoria do economista David Ricardo, desenvolvida mais tarde por um outro economista, Robert Barro, que afirma que tentativas do governo de expandir a economia por meio de déficits públicos são ineficazes. Os contribuintes sabem que, mais tarde, a despesa terá que ser coberta com o aumento de impostos. Preventivamente, eles poupam mais.

A tese foi levantada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo diretor de política econômica da instituição, Fabio Kanczuk, na entrevista do relatório de inflação, na semana passada. “É a poupança de alguém que está vendo uma situação fiscal mais grave e está entendendo que vai ter que pagar uma parte do custo mais para frente”, disse Campos Neto.

Para o Banco Central, esse comportamento “ricardiano” dos indivíduos é, por ora, uma hipótese, a ser comprovada ou não. O diagnóstico é que o auxílio emergencial e outras liberações de dinheiro pelo governo, que o BC sempre entendeu como necessárias, recompuseram a renda da população perdida durante a pandemia. Mas o consumo não se sustentou da mesma forma e caiu abaixo do que era antes. Essa diferença entre renda e consumo representa um aumento da poupança.

O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais

Promoção por baciada – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ainda que tenha sido suspensa, a promoção em massa de 607 procuradores federais num único dia revelou um sistema disfuncional, a merecer pronta reforma

Diante da repercussão negativa, a Advocacia-Geral da União (AGU) suspendeu a promoção em massa de mais de 600 procuradores federais do órgão à categoria especial. A decisão do procurador-geral federal, Leonardo Lima Fernandes, impediu que se concretizasse uma gritante anomalia funcional, que faria com que, dos 3.783 procuradores federais, 3.489 (92%) estivessem no topo da carreira. Mas, ainda que tenha sido suspensa, a promoção em massa de 607 procuradores federais num único dia revelou um sistema disfuncional, a merecer pronta reforma.

Decretada no dia 18 de setembro, a promoção em massa padecia de três grandes problemas. Em primeiro lugar, o progresso na carreira deve se dar de forma individual, caso a caso, como consequência de uma avaliação sobre o desempenho de cada servidor. Diante de uma medida tão ampla – segundo a AGU, 304 dos 607 procuradores foram promovidos por merecimento –, resta patente que a avaliação individual não teve especial peso na decisão sobre a promoção de cada servidor.

O segundo problema relaciona-se às regras de promoção por antiguidade. De acordo com a portaria da AGU, 307 dos 607 procuradores federais foram promovidos pelo critério do tempo de serviço, e quase todos eles foram alçados ao topo da carreira. Há aqui evidente desproporção, causada em boa medida por mudanças feitas nas regras internas entre 2012 e 2014. Segundo a norma vigente, a cada cinco anos que um procurador federal está no cargo, abre-se uma vaga para a sua promoção à categoria acima. A vaga é aberta em função da pessoa, e não das necessidades do órgão. Por essas regras, apenas 8% dos integrantes da Procuradoria-Geral Federal estão na base da categoria, com remuneração de R$ 21 mil. A categoria especial recebe R$ 6,1 mil a mais.

Poesia | Mario Quintana - O auto-retrato

No retrato que me faço

- traço a traço -

às vezes me pinto nuvem,

às vezes me pinto árvore...


às vezes me pinto coisas

de que nem há mais lembrança...

ou coisas que não existem

mas que um dia existirão...


e, desta lida, em que busco

- pouco a pouco -

minha eterna semelhança,


no final, que restará?

Um desenho de criança...

Corrigido por um louco